1 de janeiro de 2015

Dois, três, muitos Vietnam

Em 1955, há precisamente 60 anos, no auge da Guerra Fria, começava o conflito do Vietnam. Portugal entrava nesse mesmo ano para a ONU, onde, de imediato, mergulhou no crescente calvário da defesa da sua política colonial. A guerra do Vietnam terminaria 20 anos depois, em 1975, com o Viet Cong a entrar em Saigão e a ridicularizar a América. Nesse mesmo ano, já com a Revolução de abril a todo o vapor, todas as colónias portuguesas se tornavam independentes.Voltemos a 1955.

A esquerda portuguesa, incluindo o PCP, estava então longe de ter um discurso anti-colonialista. Ele só surgiria depois da maturação das consequências da Conferência de Bandung e da formação da Tricontinental. Recorde-se que Norton de Matos e Cunha Leal, próceres da oposição a Salazar, foram orgulhosos “colonialistas”.

O início da experiência cubana, o aproveitamento hábil por Moscovo do movimento dos “não-alinhados” e a revolta angolana em 1961 conduziram à evolução do discurso da oposição à ditadura quanto às colónias. Entre nós, a simpatia pela luta do povo vietnamita viria a crescer em simultâneo com o espalhar da consciência anti-colonial. Marcou algumas universidades e meios intelectuais, tendo o anti-americanismo como forte sub-ideologia federadora. Os ventos do maio francês de 1968 fizeram o resto.

Pouco antes, Guevara defendera que eclodissem pelo mundo “dois, três, muitos Vietnam”. A História tirou-lhe entretanto a vida e viria mais tarde a trocar-lhe as voltas. O então Terceiro Mundo não se tornou comunista e até o “farol” soviético deixou de brilhar. A estupidez americana e a teimosia de Fidel suspenderam Cuba no tempo. O Vietnam vive unificado pelo capitalismo mais desenfreado. E as nossas antigas colónias são o que são.

(Publicado em 1.1.15 no "Observador")