tag:blogger.com,1999:blog-42393552293477689292024-03-14T04:27:44.060+01:00...ou quatro coisasArtigos, intervenções e outros textos públicos de Francisco Seixas da CostaUnknownnoreply@blogger.comBlogger196125tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-72681460556655367652024-02-22T02:34:00.005+01:002024-02-22T02:35:41.415+01:00Segurança<div style="text-align: center;"><b>Apresentação do livro de Nelson Lourenço, "Sociedade Global e Segurança - Modernidade, Complexidade e Incerteza", no dia 21 de fevereiro de 2024</b></div><br /><div style="text-align: justify;">Quero começar por agradecer ao Nelson Lourenço a amabilidade que teve em convidar-me para colaborar na apresentação do seu novo livro.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Eu e o Nelson somos amigos, como também o sou da Ema, desde há mais de 55 anos, das salas e dos belos jardins do ISCSPU - então com um "U" no fim. O país, em 1974, também acabaria por perder o seu "U"... E nós perdemos, para sempre, aquelas bibliotecas, as aulas de Ronga, de Quimbundo, de Tetum, mas também a serenidade da Sala Verde para a conversa, o sossego das mesas de leitura do Centro de Estudos Missionários, os "xes" beirões do padre Silva Rego, a dona Irene da secretaria, o Zé Augusto da portaria e, <i>last but not least</i>, o professor Adriano Moreira. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E, já que falamos de segurança, também perdemos - eu guardo sempre isso no avesso da minha memória afetiva - também perdemos o capitão Maltez, a entrar um dia por ali dentro, à frente da polícia de choque e saquear a Associação de Estudantes. Perdemos já tanta coisa, boa e má.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Com o tempo e as andanças de ambos, eu e o Nelson também nos fomos perdendo de vista um do outro. Sabíamos onde cada um andava - ele numa brilhante carreira académica, eu pela itinerância diplomática - mas víamo-nos pouco. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um dia, o Nelson desafiou-me para integrar uma aventura chamada GRES - Grupo de Reflexão Estratégica sobre Segurança. Ele era, e continua até hoje a ser, a alma do GRES, onde temos como figura tutelar o Dr. António Figueiredo Lopes e onde o José Conde Rodrigues participa ativamente com o seu conhecimento académico e político. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O GRES fez entretanto coisas muito estimáveis, para quem não saiba. E vai fazer mais, em breve, para quem estiver interessado. A minha colaboração no Grupo, devo confessar, foi sempre modesta, como modestas são as minhas competências em alguns dos domínios em que o GRES declina a sua ação, em particular em muito do que excede as dimensões de segurança internacional, domínio onde a vida profissional me rotinou a refletir.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Serve isto para alertar que foi de uma imensa irresponsabilidade ter acedido a participar na apresentação desde livro, correspondendo à também imensa generosidade que foi convite do Nelson. Mas, porque a audácia ainda não paga imposto, vamos então a isso. Serei breve e, para sê-lo, decidi escrever o que estou a dizer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Cheguei ao fim deste livro com um sentimento duplo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desde logo com a ideia de que há realidades que atravessam o nosso quotidiano sem que nós, no afã desse mesmo dia a dia, cuidemos em sistematizá-las. E que é necessário surgir alguém, munido de ferramentas académicas, para pôr todas essas perceções em ordem. Através do trabalho que resultou neste livro passamos a entender melhor certas coisas que, por fazerem parte do nosso cenário comum de vida, não tínhamos isolado e organizado. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Lembro-me bem de que, quando comecei a estudar sociologia, nos alertavam para a dificuldade que essa ciência começou por ter, para se afirmar, pelo facto de tratar de coisas comuns, que faziam parte quase inconsciente da nossa rotina, mas que, até ali, não tinham encontrado a dignidade de um tratamento científico. Ao ler este estudo lembrei-me bastante disso. As questões de segurança, para o cidadão comum, estão muito nesse plano.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O segundo sentimento é de alguma preocupação. Embora o Nelson, no seu esforço para não perder o otimismo, caia sempre, no texto, no "dever ser", na possibilidade de se organizarem soluções para os problemas encontrados, como contraponto às disfunções que vai alinhando, na radiografia crítica que faz da evolução das várias dimensões da segurança, devo confessar que, em regra, cheguei ao fim dos vários capítulos, das "lições" em que o livro se divide, com o sentimento de uma acrescida inquietação. É que algumas das derivas detetadas no estudo, para quem for minimamente realista, não auguram nada de bom.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um leitor comum decantará deste livro uma banalidade que, nem por o ser, deixa de ser uma constatação, uma grande verdade: a segurança, nos dias de hoje, já não é o que era. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao percorrer o texto, o leitor será levado a concluir o óbvio: que, nas sociedades contemporâneas, aquelas que eram algumas das baias que, no passado, sustentavam os mecanismos da segurança coletiva têm vindo a ser corroídas e é cada vez mais problemática, eu diria mesmo improvável, a possibilidade de se vir a restaurar o contrato social que garanta a sua eficácia, aceitação e, mais do que isso, a perceção da sua legitimidade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Deste livro ressalta a ideia de que a diluição de algumas fronteiras, físicas e outras, que, no passado, isolavam e protegiam de contágio algumas realidades sociais, no seu nível nacional ou outro, ao desaparecerem ou atenuarem-se, geraram dinâmicas que obrigam ao desenho de novos modelos de governança nos domínios da segurança. E que, nesse domínio, estamos a viver um tempo de transição que parece muito longe de resolvido.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Gostava, naquilo que é a minha experiência, na área da segurança internacional, de partilhar agora algo de pessoal. E que vai no mesmo sentido daquilo para que este livro aponta.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na última década, tenho sido chamado, no âmbito de várias empresas e instituições com ação internacional, a preparar pareceres sobre os riscos seus investimentos externos. Nessa atividade, confronto-me com uma crescente dificuldade, ao procurar identificar a importância relativa das várias variáveis de segurança, a que os responsáveis dessas mesmas empresas devem atentar nas suas opções. Não sou pago para espalhar alarmismos fáceis, mas também não me posso eximir a ser claro nas áreas onde me parece que existem riscos reais. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As variáveis que costumo utilizar têm uma dupla natureza. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por um lado, as questões internacionais que provocam desequilíbrios na segurança política e institucional desses mercados e, por outro, as dinâmicas políticas internas dos vários países, onde às vezes tenho de travar derivas imaginativas que quase relevariam da futurologia. Se lhes disser que os mercados de África e da América Latina fazem parte essencial dessas minhas preocupações profissionais, perceberão melhor a minha inquietação. Noto, aliás, que o Nelson, no seu livro, refere precisamente essas duas geografias, como estando no centro de problemas muito específicos em matéria de segurança que ele desenvolve.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas se eu acrescentar que a outro tipo de investimentos pode também não ser indiferente o facto de Trump estar ou não na Casa Branca, acho que isso também ajuda a perceber aquilo que hoje interroga alguns operadores económicos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Falei da América Latina, da África, dos Estados Unidos. E na Europa? 70 anos sem guerra tinham adormecido a nossa precaução coletiva. E, agora, com a Rússia no estado em que está, como é que vai ser? E o futuro será com a NATO ou vai ter de ser vivido sem as suas teóricas garantias de segurança? E os surtos de terrorismo? E as tensões migratórias, religiosas, identitárias? E os populismos? E a China? E as suas relações cada vez mais tensas com os EUA? E a Europa, vai de arrasto da sinofobia de Washington?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Está tudo mais indefinido. Pensar a prazo é um imenso salto no escuro. Julgo que todos temos um pouco a sensação de que, no passado, tudo era mais facilmente enquadrável, que havia mais constantes em que nos podíamos apoiar, que as linhas tendenciais de evolução de riscos eram mais rapidamente definíveis. Acho que todos temos a tentação de pensar assim apenas porque o passado já lá vai. Mas se metermos uma mão na nossa memória dificilmente encontraremos um tempo em que, nesse tal "bom" passado, alguma vez se viveu o sentimento de não estar em crise.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas é verdade: sentimo-nos, nos dias de hoje, um tanto perdidos e menos capazes de entender as dinâmicas de um mundo onde à debilidade do poder enquadrador dos Estados se soma a perda de alguns padrões comuns, de aceitação mais ou menos implícita, que nos davam algum conforto. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É uma evidência que a Guerra Fria constituía um terreno de serena previsibilidade. Os riscos eram imensos, existenciais, mas pareciam empatados. As tensões ideológicas desenhavam um mundo a preto e branco, onde era fácil saber onde cada um estava. As fronteiras protegiam as visões nacionais, as "nuances" eram muito relativas. O que saía fora dos carris parecia identificável e controlável. Com o ilusório fim dessa mesma Guerra Fria, até a paz eterna pareceu possível. Por um momento, os riscos pareceram atenuados, contidos, comportados num quadro em que o diálogo alargado aparecia como panaceia. O fim das fronteiras, físicas e virtuais, iriam, na visão mirífica desses novos "amanhãs que cantam", criar um éden de entendimento, nessa nova Sociedade Global que o livro do Nelson analisa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Só que, depois, foi o que se viu. O livro do Nelson Lourenço tem a imensa virtude de nos explicar, às vezes não o dizendo explicitamente, que esse novo mundo maravilhoso foi, afinal, um "trompe l'oeil". E ao mostrar-nos, com a serenidade "rassurante" do "argot" académico, como as coisas, em lugar de se simplificarem, se tornaram afinal muito mais complexas. Ou "desafiantes", como está na moda dizer, quando se pretende disfarçar os riscos perante os acionistas e melhorar os bónus dos KPI. Mas, essencialmente, a meu ver, as sociedades podem estar a perder o fio à meada, o controlo de algumas dinâmicas, algumas já puxadas e conduzidas por pulsões extremistas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Permitam-me agora que termine com a ligação de um dos capítulos interessantes do livro à nossa atualidade nacional próxima. É, aviso, uma questão polémica. Falo da polícia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nesse capítulo, o Nelson desenvolve o tema da relação dos cidadãos com a polícia. E fala da importância de afirmação da autoridade democrática, bem como da confiança que a instituição policial deve inspirar na sociedade. E explica também que, dentro dessa mesma sociedade, a leitura sobre a bondade da atitude e comportamento das polícias está hoje longe de ser uniforme. Por exemplo, numa sociedade multi-étnica, multicultural e com áreas de forte exclusão, há setores que perdem a confiança na polícia, porque entendem que esta os descrimina e os tem por alvos preferenciais na ação repressiva. É a sociedade que se divide perante a polícia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao olhar o que passa entre nós com o comportamento recente dos elementos das forças policiais, pergunto-me qual irá ser o efeito na perceção de segurança dos nossos cidadãos que as atitudes de muitos elementos das forças policiais podem vir a provocar. Quando os polícias incumprem as leis das manifestações públicas, quando apresentam baixas médicas que parece serem falsas, quando ameaçam com o boicote das eleições, dando frequentemente de si próprios a imagem turbulenta, como a que agora estão a projetar, em que medida isto é ou não uma questão que afeta a segurança coletiva? Quando os sites e grupos de Whatsapp ligados a associações policiais refletem a sua adesão a ideologias extremistas, quando se acumulam sinais de praticas discriminatórias da polícia sobre setores étnicos, qual a confiança que essa mesma polícia pode despertar nos cidadãos? </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Faço parte de uma geração que, com orgulho, assistiu à transição e à mudança de qualidade das polícias, de órgãos repressivos ao serviço da ditadura até se tornarem forças prestigiadas de proteção da vida cívica democrática. Esperemos que não se esteja agora a estragar todo esse percurso positivo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por tudo isso, meu caro Nelson, embora sabendo que não vais seguir o meu conselho, eu deixar-te-ia, provocatoriamente, a sugestão de que, num próximo livro, possas vir a tratar o tema "Quando a polícia ameaça a nossa segurança".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Muito obrigado pela vossa atenção.</div> Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-17263753900758240622024-02-15T22:44:00.005+01:002024-02-22T02:37:45.409+01:00"Portugal e o Futuro"<div style="text-align: center;"><span style="text-align: left;"><b>Apresentação do livro "O general que começou o 25 de Abril dois meses antes dos capitães", de João Céu e Silva, no dia 15 de fevereiro de 2024</b></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Começo por agradecer ao João Céu e Silva o convite que me fez para intervir na apresentação deste seu novo livro. Uma palavra de gratidão é também devida a Susana Santos, nossa anfitriã, e a Rui Couceiro, editor do livro.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Decidi colocar por escrito parte do que vou dizer, para ser mais sintético e poupar o vosso tempo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Devo confessar que achei estranho quando recebi o contacto do João Céu e Silva. Não nos conhecíamos, não sou historiador, nem conheci pessoalmente António de Spínola. A verdade é que eu era oficial miliciano ao tempo do 25 de Abril e que andei envolvido em algumas "guerras" desse tempo. Mas fui um ator secundário, às vezes um mero figurante, mas sempre, assumo, um curioso "voyeur" de tudo aquilo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Como toda a gente, tinha e tenho uma opinião sobre o que então se passou. Uma opinião que se alterou bastante, não necessariamente com o tempo, mas com os novos factos e revelações de que entretanto fui tendo conhecimento. E ainda hoje - por exemplo, com este livro - confesso que continuo a aprender.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Alguma dessa minha leitura dos acontecimentos deixei-a em textos que fui publicando, ao longo dos anos, no meu blogue. Ao que constatei, o João Céu e Silva leu-me e fez o favor de considerar digna do seu interesse essa minha perspetiva. Fico-lhe grato por isso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De todo o modo, faço esta intervenção com a consciência de que estou a entrar em terrenos que não são os meus. Nesta sala estão pessoas que trabalharam diretamente com Spínola na Guiné - identifico João Diogo Nunes Barata, José Blanco, Carlos Matos Gomes e José Manuel Barroso - mas igualmente um historiador, como José Pedro Castanheira. Assumo, por isso, a minha talvez irresponsável ousadia em tratar este assunto. Mas vamos então a ela.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Começo por dizer onde estava, onde estávamos muitos de nós, há 50 anos. Para um civil fardado, que era o que eu era por esse tempo de 1973/1974, aquela tropa não era a minha guerra: era uma coisa deles, do regime, da ditadura, que nos era imposta. Mesmo em gente mais moderada ou complacente com o regime, não se via, à época, o menor entusiasmo em torno na guerra colonial. A guerra pode ter sido popular nos seus alvores, logo em 1961, mas já o não era mais. Por essa altura, a aventura colonial só era exaltante para alguns meios nacionalistas radicais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No máximo, as pessoas assumiam a guerra como uma inevitabilidade, a que tinham de adaptar a sua vida. Mas vamos ser claros: a guerra colonial já não motivava praticamente ninguém. Eu diria mesmo que o patriotismo não passava por ali. Havia uma imensa indiferença face ao discurso gongórico do regime. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Embora na perspetiva dos militares profissionais as coisas pudessem ter outra perspetiva, havia um outro pormenor: para nós, civis, a guerra colonial não tinha feito salientar grandes vedetas militares. O nome então mais conhecido, aliás, entre os generais, era mesmo Kaúlza de Arriaga, não Spínola. Tinha fama de "ultra" e tinha no seu currículo o facto de ter sido um dos operacionais que tinham desativado o golpe de Botelho Moniz, em abril de 1961. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Spínola era um nome de que também se falava, mas não tinha minimamente a imagem de ser um democrata. Pelo contrário. Persistia mesmo a ideia de que tinha ido como observador na Divisão Azul, na companhia de fascistas ibéricos que tinham estado ao lado da Wermacht, à espera da queda militar a União Soviética. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para muita gente da minha geração política, e em termos muito simples, Spínola era um "fascista" como os outros. O seu perfil físico e coreográfico, aliás, confortava esse preconceito. Spínola parecia uma caricatura de si mesmo: o pingalim, as botas, o monóculo. Mas é verdade que, ao contrário de Kaulza, que projetava uma imagem de combatente encarniçado pelo regime, da Guiné chegavam alguns sinais da relativa heterodoxia de Spínola.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ele fora mandado para lá ainda por Salazar e fora mantido por Caetano. Ao que constava, vinha a assumir algumas tomadas de posição um pouco ao lado do discurso oficial. Com a emergência do caetanismo, havia rumores de que Spínola chegou a estar próximo da linha da ala liberal, enquanto ela durou. E isso era interessante para quem, como era o meu caso, via com agrado o surgimento de fraturas na muralha política do regime.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Contudo, o discurso de Spínola parecia manter uma ambiguidade que dava para tudo. E, repito, ele não era visto como um democrata. Longe disso, tinha mesmo um perfil de recorte autoritário. Isto para dizer que, para quem andava então pelo Portugal europeu fardado à força, opositor ao regime embora sem atividade muito evidente, como era o meu caso, Spínola não tinha uma réstia de credibilidade acrescida face ao resto da hierarquia militar. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sabia-se que, na Guiné, ele tinha desenvolvido uma boa ação social, de captação das populações e das chefias tradicionais, mas via-se isso como algo de puramente tático, como a sua forma pessoal de levar a água ao moinho da aventura colonial, cujo estertor nos parecia cada vez mais evidente. Eu era então oficial de Ação Psicológica da minha unidade e, perante o que nos chegava da Guiné, aquilo parecia um "déjà vu". </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sabia-se, no entanto, que o pessoal militar que tinha estado na Guiné criara, em muitos casos, uma forte admiração pelo homem, até pela coragem física que o general revelava. Mas, repito, daí a vê-lo como um democrata, suscetível de encarnar uma alternativa decente ao regime, ia uma imensa distância.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando Spínola regressou à Europa, o facto de ter sido para ele criado o cargo de vice-CEMGFA tinha sido um óbvio sinal revelador da sua força. O regime faz-lhe algum "rapapé", o que provava que a figura de Spínola se tornara incontornável. Saíra da Guiné com prestígio militar, era mesmo uma espécie de vedeta e tenho a sensação de que muitos se interrogavam já sobre o real papel de Costa Gomes nesse tandem. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Volto a lembrar que esta era a perspetiva de quem não estava no segredo dos deuses das tricas e entendimentos entre o pessoal militar. De quem sabia vagamente das reivindicações corporativas mas desconhecia onde estava Spínola face a tudo aquilo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando surgiu o "Portugal e o Futuro", que foi um livro que me recordo de ter lido com algum enfado, devo ter dado comigo a pensar: se este homem, nesta posição, escreve e publica isto, é porque tem força para tal. Quando observei que, com a publicação do livro, ele entrou em conflito com o sistema, concluí que dali podia resultar alguma coisa séria.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quem viveu essa época sabe que então se observavam, com muita atenção, todas as dissonâncias que pudessem emergir no seio do regime. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Depois, Spínola e Costa Gomes são demitidos. E dá-se o episódio das Caldas. Recordo, na minha unidade militar, que o modo como os vários oficiais reagiram a esse evento foi visto como um "separar de águas": percebeu-se quem reagiu negativamente ao golpe e quem se "neutralizou" taticamente. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Simultaneamente, nos contactos entre os oficiais do quadro e os milicianos, sentia-se que se estava a gerar uma aproximação a um momento que parecia cada vez mais iminente.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas, devo confessar, na minha perspetiva, que era a de quem estava um tanto distante da realidade da conspiração, as Caldas tinham sido um golpe falhado, inserido no contexto global da revolta que sabíamos estar em curso. Só mais tarde vim a entender a diferença entre as duas coisas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E chegamos ao dia 25 de Abril, aos seus antecedentes imediatos e aos tempos que lhe sucederam.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Muitos de nós, como disse, acompanhámos todos esses tempos com muita atenção. Tínhamos assistido à chegada do "Portugal e o Futuro", tínhamos, com preconceitos e desconhecimentos à mistura, a tal ideia menos positiva de Spínola, não sendo para nós muito clara a sua relação com a agitação que sentíamos no pessoal do quadro. E posso presumir que, à época, misturássemos as duas coisas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Apesar de nos julgarmos bem informados, não estávamos: só tínhamos a espuma visível. Mas, apesar de tudo, com todas essas limitações, éramos uns privilegiados. E digo isto porquê? Porque, no 25 de Abril, essa não era a situação do cidadão comum português, que não fazia a mínima ideia de que Spínola tivera de obter luz verde da Pontinha para poder ir apanhar o poder ao Carmo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para o cidadão comum, naquele dia, Spínola foi visto como o "dono" da Revolução. Esse mesmo cidadão tinha uma vaga noção de que Spínola tinha escrito um livro que, no fundo, era contra a continuação da guerra, numa atitude que contrariava a vontade de Caetano, o qual, por essa razão, o tinha demitido. E ali estava agora ele, a sair vitorioso do Carmo, com o poder na mão. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Horas depois, já pela madrugada, lá surgia ele de novo sentado no centro da Junta de Salvação Nacional, que a RTP nos dava a preto-e-branco. Sem um sorriso, lá estava o mesmo Spínola, mostrando um esgar de autoridade, que só assustou alguns mais atentos, a dizer ao que o novo poder vinha. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ninguém sabia do debate que, entretanto, tinha tido lugar na Pontinha, a propósito da linguagem a inserir na proclamação do MFA, nem ninguém fazia ideia de que aquilo que ele dizia era produto de um compromisso. Repito: aos olhos da esmagadora maioria dos portugueses, Spínola era o chefe incontestado da Revolução. Para muita gente, com a edição do seu livro, ele fora o responsável pelo golpe. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A invisibilidade do MFA, da sua Comissão Coordenadora, que foi deliberada, como sabemos, ajudou muito nessa perceção. Com a preocupação de ter oficiais generais a dar a cara, para "inglês ver", para não dar ares latino-americanos ao golpe militar, os capitães de Abril fizeram o movimento correr esse risco.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Spínola percebeu isso e cavalgou essa mesma perceção enquanto pôde. Desde logo, tentando dividir o MFA, procurando dar força às dimensões militares mais recuadas - parte das quais, valha a verdade, só ficaram de alma e coração com o movimento enquanto ele não se afastou de Spínola. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Depois, quando viu que a relação de forças dentro da tropa começava a não o favorecer, Spínola, aproveitando a tal perceção pública de que "o 25 de Abril era ele", optou pelo circuito dos discursos catastróficos, com um pouco subliminar anti-comunismo como linha doutrinária básica. Mas já era tarde e o 28 de setembro acabou por colocar um ponto final nessa estratégia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É na análise de todo este este turbilhão, da Guiné até ao afastamento institucional de Spínola, que o livro de João Céu e Silva revela fortes méritos. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desde logo, através de vários testemunhos, traça-nos um retrato da figura de Spínola, do seu perfil militar mas, igualmente, das suas inegáveis ambições no terreno político. A discrição que dele vai sendo feita ajuda-nos a perceber melhor que, por detrás da imagem de um general poderoso e carismático, havia um político inábil, precipitado, algo naïf. Spínola nunca terá percebido que a sua aura militar estava muito longe de o poder conduzir a uma carreira política estável. Spínola era um autoritário. Nunca seria um líder democrático. Não é De Gaulle quem quer...</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um segundo retrato que o livro nos traz é o do spinolismo, desse deslumbre de grupo em torno de um militar corajoso e afirmativo, que arrastou atrás de si muita gente que com ele trabalhou. Mas que também deixou outra gente de fora, de que Vasco Lourenço é talvez a cara mais emblemática. O spinolismo pescou em áreas do Movimento dos Capitães, mas não consegue influenciá-lo de forma marcante. Foi o spinolismo que esteve no centro do golpe das Caldas, mas, até por isso, pela neutralização temporária do núcleo do spinolismo que o falhanço desse movimento representou, ele foi praticamente irrelevante para a execução do 25 de Abril. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Aliás, a tentativa de recuperação do 25 de Abril, levada a cabo por Spínola e pelos spinolistas, na Pontinha, na noite de 25 de Abril, falhou por isso mesmo. São dois mundos que se tocam, mas que, a partir dessa data, estarão em crescente divergência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Este trabalho permite-nos também perceber que o objetivo de Spínola ao escrever o livro, para além de se colocar num pedestal, como um militar que queria dar voz aos seus camaradas cansados de dar tempo ao poder político para resolver o problema africano, não era fazer uma revolta: o seu objetivo era fazer evoluir o regime, numa perspetiva reformista. Democrática? Logo se veria. Para o "Portugal e o Futuro" essa não parecia ser a preocupação central. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O João Céu e Silva fala bastante da ocultação do "Portugal e o Futuro", no pós 25 de Abril. Será deliberado ou será pela sua objetiva irrelevância da sua mensagem, como parece pensar Medeiros Ferreira? </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A importância do livro é o gesto conseguido com a sua publicação ou o seu conteúdo? As suas soluções ainda teriam um mínimo de exequibilidade no tempo internacional de então? Ao publicá-lo, Spínola pensaria que estava a dar uma oportunidade a Marcelo Caetano para, com um apoio militar, tentar uma hipótese de evolução do regime? </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Eu inclino-me para algo que Raul Rego, ao que recordo, disse: "O que Vossa Excelência disse não é novo. O que é novo é isso ter sido dito por Vossa Excelência".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ninguém mais falou do "Portugal e o Futuro", depois do 25 de Abril? Claro que não. O programa do MFA, mesmo com todos os cuidados semânticos que Spínola lhe introduziu na Pontinha, era a-noite-e-o-dia face ao "Portugal e o Futuro". Por isso, porque a sua mensagem como manifesto para uma solução política está inapelavelmente datada, o livro morre nesse dia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sem querer entrar demasiado pela História contra-factual, gostava de terminar especulando um pouco. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Imaginemos que, por uma qualquer razão, o livro de Spínola não tinha sido publicado até ao momento em que se dá a revolta militar dos capitães. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E, que, sem livro, portanto, sem a demissão dos dois chefes militares, sem ter havido golpe das Caldas, sem a cena da "brigada do reumático" e - muito importante ! - sem o destaque relativo de Spínola face a Costa Gomes (que o livro proporcionou), o movimento fazia o seu golpe.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um parêntesis para um ponto muito importante que João Céu e Silva não deixa de destacar: sem o "Portugal e o Futuro" publicado, haveria um setor significativo das Forças Armadas que talvez se tivesse sentido menos motivado para aderir ao Movimento dos Capitães. É que o livro de Spínola, independentemente do seu conteúdo não muito radical sobre a política colonial, acabou legitimar interrogações sobre o fim da guerra. E muita gente, nas Forças Armadas, só aderiu ao golpe porque estava motivada pelo dissídio de Spínola.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas imaginemos que, sem o livro, nesse dia do golpe, Costa Gomes era CEMGFA e Spínola vice-CEMGFA, isto é, eram eles a cúpula do poder militar na data do golpe. Como reagiria essa hierarquia militar face ao golpe? </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sempre se poderia dizer que, de toda a forma, o capitães teriam ido buscar esses dois generais. Mas, nesse caso, sem o "Portugal e o Futuro" a destacar Spínola face a Costa Gomes, sem a cena da entrega do poder no Carmo, seria Spínola a personalidade escolhida para titular o novo regime?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Posso estar enganado mas, sem o "Portugal e o Futuro", estou em crer que Costa Gomes teria sido, muito mais facilmente, a escolha do MFA para chefiar a Junta de Salvação Nacional, como era patente.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sem o "Portugal e o Futuro", Spínola teria sido Presidente da Junta de Salvação Nacional e, depois, Presidente da República? Acho que não.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas a história não se faz de ses, pelo que tudo acabou por acontecer como aconteceu. E, para nos ajudar a compreender o que aconteceu, este livro ajuda-nos muito.</div>Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-22566903859671039702023-04-24T20:06:00.000+02:002023-04-24T20:06:14.857+02:00O meu 24 de abril<div style="text-align: justify;">Saí de manhã de casa, em Santo António dos Cavaleiros, onde vivia, desde que casara, quatro meses antes. De carro, entrei na Escola Prática de Administração Militar, na Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa. Às nove horas, iniciei a primeira aula de "Ação Psicológica", ao meus instruendos. Era aquela a minha tropa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Pelo meio-dia, recolhi à biblioteca. Além de "oficial de Ação Psicológica" e coordenador do curso de formação de oficiais milicianos nessa especialidade, era também bibliotecário e diretor do jornal da unidade, "O Intendente".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O António Reis bateu à porta. O António, mais tarde um consagrado historiador e professor universitário, era o nosso contacto com os oficiais do quadro, na clandestina articulação que, desde há meses, íamos mantendo com o setor profissional militar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Conhecíamo-nos desde 1969, ao tempo da articulação da oposição democrática para o ato eleitoral desse ano. Ele tinha tido um papel destacado, como candidato oposicionista por Santarém, eu trabalhara ativamente na Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real. Nessas últimas semanas, encontrávamo-nos regularmente na "Seara Nova", a revista oposicionista que, à época, acolhia várias correntes políticas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para espanto de muitos e do próprio, António Reis havia sido escolhido, meses antes, para a especialidade de Ação Psicológica, que eu coordenava. A máquina das informações militares, na sua articulação com a PIDE (ninguém dizia DGS), tinha óbvias lacunas. Só há poucas semanas, o Exército mandara "reclassificá-lo", devendo regressar a Mafra, onde o esperava um destino como Atirador de Infantaria. Por esses dias, tentávamos atrasar os efeitos dessa transferência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Notei que o António vinha com ar grave. Pediu-me para reunir o pequeno grupo de oficiais milicianos que estavam no segredo das movimentações. Minutos depois, informou-nos que o golpe militar, de que há semanas falávamos, estava previsto para essa noite.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ficámos tensos, confrontados com o peso da informação recebida. Aos pedidos de detalhes que colocámos, no tocante ao âmbito da nossa ação, adiantou explicações vagas. Ele próprio não tinha muitos mais pormenores.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao final do dia, quando saí da unidade, não tive dúvida de partilhar a informação com o meu pai, que, vindo de Vila Real, estava de visita a Lisboa. Democrata dos sete-costados, alimentava, contudo, uma desconfiança persistente sobre a capacidade dos militares para derrubarem o regime que ele sempre detestara.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jantei com os meus pais e com um tio. Foi uma ocasião estranha: se a operação militar que iria decorrer, horas depois, tivesse sucesso, o futuro desse meu tio - um imenso amigo de todos nós, a começar por mim - iria sofrer uma grande mudança. Ele era deputado, por Vila Real, à Assembleia Nacional...</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">À mesa, apenas eu, o meu pai e a minha mulher estávamos a par do que iria ocorrer, pelo que a conversa, para nós os três, não deixou de ter sempre isso como pano de fundo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Acabado o jantar, deixei os meus pais na Feira das Indústrias, à Junqueira, onde havia uma exposição de antiguidades. À saída, ao deparar com o Bentley que transportara o presidente da República para a inauguração do evento, o meu pai disse à minha mãe uma frase enigmática, que ela lembraria até ao fim da vida: "Se uma coisa que o nosso filho me disse vier, de facto, a acontecer, amanhã o Américo Tomaz já não volta a entrar neste carro".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nenhum de nós teve então a presciência de intuir que esse amanhã iria passar a ser conhecido como "o 25 de Abril". </div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-40413037306798014182022-12-16T06:28:00.002+01:002024-02-22T02:39:41.578+01:00A diplomacia e a defesa da integridade do país<div style="text-align: center;"><i><b>Conferência proferida na Sociedade Histórica de Independência de Portugal, em 24 de junho de 2021, inserida no livro “A Diplomacia e a Independência de Portugal", lançado em 16 de dezembro de 2022</b></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Vale a pena começar o que vos quero dizer dando algumas breves notas relativas ao modo como a nossa estrutura de representação oficial externa foi evoluindo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Durante muito tempo, e Portugal não foi exceção àquilo que se passava um pouco por todo o lado, a representação do Estado sediada no exterior era cometida a personalidades da confiança pessoal do titular da soberania. Às vezes, essas figuras eram colocadas numa capital específica, na qual dispunham de alguma eventual influência. Em outras vezes, pela adaptabilidade da suas qualificações ou rede de contactos, entravam em itinerância entre as escassas missões diplomáticas que o país possuía. Nunca parece ter havido, por essa altura, qualquer limite temporal para o exercício dessas funções desses enviados do soberano. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No início, as elites nacionais relevantes para tal fim eram figuras da aristocracia, com redes de relações, familiares e outras, além de um nível de educação e cosmopolitismo necessário à frequência das cortes estrangeiras. Eram também dessa extração os plenipotenciários que transportavam apalavra do chefe do Estado para as conferências internacionais quando estas ocorriam. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não sei se há dados que permitam avaliar se esse papel do enviados externos, escolhidos pelo titular da soberania, era pior ou melhor assumido, até porque o único juiz da qualidade dessas escolhas acabava por ser o próprio soberano, na ausência então de um qualquer outro modo de responsabilização pública. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há também que registar a curiosidade, às vezes pouco conhecida, de, por muitos anos, serem os próprios representantes diplomáticos a suportarem o custeio financeiro das missões, o pagamento ao seu pessoal e as suas despesas correntes de funcionamento. A honra e o prestígio de representar o seu rei e o o seu país seriam, talvez, a necessária retribuição para esses gastos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É muito interessante notar que, mesmo a partir do momento em que o poder pessoal dos reis, na gestão da coisa pública, se foi atenuando, com o fim do Antigo Regime e pela crescente intervenção da representação democrática na formação e alternância dos governos, o papel do enviado diplomático foi mantido, formalmente, vinculado ao titular da chefia do Estado. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A criação de um corpo profissional, de uma “carreira”, para sustentação funcional da máquina de representação externa do Estado, não significou, durante muito tempo, que a alguma dessas pessoas, desses funcionários, fosse cometida a responsabilidade máxima de titularidade diplomática num determinado posto. Mesmo quando - e lembremo-nos de Eça de Queiroz - começou a haver concursos para a admissão de “bacharéis” para o exercício de funções consulares ou outras, nunca, repito, nunca se colocou a hipótese dessas pessoas poderem vir a exercer o cargo de embaixador. Aos funcionários que eram recrutados para a máquina pública externa competiam funções que eram sempre inferiores às dos titulares diplomáticos de confiança pessoal do chefe de Estado, sempre obrigatoriamente seus superiores. Posso estar enganado, mas creio poder afirmar que, em Portugal, a personalidades oriundas da “carreira” só foram confiadas chefias de missões diplomáticas durante o Estado Novo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ainda antes, e com o advento da I República, as figuras da aristocracia que chefiavam embaixadas ou legações foram substituídas por personalidades republicanas, com algum prestígio político ou cultural. Com o rei afastado e os títulos nobiliárquicos abolidos, essa “revolução” teve algo de natural.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Embora a máquina diplomática pudesse já ter alguma profissionalização a níveis abaixo da chefia de missão, acabando isso por representar um laço de continuidade na representação do Estado junto de um determinado país, na prática, por essa época, a embaixada “era” o embaixador. Essa realidade prolongou-se por muitos anos e alguns de nós, que estivemos bastantes anos na carreira, ainda nos lembramos de que alguns postos, sobretudo unidades mais isoladas e menos visíveis, continuavam a ser estruturas quase “unipessoais”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É também importante notar que as legações e embaixadas, as duas designações de então, eram muito poucas. Com escassas exceções, estavam maioritariamente situadas na Europa, com as mais importantes acreditadas junto das potências relevantes, em que a Santa Sé figurava como tal. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Daí que a cultura diplomática prevalecente também fosse, essencialmente, europeia. Se repararmos bem, se há algo em que o mundo ainda não se “descolonizou” foi na liturgia diplomática, nesses “rituais de entendimento”, como bem os designou o embaixador José Paulouro das Neves[1], que eram e continuam a ser tributários da tradição diplomática e da prática protocolar criadas na Europa. Esse “esperanto” do relacionamento internacional, de origem europeia, não foi nunca seriamente contestado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A diplomacia portuguesa, ao longo da sua história, apontou sempre para a necessidade de manter certas embaixadas junto dos “powers that be”, embora as representações consulares, para apoio ao comércio (nesse tempo, a importância do apoio à diáspora estava longe de ser reconhecida como um objetivo), fossem comuns em várias outras paragens. Só com a multiplicação de novos Estados, na segunda metade do século XX, fruto das descolonizações e da afirmação de novas nacionalidades decorrentes da fragmentação de anteriores unidades estatais, foi necessário acorrer a outras geografias para a defesa dos interesses nacionais. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É nesse período que se constata que a algumas personalidades que faziam parte das estruturas diplomáticas permanentes era dada, pela primeira vez, a possibilidade de virem a chefiar missões diplomáticas - de início, naturalmente, as de menor importância. Para as grandes embaixadas e legações, o modelo tradicional de escolha continuava a prevalecer. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Durante muitos anos, aquilo a que agora é vulgar chamar de “embaixadores políticos” foi a regra, os embaixadores “de carreira” eram a exceção. Foi durante o Estado Novo que esta relação começou a inverter-se, em que o poder político percebeu que já estava criada uma estrutura de representação externa do Estado de uma qualidade na qual podia fazer confiança. E, dessa forma, foi-se crescentemente dispensando a busca na sociedade civil, em geral na classe política, de outras personalidades para exercer essas funções.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Com a Revolução de Abril, terá havido, inicialmente, uma tentação de preencher a representação externa do Estado com gente “de confiança” da democracia. Há rumores de que, mesmo para níveis intermédios da carreira, houve quem pensasse fazer entrar figuras políticas, com o argumento de que, por anterior impossibilidade de acesso, a uma certa geração havia sido vedado o acesso à carreira. Por outro lado, vozes havia que entendiam que a diplomacia profissional estava de tal modo conluiada ideologicamente com o regime derrubado que era necessário “saneá-la” radicalmente. Nenhuma dessas ideias prosperou. Os “saneamentos” foram muito escassos, o novo regime rapidamente percebeu que, não obstante grande parte da carreira poder ser então tida como conservadora, ela poderia ser reconvertível para o serviço da democracia. E essa perspetiva não só vingou como se mostrou correta.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Constata-se que, ao longo deste quase meio século de vida em democracia, os diversos poderes políticos escolheram um total de 31 personalidades externas à carreira para a chefia de embaixadas. Com naturalidade, a entrada dessas figuras foi mais intensa nos anos imediatamente posteriores a 1974, passando, a partir de então, a significar uma percentagem cada vez menor no conjunto dos chefes de missão. Neste dia em que lhes falo, apenas uma missão multilateral portuguesa é titulada por alguém que não entrou por concurso para a carreira diplomática[2].</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não quero fazer aqui um balanço, que seria algo delicado e polémico, sobre o valor acrescentado que aquele conjunto de figuras trouxe para a ação externa do Estado, bem como para o prestígio do país. Como profissional diplomático, orgulhosamente “de carreira”, nunca tive dificuldade de reconhecer, com a maior franqueza, que houve personalidades recrutadas fora do MNE cuja qualidade acabou por ter consequências muito positivas para o trabalho da nossa diplomacia. Outras, sem deslustrarem, não trouxeram uma contribuição que se possa dizer que não pudesse ser feita pelos profissionais da “casa”. Muito poucas - mesmo muito poucas, felizmente! - se revelaram-se nefastas ou perniciosas para a imagem e serviço do Estado que haviam sido chamadas a servir. Mas assumo a arbitrariedade deste meu juízo global, mesmo sem “naming names”. Um último apontamento sobre este tema: a algumas dessas figuras escolhidas fora da carreira foi, a certa altura, dada a possibilidade de integrarem o serviço diplomático corrente, circulando entre postos, numa total equiparação aos diplomatas “de carreira”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Gostava de voltar à questão da diplomacia que tínhamos, no final da ditadura. Quando, em 1975, entrei para o serviço diplomático, cerca de um ano decorrido desde a Revolução de Abril, tínhamos acabado de sair de um período extremamente complexo para a vida diplomática portuguesa. Todos sabemos que os tempos das duas guerras mundiais haviam sido muito exigentes para a nossa ação externa. Mas há que convir que, logo após a entrada de Portugal para a ONU, em 1955, o desafio criado pela tentativa de escapar à pressão internacional para forçar a descolonização dos territórios ultramarinos portugueses, num tempo em que as antigas potências coloniais rapidamente desapareciam pelo mundo, criou uma nova e não menos difícil trincheira diplomática. Portugal, um pouco por toda a parte, com apoios declinantes, passou a estar sob uma constante barreira de fogo político, em especial no plano multilateral, mas com incidências, mais ou menos sérias, em algumas dimensões bilaterais. Tudo havia começado com a questão da Índia portuguesa, logo seguida das situações dos domínios portugueses em África, em especial após o início, em 1961, das guerras coloniais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nesse muito difícil contexto, e sem trazer para aqui juízos de valor sobre a questão política que servia de pano de fundo, há que reconhecer que a diplomacia portuguesa se portou extraordinariamente bem. A nossa diplomacia fez exatamente aquilo que lhe era destinado fazer, que era levar à prática o mandato que o poder político lhe determinava. Não era à diplomacia que competia questionar a política externa do regime, podendo nós imaginar que, muitas vezes, alguns desses nossos antigos colegas se devam ter interrogado sobre se o que estava a ser feito era aquilo que melhor protegia o que interpretavam como sendo os interesses essenciais do país. Muitos, creio que a maioria, estariam sintonizados ideologicamente com a tarefa diplomática que eram levados a implementar. Outros, em bom número, eram apenas “civil servants” disciplinados. Alguns terão calado as suas dúvidas, porque os tempos políticos não ajudavam ao questionamento das orientações. Uns seriam mais competentes, outros menos. Na globalidade, o trabalho produzido, visto a esta distância, parece ter sido, em termos profissionais, de indiscutível qualidade. Não parece ter sido pela diplomacia que esse Portugal político foi derrotado na sua “guerra colonial”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esta dialética entre o exercício da função diplomática e as orientações da política externa leva-me ao ponto a que agora quero chegar: são os diplomatas “produtores” de política externa, nomeadamente num contexto democrático? Podem os profissionais ter como legítimo objetivo influenciar a ação externa do país, embora não tenham atrás de si a legitimidade própria dos atores políticos?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sempre fui de opinião que os diplomatas não devem considerar-se a si próprios como meros “locutores de continuidade” de uma política externa que lhes é ditada. Entendo que os diplomatas podem e devem aportar, para a reflexão sobre a postura externa do Estado que servem, aquilo que é o fruto da sua experiência, como depositários que são da continuidade de uma cultura de ação política de que são executores, mas também cultores, ao longo dos vários ciclos políticos, na alternância que a democracia permite e promove. Devem, contudo, dar esse contributo dentro das paredes oficiais, cuidando em não serem fautores e potenciadores de divisões públicas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Estão aqui nesta sala pessoas que representaram o Estado português durante muitos anos. Estou certo que todas elas reconhecem que, ao final de algumas décadas de representação do Estado, todos acabaram por criar uma espécie de feeling sobre o que é o interesse português, independentemente dos vários ciclos de governo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao longo da minha vida de quase quatro décadas ao serviço da diplomacia, fui chefiado por 21 ministros dos Negócios Estrangeiros. Com escassíssimas exceções, nunca senti particular dificuldade em representar a “voz” do Estado, mesmo em ciclos políticos contrastantes. Em algumas circunstâncias, e não foram muitas, discordei da orientação decidida pelo governo de turno, em determinados assuntos. Calei essa discordância, porque entendi não ter o direito de, nesses momentos, tornar pública a minha divergência de opinião. Se então me apetecesse contestar as determinações oficiais, deveria ter saído da carreira e vocalizar a minha posição no exterior. Como essas determinações não foram ao ponto de ofender, no limite, a minha consciência e aquilo que era a minha leitura do interesse português, embora as entendesse flagrantemente erradas, calei-me. Uma delas, como adivinharão, foi a organização da Cimeira das Lajes, em 2003.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Acho que deve fazer parte da nossa postura, como diplomatas, com coluna vertebral e com sentido do interesse público, ter a coragem de dizer sempre ao poder político aquilo que pensamos. Criámos um património de memória e de defesa do interesse do pais. Mas não temos o direito de o impor. Se o poder político entender não aceitar a nossa posição, devemos fazer aquilo que ele determine. É ele quem tem a legitimidade política, por mandato democrático, para nos dar as orientações. Não temos uma qualquer legitimidade que nos permita arrogarmo-nos a ser uma espécie de guardiões do templo. Felizmente, no Portugal democrático, os ciclos políticos não têm trazido mudanças radicais à nossa postura internacional - e isso, vale a pena dizer, facilita-nos bastante a vida.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um dia, o meu amigo João Rosa Lã, ao tempo em que era embaixador na Haia, referiu-me que a Holanda tinha acabado de publicar um livro branco com uma reforma muito significativa da sua política externa. Pedi-lhe um exemplar, por curiosidade. Não tenho dificuldade em entender que as políticas públicas de um país possam ser objeto de revisão, mesmo que radical. Mas, devo confessar, faz-me uma certa impressão que uma política externa, um quadro de prioridades no terreno bilateral e multilateral, com expressão ao longo de muitos anos, possa ser objeto de uma redefinição drástica, que, de certa maneira, afeta aquilo que já é um certo património histórico do país. Os holandeses não entenderam assim e repensaram, por essa altura, a sua política externa, a sua hierarquia das prioridades, a começar pela rede diplomática e certas políticas que lhe estavam associadas. A verdade é que de um país que, um dia, decidiu promover, pelo mundo, uma mudança do nome pelo qual era conhecido, passando de Holanda a Países Baixos, tudo é possível… Acho, contudo que seria muito difícil para nós, em Portugal, como que “parar para obras” e decidir: «Ora vamos lá repensar a nossa política externa, para ver se o nosso relacionamento deve ser mudado, com este ou com aquele país, com esta ou aquela organização», anunciando isso por escrito! Mas cada um é como é!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não sei se já se deram conta, mas creio que só há um único elemento que foi preservado na política externa portuguesa, da ditadura para a democracia: a relação transatlântica. Com essa exceção, nenhum daqueles que hoje são considerados os eixos da nossa ação externa - Europa, língua e lusofonia - existia antes do 25 de Abril: a relação com a Europa comunitária era muito incipiente, aquilo que hoje podemos qualificar como o pilar do mundo que fala português não se colocava, obviamente, do mesmo modo. Porém, a prioridade dada à NATO, às relações com o Reino Unido e os Estados Unidos, com as Lajes de permeio, já estava bem inscrita na nossa agenda externa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há dias, ao comentar isto, alguém me disse, com um ar muito natural: «É muito simples perceber a razão pela qual isso se passou assim. O 25 de Abril foi feito por militares e os militares portugueses são tributários de uma cultura NATO». Nesse instante, recordei-me do momento, algo bizarro, que havia sido a presença do general Vasco Gonçalves, como primeiro-ministro, numa cimeira da NATO, em Bruxelas. Evidentemente, nós sabíamos que, a Portugal, havia sido retirado o acesso aos códigos nucleares da organização. Mas a presença de tão idiossincrática figura naquela reunião, provava, se tal fosse imperativo, a importância basilar do relacionamento transatlântico, a preservação de um elemento fundamental da nossa postura geopolítica, resultante do lugar do mundo onde continuávamos e continuamos, com ou sem Revolução.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Somos um país antigo e somos um país, em regra, com uma atitude externa bastante previsível. O mundo sabe quem somos e como, em geral, nos comportamos, perante as coisas do mundo internacional. Não está na nossa natureza mudar, radicalmente, de postura externa. A nossa dimensão, aa nossas dependências, bem como a nossa fragilidade relativa não recomendam que isso se faça, com ligeireza. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Porém, refletir sobre a nossa política externa, questionar serenamente a sua evolução, olhá-la e adaptá-la de uma forma diacrónica, isto é, não pensarmos que “isto é assim e vai ficar sempre assim”, pode e deve fazer-se. Por exemplo, numa área que julgo conhecer bem, o relacionamento com a União Europeia, devemos refletir permanentemente sobre a adequação da nossa atitude a cada tempo, tanto mais que a União, ela própria, muda constantemente de natureza e é importante que meçamos o modo como nos devemos comportar face a essas mesmas mudanças.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por exemplo, acho que é da maior importância, sem grandes estados de alma, fazermos uma contínua reflexão sobre a nossa política de alianças dentro da União Europeia. E fazê-lo de maneira fria, como todos o fazem: umas vezes estamos com a Espanha nuns dossiês, em outros afastamo-nos, de outras vezes aproximamo-nos da Alemanha, outras da França. A defesa ótima dos nossos interesses a isso obriga e não surpreenderá ninguém que o façamos. Todos o fazem.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um caso muito interessante, e pouco abordado entre nós, tem a ver com o relacionamento com o Reino Unido. Não quero especular muito sobre isto, mas diria, num caricatura que é um “understatement”, que Londres, por mais de dois séculos, sobredeterminou a nossa postura externa, em termos que chegaram a ser, na prática, de uma quase tutela. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Creio que em 1987, destacado para uma reunião comunitária sobre questões de desenvolvimento, a ter lugar no Luxemburgo, e perante uma agenda que teria aí uma dez pontos, recebi instruções sobre três ou quatro deles e, quanto aos outros, foi-me dito: «É seguir os ingleses». Devo dizer que, naquele instante, que nunca mais esqueci, como que gelei. Percebi que o “comodismo” diplomático podia ir ao ponto de dispensarmos ter posição própria, talvez por se considerar que os assuntos em causa não eram do nosso interesse direto, pelo que seria prudente seguir a linha de um país cujas posições, em regra, estavam próximas das nossas. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os britânicos “raptaram”, durante muitos anos, parte significativa da capacidade decisória portuguesa na área externa, connosco a considerar, numa avaliação simplista, que, ”seguindo os ingleses”, tínhamos basicamente preservados os nossos interesses. Essa atitude representava aquilo que é, precisamente, o contrário daquilo que, mais tarde, aprendi que um país deve fazer na gestão da sua politica europeia: sair da preguiça da agenda egoísta e criar uma filosofia sobre a generalidade dos assuntos, numa coerência global de atitude.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando estive colocado na nossa embaixada em Londres, no início dos anos 90, dei-me conta de que comunhão dos nossos interesses com o Reino Unido era apenas, e cada vez mais, um mito. Lembro-me bem das dificuldades com a questão de Timor, em que o Reino Unido estava, quase por sistema, do outro lado da barricada. E, em muitos outros dossiês, salvo em temáticas de política externa e de segurança, em que a questão transatlântica viesse à baila, o nosso afastamento era cada vez mais significativo. Nos anos em que, depois de sair de Londres, tive responsabilidades política na área dos assuntos europeus, em tempos em que Portugal sublinhava bastante a sua postura integracionista, o Reino Unido passou a estar, crescentemente, bem distante das posições de Portugal.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E aqui regresso à questão dos interesses portugueses. Identificá-los, aculturá-los, preservá-los e promovê-los foi sempre uma das grandes preocupações que tive na minha vida diplomática, nela incluindo a passagem pela política.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando entrei para a diplomacia, posso agora revelá-lo, era um anti-europeu. E era-o por uma razão muito simples: vinha da esquerda e o setor da esquerda portuguesa de que eu então me sentia próximo não era, por natureza, europeísta. Porém, não sendo comunista, percebi, a certa altura, que a minha postura acabava por ser, nesse domínio, bastante similar à do PCP. E isso não só me incomodou como me levou a interrogar-me sobre a correção dessa minha posição. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O meu anti-europeísmo de então, vim a constatar, era uma reação epidérmica e algo primária, numa lógica simplista de que, no processo decisório europeu, nunca devíamos partilhar decisões. Devíamos, ferozmente, guardar para nós a capacidade de decidir em tudo quanto nos dissesse respeito. Os interesses portugueses eram sempre melhor defendidos do lado de cá do Caia. Para lá do Caia, os interesses eram outros, só por acaso coincidentes com os nossos. Era uma perspetiva totalmente errada: os nossos interesses são sempre melhor defendidos numa atitude pró-ativa, envolvendo os outros e envolvendo-nos nós mesmos naquilo que são os interesses dos outros. Com o tempo, vim a entender que o conceito de independência, e a capacidade de defender essa independência, têm uma expressão muito diferente no mundo atual. Se há conceitos que mudaram com o tempo, e que dependem muito das circunstâncias, esse são a independência e a soberania. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma vez, nos anos 60, numa aula do então Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, perguntei ao professor Adriano Moreira se, duas ou três décadas depois, ele via como possível que o Ultramar português se tornasse independente. A pergunta era delicada, mas o professor Adriano Moreira teve arte para lhe dar a volta: «Se o meu amigo me conseguir dizer, hoje e agora, qual será o conceito de independência daqui a 30 anos, terei o maior gosto em responder-lhe.» Era uma fuga à questão mas, de certo modo, era verdade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O que é hoje, para um Estado como Portugal, ser independente? Éramos mais independentes, como Estado, quando éramos um país isolado, “orgulhosamente sós”, durante os últimos tempos do período colonial, em que vivíamos debaixo de uma pressão internacional fortíssima? Ou será que somos hoje mais independentes, mais capazes de influenciar o nosso futuro, quando conseguimos atuar, dentro e com a União Europeia, afirmando-nos em múltiplas dimensões multilaterais? Temos hoje uma maior capacidade internacional ou não? Não tenho dúvidas de que, mau grado novas dependências que entretanto possamos ter criado, a nossa posição no quadro internacional é bem mais confortável do que nesse tempo tenso. E que este novo quadro, se bem que mutante e exigente, é muito mais favorável para a defesa prática dos nossos interesses.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É para mim claro que todos os contextos em que haja dinâmicas que não possamos, autonomamente, controlar, são fautores de riscos - e a participação nas instituições europeias não está isenta de perigos. Um espaço de participação em modelo de partilha de soberania tem sempre dificuldades, agravado, no nosso caso, pela nossa dimensão, pela nossa fragilidade financeira e pelo poder institucional limitado que é o nosso. Talvez por isso continuo, às vezes, a ter algum tropismo soberanista - e tive-o muito claramente quando negociei dois tratados da União Europeia. Nunca consegui ser muito concessionista, nem nunca fui atraído pelas derivas do hiper-federalismo. E continuo a ser adepto, não apenas de reservas de competência nacional muito claras, em áreas de soberania, como na preservação de uma capacidade mínima de influência no processo decisório.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por essa razão, tive sempre muitas dúvidas, em matéria de revisão instutucional de tratados, na questão da redução do poder de voto no Conselho, em cedências no número de deputados ao Parlamento Europeu, na importância de manter um Comissário. Tive sempre imensas dúvidas em fazer concessões em relação a isso. Tanto mais que sempre vi aqueles Estados que procuram “segurar as rédeas” da União muito interessados em reforçar o seu poder. Se eles, que são, por natureza e pelo seu poder económico e demográfico, muito poderosos vivem, em permanência, mobilizados para garantirem a preservação dessa força, por maioria de razão um Estado menos forte, com mais fragilidades, situado frequentemente fora do mainstream decisório prevalecente em Bruxelas, precisa de preservar alguma capacidade de controlo da sua posição.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Neste bosquejo pela nossa postura externa, como é que a diplomacia portuguesa se tem portado? Acho que se tem portado, basicamente, bem. Sempre? Nem sempre: temos, como é natural, alguns altos e baixos. Vou ser muito franco - e julgo que abro aqui “o livro” de uma forma que ninguém antes fez. Temos gente que trabalha muito bem, como também temos gente que trabalha menos bem. Temos gente que é capaz de defender, com afinco, os interesses nacionais e outra que, não operando contra o interesse nacional, o não cultiva com o afinco com que deveria fazê-lo. Mas, em termos gerais, considero que o país está bem representado e que há hoje uma maior responsabilização, uma maior transparência naquilo que cada um faz, pelo que a meritocracia me parece mais afinada. E isso é bom.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A Europa é disso um bom exemplo. Não teria sido possível a Portugal ter um presidente da Comissão Portuguesa se o nosso país não tivesse tido, ao longo dos anos, dentro da União Europeia, um comportamento altamente responsável, eficaz, com presidências rotativas muito bem executadas, com forte sentido de responsabilidade, com pessoal respeitado, com uma presença muito ativa. Não somos “os melhores do mundo”, mas tivemos sempre, no nosso seio, gente de muito boa qualidade, que ajuda a prestigiar, pelo mundo, o nome do país.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Infelizmente, acho que não temos uma cultura, dentro da carreira diplomática, de permanente reflexão sobre o que são os interesses portugueses e a melhor maneira de os promover. Fica a ideia de que é por “osmose“ que vamos absorvendo o que interessa salvaguardar. Ora essas coisas têm que ser mais discutidas, refletidas, as pessoas têm que estar conscientes de que há uma matriz comportamental que representa os interesses do país. E deve haver maior accountability, consequências negativas para quem não leva as coisas com o indispensável rigor, efeitos positivos nas carreiras para quem é profissionalmente competente. E devemos todos estar conscientes da “linha” que nos compete defender, sem ambiguidades e, em especial, sem “achismos”. Recordo-me sempre de um raspanete que dei a um adido de embaixada a quem, um dia, escassas semanas depois de ele ter entrado no MNE, apanhei, ao telefone, em conversa com uma embaixada estrangeira em Lisboa, a dizer, com total irresponsabilidade, “Portugal pensa que…”</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há países que fazem isso muito bem. O Reino Unido, por exemplo. Vi fazerem isso agora, em tempo de Brexit, num dos seus momentos mais caóticos na sua presença internacional. A diplomacia britânica tem uma consistência e uma constância admiráveis, por mais abstrusa que seja a tarefa que lhe cumpra executar. E, ao contrário de outros países, nunca assisti, em conversas com colegas britânicos, à emissão de opiniões à margem da posição oficial do seu governo. E, acreditem, há muito que aprendi que este é o teste do algodão do profissionalismo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ontem, conversava com o antigo embaixador americano em Portugal, Alan Katz - que foi embaixador político, como são a maioria dos embaixadores americanos -, e perguntava-lhe: «Que ordens concretas recebeste, quando vieste para Lisboa?» Ele disse algo curiosíssimo, que eu não sabia: «As nossas ordens são-nos transmitidas pelo staff diplomático, que nos enquadra e que recebe as guidelines do Departamento de Estado. Temos uma linha geral, que representa os interesses americanos para cada país ou organização, mas, depois, é a máquina do Departamento de Estado que dá ao embaixador as guidelines concretas, conferindo desta forma uma coerência global da representação do Estado no país.»</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Vamos ser francos: nós não temos, muitas vezes vezes, essa capacidade de coordenação, por forma a garantir uma coerência global de atitude, em todos os setores da máquina diplomática. E não assegurando essa coerência global, houve já pessoas que assumiram, e, alguns postos, atitudes menos responsáveis. Pode ter acontecido, aqui ou ali, um inquérito, mesmo um processo disciplinar, talvez uma transferência para outro local, mas há, entre nós, uma cultura demasiado permissiva e “compreensiva”, perante a incompetência ou a pontual irresponsabilidade. Digo isto com alguma pena: faz-nos falta uma cultura mais densa e exigente, que não ceda ao impressionismo e não se contente com resultados de qualidade média. É que, ao ceder ao facilitismo, estamos a ser injustos para com os outros, com a gente que se esforça, que trabalha muito e bem. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um outro ponto que gostaria de referir é que a diplomacia dos dias de hoje não se reduz ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Em algumas áreas que não são questões de pura política externa, há um trabalho no exterior que releva já muito da política interna. O caso mais óbvio é a União Europeia, mas há outros setores multilaterais onde isso é por demais evidente. Por isso, pergunto-me se não devíamos estar mais abertos, na carreira diplomática, a trabalhar e a discutir, mais aprofundadamente, com os outros ministérios. Eu sei que conjugação interdepartamental, às vezes, é difícil. A cultura das Necessidades não está muito aberta a isso. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Usamos, no MNE, uma expressão para tratar os outros ministérios, que diz tudo: consideramo-los os “ministérios sectoriais”... É uma espécie de afirmação, reconheço que algo sobranceira, de uma função de soberania, que se entende situada no centro da ação do Estado. Há, no MNE, um orgulho em poder garantir que, nas rotações governamentais democráticas, quando chega um novo ministro, ele é servido por dossiês, com pontos de situação, sobre todos os assuntos relevantes, elaborados com todo o rigor e neutralidade política, permitindo ao novo titular entrar nas matérias com garantido conhecimento de causa. Ao que se dizia, mas não sei se é verdade, apenas os Ministérios da Defesa e das Finanças davam idênticas garantias, havendo, em geral, uma maior politização nos restantes “ministérios sectoriais”… </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No nosso caso, tenho a certeza absoluta de que assim se continua a proceder. Em várias mudanças de ciclo a que assisti, e em algumas em que estive envolvido, o novo ministro tem sempre perante si, se quiser, assegurado pelo quadro diplomático e técnico em funções, uma expressão escrita e fiel daquilo que são os interesses portugueses que foram decantados ao longo desse tempo e um bom retrato das questões sobre as quais terá de decidir.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É muito bom, na política externa, não haver descontinuidade. Os diplomatas portugueses sabem que, por regra, as grandes linhas de política externa não se alteram. A imagem do país sai prestigiada deste facto. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Vou contar uma história que se passou comigo. Em 2011, precisamente no dia da posse do dr. Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, eu tinha marcada uma ida à Comissão dos Negócios Estrangeiros do parlamento francês, para fazer uma exposição sobre a política externa portuguesa. Umas dias antes, tendo em conta que em Portugal tinha havido um “terramoto” de natureza político-partidária, o presidente da comissão telefonou-me perguntando se eu não queria adiar, para poder ter tempo para olhar para o novo programa do governo. Tive então o desplante, e o prazer, de lhe poder dizer: «Não, por mim, não quero adiar. Irei, nesse dia, explicar à sua Comissão as linhas essenciais da nossa política externa, porque tenho a certeza absoluta de que o que eu irei ali dizer será confirmado pelo novo governo. Nós não mudamos de política externa, no que são os seis eixos essenciais, quando mudamos de governo». Já aconteceu foi mudar-se o embaixador. Mas essa, embora rara, é outra história…</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A continuidade virtuosa na ação externa tem, contudo, algumas nuances. O meu último posto foi como embaixador em Paris. Fui para lá em 2009, em tempos de business as usual, em termos da vida do nosso país e, por isso, também da sua ação externa. Nos dois primeiros anos, assim foi. Criaram- se novos consulados honorários, procurei assegurar mais leitorados para as universidades, mais professores para o ensino do português para os filhos dos portugueses, maior eficácia em toda a máquina do Estado que me competia supervisionar. Um dia, em 2011, rebentou a crise financeira. Tudo mudou. Houve a troika, as restrições orçamentais. Os apoios tiveram que ser reduzidos, os salários cortados, menos pessoal, menos professores, enfim, uma onda restritiva, com efeitos negativos no funcionamento e na eficácia dos serviços. O embaixador era o mesmo. Com a mesma cara com que, antes, dava conta de várias iniciativas positivas e otimistas, que exigiam recursos de toda a natureza, tive que passar a “vender” políticas de sinal oposto, restritivas, perante caras indignadas de compatriotas nossos, que achavam que estavam a ser “ofendidos” pelo Estado. Este, confesso, foi um tempo muito complexo, que marcou a última metade do meu mandato em Paris. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nessa altura, fui também chamado a assegurar, cumulativamente, a chefia da representação na Unesco, passando a ter uma dupla tarefa que era muito difícil de assegurar. Mas era o serviço do Estado. E o Estado era o mesmo. Quem o titulava era um governo diferente, mas com legitimidade democrática indiscutível para decidir essas drásticas mudanças. A nós, podendo recomendar algumas decisões, apenas nos competia fazer, tão bem quanto possível … às vezes, coisas radicalmente contrárias às que, no passado, também nos tinham competido. É assim a condição diplomática. Cada um de nós tem de ser, como se dizia de Thomas More, A man for all seasons. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A diplomacia portuguesa, ao longo dos tempos, tem dado mostras de ser um corpo de grande lealdade ao serviço público, com profissionalismo, patriotismo e elevado sentido de Estado. A diplomacia não tem, necessariamente, de ser vista como um exercício de cinismo, por poder ser vista a levar à prática políticas de sinal diverso. Somos executores de um exercício de responsabilidade e de representação de interesses nacionais, devendo acompanhar aquilo que os ciclos políticos e a vontade que eles legitimamente expressam. Fazê-lo bem, com sentido patriótico, é a vocação da nossa profissão. No que me toca, considero ter sido um imenso privilégio poder desempenhá-la durante quase quatro décadas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">[1] Paulouro das Neves, José César, Rituais de Entendimento, Teoria e Práticas Diplomáticas, Apontamentos, Instituto Diplomático do MNE, Lisboa, 2011</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">[2] António Sampaio da Nóvoa, representante permanente de Portugal junto da Unesco (2016-2021)</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-67013743170244981532022-03-03T13:58:00.002+01:002022-03-03T13:58:18.979+01:00O que é que correu mal? <div style="text-align: justify;">Passaram já 30 anos. A nacionalidade dele era inglesa. A sua ascendência, pelo nome, era de muito longe dali, de um país báltico. Estávamos em Londres, na “Chatham House”, o instituto britânico de relações internacionais, num intervalo para café, durante um seminário onde se discutia algo que tinha a ver com o fim da União Soviética, que tinha ocorrido poucos meses antes. Era o primeiro semestre de 1992. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">“Eles não vão esquecer. E vão voltar, mais violentos do que antes. Nós conhecemo-los bem”. O meu interlocutor não tinha ilusões quanto aos russos. “Moscovo”, para ele, era o poder que tinha esmagado a sua nacionalidade originária. Uma coisa tinha ele por certo: a nova Rússia nunca seria democrática, por muito que tentasse fazer passar-se por isso. E olharia sempre para a sua periferia com um misto de arrogância, de desconfiança e desejo de fazer voltar as coisas atrás. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Quatro anos depois, em Varsóvia, fui visitar o chefe da diplomacia polaca, Bronislaw Geremek. Um curto encontro de cortesia transformou-se, de um momento para o outro, numa longa lição de História, quando estimulei a sua opinião sobre a evolução da nova Rússia. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A Polónia, por essa altura, ainda não fazia parte da NATO e da União Europeia. A fé de Geremek na capacidade de regeneração democrática do regime russo era basicamente idêntica à do meu anterior interlocutor de Londres. “Historicamente, a liberdade não mobiliza os russos. A alma da Rússia é a autoridade”. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por estes dias, lembrei-me de uma outra frase que o MNE polaco então me disse: “O futuro da Ucrânia é a grande preocupação da politica externa da Polónia”. Na altura, achei aquilo algo excessivo. Olhando o mapa e o correr dos tempos, percebi. O papel axial que Varsóvia tem vindo a desempenhar na tentativa de ancoragem da Ucrânia ao mundo ocidental está na linha dessa preocupação.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Ao longo da vida, tive a sorte de conseguir falar, sem a capa das conversas oficiais, com gente de quase todos os países que foram gerados pela implosão da União Soviética, bem como de quantos dela havia sido parceiros no mundo do “socialismo real”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A atitude face à Rússia de todas essas pessoas não foi a mesma, mas tinha quase sempre um ponto comum: a ideia de que lhes era essencial reforçar as respetivas nacionalidades, como forma de evitar que uma pulsão centrípeta de Moscovo pudesse fazer voltar atrás o relógio da História. Naqueles que partilhavam a nossa geografia continental, vi uma vontade, praticamente unânime, de integrar as instituições europeias e euro-atlânticas, como escudo para o futuro.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Muitas vezes, confesso, impressionou-me a imediata acrimónia que alguns exalavam quando o nome da Rússia vinha à baila, dando comigo a reagir intimamente ao que interpretava com um exagero nacionalista. Com o tempo, contudo, fui dando por adquirido que é praticamente impossível colocarmo-nos no lugar de quantos passaram por experiências históricas de grande dimensão traumática.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Nas poucas ocasiões em que estive na Rússia, em conversas fora dos circuitos oficiais que consegui ter, ou com russos que fui cruzando pelo mundo, mantive sempre uma imensa curiosidade em tentar perceber como viviam os seus novos tempos. Anotei o quase embaraço como, às vezes com grande humildade e até algum esforçado humor, me relatavam as desventuras da sociedade russa contemporânea, quase sempre sem apostarem uma grande esperança num melhor futuro. Raramente lhes consegui arrancar elogios a Gorbachev, sentia-os hesitantes a valorizarem Yeltsin, notei-os sempre divididos quanto a Putin. Mas todos reconheciam que era neste último líder que muitos dos seus compatriotas depositavam alguma esperança. E que daí vinha muito da força de Putin.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;"><i>O fim da distensão</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Passaram já 20 anos. Quando, em 2002, fui para Viena dirigir a então presidência portuguesa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) sabia que a Rússia constituía, com os Estados Unidos, o “duopólio” que determinava o andamento da organização. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Vinha de Nova Iorque, de uma cidade marcada pelo recente “11 de setembro”, tragédia que, por algum tempo, tinha feito abater bandeiras no seio da ONU, onde eu era embaixador. Portugal fazia ali parte da “troika” de observadores do processo de paz em Angola, precisamente com os EUA e a Rússia. O último almoço a três que tinha organizado em minha casa correra num ambiente simpático. O convidado russo chamava-se Sergei Lavrov.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">O ambiente que fui encontrar em Viena tinha uma tensão bem maior, polarizada nos representantes dessas mesmas duas potências. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Como tínhamos chegado até ali? O que é que tinha corrido mal?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Nos anos 70, entre o mundo ocidental e a União Soviética, dois poderes que, por décadas, tinham mantido entre si uma forte rivalidade militar no quadro da Guerra Fria, de paralelo com um esforço de proselitismo dos seus projetos à escala global, havia começado a desenhar-se o terreno de algum diálogo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Em 1975, como saldo desse esforço diplomático de aproximação, foi assinado o Ato Final de Helsínquia, um texto de compromisso, com medidas geradoras de confiança entre as duas partes, recheado das ambiguidades semânticas com que os diplomatas conseguem ganhar tempo e, às vezes, alguma paz. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Ironicamente, para nós, portugueses, 1975 seria precisamente o ano em que, na nossa política interna, se viveu um “Leste-Oeste” e, em algumas das nossas antigas colónias, a Guerra Fria continuou acesa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">O declínio da URSS, como potência, foi-se acelerando, desde então. Incapaz de sustentar a rivalidade económica e tecnológica com os EUA, o poder soviético entrou em crise e, em 1991, o país implodiu, dando origem a 15 Estados diferentes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A ordem liberal parecia ter uma passadeira à sua frente, mas o “fim da História”, prognosticado por quem não percebe que dela nunca nos libertamos, era um falso bom alarme. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Moscovo tinha passado, entretanto, a capital do país sucessor da URSS, a Rússia. Era um Estado herdeiro daquele outro que fora visivelmente derrotado pelos EUA, numa Guerra Fria onde ambos os lados só tinham combatido através de terceiros, em zonas de confluência dos respetivos poderes. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">O inesperado “flirt” da nova Rússia com o mundo vencedor foi breve e, quase sempre, algo equívoco. Os EUA terão prometido à Rússia que a NATO, depois do Pacto de Varsóvia ter sido dissolvido, se não expandiria para Leste. Não foi isso que veio a acontecer. Porém, a verdade é que a Rússia à qual o ocidente fizera essa promessa também já não era exatamente a mesma. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A Rússia era agora Vladimir Putin, um homem que terá concluído que tinha mais vantagens em ser temido do que em ser respeitado. O seu poder, quase unipessoal e democraticamente mais do que duvidoso, deu razões à sua vizinhança imediata a Oeste para se manter “de pé atrás”, quanto ao futuro. E esses países procuraram atenuar os seus receios com a obtenção da integração na NATO e na União Europeia. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Voltemos a Viena, a esse ano de 2002. A OSCE, a que Portugal presidiu durante esse ano, tinha sido o porto de chegada do laborioso processo de distensão entre o Leste e o Oeste. Mas muita água tinha corrido entretanto sob as pontes do Danúbio. Longe se estava já dos dias em que o diálogo fluía, a confiança era ainda possível e tudo parecia encaminhado para um futuro de cooperação. Pelo contrário, as tensões eram cada vez mais fortes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A Portugal, que era e é conhecido como um eficaz “honest broker”, competia procurar conciliar as leituras da realidade política internacional que ia “de Vancouver a Vladivostok”, como então se dizia. Sabíamos que havia por ali duas culturas de segurança em evidente contraste: um mundo que era chamado de “a Oeste de Viena” que a Rússia acusava de querer, cada vez mais, dar lições de democracia aos países “a Leste de Viena”. Moscovo era o óbvio “protetor“ de quantos eram vistos como infringindo o “template” democrático, dos Balcãs à Ásia Central, passando pelo Cáucaso. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Nesse ano de 2002, no Porto, em dezembro, todos os então 55 países membros da organização subscreveram os mesmos textos, preparados por nós. Colocar Washington e Moscovo de comum acordo numa perspetiva sobre conflitos e outras situações de instabilidade foi obra! Nunca esse entendimento voltou a ser reeditado na história da OSCE. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Voltei à OSCE, em duas ocasiões recentes, a última há menos de um ano: o ambiente da relação entre Washington e Moscovo, inquinado pela conjuntura pareceu-me já dificilmente insuperável. A atual situação só confirma isso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;"><i>E agora?</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">No momento em que escrevo, não faça a menor ideia de que forma a situação internacional, decorrente da invasão russa da Ucrânia, evoluirá.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Uma coisa tenho por certa: alguma aquietação da crise atual acabará por fazer-se, com um saldo final, justo ou injusto, em que uns pagarão mais custos do que outros. E também sabemos que daí decorrerão ressentimentos, que irão adubar o futuro, nem sempre num sentido positivo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A História sempre nos mostrou que, por maiores que tenham sido as tragédias ocorridas entre os Estados, o tempo tende, em geral, a desaguar em tempos de alguma acalmia E que, cedo ou tarde, irão surgir “pontes” entre os adversários de hoje, por necessidade da acomodação mútua.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A alguns, pode parecer chocante, num tempo de mobilização emocional como a que se vive, estar a sublinhar a necessidade da restauração do diálogo diplomático entre o ocidente e a Rússia, com Putin ou com outro líder no Kremlin.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">A geografia, contudo, tem determinantes que forçam sempre a realidade. A Rússia, seja ela o que vier a ser, nunca vai deixar de ser vizinha desta Europa. Um lado do continente a que as últimas décadas, somadas aos acontecimentos iniciados em fevereiro de 2022, tornou ainda mais coeso dentro de si, quer na sua aliança militar, quer na interligação económica que as instituições comunitárias potenciaram. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;">Quando haverá condições para re-inaugurar uma nova “détente”, envolvendo Moscovo, é impossível de prever. Mas como sempre aconteceu na História, a hora da diplomacia acabará por chegar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(<i>Artigo publicado na revista Visão, em 2.3.22)</i></div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-72324668192877553422021-06-19T13:33:00.002+02:002021-06-19T13:33:15.637+02:00Guterres<div style="text-align: justify;">Há cinco anos, quando António Guterres tomou posse do cargo de secretário-geral da ONU, senti um imenso orgulho pela circunstância de alguém com que tinha trabalhado de perto, cujas excecionais qualidades havia tido o ensejo de apreciar e admirar, ter ascendido à mais relevante posição no quadro multilateral mundial. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Fui um entusiasta dessa candidatura, por três básicas razões. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A primeira é que acho que, salvo alguns momentos menos felizes, o Portugal democrático, nos seus diversos ciclos políticos, tem sabido ser fiel aos grandes princípios e valores que fazem parte do acervo civilizacional coletivo dos mundos de que o país decidiu pertencer, que a diplomacia permitida pela Revolução de Abril ajudou a construir. A chegada de um cidadão português àquele lugar de topo no sistema de regulação internacional, por evidente mérito e não por combinas de lóbis e jogos de poder, representava uma prestigiante consagração para Portugal e para a sua diplomacia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A segunda razão tinha a ver com o próprio António Guterres. A política é uma atividade dura e, muitas vezes, injusta para os seus atores. Fiz parte, com grande orgulho, dos dois governos chefiados por António Guterres. No termo desses dois ciclos, dei-me conta de que a retribuição, no imaginário nacional, face ao esforço feito por António Guterres para contribuir para uma transformação serena e não confrontacional do país, havia sido escassa. Guterres provou depois, no excecional trabalho feito na área dos refugiados, a consistência de um pensamento solidário e de um elevado sentido de responsabilidade moral. A sua escolha, transparente e indiscutível, para as Nações Unidas, foi um corolário de justiça.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Finalmente, conhecendo um pouco das Nações Unidas, por lá ter trabalhado e por acompanhar com alguma atenção a sua evolução, mas igualmente por ser um “militante” do multilateralismo, achei que uma figura como António Guterres representava, à perfeição, aquilo que a organização necessitava, em especial no tocante à sua adaptação a agendas de modernidade - menos retóricas e mais práticas - que lhe permitissem ganhar legitimidade e espaço de mobilização das opiniões públicas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A estas três razões positivas, somava-se uma preocupação forte: o risco de que uma evolução negativa dentro do país-chave para os sucessos ou insucessos da ONU, os Estados Unidos, pudesse vir fazer correr à organização estaria melhor protegido com alguém que lhe soubesse preservar os princípios e servisse de escudo ético a qualquer instrumentalização ou desvirtuamento. Isso aconteceu, com Trump. Guterres foi o líder da “resistência”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Agora, o sentido aclamatório que acolheu a reeleição de Guterres prova o acerto da anterior decisão. Os sinais que chegam de Washington a Nova Iorque são positivos, embora a experiência nos deva tornar prudentes quanto a um excessivo otimismo. Se Biden vier a ser o que parece ser, com Guterres na chefia da ONU, não obstante um tempo turbulento que se aguarda no cenário confrontacional global, o mundo fica muito mais seguro.</div><p class="p4" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-size: 21.1px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 9px 0px 8px;"><span class="s2" style="font-size: 21.13px;"></span></p>Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-81932576882637312262021-06-19T02:21:00.003+02:002021-06-19T02:21:43.290+02:00OSCE, Viena<p> <i style="text-align: justify;">Intervention of Ambassador Francisco Seixas da Costa Former Chairperson of the OSCE Permanent Council, Portugal 13th Meeting of the OSCE IWG Structured Dialogue in Capitals Format Vienna, </i></p><p style="text-align: center;"><i>17 June 2021</i></p><p style="text-align: justify;">Excellencies, Ladies and Gentlemen</p><p style="text-align: justify;">It is for me a great honour – but also a great pleasure – to be invited to address this meeting of the Informal Working Group of the Structured Dialogue in Capitals Format, under Spanish Chairpersonship. I want to thank Ambassador Luis Cuesta, Permanent Representative of Spain, for his kind invitation to be here today.</p><p style="text-align: justify;">I hope my viewpoint will complement the rich and interesting interventions of Dr. Ian Anthony and Mr. Andrei Vorobiev, a fellow colleague of profession.</p><p style="text-align: justify;">In 2016, I had the privilege to address a joint meeting of the OSCE Forum for Security Co-Operation and the Permanent Council and to reflect on the 20 years of the Lisbon Framework for Arms Control. I saw then the genesis of what is now the “Structured Dialogue”. Now, I have the chance to see what was achieved so far and, hopefully, what are the paths lying ahead.</p><p style="text-align: justify;">I have to say this is a matter of great interest to me as the OSCE is an important part of my life. This is an organisation whose relevance I never failed to stress, whose contribution to international peace and security I have always endeavoured to highlight.</p><p style="text-align: justify;">Excellencies, Ladies and Gentlemen,</p><p style="text-align: justify;">As a disclaimer, let me stress these are my own viewpoints. These are the perspectives of someone who no longer represents the Portuguese Government, but who deeply enjoyed his work in OSCE, that tries to keep track of the international agenda and, with modesty, believes he may have something to share with you.</p><p style="text-align: justify;">Dialogue is the key of politico-diplomatic relations, as everybody knows. 25 years ago, when the OSCE Lisbon Summit took place, it seemed that dialogue was possible everywhere. CSCE had just become the OSCE and several documents and agreements were reached: the CFE Treaty, the Open Skies Treaty, the Vienna Document and its updates – and I am just referring to elements of the politico- military dimension, which is the main focus of our attention today. Important bridges between East and West were being built. The talk about “East and West of Vienna” was not used as it is now...</p><p style="text-align: justify;">In the 90’s there were “winds of change” that everybody looked at windows of opportunity. I stress “everybody” because it was quite clear that all sides shared that perspective, even looking from different geographies. We got the impression that a new spirit of international co-operation was there forever. The Cold War was over and everything seemed possible. Looking back, we need to understand that we were too optimistic. Even naive...</p><p style="text-align: justify;">Focusing on the OSCE and the matters at hand, I am glad we seized such opportunities, but I regret they did not hold as they should have.</p><p style="text-align: justify;">Nonetheless, the doors are always open.</p><p style="text-align: justify;">The first main takeaway from that period is that we should explore an chance when it is presented to us. The 90’s were certainly a golden opportunity, but we should not think in dichotomic angles: opportunity and no opportunity. It is more like a continuum.</p><p style="text-align: justify;">But let’s start by being realistic. The reasons for the current statu quo are to be found not here, in the Hofburg, but outside. The OSCE is not an “object” that floats in the outer space... This organisation reflects the “state of play” in terms of the strategic relationships that are projected in today’s world.</p><p style="text-align: justify;">I would like to remember the suspicion and disagreement of the 70’s. The CSCE process was possible and a decisive institutional step, with the OSCE, was taken.</p><p style="text-align: justify;">Were the circumstances better at that time? Was it a window of opportunity? Or did we have a different kind of window?</p><p style="text-align: justify;">I learned one important lesson in the decades I worked in international affairs, from the United Nation to the OSCE: if there is something we can do, even at a smaller scale, to improve security, stability and predictability we should grab it.</p><p style="text-align: justify;">As I understand, much of the discussions in this forum have been revolving around transparency, risk reduction and incident prevention. Is this as ambitious as we had in the past? It does not seem so. But is it relevant? I would say it is.</p><p style="text-align: justify;">A second takeaway would be notion of understanding, essential to achieve common results. It was easy for us to understand each other or it did make more efforts to do so?</p><p style="text-align: justify;">The goal of the Spanish Chairpersonship of this forum, to increase common understandings, goes, in my view, precisely in the right direction. Five years ago, I remember I quoted here several passages from the Lisbon Summit Document. I will not read them again, but I would ask again the same question I did before: “Are we sure that we would be capable, all of us, to recognize ourselves under those common banners?”</p><p style="text-align: justify;">I understand that some of us consider that the security balance is not exactly what it was. With different perspectives we may agree the things are not what they were. But our responsibility is to show our good faith and implement our previous commitments.</p><p style="text-align: justify;">The only way to do that is to confirm what we signed up to. And that does not preclude the possibility of having a discussion about it. Apparently, some partners read things in a different way. They consider that the strategic balance changed, and the commitments need to be revisited. I think a discussion around those commitments may be made, but until that discussion is concluded we need to abide by what was subscribed. These are the rules of any kind of agreement in good faith.</p><p style="text-align: justify;">It is evident that the achievements of the 90’s did not hold as we envisaged. It is also evident that the erosion of our common security architecture has continued since the last time I was here. I recall:</p><p style="text-align: justify;">• The CFE Treaty continues without fulfilling its potential;</p><p style="text-align: justify;">• The Vienna Document modernization remains to be achieved, despite the mismatch with the military structures’ evolution;</p><p style="text-align: justify;">• The Open Skies Treaty is faced with withdrawals.</p><p style="text-align: justify;">You know this by heart, but I could not fail to stress it.</p><p style="text-align: justify;">Can we blame the Lisbon Framework for Arms Control? Sometimes I ask myself this question. And my answer is no. We can think about the Framework as some kind of “Constitution” for arms control (the OSCE itself has different “constitutional” texts): it spells out the fundamental principles, but it needs laws to be further implemented and detailed. Needless to say, such laws need continuous review and update. So, as the Framework retains its validity and relevance, the answer is no, in my view it should not be blamed.</p><p style="text-align: justify;">Common will to address the current security situation is paramount. I would stress the political will. However, by no means I diminish the so-called “technical level”, of both diplomats and military.</p><p style="text-align: justify;">During the Lisbon Summit I was a member of the Portuguese government, with responsibilities in the European affairs. And I remember the importance of the “technical” input in our discussions and how this was relevant for our achievements. In the politico-military sphere, such knowledge is not less relevant. I would say the contrary.</p><p style="text-align: justify;">Dialogue is the DNA of diplomatic services. So, in principle, it should not be a particular feat to engage in such activities. But we need to think about the progress the international community did in bringing the military establishments to cooperate with each other in order to avoid the risks of war and preserve peace. The reduction of the relevance of the military factors in European affairs was the major common victory we have achieved in the previous decades and the OSCE was decisive for that. This was an outstanding achievement which contributed to the transparency and predictability, with positive effects in the security across the whole continent.</p><p style="text-align: justify;">Despite the great accomplishments of the past we must accept the reality that a great divide prevails today in the OSCE. I repeat what I said earlier: the reasons for that need to be found elsewhere, and we all know what is at stake.</p><p style="text-align: justify;">But the past experience proved that it is in everybody’s interest to preserve the “acquis” of OSCE. Some believe there is no room for improvements in our confidence and security building measures unless the rights conditions are place. If we “wait for Godot” we may lose the timing.</p><p style="text-align: justify;">Others refer to the importance of taking concrete steps to have the desirable trust and confidence.</p><p style="text-align: justify;">At the same time, disagreement on the root causes of conflicts remain.</p><p style="text-align: justify;">We need to give dialogue a chance. The OSCE remains an irreplaceable platform for dialogue and for the creation of a common culture in security and co- operation. I remember I had that idea in 1996. I confirmed it in 2002, when I chaired the Permanent Council – and I must say I still feel proud when I remember that it took me many hours to reach the Porto agreements, including the political declaration, the last to reach consensus at ministerial level. I recall many people warned me that this was not possible. With political will and some sense of compromise I proved them wrong. We all prove them wrong.</p><p style="text-align: justify;">I know things are now different from what they were 19 years ago. But we remain seated around the same table, even if not in practical terms today. That proves that we still consider OSCE has an important role to play.</p><p style="text-align: justify;">Not to agree to talk openly about the basic issues which are at the core of this organization may condemn it to irrelevance, which, I think, is in nobody’s interest.</p><p style="text-align: justify;">Our ultimate goal, we need to remember everyday, is not arms control. This is only a tool. Our essential goal is to maintain peace and stability. And we cannot fail on this.</p><p style="text-align: justify;">Thank you very much for your attention.</p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-44847356860926348542021-04-17T03:30:00.003+02:002021-04-17T03:53:19.081+02:00Presidências europeias - uma realidade mutante<div style="text-align: justify;">Quem, distraidamente, olhar o modelo das presidências do Conselho da União Europeia, constatando que a rotina da sua rotação semestral permanece intocável, pode ficar com a ideia de que o modo como cada Estado-membro é chamado a exercer essas funções permanece, basicamente, idêntico, desde o início das instituições europeias. Essa perceção é apenas ilusória. A realidade é bastante diferente. E há razões justificativas para isso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desde a sua fundação, o processo integrador europeu viveu sob a necessidade de compatibilizar a eficácia operativa das suas instituições com a sujeição do modelo a constantes testes de legitimidade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Essa necessidade foi-se acentuando à medida que o leque de temáticas abrangidas pelo processo integrador se foi diversificando - aprofundando, no jargão europês - e, muito em particular, a partir do momento em que áreas tradicionalmente reservadas ao poder soberano dos Estados - moeda, política externa e de defesa, justiça e assuntos internos - passaram a ser abordadas à mesa de Bruxelas, pela porta aberta em Maastricht.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Também o alargamento geográfico da União, agora com Estados cujo padrão médio de interesses, nomeadamente no processo legislativo, se afastou daquele que antes prevalecia, ameaçando a tradicional preeminência dos contribuintes líquidos, obrigou a um “preemptive strike” em sede de modificação dos tratados - objetivado no Tratado de Nice e consagrado no Tratado de Lisboa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O objetivo, não declarado, foi garantir que quem se tinha habituado, desde o seu início, a ter o poder de condução do processo integrador o não viesse a perder, ou a diluir excessivamente, por virtude do aumento do número de novos parceiros, a grande maioria dos quais, à época, estava afastada do anterior “mainstream” de interesses prevalecente. Com maior ou menor retórica a envolver os discursos justificativos, na União Europeia as coisas acabam por ser bastante simples. Mas muitos consideram que esta é apenas uma questão de eficácia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas a paralela questão da legitimidade das decisões, que se liga muito à sua aceitabilidade, é também uma preocupação constante da vida europeia. Daí que, ao longo dos anos, o chamado “défice democrático” nas instituições europeias tenha vindo a ser constatado como uma evidência, percecionada como tal pelas opiniões públicas. Muito do trabalho em torno da revisão dos tratados não deixou de ter como objetivo procurar colmatar essa falha.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O crescente reforço do Parlamento Europeu vai nessa direção, mas a necessidade de o compatibilizar com a preservação dos poderes constitucionais dos parlamentos nacionais não deixa também de estar presente nesse debate - um debate que nunca terá fim, tanto mais que se faz num mercado opinativo marcado pela sensibilidade diferenciada existente sobre o assunto no seio dos diversos Estados.</div><div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div></div><div><div style="text-align: justify;"><i>O papel do Conselho</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na constelação de poderes que se refletem no processo legislativo em Bruxelas, os governos dos Estados-membros, sob uma lógica irrecusável, nunca deixaram de reivindicar para si o papel central, atenta a legitimidade decorrente do voto nacional que lhes garante o lugar à mesa decisória.</div></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao longo dos anos, foram acordando no seu poder relativo: no início, as diferenças entre si não eram tão acentuadas, mais recentemente os tratados vieram a consagrar um fosso maior entre eles, com a chamada “ponderação” de voto - isto é, o seu multiplicador de força - a ficar ligado ao próprio peso demográfico, o qual, aliás, tinha já no Parlamento Europeu uma área de forte expressão. A ideia teórica da igualdade dos Estados, que decorria do Direito Internacional, era cada vez mais isso mesmo: teórica.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A perda do direito a uma indigitação desigual de membros para a Comissão Europeia - lembremos que, no passado, cada Estado “grande” podia indicar dois comissários - a que o Tratado de Nice pôs termo, com compensação no poder de voto nacional no Conselho e no número de deputados no areópago de Estrasburgo, atenuou, de certo modo, a possibilidade dos Estados utilizarem a Comissão como terreno de barganha de poder. Todos sabemos, no entanto, que, mesmo aí, os poderes “de facto” continuam a ter desigual influência, mas, pelo menos, ficou atenuada, no plano formal, essa diferenciação.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>A rotação das presidências</i></div><div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dentro da afirmação da legitimidade e representatividade dos Estados, fez sempre parte integrante o exercício semestral da presidência do Conselho de Ministros.</div></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dar a cada Estado-membro a possibilidade de, rotativamente, ser visto “à frente” das instituições comunitárias confere a estas um sentido mais democrático, tanto mais que nesse exercício os pequenos Estados surgem lado a lado com outros mais poderosos, numa aparente paridade. Esta coreografia tem, ainda hoje, reflexos no modo como, em alguns países, a Europa é percebida. Funciona, no fundo, como um instrumento de proselitismo europeísta, como um fator de mobilização para o projeto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas começou a ser claro que, ao lado desses aspetos positivos, as instituições podiam vir a sofrer consequências negativas dessa cíclica rotação, que podia conduzir a máquina comunitária a ficar sob uma deficiente liderança por um período de meio ano. Podemos imaginar que o grande alargamento terá sido a pedra de toque para tentar dar maior continuidade à liderança do Conselho Europeu.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Com o Tratado de Lisboa, surge assim a criação da figura de um presidente do Conselho Europeu, estabelecendo uma bicefalia de poder com a chefia da Comissão Europeia, e, no plano institucional, tendo como outro parceiro o presidente do Parlamento Europeu.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao líder do Estado-membro que tem a presidência rotativa é dado, naturalmente, um papel de destaque, mas essa mesma tarefa está a anos-luz daquilo que era a sua posição no passado. Dir-se-á que muito se ganhou em eficácia, mas algo se perdeu na legitimidade da União, aos olhos dos cidadãos nacionais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>Os derrotados institucionais</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas os maiores perdedores institucionais são, sem a menor dúvida, os ministros dos Negócios Estrangeiros.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Antes dos atuais Conselhos Europeus existirem, ou quando apenas funcionavam como reunião informal orientadora, o papel decisório central nas instituições comunitárias era cometido aos ministros dos Negócios Estrangeiros - a quem era atribuído o título de “presidente do Conselho”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Era nas suas reuniões, em geral mensais, que desembocava, para ratificação final, tudo o que emanava dos Conselhos sectoriais de ministros, muito embora, desde muito cedo, áreas como a Agricultura ou a Economia e Finanças tivessem marcado uma forte autonomia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Contudo, o caráter central dos Conselhos de ministros “Assuntos Gerais”, onde tinham assente os chefes das diplomacias, manteve-se por muito tempo no patamar supremo do processo de decisão. Além disso, os ministros dos Negócios Estrangeiros passaram a ter lugar cativo nos Conselhos Europeus, ao lado dos chefes do Estado ou de governo. Se pensarmos bem, essa posição correspondia, na dimensão interna dos Estados, ao imenso papel coordenador, com o direito à última palavra, que os ministérios dos Negócios Estrangeiros, por muito tempo, tiveram sobre as questões europeias. Curiosamente, a avaliar apenas pelo caso português, isso nem sempre se refletia no lugar do ministro dos Negócios Estrangeiros na hierarquia governamental interna.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um dia, porém, esse mundo, quase impercetivelmente, desvaneceu-se. Aquilo a que a linguagem das Necessidades chama de “ministérios sectoriais” ganhou asas próprias, reforçou fortemente a sua presença direta em Bruxelas, através de gente sua colocada nas Representações Permanentes junto da União Europeia, em claro detrimento da coordenação feita nas capitais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Essa evolução não se fez da mesma forma em todos os países, mas é detetável uma tendência geral nesse sentido. Na perspetiva de alguns observadores, as questões europeias deixaram, em muitos casos, de ser vistas como do foro da política externa, para passarem a ser temas de natureza interna, que os ministérios técnicos discutem com os seus pares europeus e com as instituições, tendo pouco sentido continuar a tentar comportá-los num quadro diplomático tradicional. Essa leitura, segundo outros, esquece a importância da coordenação de posições, por forma a garantir a coerência global da atitude do país no quadro europeu.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas se o papel coordenador dos ministérios dos Negócios Estrangeiros se foi diluindo, alguns terão pensado que, pelo menos, aquilo que é o “core” da atividade das máquinas diplomáticas pudesse ser preservado nas mãos dos gestores da política externa, os ministros dos Negócios Estrangeiros. Mas, também aí, o mundo mudou bastante.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O crescente papel dos chefes do Estado ou de governo na vida europeia levou para as suas reuniões, para os Conselhos Europeus, o essencial das grandes decisões. E o Tratado de Lisboa, quase sem se dar por isso, consagrou a saída dos ministros dos Negócios Estrangeiros do lugar, no sentido físico da expressão, que tinham nos Conselhos Europeus. Agora, quando em Bruxelas se reúnem as figuras de topo dos executivos nacionais, vão acompanhadas com os membros do governo que têm a seu cargo os Assuntos Europeus, que obviamente não têm lugar na sala e que ficam num “backstage” de mero suporte. Aqueles de quem esses “junior ministers” politicamente dependem, os ministros dos Negócios Estrangeiros, esses ou ficam nas capitais ou dedicam-se a outras tarefas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas a Europa, para os chefes das diplomacia, acabou? Claro que não. Os ministros dos Negócios Estrangeiros continuam a reunir com regularidade, mas com uma pequena-grande diferença: enquanto cerca de uma dezena de formações ministeriais, mais técnicas, têm reuniões presididas pelos ministros do país que exerce a presidência semestral, as reuniões dos chefes das diplomacias passaram a ser tituladas pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, dependente do Conselho e que é, simultaneamente, vice-presidente da Comissão Europeia. Os chefes das diplomacias nacionais são “coordenados” pelo chefe da diplomacia europeia, assuma-se ou não isto abertamente.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas não só: por todo o mundo, a ação dos embaixadores dos Estados-membros passou a ser coordenada pelo representante diplomático da União, pertencente ao Serviço Europeu de Ação Externa, acreditado como embaixador da União Europeia. É ele quem reúne os embaixadores nacionais, quem fala localmente em nome da União. A mudança foi muito significativa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>Presidências condicionadas</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As presidências semestrais tiveram sempre condicionantes, que limitavam a liberdade dos Estados que as assumiam para desenharem um programa à sua exclusiva vontade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desde logo, porque estavam dependentes da conjuntura e não podiam estabelecer uma agenda que a não tivesse em conta. Depois, porque havia que respeitar o que estivesse no “pipeline” legislativo da União, sob proposta da Comissão. Finalmente, em especial tratando-se de Estados menos poderosos, porque era sempre necessário negociar a colocação na agenda semestral de iniciativas que pudessem ser vistas como abalando a rotina e os ritmos marcados pelos “powers that be” dentro da máquina.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Acresce que, para evitar grandes surpresas, mas igualmente para garantir alguma uniformidade e sentido de continuidade, foi criado o chamado “trio” de presidências, que desenha um programa comum. E, não por acaso, foi alterada a ordem de exercício das presidências semestrais de forma a garantir que, nesse trio, há sempre um estado “grande” da União.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nada acontece por acaso nesta Europa...</div><div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">######</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><i><div style="text-align: justify;"><i>Uma presidência atípica</i></div></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A presidência de 2021 é a primeira que Portugal exerce sob o modelo criado pelo último Tratado europeu: o Tratado de Lisboa, finalizado precisamente durante a nossa última presidência, em 2007.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Portugal tem perante si um tempo europeu de grande exigência, seja na gestão das questões decorrentes da pandemia, como a distribuição das vacinas, seja nos efeitos do Brexit nos diversos aspetos da vida europeia. Mas, igualmente, espera-se da presidência um trabalho de impulso para acelerar o calendário das ajudas financeiras decididas durante a presidência alemã. O facto da Comissão Europeia ter um papel central na execução prática de muitas destas dimensões, não dispensa o Estado-membro que exerce a presidência da necessidade de intervir nas arbitragens que vierem a ser entendidas por necessárias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Dois pontos se destacam, entre outros, naquilo que a presidência portuguesa quer deixar como sua marca no semestre: a realização da cimeira europeia com a Índia e um Conselho Europeu dedicado a consagrar um conjunto de decisões, que anuncia como muito significativo, na área social. No primeiro caso, estamos perante o diálogo com uma potência emergente com uma posição determinante na área indo-pacífica. No segundo, numa União marcada por um crescente afastamento dos cidadãos, o reforço da dimensão social pode ser uma chave determinante para mudar algumas perceções negativas e dar um novo impulso à agenda europeia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">######</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><i><div style="text-align: justify;"><i>Francisco Seixas da Costa é investigador do “Observare” - Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), onde também é docente. Foi embaixador português no Brasil, em França e em organizações internacionais (ONU, OSCE e UNESCO) e secretário de Estado dos Assuntos Europeus (1995/2001). </i><i>É atualmente gestor e consultor de empresas, colunista na imprensa e comentador de temas internacionais. É presidente do “Clube de Lisboa”.</i></div></i><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(Texto publicado no Anuário Janus 2020/2021)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <div style="text-align: justify;"><br /></div><br /> </div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-78269002635450722092020-11-12T20:35:00.001+01:002020-11-12T20:35:11.425+01:00A exportação e a pandemia<div style="text-align: justify;">É uma evidência que a atual pandemia veio interromper um tempo excecional na afirmação dos setores exportadores da nossa economia. O esforço que muitas empresas estavam a fazer, em termos de diversificação geográfica dos mercados e na crescente qualificação dos seus produtos destinados ao exterior, sofreu um sério abalo. Podemos imaginar que a incerteza agora instalada angustie fortemente os muitos milhares de pessoas que se consagram a esses setores, ou deles dependem, alguns dos quais cumulavam a atividade exportadora com uma dependência do mercado nacional, também hoje em sérias dificuldades, devido à quebra do consumo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Embora haja alguns traços comuns, o quadro de problemas que afeta as empresas, ao que se vai sabendo, é muito diferenciado. É em momentos como estes que o papel do associativismo empresarial se revela insubstituível, por forma a conseguir tipificar e agregar os vários casos, tornando mais fácil e melhor direcionada a sequente mobilização das políticas públicas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A esperança criada nos efeitos do futuro Plano de Recuperação e Resiliência tem uma óbvia razão de ser. Mas é evidente que muitas empresas, infelizmente, ou não terão capacidade para virem a beneficiar, ainda que de forma indireta, desses fundos, por não serem adequados à sua matriz produtiva, ou, como seguramente irá acontecer com muitas PMEs, porque dificilmente resistirão no mercado até se sentirem os efeitos colaterais desses instrumentos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por isso, é na eficácia das ajudas já desenhadas que a esperança imediata deve ser colocada. Mas tendo sempre presente uma evidência: estamos a falar apenas de medidas paliativas, cuja eficácia, num quadro temporal alargado, tenderá sempre a diluir-se. Por isso, é da permanência dos efeitos da pandemia que tudo, em derradeira instância, vai depender.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dito isto, que fique bem claro que entendo que dificilmente se poderia ter escolhido um caminho diferente. É altamente meritório o esforço que está a ser feito por todos – governo, parceiros sociais e empresas - para garantir o maior, e qualitativamente melhor, impacto possível do considerável montante de ajudas que se conseguiu mobilizar. Neste caso, reconheçamos, também graças à sensata decisão europeia de flexibilizar os limites financeiros, no quadro da regulação da moeda única.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esta crise é muito atípica. A circunstância de, ao contrário de outras, ser relativamente simétrica, isto é, afetar o comportamento da generalidade dos mercados e não apenas alguns, deprimidos ou menos robustos por razões específicas, agrava fortemente este panorama.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Com efeito, o que se passa reduz, em muito, a possibilidade de recurso à estratégia tradicional das empresas de partirem na busca de mercados alternativos, ainda que conjunturais. Nas atuais condições, o tecido exportador vê-se obrigado a ficar à espera da reabertura de cada mercado, dependente de um calendário que tem a ver com o modo como o país importador foi afetado, em termos de pandemia e dos seus efeitos económicos internos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nesta navegação à vista, com grande grau de imprevisibilidade, a resiliência das empresas vai ela própria depender de fatores muito diversos e variáveis, setor a setor. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma coisa me parece clara: se a ajuda oficial não for capaz de garantir-se como “almofada” para os custos fixos da mão-de-obra – e, como disse, há óbvios limites para o seu prolongamento indefinido no tempo -, se a política de crédito não tiver um comportamento generoso e realista, podemos vir a assistir a um grave surto de falências, que seria particularmente injusto depois do trabalho notável que o setor empresarial fez, em especial desde a “travessia do deserto”, em tempos de “troika”. Muitas unidades empresariais teriam de começar de novo, mas muito emprego ter-se-ia entretanto perdido, com as naturais consequências sociais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Falei essencialmente de produtos, industriais ou agrícolas. Mas é evidente que os serviços surgem também afetados pelo atual estado de coisas, embora, neste caso, com variações mais sensíveis dentro do setor. Por exemplo, em certos domínios, é sabido que as restrições à circulação e ao transporte puderam ser minoradas por uma maior e mais fácil utilização dos meios digitais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nas atuais condições, temos de ser realistas: resta aguardar e estar atento aos sinais dos diversos mercados.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há, contudo, em quase todos os setores, um importante trabalho de casa que não deve esperar. Isso prende-se com uma nova realidade que esta pandemia trouxe e que veio para ficar, quer quanto à estrutura de operação laboral, quer quanto aos modelos de promoção comercial, quer, finalmente, quanto às fórmulas de relação humana.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No primeiro caso, o aperfeiçoamento das condições de higiene e dos modelos de sustentabilidade, em que já se tinham dado passos muito importantes, vai ter de ser aprofundado. Do mesmo modo, o recurso sistemático a fórmulas de teletrabalho, para dimensões várias da atividade empresarial, vai ter de ficar fixado em permanência, com tudo o que isso implica, nomeadamente na complexidade dos seus impactos no enquadramento legal das relações laborais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por outro lado, e isto é muito importante para domínios relevantes do setor exportador, o modelo tradicional das feiras e eventos promocionais, não devendo naturalmente desaparecer, vai, com toda a certeza, passar a rodear-se de fórmulas de segurança e operação que, inevitavelmente, terão repercussão sobre os custos, pelo que será aqui importante refletir sobre a necessidade de encarar maiores apoios oficiais à participação nesse tipo de eventos. Mas haverá sempre que prever um crescente recurso a novas e imaginativas formas de promoção comercial – uma vez mais com o digital no centro dessa nova prática.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Finalmente, nenhum cenário parece apontar para que se regresse a um “business as usual” em termos de frequência de viagens e fácil estabelecimento de contactos presenciais. Não sendo estes dispensáveis, bem entendido, a nova realidade implica que tenha de haver um repensar dos modelos tradicionais de relação inter-pessoal. O recurso ao meios telemáticos, estando longe de poder substituir esses mesmos contactos, vai necessariamente intensificar-se, sendo, aliás, de prever rápidas melhorias tecnológicas, que deem a esses mesmos sistemas maior dinâmica, eficácia e menor penosidade na utilização.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Os tempos não estão fáceis. Das empresas, exige-se rigor, proporcionalidade e realismo naquilo que é pedido ao erário público, bem como uma seriedade extrema na utilização dos recursos. Do Estado, espera-se uma grande atenção para com as necessidades do tecido empresarial, flexibilidade e imaginação no desenho das medidas de exceção, na certeza de que a recuperação será tanto mais fácil quando mais se puder preservar aquilo que estava são e que só uma conjuntura adversa veio afetar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(<i>Artigo publicado na edição de novembro da revista PortugalGlobal, a convite da AICEP)</i></div></div><div><br /></div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-38825964772369713682020-09-17T19:53:00.001+02:002020-09-17T19:53:04.369+02:00Apresentação de “Sem Papas na Língua”<div style="text-align: justify;"><b><i>Intervenção no lançamento do livro “Sem Papas na Língua”, de Zé de Bragança (José Luis Seixas), em 16 de setembro de 2020, no Palácio Galveias</i></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Quero começar por agradecer ao Zé Luís, e também à Isabel Stilwell, a amabilidade que tiveram, ao convidar-me para intervir na sessão de apresentação deste livro de crónicas. Contrariamente ao professor Ernesto Rodrigues, não tenho nenhuma qualificação particular que me recomende para apreciar textos desta natureza, salvo o facto de ser um leitor, embora tardio, confesso, de algumas destas crónicas. E, agora, do livro. Levo assim este amável convite à conta, exclusivamente, da grande amizade que me une ao Zé Luís.</div><div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">O lançamento de um livro, porque é preparado com muita antecedência, sofre inevitavelmente das limitações decorrentes da conjuntura, que não pode antecipar. Não se trata da pandemia, que já aí estava quando esta data foi escolhida, mas a acontecimentos supervenientes à distribuição dos convites.Refiro-me, naturalmente, ao infortúnio que ontem desabou, em Salónica, sobre as afinidades clubistas do autor. Só a recusa da hipocrisia me impede de deixar uma palavra de pesar. Mas não posso deixar de dizer que eu, que venho de outra freguesia desportiva, de um clube ao fundo do Campo Grande - um clube essencialmente católico, porque só ganha quando Deus quiser - eu e os adeptos desse clube não temos a menor culpa desse infortúnio. Ecoando o que um defunto governo espalhava, em tempos, pelos corredores europeus, revelando bem o que era a sua elevada leitura da solidariedade: “Nós não somos a Grécia!” Mas, ontem, gostávamos de ter sido...</div><div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">As determinantes de conjuntura não se ficam, porém, por aqui. O Dr. António Costa, que por mais de uma vez surge zurzido no texto do livro que hoje junta, é, afinal, um “compagnon de route” do autor, numa campanha alegre - encarnada para uns, vermelha para outros - que por aí anda. E nós interrogamo-nos sobre se, tal como o Dr. Telmo Correia, o autor absolverá, no seu íntimo, a desastrada opção do Dr. António Costa de integrar a famigerada (entenda-se, gerada pela fama) comissão de honra. Mas, pronto!, não queremos saber! O que também me pergunto é se o Zé Luis não terá já intercedido junto da Isabel para que uma segunda edição elimine essas perturbadoras referências a um consócio]. A ver vamos! É que há opções de vida que se pagam caro, meu caro Zé Luis. E sei do que falo, pode crer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Como o professor Ernesto Rodrigues já referiu num texto que tive oportunidade de ler, este livro começa-se e não se pára de ler. Tem registos diferentes, mesmo do plano discursivo, alguns mais ferozes na crítica, outros mais intimistas na reflexão. Certas peças entram pela polémica sem cerimónias, à esquerda e à direita, talvez porque o autor é tributário de uma posição politica que lhe permite essas cotoveladas lateralizadas, hoje tão na moda.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Mas a política não esgota o mercado da polémica, a que o livro se não esquiva. Dessa atitude aguda é forte recipiente um “senhor maduro de idade quase provecta”, com residência fixa a norte, sobre cujas aventuras amorosas o autor elabora com algum detalhe, sem que se possa deduzir que esse passeio do autor pelos campos de fruta e pérolas afro-descendentes derive de qualquer rivalidade colorida. Nada disso! É uma mera coincidência!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Por quase todos os artigos, uns mais longos que outros, mas todos com uma extensão cómoda para leitura, perpassa sempre um assumido sentido irónico, um humor servido por um léxico rico, culto, ritmado na escrita. Ainda por ali muito da “Campanha Alegre” do Eça e do Ramalho, mas também ecoa-se o antigo estilo de Artur Portela Filho, de “A Funda”, ou das crónicas do Nuno Brederode de Santos que, há menos de um ano, também tive o gosto de ajudar a apresentar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Mas não nos enganemos: não é um livro de “anedotas”, no sentido anglo-saxónico do termo, isto é, historietas em que a diversão sobrevive na exploração do seu próprio exagero. Este é um livro sério porque, por detrás do tom leve que alimenta a escrita, surgem problemas concretos, aparecem críticas fortes a comportamentos e vícios, agarram-se, com ambas as mãos, temas de um país que, porque endemicamente em crise, justifica a permanência do discurso agudo sobre ele.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Eu não conheço o Zé Luís há muitos anos, mas conheço-o ao tempo suficiente para dizer que o conheço “de toda a vida”, para usar uma expressão do “tialecto” - isto é, o dialeto das tias - de alguma sociedade lisboeta - e não digo alfacinha para que não cheire a varinas. E julgando conhecer o Zé Luis - e estou a imaginar que o Becas deve estar a pensar: “isso julga você!” - eu acho que ele está todo neste livro.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Desde logo, ao expor o peito às balas do politicamente correto. E passo a citar, entrando “a matar”: “Pertenço a uma geração em que as coisas eram claras. Havia homens e mulheres. Os homens apaixonavam-se pelas mulheres e as mulheres pelos homens. Casavam-se e tinham filhos. Ponto final e parágrafo. Esta coisa de maridos casarem com maridos e esposas serem esposas de outras esposas causa-me a maiir das confusões. Correndo o risco do enxovalho público, digo mesmo mais: não me habituo a ver dois marmajões de bigodeira aos beijos na via pública nem me cai bem assistir aos afagos de duas matronas à porta do centro comercial”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Ora bem, todos sabemos que nenhum de nós pensa assim, estamos mesmos convencidos que o Zé Luis, lá no fundo, o não pensa verdadeiramente, tanto mais que todos estaremos de acordo em convir que o único, embora frágil, argumento em favor da heterossexualidade tem a ver com esse pormenor, quiçá despiciendo, de ser a sobrevivência da espécie humana. Passo rapidamente este momento que alguns poderão, erradamente, ler como homofóbico, mas que, numa perspetiva de esquerda - que é a minha, senão eu estava aqui a fazer nada - eu costumo chamar de “machismo-leninismo”. Aliás, o camarada Jerónimo, se aqui estivesse, por detrás da máscara, rir-se-ia a bom rir, tanto mais que algumas das histórias antigas das noites da Festa do Avante, nesta matéria, teriam muito para contar. Mas, adiante!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">O Zé Luis, como disse, surge neste livro por inteiro. Porque não esconde o que pensa, as suas escolhas religiosas, a preeminência dos valores da família, a ligação à sua terra, a leitura ética da vida cívica. Tudo isto me levaria à conclusão fácil de que estamos perante um livro por onde perpassa um espírito conservador. Mas será mesmo assim? O Zé Luís será mesmo um conservador?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Na política, com certeza. Andou muito pelo CDS mas, curiosamente, o CDS não anda muito pelas páginas deste livro. Aliás, verdade seja, o CDS não se tem visto andar muito, nos últimos tempos, por sítio nenhum - mas já ali presumo, por detrás da máscara, a cara façanhuda do Francisco, que desta forma confirma que este amigo do pai e do tio é, lá no fundo, um “comuna” empedernido.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Mas a dúvida que coloquei, ao ler este livro, sobre se o Zé Luis é um conservador ou não, é uma dúvida muito egoísta. E explico porquê: é que sendo eu ateu, favorável a quotas para mulheres, ferozmente anti-touradas, defensor da legitimidade do aborto e coisas assim, ao ler os textos reunidos neste livro, dou-me conta que, em tantos e tantos outros dos valores que dele dimanam, me sinto 1000% ao lado do Zé Luís. Ora eu posso ser conservador, mas não gosto que me chamem isso! Não fica bem no meu currículo de esquerda...</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Estou assim, com ele, na caricatura a alguns cromos, que retrata com tecla de mestre, no sobressalto ético que se pressente no modo como reage a algumas patifarias e patifes que a nossa sociedade parece aceitar como fazendo parte do “novo normal”, no sensato equilíbrio político que ressalta de muitas das suas análises - bem tributárias desse tempo antigo, aparentemente perdido, em que a democracia cristã fazia par com o socialismo democrático para construir a Europa. Nós, Zé Luís, somos herdeiros de boas alianças e cumplicidades que se perderam. Se, por aí, recebo o “insulto” de me chamarem conservador, pois bem, que assim seja!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">É claro que, neste caminho para o consenso, a página 133 do livro deixou-me em estado de choque, ao ler isto: “Espera-se ardentemente que se exclame nas urnas e massivamente: “Chega!”. Chega?! Só o pé-de-página clarificador, que prudentemente o Zé Luís logo inseriu, me sossegou. Tratava-se de um texto de 2011, embora, em 2011, o tal Ventura fosse um orgulhoso militante do então parceiro de coligação do CDS. Mas adiante!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">O texto deste livro termina com um compreensível desagravo à canalhice, menos por má fé e mais por ignorância, que foi feita, em tempos à cidade de Bragança, pelo facto de nela terem sido detetadas algumas “start ups” do mercado libidinal transfonteiriço. Nesse tempo, recordemos, houve um duelo de titãs do jornalismo mundial: o Mensageiro de Bragança versus a Time. O Mensageiro deu uma cabazada argumentativa à Time: em Bragança todos recordam os editoriais poderosos do periódico local. Dizem-me que, em Nova Iorque, os débeis argumentos da Time sobre as casas de alterne bragançanas feneceram há muito.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">A este respeito, acho justo que se note que nós, em Vila Real, mantivemos uma atitude recatada sobre a polémica que então fervia nas margens do Fervença. A doutrina divide-se, contudo, sobre se o fizemos por solidariedade transmontana ou para proteger o nosso nicho de mercado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Olhando ainda a questão, em perspetiva, limadas as aresta da ofensa, termino deixando ao Zé Luis duas interrogações.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">E se eu lhe dissesse que o senhor Podence, essa figura de empreendedor, bem retratada no texto, cujo modo de receber cidadãs de um país onde se fala um português com açúcar e cachaça, muito ajudou ao nosso excelente rating europeu, como modelo de acolhimento de comunidades estrangeiras?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">E quem sabe, amigo Zé Luis, se um empresário desse quilate, com nome de terra de outras máscaras que não aquelas com que agora andamos, não daria afinal muito jeito na equipa de António Costa Silva, nesse esforço denodado, que está em curso, e que há muito é uma das nossas especialidades nacionais, que é conseguir gastar, com generosidade e mãos largas, a riqueza que não produzimos? Pense nisso, pensemos todos nisso, porque, como dizia o outro, todos não somos demais, salvo nos ajuntamentos proibidos pela DGS.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Parabéns, Zé Luis. Parabéns, Isabel. Parabéns, também, Rusa e os filhos. Este livro é uma bela iniciativa, vai divertir muita gente, como me divertiu a mim, como me honrou pela sua amizade, Zé Luis, me ter permitido falar sobre ele - e de algumas outras coisas a propósito dele.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Obrigado pela vossa atenção e cuidem-se, que isto não está fácil!</div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-45928567421577403232020-01-09T13:31:00.002+01:002020-01-10T16:38:03.587+01:00A cooperação para o desenvolvimento em face dos desafios da política externa<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Gostava de começar por agradecer ao embaixador Luis Faro Ramos a amabilidade do convite para eu estar aqui hoje. É-me muito grato participar numa iniciativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, casa em que estive profissionalmente ativo durante 38 anos. 38 belos anos, noto. Nos últimos sete anos, a minha vida mudou alguma coisa em termos de ocupação profissional, mas a atividade diplomática do país manteve-se sempre dentro do meu radar de interesses. Foi por isso que decidi aceitar o convite para estar aqui.<o:p></o:p></div>
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Da mesma maneira que quem trabalha em cooperação para o desenvolvimento conhece bem o conceito de “ajuda desligada”, quero dizer que tomei este convite num sentido amplo da liberdade que posso assumir naquilo que vou dizer, isto é, como um “convite desligado”. Utilizando também outro conceito da casa, não sinto assim a menor “condicionalidade”. <o:p></o:p></div>
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Por isso, mas também porque sei que é o que se espera de mim, vou dizer apenas aquilo que penso. Basicamente, proponho-me falar um pouco do papel da cooperação na política externa portuguesa e dos desafios com que, na minha opinião, esta última se confronta e que se refletem nalgumas das dimensões que hoje aqui nos reunem.<o:p></o:p></div>
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Para quem não saiba - e, curiosamente, vejo isto frequentemente omitido -, foi logo em 1975, há 45 anos, que a Comissão Nacional de Descolonização, então dependente da Presidência da República, decidiu criar no seu seio um Gabinete Coordenador para a Cooperação. Poucos meses depois, esse gabinete seria integrado no Ministério da Cooperação. É verdade! Portugal começou por ter um Ministério da Cooperação! Tive o gosto de trabalhar em ambas essas estruturas, como jovem diplomata, nelas destacado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.<o:p></o:p></div>
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O desenho institucional inicial, voltado exclusivamente para as antigas colónias, era muito simples. Foi projetado um Instituto para a Cooperação Económica (ICE), inicialmente muito focado na gestão do contencioso financeiro pós-colonial, integrado basicamente por gente que tinha trabalhado no antigo Ministério do Ultramar. O facto desse ICE ter uma dupla tutela - Estrangeiros e Finanças - era bem revelador da sua natureza. Ainda antes do ICE, havia sido instituído o referido Gabinete Coordenador para a Cooperação, que mais tarde viria a dar origem à Direção-Geral de Cooperação. O Gabinete era vocacionado para todas as áreas não económicas, com destaque para o apoio ao ensino e à ajuda, em matérias de recursos humanos, às estruturas oficiais dos novos Estados.<o:p></o:p></div>
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Viria a ser, basicamente, a posterior fusão dessas duas entidades que, anos depois, conduziu à criação daquilo que iria ser o IPAD.<o:p></o:p></div>
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Fiz esta revisitação histórica para realçar que, com o 25 de abril, nasceu, quase simultaneamente, no seio da Administração Pública portuguesa, imagino que pressionada por alguns setores responsáveis da sociedade civil, a consciência de que era importante começar a estruturar um modelo cooperativo de relação com os novos países saídos da descolonização. <o:p></o:p></div>
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Sempre achei isto muito significativo e como prova de que o 25 de abril tinha acarretado, de imediato, um forte choque de modernidade à nossa postura externa, até ali marcada essencialmente pela defesa da política “ultramarina”, pela relação com a Nato e por uma gestão da nossa incipiente relação com as estruturas multilaterais europeias.<o:p></o:p></div>
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<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Com o 25 de abril, tudo isso mudou. Portugal passou a ser aceite nos fóruns multilaterais e, através deles, rapidamente percebeu aquilo que se esperava do novo país democrático, nomeadamente das suas futuras relações com o que então se chamava o “terceiro mundo”. À época, não fazíamos parte do CAD (Comité de Ajuda ao Desenvolvimento) da OCDE, onde antes tínhamos estado, embora como recetores de ajuda.<o:p></o:p></div>
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Mas o que me parece interessante é sublinhar que, num tempo de crise económica e de pressão para a integração das vagas de pessoas que retornavam às centenas de milhares de África, se criou a consciência, mesmo na confusão política que então se vivia, que era essencial transmitir um sinal efetivo de solidariedade face aos novos países, cujas estruturas institucionais tinha sido, de um momento para o outro, descapitalizadas em termos de recursos humanos.Isso mesmo foi pressentido por algumas instituições multilaterais internacionais, que curiosamente vieram a recorrer a quadros portugueses para sustentar institucionalmente as administrações desses novos países.<o:p></o:p></div>
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Uma nota, finalmente, para o mundo não-governamental, onde já então se destacava uma forte sensibilidade, em alguns casos politicamente motivada, nesta área. No início, não se falava ainda de ONGDs, mas apenas de dimensões para a cooperação para o desenvolvimento de ONGs tradicionais, que já mostravam uma forte vocação para o trabalho no domínio do desenvolvimento. Lembro-me bem que demorou bastante tempo até que o papel da ONGs viesse a ser reconhecido pelas nossas estruturas oficiais, não apenas como parceiros na política nacional de ajuda ao desenvolvimento, mas igualmente como entidades relevantes no próprio processo de construção da política oficial de cooperação. <o:p></o:p></div>
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É curioso notar que a vocação para essa específica ação política, voltada para ajuda às antigas colónias africanas - nesse período, era apenas dessas geografias que se falava - se refletia muito em quase todos os ministérios e empresas públicas, muitas vezes, como e natural, titulada por gente que tinha vindo do antigo “ultramar”. “Old habits die hard”...<o:p></o:p></div>
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Com o que que acabo de dizer, repito, quis assinalar que a política externa democrática, desde muito cedo, foi fortemente permeada pela ideia de que era importante estruturar um modelo de relação institucional cooperativa com as antigas colónias. Com todas elas, embora cada uma delas fosse um caso em si mesmo.<o:p></o:p></div>
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Posso estar equivocado, mas tenho a sensação de que, em todos os ciclos políticos em democracia, com diferentes atores e com expressões discursivas diferentes, prevaleceu sempre a consciência de que essa nossa manifestação de boa vontade, por vezes encarada pelo outro lado com alguma distância e desatenção, constituía uma espécie de investimento no futuro. Se houve de facto alguém que pensou assim, pensou bem.<o:p></o:p></div>
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Como sempre acontece nestes casos, também nós, do nosso lado, acabámos por mudar um pouco por virtude desta ação junto dos outros. Fomos aprendendo que ali já não estava o “ultramar”, que o paternalismo não funcionava, que era necessário respeitar o próprio percurso de construção institucional, muitas vezes turbulenta, que se passava desse outro lado. A maturidade crescente da nossa política de relação com a África pós-colonial (o caso de Timor é diferente) foi construída ao longo desses anos.<o:p></o:p></div>
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Nesse período, a nossa cooperação, bilateral, multilateral e, mais tarde, de relação europeia, foi fazendo o seu caminho. Esta é uma realidade que, até aos dias de hoje, acompanhei à distância, tendo embora alguma ideia bastante clara dos respetivos efeitos. <o:p></o:p></div>
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Sem querer entrar por um terreno que nos levaria muito longe, mas porque quero ser completamente sincero e frontal, devo dizer que ainda convivo mal com a solução da fusão entre estruturas que tratam da política da língua e as que promovem a ação da cooperação para o desenvolvimento, fusão essa hoje consubstanciada no Camões. Mas quero saudar, com grande sinceridade, aqueles que no seio do Camões conseguem, no dia a dia, o milagre de tentar libertar o Rossio do espartilho da Betesga. As minhas dúvidas, contudo, e desculpem lá!, não terminam por aqui. Também me questiono sobre se um país com as ambições que Portugal tem de ter neste domínio, pode continuar manter uma APD ao nível atual. E, finalmente, e prometo que este é o derradeiro remoque, quero dizer que tenho algum ceticismo sobre a prudência em privilegiar crescentemente a “cooperação delegada”, num “comodismo” que, a meu ver, nos pode menorizar um pouco, quer no âmbito europeu, quer junto dos países recetores da ajuda. Mas estou aberto a ser convencido de que sou eu quem está a ver mal as coisas.<o:p></o:p></div>
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Eram estas as notas que queria deixar aqui, tituladas por alguém que esteve ligado aos primórdios da nossa cooperação, que mais tarde viria a trabalhar largos anos nesta área (como responsável pela cooperação na nossa embaixada em Angola, como chefe de divisão do setor de cooperação europeia na então DG das Comunidades Europeias, como adjunto para a cooperação de um SENEC), e que, por essa razão, mantém uma eterna afetividade por este setor.<o:p></o:p></div>
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Passo agora ao segundo ponto.<o:p></o:p></div>
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Gostava agora de lhes falar um pouco do modo como vejo o atual papel de Portugal no quadro internacional, tendo em especial em atenção os vetores da nossa ação externa que se mais diretamente se ligam com as dimensões, geográficas e temáticas, que hoje aqui nos reúnem. Mas não só. <o:p></o:p></div>
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Queria começar por lembrar que, com a democracia internamente conquistada em 1974, Portugal, sem mudar de sítio geopolítico, mudou naturalmente de prioridades, quase radicalmente, em matéria de política externa. Não sei se já repararam, mas, daquilo que eram os vetores dominantes na ação internacional do país, da ditadura para a democracia, apenas sobreviveu uma única dessas prioridades: a aposta na relação transatlântica e no papel da NATO. Em ditadura, esse vetor fazia parte daquilo que cabia ao nosso país executar na balança da Guerra Fria. Em democracia, essa mesma dimensão prolongou-se, no mesmo registo, por algum tempo, e, depois do muro de Berlim ter caído, passou seguir a aliança privilegiada com o vizinho do outro lado do Atlântico que a Europa política, onde entretanto nos integrámos, sempre assumiu como essencial. Claro que, pelo meio, e numa lógica nacional própria, esteve sempre a questão das Lajes. <o:p></o:p></div>
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Alguns, mais cínicos, que mais não vêm na linearidade da nossa política externa senão o reciclar cíclico de uma diplomacia temática comodista, podem qualificar este nosso atávico atlantismo como uma mera cedência à “realpolitik”. Seja por “realpolitik” seja por determinante geopolítica, a verdade é que essa prioridade, pela nossa parte, manteve-se sempre, embora com “nuances”<o:p></o:p></div>
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E uma coisa é certa: se a relação transatlântica está hoje a ser posta em causa, por tensões nela induzidas, isso não se deve minimamente à Europa, mas essencialmente à dinâmica nefasta que atravessa a administração americana, que parece seguir uma postura de “lone ranger”, que se obstina em não coordenar com os seus aliados alguns passos estratégicos que, na realidade, estão a afetar a globalidade dos interesses transatlânticos. Há uns anos, um ignoto secretário de Defesa americano consagrou uma frase para a História anedótica: “o que é bom para a General Motors, é bom para os Estados Unidos”. Hoje, temos de nos perguntar: o que é bom para os Estados Unidos é necessariamente bom para os seus aliados? <o:p></o:p></div>
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Esta postura americana, que, se bem observarmos, não é tão recente quanto isso, mas que se afirma agora a um nível nunca antes atingido, em matéria de quebra de confiança, comporta consigo um outro elemento que se revela altamente nocivo para a nossa hierarquia nacional de prioridades: o desprezo pelo mundo multilateral. Há nisto uma imensa e triste ironia. Foi a América que, após a Segunda Guerra, praticamente impôs ao mundo um modelo institucional de representação dos Estados que, desde o início do século XX, vinha a fazer um caminho lento de consagração. O mundo das organizações multilaterais, com representação intergovernamental, parecia ser o formato certo para permitir aos Estados desprovidos de um poder relativo poderem ter um espaço para afirmarem a sua voz e, essencialmente, para se ligarem a instrumentos de gestão coletiva, capazes de criar uma governança mundial em paz e progresso. Nós sabíamos, todos sabiam, que uns seriam sempre mais iguais do que outros, mas isso não desmerecia a importância de todos se poderem fazer ouvir, com respeito mútuo, não obstante ser natural que cada um cuidasse em defender os seus interesses. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
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Também sabemos que, muitas vezes, os Estados Unidos bloquearam esses instrumentos institucionais de gestão coletiva, apenas para afirmação egoísta de interesses próprios. Mas nunca, como hoje vemos acontecer, assistimos a uma espécie de desistência deliberada da filosofia multilateral, de desprezo pela sua lógica, de regresso, um tanto medievo, ao padrão da afirmação de poder pela força, das armas ou do dinheiro. <o:p></o:p></div>
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Para o que nos interessa, a aposta no multilateralismo, que Portugal aculturou na sua diplomacia e com que se habituou a viver e a saber trabalhar na ordem externa, está hoje fortemente prejudicada pela atitude negativa da maior potência ocidental. É que não é apenas a atitude de Washington que aqui importa: o exemplo americano frutifica como um vírus em outros atores internacionais que a tomam como pretexto para se eximirem a compromissos da maior importância para a ordem global, de que a questão ambiental é talvez o caso mais chocante, mas não o único. E, como é evidente, a agenda internacional de promoção do desenvolvimento está já a sofrer fortemente com esta postura americana, como se observa na asfixia feita aos projetos e ao orçamento das Nações Unidas e de outras estruturas multilaterais..<o:p></o:p></div>
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<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Mas voltemos a este lado do Atlântico. Nestas “apostas” estratégicas, em liberdade - depois da relação transatlântica e do mundo multilateral - surge-nos, naturalmente, a Europa. A Europa não fazia parte das prioridades da ditadura, antes de 1974. Mas, acontecida a Revolução, rapidamente passou a federar a agenda política de quantos, entre nós, optaram por um modelo de sociedade democrática de tipo ocidental. A integração no projeto que Monet e Schumann tinham desenhado, e que o medo a Estaline tinha cimentado, foi talvez a mais importante decisão tomada por Portugal, no quadro internacional, durante o século XX - e não estou a esquecer a entrada na Primeira Guerra mundial. Igualmente não esqueço a diplomacia de fuga “por entre os pingos da chuva” durante a Segunda Guerra, bem como a recusa em seguir o modelo de descolonização de outros países europeus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
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<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Para a consolidação da nossa democracia e do nosso desenvolvimento, provocando um imenso choque de modernidade, a Europa revelou-se um “driver” espantoso no nosso futuro coletivo. E continua a ser insubstituível, mesmo com todas as derivas negativas que o processo europeu tem vindo a sofrer – e mesmo outras por que se teme possa vir ainda a passar. No mercado das opções estratégicas ao nosso dispor como país, a opção europeia permanece incontornável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
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<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
No âmbito que hoje aqui nos traz, as políticas de desenvolvimento, a Europa funcionou como um catalizador daquilo que era a nossa política bilateral de cooperação, abriu-nos novos horizontes de ação e, mais do que isso, deu-nos instrumentos muito mais eficazes de intervenção junto dos parceiros que privilegiamos. Refiro-me não só a instrumentos da ação clássica europeia em matéria de política de cooperação, como é o caso das Convenções com os Países ACP, mas igualmente pela interessante e ativa mobilização portuguesa num conjunto muito diversificado de relações externas da União, como a cooperação mediterrânica e todo o corpo de relações com África, que a nossa futura presidência da UE nos permitirá explorar. E, vale a pena não esquecer, tem sido o nosso envolvimento nas instituições europeias que tem ajudado a estimular a criação, entre nós, de capacidades para abordagem de temáticas de que estávamos alheados, para a capacitação na ação dos nossos especialistas no quadro internacional, nomeadamente multilateral. Isto é tão válido para a administração pública como o é para um vasto número de setores da sociedade civil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
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E chegamos, finalmente, à lusofonia. A lusofonia não se esgota na CPLP, mas é essencialmente desta que quero falar. Não vou fazer aqui um panegírico laudatório da CPLP, das suas virtualidades, dos “amanhãs que cantam” no seu futuro. Esse é um discurso para quem tem a responsabilidade, e não é pouca, de manter o otimismo no posto de comando. <o:p></o:p></div>
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Mas eu também não sou um pessimista. A cooperação lusófona deu, nestes vinte e tal anos de ação institucional intergovernamental, passos muito importantes. E muito positivos. O nosso grau de exigência face à organização é que é, às vezes, me parece muito desmesurado. Ou talvez seja pelo facto da realidade não acompanhar a retórica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Ao olharmos para a CPLP, é importante não esquecer quatro realidades. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
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<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
A primeira é que, ao contrário de outras comunidades congéneres, o centro de gravidade da CPLP, pela dimensão objetiva do antigo colonizador, não está colocado no Estado que tem condições potenciais para vir a assumir um estatuto mais elevado à escala global.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
A segunda realidade, talvez derivada da primeira, é que parece evidente que o Brasil não conferiu até hoje uma importância à CPLP na sua política externa que se tivesse refletido, de forma significativa, no potenciar do prestígio da organização.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
A terceira realidade é que a CPLP congrega países muito díspares, na sua dimensão, na sua riqueza, no seu grau de estabilidade política, o que muitas vezes é um obstáculo para um trabalho conjunto construtivo e até mais sereno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Finalmente, uma realidade que será talvez “politicamente incorreta”, mas a que não me quero furtar: não devemos esquecer que as culturas políticas que se projetam no seio da CPLP, não obstante todos os esforços semânticos, comportam entre elas divergências, acomodam hierarquias de valores, no plano do funcionamento dos Estados, que estão longe de ser homogéneos. Se eu lembrar a adesão da Guiné Equatorial acho que não preciso de dizer mais nada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Como referi, não estou pessimista quanto ao futuro da organização, embora deva dizer que não encontro razões para estar mais do que apenas moderadamente otimista quanto ao saldo do seu trabalho no tratamento conjunto do nosso fator comum central: a língua. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Tenho a sensação de que, não obstante todos os esforços feitos ao longo destes anos - e, sejamos claros, Portugal tem tido aqui, como lhe compete, um papel determinante e muito positivo -, estamos muito longe de poder ter desenhado uma estratégia eficaz para a consagração, à escala global, daquele que poderá ser o nosso maior fator de prestígio coletivo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Isto se acaso não conseguirmos, como prevejo que não consigamos, que o prestígio da CPLP derive, como seria desejável, do reconhecimento do seu papel internacional na promoção dos valores da boa governação, dos valores do Estado de Direito, da democracia, dos Direitos Humanos e da paz. Essa, sim, seria a sua maior glória.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Referi a relação transatlântica, a aposta multilateral, a Europa e a dimensão lusófona. Se, ao que disse, somarmos o papel de proteção e promoção da nossa diáspora, bem como a dimensão económica externa (promoção comercial, captação de investimento, turismo), verifico que terei tocado naquilo que poderemos considerar as prioridades essenciais da nossa política externa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Cada um destes vetores tem sido sublinhado, ao longo do nosso tempo democrático, de forma diferenciada, de acordo com as sensibilidades políticas prevalecentes no rotativismo governativo mas, igualmente, dependendo dos condicionalismos, de toda a natureza, internos ou externos, em que a nossa ação se foi processando. Mas é para mim evidente que, com alguns momentos menos brilhantes que procuro esquecer – e os acontecimentos no Médio Oriente, no dia de hoje, trazem-me uma dessas tristes ocasiões à memória-, é detetável uma muito razoável coerência global na nossa atitude externa, da que resulta para Portugal uma imagem de um país basicamente fiel a uma linha de continuidade central da sua política. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
A confiança internacional que o envolvimento militar em ações de manutenção de paz tem gerado à nossa volta, os êxitos consecutivamente conseguidos em candidaturas internacionais, de que o caso do SGNU é um caso muito evidente, a nossa reconhecida capacidade de interlocução, tudo isso dá de nós a imagem de um “honest broker”, com dimensão - desculpem lá os que não gostam de ouvir isto ou acham um exagero - com apreciável dimensão global.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Mas essa dimensão global reside precisamente naquilo que hoje nos reúne aqui: na importância internacional da nossa língua, na nossa presença ativa como um país solidário, em cenários em todos os continentes. Temos o hábito de nos afirmarmos orgulhosos herdeiros das viagens que outros fizeram em nosso nome, no passado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Mas temos de perceber que essa herança aparecerá aos olhos de muitos apenas como uma velharia se não conseguirmos fixar uma imagem contemporânea reconhecida por todos, uma identidade que só a projeção da nossa língua e a afirmação dos valores da nossa solidariedade e os nossos esforços para a paz nos pode dar. <o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-34393556343055582352019-12-31T05:37:00.000+01:002020-01-01T05:39:39.557+01:00Anuário 2019<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 11pt;">12 de janeiro</span></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Redes sociais<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A facilidade com que as redes sociais abrem espaço à espontaneidade, à reação a quente, reduz a reflexão, a maturação das coisas, simplificando e caricaturando as ideias. E aumenta o potencial de contraste de atitudes. Ao dizer isto não estou a tomar partido contra ou a favor de nada. Estou simplesmente a constatar o que me parece ser uma evidência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
14 de janeiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Segunda feira<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Aos domingo, invariavelmente, faço listas de tarefas para a semana. Às segundas, acordo “de peito feito”, pronto a concretizar muitas dessas obrigações. Acabo quase sempre o dia a constatar que, afinal, quase tudo (embora não tudo) o que estava em atraso em atraso ficou, porque novas coisas surgiram. De uma coisa tenho a certeza: no próximo fim de semana tudo se passará da mesma forma. Se há um vício antigo é que nunca desistimos de nos enganar a nós mesmos. No que me toca, porém, há agora uma substancial diferença face ao passado: não me preocupo tanto, e dou conta de que vivo feliz assim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
17 de janeiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Condomínio<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
“Isso é um inferno!”, exclamou um amigo, com quem tive de apressar um telefonema, quando lhe disse que ia para uma reunião do meu condomínio. Afinal, tudo foi aprovado por unanimidade e foi reeleito, por discreta aclamação, o gestor que, desde há vários anos, tem ajudado a levar a bom porto a administração do prédio. O nome? A modéstia não me permite divulgá-lo...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
21 de janeiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Trump<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Dois anos de Trump. Iniciei uma intervenção dizendo que a boa notícia era o facto de Trump não ter provocado nenhuma guerra (como há dois anos se temia) e a má notícia o facto de ele ter conseguido induzir uma inédita crise de confiança à escala global (como há dois anos se temia). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
24 de janeiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Jornais <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Em Ferreira do Alentejo, deixou de haver jornais em papel à venda. Quantas ”Ferreiras do Alentejo” não existirão já por aí, cada vez mais? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
28 de janeiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Amanhecer<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
... e dizia aquele meu amigo: “o amanhecer é uma coisa deliciosa, mas a hora a que o colocaram é que é péssima!“<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
18 de fevereiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Política externa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
É impossível isentar a política externa das crises e das conjunturas. Mas, se queremos que ela seja um instrumento coerente para a construção do poder nacional, devemos cuidar em preservá-la das emoções cíclicas e, em especial, da demagogia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
22 de fevereiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Religião<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Frei Bernardo Domingues morreu hoje. Vou sentir a falta das nossas conversas, sobre tudo e sobre nada, nas quais ele nunca procurou, nem por um instante, contrariar (nem sequer ironizar) o ateu que sempre fui. Aliás, pensando bem, creio que religião foi um tema sobre o qual nunca falámos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
26 de fevereiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Mulheres<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Quando andei pelo governo, e já lá vão quase duas décadas, dois dos quatro chefes de gabinete que tive foram mulheres. As presenças femininas no meu gabinete eram tantas que, num determinado período, constatou-se que, além de mim e de dois motoristas, o resto do pessoal, das técnicas ao pessoal administrativo, era todo feminino. Creio que nenhum membro do governo, em democracia, bateu este “record”. Ao ponto de uma dessas amigas se queixar, um dia: “Fazem falta homens nas nossas salas de trabalho...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
28 de fevereiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Brexit<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Percebo que a unidade dos “27”, conseguida em torno do “pacote” que foi negociado com os britânicos, e que Theresa May não consegue “vender” internamente, tem um valor inestimável. Mas lembraria esta coisa simples e que creio que muito óbvia: tudo aquilo que foi negociado tem um valor zero se não conseguir ser posto em prática. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
1 de março<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Bruxelas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
O mundo é bem pequeno e Bruxelas, no fundo, é, desde há muito, uma das minhas “casas” habituais de passagem (embora o nunca tenha sido de vida). Há minutos, estava eu a encher-me de livros, na magnífica “Filigranes”, quando ouvi, em bom português: “Com que então sempre interessado pela banda desenhada!”. Eu estava, de facto, a pensar como ia ter espaço para meter na mala o último “Blake & Mortimer” (já tinha comprado na Buchholz a tradução portuguesa, mas não resisti a adquirir o texto em francês deste “falso” Edgard P. Jacobs), quando este velho amigo português me surgiu ao encontro. Tivesse sido uns minutos antes, tinha-me apanhado a folhear um comprometedor Manara...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
4 de março<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Amigos perdidos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Há pouco, por uma qualquer razão, lembrei-me deles. Dos amigos que, entretanto, se foram. Não me refiro aos que morreram, mas aos que, com o tempo, se foram afastando, nos caminhos da vida. Não foram muitos, mas alguns eram mesmo dos “de toda a vida”, como algumas pessoas acham “bem” dizer. Em nenhuma dessa meia-dúzia de separações me pertenceu o gesto, tendo sido eles que tomaram a iniciativa de sair de cena. Às vezes, por razões que me pareceram fúteis, outros por um quid pro quo sem sentido, outros ainda por motivos que, à certa, nunca cheguei a perceber muito bem. Num ou outro caso, pela política, imaginem! Terei tido culpas “no cartório”? Quem sou eu para julgar as razões dos outros, quando, por vezes, nem as minhas consigo avaliar bem! Uma coisa já concluí: esta vida não é suficientemente longa para que tenhamos tempo para nos preocupar e ficar a matutar em tudo o que ela nos traga de menos agradável. O que lá vai lá vai! Resta olhar em frente, porque o caminho é por aí.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
14 de março<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Outro 25 de abril?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Com alguma frequência, ouve-se a alguém que está descontente ou indignado como o estado das coisas: “o que nós precisávamos era de outro 25 de abril!” Haverá maior elogio à efeméride?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
20 de março<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
O “momento zero”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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Foi um amigo que me chamou a atenção para isto. Voltou a acontecer-me hoje. Em todos os restaurantes, há, a certa altura, um “momento zero”. Trata-se de um vazio temporal, durante o qual os empregados se somem, talvez para fumar um cigarro ou para outras pausas mais básicas, em que o patrão se recolhe por instantes ao escritório, em que o pessoal do balcão, por qualquer razão misteriosa, se eclipsa. Não há ninguém na sala! Ou, se acaso resta alguém, estão recolhidos em espaços inacessíveis, sempre de costas voltadas ou, mesmo se de frente, assumem um olhar vítreo e distante, neutralizados por qualquer coisa que os torna inoperacionais para o que nos interessa. Ah! E então na altura dos cafés é uma tragédia: é quando geralmente acontecem os grandes “momentos zero”!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
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24 de março<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Inocentes<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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Acho muito saudável que a direita portuguesa se reúna, se manifeste, crie partidos, jornais e tudo o que lhe der na real gana. Foi (também) para isso que se fez o 25 de Abril, uma Revolução sobre a qual há, pelo menos, uma imensa certeza: não foi a direita que a fez. Ninguém a pode acusar de estar “implicada” no golpe...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
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28 de março<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Modelo Tancos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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Ouvi, há dias, uma proposta criativa para uma solução portuguesa destinada à questão central do Brexit: a fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte. Seria o modelo Tancos: colocavam-se postos de vigilância, redes já esburacadas e, depois, ninguém via nada. Assim, haveria formalmente uma fronteira e ... não havia controlo nenhum!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
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2 de abril<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Nélida<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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Nélida Piñon contou-nos hoje. Um dia, em Lisboa, apanhou um táxi, cujo motorista se revelou uma figura incomodativa e mal-educada. O seu comportamento agravou-se durante toda a viagem, roçando o insuportável. A escritora conteve-se até ao final. Depois de pagar a corrida, para imensa surpresa do homem, cujo primarismo não ia ao ponto de não entender o nível do seu próprio comportamento, ofertou-o com uma gorjeta de 10 euros. Mas acrescentou: “Estes 10 euros é para agradecer várias coisas: você não ser meu marido, não ser meu amigo, não ser meu conhecido e eu ter ficado com a certeza absoluta de que nunca mais o vou ver!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
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4 de abril<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
China<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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A China é hoje um indiscutível gigante tecnológico, depois de anos de pateta caricatura como produtor de quinquilharias baratas. É um poder adversarial – político, económico, militar? Para os EUA, isso é uma evidência. A Europa, neste domínio, vive ainda um momento esquizofrénico: olha com apetite aquele que é o seu principal mercado, mas começa a acordar para o desafio estratégico que vê chegar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
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25 de abril<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
45 anos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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E se o "E depois do adeus", o Maia, o Carmo, o outro Marcelo, os tanques, a Grândola, as fardas, o Otelo, a Junta, o Spínola, o cravo, a Pide, o Zeca, a censura, o MFA, Caxias, o "povo unido", Peniche, o Cunhal, a tv a preto-e-branco e toda a parafernália de datas e de siglas pouco disserem aos que hoje passam "a salto" de Ryanair as fronteiras de Schengen, aos vidrados nos iPad, balanceantes dos iPod, logados nos iPhone, para quantos vão para hostels, sem saberem onde e o que foi Champigny, os bivaques da guerra colonial ou a triste sina nos paradeiros de exílio? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
14 de maio<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Cerejas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
“Já estamos no tempo das cerejas, sabia?”, disse-me a empregada do hotel, algures na Cova da Beira. E acrescentou: “Na minha terra, em Alpedrinha, elas amaduram mais cedo”. Gostei do orgulhoso “amaduram”, em lugar do “amadurecem”. Não lhe perguntei se conhecia a canção de Montand e hino da Comuna de Paris, “Le temps des cerises”, porque, nos tempos que correm, já ninguém conhece o que eu conheço e, a cada dia, dou-me conta de que cada vez conheço menos coisas que quase todos conhecem. E também não ousei recordar-lhe que, como lá se diz no poema, “é bem curto o tempo das cerejas”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
15 de maio<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Agustina<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Há uma década, no Brasil, fui jantar com Hélder Macedo, que estava de passagem. No final da noite, ao nos cruzarmos com Agustina Bessa Luís no hall de um hotel do Rio, o Hélder cumprimentou-a e, delicado, comentou: “A Agustina é uma pessoa fantástica: consegue não ter inimigos”. A escritora, divertida, retorquiu: “Não tenho, mas faço-os!” E deu uma bela gargalhada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
24 de maio<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Cúmplices<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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Foi mais uma campanha eleitoral em que as televisões, em lugar de apresentarem verdadeiras reportagens, com planos reveladores da real dimensão das mobilizações, fizeram quase sempre o frete às candidaturas, filmando de molde a criar a ilusão de multidões. É muito triste, pouco profissional e não ajuda a separar o trigo do joio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
31 de maio<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Dívidas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
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Num país em que um grande devedor à banca pública passeia impunemente a sua arrogância pelo parlamento, ter brigadas pelas estradas para cobrar pequenas dívidas fiscais transforma-se num ato de escandaloso autoritarismo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
5 de junho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Marcelo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Um dia, em Paris, com Marcelo presente, ao tempo comentador, Eduardo Lourenço disse que ele se assemelhava a alguém que, numa pequena localidade, estava numa janela, vendo passar as pessoas na rua e, sobre cada uma, se ia pronunciando. E acrescentou: “Às vezes, da varanda, ele vê passar, na rua, Marcelo Rebelo de Sousa e, claro, também o comenta...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
10 de junho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
O ar do tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Há um país que se sente mal neste país. Há um país que acha que o país o não segue ou, quando acaso episodicamente o faz, nunca consegue pôr o país a seu jeito. Há um país com uma infindável raiva, que acha que o país o não compreende, que vive num mal-estar endémico, em “blues” eternos. Há um país que acha que tem uma ideia salvífica para o país, a mezinha mágica para pôr isto direito, mas que o país, pateta, não consegue nunca entender. Há um país sobranceiro, arrogante, feito de gente que, afinal, apenas gostava que o país fosse aquilo que eles acham que o país devia ser. E que, talvez não por acaso, não é.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
13 de junho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Politicamente correto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Ou muito me engano ou já não deve tardar muito que os polícias do politicamente correto venham por aí lançar dúvidas sobre a legitimidade de se continuar a mostrar o Santo António com uma criança ao colo...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
5 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Maria do Céu Guerra<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Parabéns, Céu! Com que então, “a actriz da Europa”?! Num tempo em que uma tristeza profunda ainda te marca os dias, como os teus amigos bem sabem, este reconhecimento internacional, mais do que prestar-te justiça, vai fazer-te bem. A verdade é que tu és tu, com ou sem prémios, tens o teatro dentro ti e é através dele que, em grande parte, te sentes a cumprir a vida, muito para benefício de quem te admira a arte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
10 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Competir<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A felicidade faz-se hoje bastante da adesão aos sucessos que outros protagonizam, de quem nos assumimos próximos, coletivamente juntos na vitória, sempre com a derrota de outros como aparente contraponto indispensável. Para quem, como eu, tem a anti-competição como sólida e permanente doutrina de vida, confesso-me um tanto perdido neste ambiente. Mas será isto a alienação de que falava um clássico fora de moda? Talvez seja, mas esta comemoração das vitórias mais não é, para muitos, do que o complemento natural de existências simples, que seriam ainda menos relevantes se não se juntassem nessa onda gloriosa coletiva. É triste reconhecer isto, mas julgo que é a realidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
13 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Calado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Bolsonaro tirou um dente e foi aconselhado a manter-se três dias sem falar. Recordo-me de uma figura política portuguesa, bem conhecida mas já há muito desaparecida, de quem alguém, um dia, disse: “Se não abrisse a boca, passava por ser um estadista”. Não creio que, no caso do presidente brasileiro, o conselho pudesse ter qualquer efeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
15 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Racismo e preconceito<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Feitas as contas, a publicação do artigo de Fátima Bonifácio acabou por ter alguma virtualidade: provocou o “outing” de um certo reacionarismo cavernícola, que logo acorreu a desculpabilizar a senhora e a colar-se-lhe à diatribe, com alguns, mais medrosos, com o expectável “não, mas”, não fosse alguém confundi-los com o outro lado da barricada. Que falta nos faz O’Neill!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
17 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Céus!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Hoje, recebo a bofetada que é a desaparição inesperada de mais um amigo. Cada vez tenho mais mortos amigos. A sorte é eu não ser religioso. É que, se o fosse, estaria agora a bradar aos céus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
18 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Camões e coisas assim<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Pela insistência, obsessiva e deslumbrada, com que não cessa de fazer referência a esse seu momento de efémera glória, fica a ideia de que o autor do discurso do último 10 de junho terá saído daquela cerimónia, em definitivo, aos ombros de si próprio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
20 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Bonda<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Parece que o próximo James Bond vai ser uma mulher, negra. Nada a objetar, com duas condições: que o Martini continue a ser “shaken, not stirred” e que o namorico como Moneypenny se não perca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
21 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Estado meu<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Quando se observa que o afã guloso pelos financiamentos públicos, nomeadamente os fundos europeus, surge frequentemente naqueles que mais diabolizam o Estado, fico a pensar se o lema dessa gente, afinal, não será: "Menos Estado, melhor Estado e o que sobrar que seja para nós..."<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
22 de julho<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Europa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A Europa criadora de soluções é hoje vista por muitos como a Europa fautora dos seus problemas. Se a isso somarmos as notórias clivagens internas, nomeadamente na reação aos efeitos assimétricos das crises coletivas, os imponderáveis efeitos do Brexit e a orfandade geopolítica criada pelo afastamento afetivo dos EUA, conviremos que está criada um caldo de crise endémica que não augura nada de bom.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
4 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Guantanamo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A indignação arrefece com o tempo: que será feito dos presos em Guantanamo, que por lá estão, sem julgamento, desde os tempos de George W. Bush, sem que as suas condições de detenção possam ser monitorizadas pelas organizações internacionais que se ocupam dos Direitos Humanos? Nem os tão incensados democratas americanos, Obama incluído, com eles se preocuparam...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
5 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Diplomacia a sério<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
O ministro francês dos Negócios Estrangeiros qualificou como “emergência capilar” a decisão de Bolsonaro de cancelar, à última hora, o encontro que tinha com ele para ir cortar o cabelo. Uma grande diplomacia é também isto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
6 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Semi-frio<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
O ministro das Relações Exteriores do Brasil foi a Roma, em maio, e constatou que estava frio. Daí, concluiu que o aquecimento climático é uma balela. Já Trump tinha chegado à mesma conclusão, aquando dos nevões nos EUA. No passado, estas coisas só aconteciam nas anedotas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
7 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Livros, para que vos quero!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Ora essa! Claro que dobro as páginas dos meus livros! E sublinho-os e tomo notas neles a tinta, quando me dá na gana. E gosto de ver surgir os vincos nas lombadas, por ter encostado a capa à contracapa, enquanto os leio. Ah! e não há ninguém que goste mais de livros do que eu, aposto!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
15 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Contra o vento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Andar ao contrário dos outros pode ser estranhamente cómodo. Hoje, era um corrupio de gente para a praia, connosco a afastarmo-nos dela, dentro do ar condicionado. Entrava-se em Lisboa por uma ponte limpa de tráfego. Isso do nosso lado, claro: de Alcântara subiam para ela filas lentas e compactas, em direção às areias da Costa ou aos Algarves do costume. E a Lisboa que me interessa está hoje, deliciosamente, sem trânsito, sem gente, confirmando, se necessário fosse, ser o melhor lugar do mundo para se viver. Isso sente-se, em especial, nos dias em que se ruma contra o vento, mesmo que não haja vento...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
19 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A greve<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A greve dos transportadores de combustíveis acabou. Pelo menos, por agora. Quem é que, afinal, tinha razão? Não sei, tanto mais que não acho que um cidadão comum tenha de ter opinião sobre tudo o que mexe no país. Nesta crise, o que eu queria, muito simplesmente, é que a greve acabasse. Como ela acabou, estou satisfeito. Ponto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
29 de agosto<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Real questão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Estranha-se muito que Isabel II ceda a todos os caprichos de Boris Johnson. É não perceber o essencial: a condição implícita para as monarquias contemporâneas poderem subsistir em regime democrático (leia-se, na Europa e no Japão) é a cedência aos eleitos de todo o poder de intervenção em matérias de Estado. Assim, nos dias de hoje, todos são ... “rainhas de Inglaterra”. Até a própria!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
1 de setembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Cardeal<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Agrada-me que o país tenha um cardeal que já encontrei nas noites do “Procópio”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
2 de setembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Spooooorting!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Ser sportinguista é ser portador eterno de um insondável mistério: que mal fizeram ao mundo os sportinguistas para merecerem sofrer, como sofrem, dia após dia, e, não obstante isso, viverem no singular paradoxo de terem imenso orgulho naquilo que são e nem lhes passar minimamente pela cabeça serem outra coisa diferente disso?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
3 de setembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Cabem todos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Tenho uma imensa dificuldade em poder admitir que a religião católica, onde reconheço que há tanta gente de bem, que se apoia em princípios decentes e solidários (princípios em que fui educado e em que me reconheço, embora sem a menor matriz religiosa de suporte), aceite no seu seio, sem uma denúncia pública, sem uma estigmatização mínima perante os seus pares, algumas figuras que não passam de nódoas morais da sociedade. Mas dizem-me que é assim que os católicos vêm as coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
2 de outubro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
França<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A França parece apreciar ser representada por quem, ao mesmo tempo, goste genuína e quase chauvinisticamente dos franceses, lhes transpire orgulhosa e exageradamente as qualidades e, na medida do possível, os consiga fazer sentir menos culpados pelos seus defeitos. Chirac, que agora se foi, era exatamente isso. Não tenho a certeza de que Emmanuel Macron o seja.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
16 de outubro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Trump<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Trump é a cara descarada da vergonha perdida de uma América egoísta e autocentrada que, pelo menos com ele, está rapidamente a desperdiçar a autoridade moral que lhe assegurava a liderança de um mundo que, graças a ela no passado, pôde chamar-se a si próprio de livre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
23 de outubro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Maçonaria<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Começo a não ter paciência para as teorias conspirativas sobre a Maçonaria, que agora por aí surgem com regularidade. Nunca fui tocado pelas "luzes" da subordinação espiritual ao "grande arquiteto universal". Mas creio que não é por ser mação que um cidadão é pior ou melhor que os outros. Bandidos ou pessoas de bem há-os por aí em todas as confissões, crenças ou "fezadas".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
3 de novembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Laforêt<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Quando soube da morte de Marie Laforêt, pensei: “Lá se foi mais uma do meu tempo”. Não era, mas depois percebi por que razão tive esse reflexo: os olhos. Os olhos não têm idade, nunca envelhecem. E as mulheres com aqueles olhos são todas do meu tempo...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
8 de novembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Passado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Dou-me frequentemente conta de que tendemos a guardar na memória apenas o melhor do passado. Há talvez uma boa razão para isso: é que, no passado, o nosso futuro era melhor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
18 de novembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Isto deve ser da idade...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Há cada vez mais coisas sobre as quais tenho dúvidas: sobre a atitude a tomar face à sem-abrigo que tentou matar o filho, a autorização ou não do traje da desportista muçulmana, se, afinal, o aeroporto deve ser ou não no Montijo, se se deve proibir ou não a exploração de lítio, etc. Quando vejo tanta gente com tantas e tão profundas certezas sobre tudo, dou comigo a pensar: isto deve ser da idade...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
25 de novembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
25 de novembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Compreendo quem saúda, no dia 25 de novembro, a criação de condições de estabilidade político-militar para que Portugal pudesse vir a ter um regime democrático. Não tenho o menor respeito político por quem usa o 25 de novembro para disfarçar a derrota histórica que teve no dia 25 de abril.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
25 de dezembro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
Desculpa sazonal<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
“Isto agora mete-se o Natal de maneira que já só em janeiro”<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-58630006212567829312019-12-20T05:00:00.000+01:002019-12-21T05:00:23.376+01:00Nuno Brederode Santos<div style="text-align: left;">
<b>Intervenção no lançamento do livro “Crónicas”, de Nuno Brederode Santos</b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
A última coisa que me podia passar pela cabeça, num momento como este, era vir aqui ler um texto. Mas como me foi dito que só tenho dez minutos, e na certeza de que, se falasse de improviso, nunca mais me calava, escrevi esta manhã o que vou dizer.<br /><br />Um dia, eu tinha combinado com o Nuno passarmos pelo Procópio, antes da hora de jantar, porque lhe queria falar de um determinado assunto. Eu tinha, logo a seguir, um compromisso e ele iria comer qualquer coisa ao restaurante ao lado, à Mãe de Água, como muitas vezes fazia. Arrumámos o nosso assunto rapidamente, e ainda bem. É que, nesse entretanto, surgiu um tipo qualquer, que o Nuno conhecia e que abancou na Mesa Dois, tomando conta da conversa.<br /><br />Viviam-se, por essa altura, no Procópio, os primeiros tempos do novo empregado, o Luís - e já perceberão por que é que refiro isto. Para quem não conhece bem as cronologia daquele templo de tertúlia, explico que o Procópio da Sedonalice Pinto Coelho tem três épocas distintas, em matéria de serviço às mesas. <br /><br />Primeiro, a do Juvenal, claro. Depois houve um tempo intermédio de serviço mais errático, a que o Nuno chamava o “período Manpower” - que era então uma empresa de recrutamento temporário. Foram expoentes desse período o Bósnio e o Croata. Que eram portugueses, diga-se. Nunca soubémos os nomes verdadeiros desses empregados passantes, que o Nuno assim crismou, à luz de uma geografia política que estava muito em voga. Até que um dia chegou o Luis. Diga-se, aliás, em boa hora.<br /><br />Na conversa que estávamos a ter na Mesa Dois, o Nuno disse, já não sei a que propósito, que o Luís tinha trabalhado antes no “Értilas”, um café de Campo de Ourique onde, nos tempos da sua juventude, parava muito. O tal tipo que era conhecido do Nuno referiu então que também fora muito ao Értilas, que se lembrava bem do Nuno por lá, de conversas que tinham tido nesses tempos passados. <br /><br />Notei que o Nuno não deu muito troco. A certa altura, o tipo perguntou: “Ó Nuno! Értilas é um nome grego, não é?”. O Nuno recostou-se no banco e, em pose didática, confirmou que sim, que Értilas era, de facto, um deus da mitologia grega. Deu, aliás, alguns pormenores sobre as relações familiares de Értilas com outras figuras do baralho da mitologia. Eu, como não percebia patavina do assunto, a mitologia foi coisa que nunca me entusiasmou, fui ouvindo.<br /><br />A certa altura, fez-se tarde. O homem zarpou, tinha uma urgência qualquer, e eu e o Nuno saímos com um pouco mais de vagar, ele para a Mãe de Água, eu para o carro que tinha ali perto. Pela escada abaixo, depois do chafariz, comentei: “Nunca tinha pensado no nome desse café de Campo de Ourique. Por que diabo é que alguém se lembrou de lhe dar o nome de um deus grego?”. <br /><br />O Nuno parou, olhou para mim com um olhar trocista e disse: ”Pois não! Claro que nunca ouviste falar! É que a palavra Értilas é Salitre, lida ao contrário, não tem nada a ver com a mitologia grega”. E acrescentou: “... como aliás aquele tipo, que conheço vagamente, nunca teve nada a ver com o Értilas, não me recordo o ter visto por lá, é um mitómano. E para um mitómano, achei que nada melhor que uma lição de mitologia...”<div>
<br />Era assim o Nuno, para quem teve o privilégio de o conhecer. Pessoalmente, eu conheci-o tarde. Antes, era para mim um dos nomes da crise de 62. Depois, lembro-me de o ler na “Seara Nova”, onde me ficara na memória a sua “Carta a um tuaregue”, magnificamente escrita, mas tão críptica que eu, à época, nem sequer identifiquei a quem se dirigia. Aliás, a censura deve ter pensado o mesmo, razão por que a deixou publicar... <br /><br />Depois do 25 de abril, e da histórica cisão dentro do MES, terreno político onde nunca falei com o Nuno, assisti, à distância, à sua migração, com uma pessoa que está aqui nesta mesa, bem como com outras que estão na assistência, para aquele andar no Flórida que ainda hoje é um mistério no mundo da papelaria: ali foi criado o único GIS que não se apaga nunca... Devo confessar que, para mim, à época, aquele grupo não era mais do que um “desvio de direita”, embora tendo gente que me era muito simpática e amiga, mas que eu acompanhava com a curiosidade crítica, e um pouco condescendente, que dedicava então aos reformistas incuráveis. Mal eu sabia que, anos mais tarde, todos acabaríamos no mesmo endereço do Rato.<br /><br />Julgo que fui apresentado, pela primeira vez, ao Nuno, pela Margarida Figueiredo, já nos anos 80. Nos primeiros tempos, curiosamente, mantínhamos uma certa cerimónia entre nós. Um dia, cheguei à Mesa Dois, onde ele estava sentado sozinho (coisa rara!), disse qualquer coisa e o Nuno comentou: “Mas por que raio é que nós nos tratamos por você?” Tenho uma dificuldade imensa, quando começo a tratar alguém de uma certa forma, de mudar de registo, mas lá fiz um esforço e, no futuro, passámos a tratar-nos para sempre por tu.<br /><br />Como disse, não sou um amigo antigo do Nuno, mas fiquei muito amigo dele. Numa noite do ano 2000 em que, por razões de doença de um familiar muito próximo, me fui abaixo, foi ao Nuno e a outro grande amigo que, a meu pedido, a Gina telefonou para virem a minha casa, apoiar-me. O Nuno era um amigo certo, daqueles cuja lealdade se tinha por adquirida. <br /><br />Foi-o para mim, que era um conhecimento recente, como o foi para os seus amigos mais antigos, dos quais está aqui nesta mesa aquele por quem ele tinha uma dedicação para a qual só a palavra fraternal se adequa. Cansei-me, ao longo dos anos, de tentar explicar a muita gente que a relação entre o Nuno e o seu amigo Jorge Sampaio, comportando embora uma forte dimensão de solidariedade política, era de uma outra natureza, ia muito para além disso. Relevava de uma cumplicidade rara, assente numa forma comum de encarar o mundo e, essencialmente, de ser fiel a alguns princípios essenciais da vida. Só posso imaginar que deva ser muito reconfortante partilhar uma amizade tão intensa. <br /><br />Mas, agora, como diria o Sérgio Godinho, “mudemos de assunto, sim?”. Porque hoje é um dia feliz. Estamos aqui por causa de um livro que a teimosia dedicada da Céu quis muito que fosse publicado, a que a Maria Emília emprestou o seu entusiasmo organizado, que outras pessoas ajudaram a concretizar. Estão aqui as crónicas do Nuno.<br /><br />O Nuno já havia publicado, há muitos anos, o “Rumor Civil”, um livro com alguns dos seus textos. Às vezes, na feira do livro, compro três ou quatro exemplares do “Rumor Civil”, para oferecer a amigos. Alguns desses exemplares, cheios de sol, até já estão secos e “partem”, ao desfolhar-se. Mas não resisto, porque aquilo é uma preciosidade. E, quase sempre, acabo por não resistir a reler algumas dessas crónicas.<br /><br />O volume que hoje é editado é muito mais completo. Abrange todas as crónicas publicadas no Expresso, entre 1974 a 2001, o último quarto do século passado, que nos mudou a todos. Ainda não o li, claro, mas posso imaginar o prazer que me vai dar reencontrar os textos do Nuno. <br /><br />Digo reencontrar porque eu tenho quase a certeza de nunca ter perdido uma crónica de Nuno Brederode Santos, no Expresso. Mas não excluo que possa vir a ter surpresas. Faço parte de quantos, e estão por aqui alguns, se habituaram a esperar, com alguma ânsia, pela crónica do Nuno. Somos aqueles que, com algum orgulho geracional, nos podemos gabar de que fomos lendo esses textos à medida que iam sendo publicados. Os pobres mortais que não tiveram então esse privilégio - alguma vantagem há-de ter a idade! - vão ter agora a possibilidade de ler o Nuno, todo, de seguida. Far-lhes-á bom proveito, podem eles ter a certeza. <br /><br />Ao longo desses anos, o Nuno foi realizando, com algumas pausas, em modelos de escrita por vezes diferentes, como que um filme bem animado da nossa vida política e social. Foi uma sequência de fotogramas geniais, num estilo que se tornou único, servido por um português invejável e invejado, onde ele usava como muito poucos vi fazerem, a ironia subtil com arma da crítica, para lembrar a expressão de um clássico.<br /><br />Por ali se encontram “trouvailles” inesperadas, num léxico rico mas nunca pedante, na cultura que dali emanava - nos autores, nos livros, nos filmes, naquela memória que parecia não ter fim. Era sempre um olhar certeiro e muito fino, às vezes impiedoso, que deve ter causado imensos engulhos a alguns dos seus alvos. Principalmente a um, que me abstenho de referir.<br /><br />As crónicas do Nuno foram uma espécie de novas “Farpas”, um verdadeiro novo “Álbum de Glórias” que caricaturou esses anos, um tratado de sociologia irónica de um certo Portugal. A escrita do Nuno ajudou muita gente a suportar tempos políticos adversos. Não raramente, eu e alguns amigos tinhamos o sentimento de que, com as suas crónicas, o Nuno nos vingava. Mas também por ali ficaram refletidas algumas das muitas alegrias políticas que, felizmente, pudemos viver - e o “culpado” por algumas delas está hoje aqui connosco.<br /><br />Já esgotei os meus dez minutos. Mas ainda vou a tempo de dizer que espero que, depois deste que é o primeiro volume da obra completa do Nuno, não se esqueçam que ele escreveu um misterioso romance policial. Chama-se “Lama na boca” e estou certo que a sua edição poria o Simenon, a Christie ou esses modernaços nórdicos todos num canto! <br /><br />Muito obrigado, Maria do Céu, por me teres dado o privilégio de poder participar nesta sessão. Gostava apenas de dizer-te uma coisa: o Nuno foi um homem com muita sorte, ao cruzar contigo a vida. É que poucos se podem gabar de terem tido Céu na terra! </div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-81857813034383819972019-12-02T23:45:00.000+01:002019-12-03T03:55:25.482+01:00Tratado de Lisboa - 10 anos depois<div style="text-align: justify;">
Começo por agradecer ao senhor ministro Augusto Santos Silva a amabilidade do seu convite para aqui estar, ao seu lado, nesta data que marca uma década desde a entrada em vigor do Tratado Reformador - era assim que se chamava originalmente o Tratado de Lisboa,</div>
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Devo confessar que fiquei um pouco surpreendido com este convite. Mas apenas por uma razão: é que nunca fui conhecido por ter uma grande simpatia pelo Tratado de Lisboa.</div>
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Em 2008, estava embaixador no Brasil, escrevi, numa revista de Relações Internacionais de S. Paulo, um artigo sobre o tema que estava longe de ser elogioso. Reproduzi esse texto mais tarde, sob o título “Um Tratado para outra Europa”, num livro que publiquei em 2009. Podem não acreditar, mas decidi não reler esse texto, para não ser influenciado pelos preconceitos que tinha à época.</div>
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Recordo, no entanto, que era uma análise política serena, muito centrada nas dúvidas sobre aspetos funcionais do Tratado, escrito com a disciplina que compete a um embaixador cujo governo se envolve empenhadamente num determinado projeto. Mas, em privado, devo dizer que chamava aos amigos portugueses que ajudaram a concluir o Tratado, “os tratantes de Lisboa”...</div>
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<br /></div>
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A verdade é que, com o tempo, fui melhorando a minha opinião sobre o Tratado de Lisboa. E mudei, desde logo, a ideia de que Portugal poderia ter feito diferente na gestão negocial do Tratado, em especial para colmatar os principais defeitos que eu então achava que ele tinha. Ora Portugal tinha herdado uma negociação que vinha das pesadas mãos da Alemanha, e isso conta muito, como todos sabemos. Além disso, já à época, tinha ficado para mim muito evidente que, sob a liderança política de José Sócrates - sei que não está na moda pronunciar este nome -, Portugal fez então um excelente trabalho, na sua Presidência, na fase final da conclusão do Tratado que viria a chamar-se de Lisboa. Aproveito também para relembrar aqui os nomes de outras pessoas envolvidas nesse trabalho: Luis Amado, Manuel Lobo Antunes, Alvaro Mendonça e Moura, Nuno Brito, entre outros.</div>
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Permitam-me regressar um pouco atrás no tempo, num brevíssimo bosquejo da atitude portuguesa perante a Europa. Sem isso, é difícil entender o porquê de certas posições. Eu tinha tido a responsabilidade de titular a representação portuguesa no grupo negocial dos tratados de Amesterdão e de Nice, neste último coordenando a parte técnica da CIG.</div>
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Ainda antes disso, tinha estado como substituto do professor Gonçalves Pereira, no “grupo de reflexão”, chamado “grupo Westendorp”, que, durante 1995, havia feito um inventário daquilo que eventualmente seria necessário mudar no Tratado de Maastricht, a fim de adaptar as estruturas comunitárias aos alargamentos que aí vinham e melhorar a eficácia funcional da máquina institucional.</div>
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Há nesta sala pessoas desse tempo e que se recordam, com certeza, que nesta casa se vivia alguma dessintonia entre uma tradicional perspetiva soberanista, muito ciosa da preservação da unanimidade e do poder de veto, com uma outra escola mais europeísta, aberta à ideia de que mais Europa, isto é, um projeto europeu mais aprofundado, significava um melhor terreno para a defesa não apenas dos nossos interesses, mas da própria eficácia de Europa - que também é, vale a pena lembrá-lo, um interesse nosso.</div>
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A negociação de Amesterdão e de Nice viria a ajudar muito o MNE a transitar da primeira posição para a segunda. E esta mudança tem uma cara e um nome: António Guterres. Foi António Guterres, com Jaime Gama, quem pilotou essa mudança, nos dois governos sucessivos que chefiou. Portugal passou então da sua tradicional atitude mais defensiva na Europa para uma posição muito mais pró-ativa, que não chegava ao ponto de ser federalista mas que era muito propensa, por exemplo, a aceitar bem uma questão que era vista, cada vez mais, como essencial para a funcionalidade da máquina decisória europeia: o aumento das matérias em que as votações se fariam por maioria qualificada, com o fim da unanimidade, com a consequente alargamento de poderes de co-decisão do Parlamento Europeu.</div>
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Devo confessar que, eu próprio, que estava muito marcado pela atitude soberanista, que estava muito na matriz desta casa, vim a interiorizar, numa evolução durante os mais de cinco anos em que fui secretário de Estados dos Assuntos Europeus, uma atitude mais europeísta do que aquela que originalmente tinha. Não tenho a menor dificuldade em assumir isto.</div>
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<br /></div>
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Amesterdão e Nice, como é sabido, foram tratados “tímidos”, naquilo em que conseguiram avançar. O espetro de Maastricht, dos referendos, da dificuldade das ratificações nacionais, esteve sempre presente, em especial na negociação do Tratado de Amesterdão. Eu recordaria que, em Maastricht, as instituições comunitárias haviam tocado aquilo que era o “core” da soberania dos Estados: a moeda, a política externa e de segurança, mesmo a justiça e assuntos internos.Terá sido isso que provocou o primeiro sobressalto em certas opiniões públicas. E o automatismo das reformas europeias nunca mais foi o mesmo depois de Maastricht.</div>
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<br /></div>
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Esse trauma esteve presente nas quase 350 horas que estivemos à mesa durante as negociações do Tratado de Amesterdão, um acordo que tinha já no horizonte o grande alargamento a Leste. Como se recordarão, esse tratado fechou e foi assinado deixando para trás os seus chamados “leftovers” ou “reliquats”: a dimensão da Comissão, a revisão do poder de voto de cada Estado, agregado ou não ao peso populacional, e uma maior dispensa da unanimidade em certas decisões, que se ligava à co-decisão com o Parlamento Europeu.</div>
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<br /></div>
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E porque havia uma pressão, insuportável, para resolver esses “restos”, abriu-se, algum tempo depois, a negociação do Tratado que haveria ser de Nice.E foi aí que os demónios se soltaram e a luta pelo poder de cada Estado, que estava um pouco disfarçada, se revelou em pleno. Deu-se conta de uma realidade muito clara: os países que tinham as rédeas das Comunidades desde a sua criação, e que tinham visto o seu poder relativo erodido com os sucessivos alargamentos, queriam garantir que, numa União muito mais alargada, com Estados de uma natureza diferente, não iam perder mais poder.Deixou de haver punhos de renda e Nice acabou por ser uma luta despudorada. Pela nossa parte, mostrámo-nos abertos aos principais avanços europeus, mas revelámo-nos indisponíveis para passar a ser irrelevantes no processo decisional futuro - em termos de votos no Conselho, de lugares no Parlamento europeu e no direito a nomear um comissário.</div>
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E tal como, depois de Amesterdão, tinham ficado os seus “leftovers”, dos turbulentos dias de Nice acabaria por sair a iniciativa de Laeken, desta vez a ideia de que era preciso dar um salto de aprofundamento, quiçá de sentido constitucionalizante - se a palavra existe. Daí viria a surgir a ideia da Convenção para o Futuro da Europa, pela constatação de que o modelo das Conferências Intergovernamentais tão conseguiam dar saltos suficientemente ousados para aquilo que alguns pretendiam. E foi da Convenção que nasceu o projeto de Tratado Constitucional. A França, que tinha conseguido impor Giscard d’Estaing à frente da Convenção, acabou por ser um dos primeiros países a dar cabo do trabalho desta, derrotando em referendo a ideia do Tratado Constitucional.</div>
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<br /></div>
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Que fazer?, então, como diria um clássico. A Europa bruxelense não se deixa derrotar com facilidade. Percebendo que não conseguia ter ambiente, a nível das opiniões públicas, para fazer aprovar essa espécie de Constituição Europeia, a máquina de Bruxelas fez um truque semântico: readequou o Tratado de Maastricht, que já tinha sido “remendado” em Amesterdão e Nice, e introduziu-lhe aquilo que considerava essencial no Tratado Constitucional, que tinha acabado de ser derrotado. Mudou palavras, reorganizou o texto e “vendeu-o” bem, sem necessidade de grandes legitimação popular, como se de um mera reformulação se tratasse. E não era. Foi a isso que se chamou Tratado Reformador e, depois, tratado de Lisboa.</div>
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Vale a pena dizer, com honestidade, que todos estes passos, que já vinham do Tratado de Roma e que passaram pelo importante Ato Único Europeu, um passo institucional a que muitos não deram a importância devida, representaram sempre, em maior ou menor grau, saltos qualitativos importantes, que foram melhorando a funcionalidade da máquina europeia, que trouxeram maior legitimidade e uma participação mais alargada à tomada de decisões, reforçando a democraticidade da União.</div>
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<br /></div>
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Mas, se assim é, por que diabo tinha eu dúvidas sobre o Tratado de Lisboa? Não vou aqui descrever o Tratado e os seus principais aspetos, que podem ser lidos na net, mas vou referir as minhas dúvidas e o seu porquê. Eram todas de natureza institucional. Na realidade, o Tratado de Lisboa trouxe muito pouco em matéria de novas competências, isto é, apenas mudou pontualmente o modo como certas competências da União eram exercidas. Porém, introduziu alterações sensíveis na estrutura institucional e na relação de poderes entre instituições.</div>
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A primeira grande dúvida que eu alimentava era sobre a ideia da criação da figura do Presidente do Conselho Europeu. A minha ideia era de que isso reforçaria a intergovernamentalidade, em detrimento do papel da Comissão, o que seria um importante retrocesso. Para mim, o presidente do Conselho Europeu iria acabar por ser uma espécie de “capataz” do diretório, em particular num processo decisório em que o fator populacional era reformulado.Além disso, os Estados membros de menor dimensão perdiam o destaque dado pelas presidências rotativas, que tinham sido sempre um fator de mobilização nacional para o projeto europeu.</div>
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<br /></div>
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Às vezes, nestas reflexões um pouco pessimistas que eu fazia sobre os perigos da intergovernamentalidade e o jogo grandes-pequenos na Europa, lembrava-me de uma frase que ouvira a António Guterres: “Não se preocupe. As coincidências de interesses entre os maiores países são sempre pontuais. Os seus interesses comuns nunca são suficientes para dispensarem a necessidade de alianças com alguns mais pequenos. E essa é a nossa força!”. Não sei se ele ainda pensa isto hoje, quando enfrenta os P5, nas Nações Unidas...</div>
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<br /></div>
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Mas, pela primeira vez, no Tratado de Lisboa, o Conselho Europeu era uma instituição, com orçamento e regras, poderes claros embora com preocupantes zonas cinzentas de intervenção. Eu podia perceber, contudo, as vantagens do fator continuidade, de um presidente a tempo inteiro, de haver um interlocutor permanente com entidades estrangeiras, de se evitar que a força da Europa pudesse ficar debilitada por figuras políticas menores ou em crise interna. Mas isso não me sossegava.</div>
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<br /></div>
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Uma outra questão neste domínio era a ausência dos MNE nas reuniões dos Conselhos Europeus, o que daria um poder desmesurado aos “sherpas” e aos gabinetes dos PM, que ficariam “à solta”. A autoridade externa dos MNE, na coerência da acção daquilo a que nós chamamos os ministérios sectoriais, ficava muito prejudicada.</div>
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<br /></div>
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Ligada com a questão do Presidente do Conselho Europeu, eu tinha a preocupação essencial de que pudesse vir a criar-se uma bicefalia competitiva com o Presidente da Comissão Europeia, fragilizando-o, bem como à própria Comissão. Nós tínhamo-nos batido pelo reforço dos poderes do Presidente da Comissão, que tinham vindo a aumentar, ao ter direito de distribuir pastas, de remodelar, até de demitir comissários. A Comissão Europeia fora, por muitos anos, o “bom da fita”, o nosso aliado preferencial. Os Estados mais frágeis não se importavam em conferir-lhe mais poderes. Mas descurámos um aspecto: com o Tratado de Lisboa, a Comissão, ao ganhar mais competências na União Económica e Monetária (UEM) iria mudar bastante a sua imagem pública, passando a ser vista como uma espécie de “ASAE do euro”. Se olharmos retrospetivamente para o modo como a imagem da Comissão Europeia evoluiu, parece-me evidente que a sua popularidade se esvaiu bastante com as novas competências. Entre nós, não tenho disso a menor dúvida!</div>
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<br /></div>
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Nas competências novas da Comissão havia igualmente um outro problema, em que o Tratado de Lisboa me não sossegava: as relações externas. Nós sabíamos que era um pouco incongruente a posição relativa do então “Senhor PESC” e do Comissário para as Relações Externas, a que se somavam ainda os MNEs nacionais nas presidências rotativas. Patten mais Solana - o modelo “Patana” - nem sempre funcionou bem, como sabemos. Mas o novo formato criado pelo Tratado de Lisboa tinha um pecado original, para os puristas institucionais: criava uma dupla tutela Conselho/Comissão, ofendendo a integridade de cada instituição. O Alto Representante era escolhido pelo Conselho Europeu, sendo igualmente vice-presidente da Comissão.Curiosamente, depois da experiência menos bem sucedida da baronesa Ashton, o tempo Mogherini viria a revelar-se bem mais positivo, mas continuo um pouco perplexo quanto ao futuro. Dito isto, não me parece que o Tratado de Lisboa tenha sido negativo nesta matéria das relações externas.</div>
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<br /></div>
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Estas eram as minhas principais preocupações. O tempo veio a fazer-me refletir mais sobre o Tratado de Lisboa e hoje olho-o de outra forma.</div>
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<br /></div>
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Para concluir, sobre aquilo que disse e sobre outros temas conexos, quero apenas deixar umas notas soltas, mesmo correndo o risco de estar a exceder um pouco o meu tempo:</div>
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<br /></div>
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· A emergência da crise internacional de 2008, com todas as suas decorrências, não ajudou a testar devidamente, num ambiente de “velocidade de cruzeiro”, as eventuais virtualidades do Tratado de Lisboa, na gestão do processo comunitário. Mas também não deixou a ideia de que o Tratado se constituísse, nesse contexto, como um problema.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Numa Europa hoje condenada - eu diria mesmo, resignada - a ser tutelada por alguns escassos países, pode dizer-se, com alguma ironia, que o Tratado terá servido à perfeição esse objetivo. Sempre me pareceu, aliás, ser esse um dos seus propósitos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Num mundo em turbulência, com o principal aliado tradicional da Europa em rota de afastamento e mesmo de alguma hostilidade, com o espaço multilateral à escala global meio atordoado, em particular por essa razão, com o próprio quadro de relações externas da UE sem um sentido muito claro (Rússia, China, Médio Oriente), salvo na cada vez mais impecável “retórica declaratória”, acho que a ação externa da União acabou por revelar a coerência global que era possível.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Depois de uma primeira fase de algum desnorte, o modelo unitário de representação externa criado pelo Tratado parece funcionar com aceitável eficácia. Mais dúvidas tenho quanto à operacionalidade e em especial ao prestígio futuro do SEAE, embora aí se tivesse confirmado o expectável, em termos da competição com algumas diplomacias europeias, que se sabia serem intraváveis na sua ambição de autonomia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· A experiência desta década não parece dar ainda a certeza de que a bicefalia de representação Conselho/Comissão sobreviva para sempre sem grandes problemas. Um primeiro “ticket” mais cinzento, seguido por outro mais “colorido”, não foram ainda, a meu ver, uma amostragem suficiente para fixar doutrina nesta matéria. E temo que uma presidente da Comissão de um país muito forte e um Presidente do Conselho Europeu sem grande força política própria não ajudem, uma vez mais, a testar, com suficiente representatividade demonstrativa, a bondade do modelo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· O modo como se processou a “marchandage” em torno da distribuição dos cargos europeus, há uns meses atrás, terá provado que o modelo do Tratado de Lisboa não trouxe, a esse nível, um suplemento de racionalidade ao funcionamento da União e apenas provou que “old habits die hard”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Ligado a isto, o fracasso do modelo do “spitzenkandidat” do Parlamento Europeu pode contribuir, no plano político, para enterrar a fórmula de governança interinstitucional partilhada que estava no espírito do Tratado de Lisboa. Estamos aqui perante um evidente falhanço, que pode ter consequências sérias.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Finalmente, e embora correndo o risco de terminar com uma nota pessimista, gostava de dizer que me parece - mas espero bem estar enganado - que, nesta Europa que aí está, já não estamos todos no mesmo barco, muito em especial no terreno dos valores e de alguns princípios. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Mas a culpa não será do Tratado de Lisboa nem das suas instituições: é da falta de vontade política de alguns Estados membros, nomeadamente para “partirem a loiça” e “chamarem os bois pelos nomes”, Estados esses sem cujo empenhamento o projeto europeu, que naturalmente não desaparecerá, tenderá a fragilizar-se, a meu ver, cada vez mais. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
· Ah! E reparo nem sequer falei do Brexit!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Muito obrigado, mais uma vez, senhor ministro, pelo simpático convite e a todos pela vossa atenção.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(<i><b>Intervenção apresentada no Palácio das Necessidades, no dia 2 de dezembro de 2019, data em que se comemorou uma década sobre a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a par de outra proferida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva</b></i>)</div>
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Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-65982734386114887682019-04-10T17:51:00.008+02:002021-11-17T17:55:41.365+01:00Olhar Viana<div style="text-align: justify;">Se alguém perguntar, pelo mundo, qual é o mais típicotraje folclórico português, estou certo de que o traje de Viana será a resposta mais provável. O vestuário das lavradeiras minhotas, nas suas múltiplas e subtis declinações locais, completado pelo ouro que o orna, éhoje um dos melhores cartões de visita de Portugal. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na Romaria de Nossa Senhora da Agonia, no mês de agosto de cada ano, a cidade é um mar colorido dessesfatos típicos de mulher – porque, em Viana do Castelo, a mulher é claramente a rainha da festa. Com predominância dos vermelhos, os azuis, os verdes e os negros, com outros tons à mistura, enchem as ruas de um matiz singular. Tenho para mim que o mais interessante neste orgulho identitário está na circunstância das novas gerações estarem já conquistadas para a importância de continuarem esta tradição. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Vivo as festas de Viana há dezenas de anos. Não nasci na cidade, nunca ali residi, mas a naturalidade vianense do meu pai faz-me ser um visitante tão frequente que já me sinto parte da terra. Tenho vindo a acompanhar, nas últimas décadas, o crescente interesse que a cidade dedica a este seu tempo celebratório em que, por todo o lado, se espalha o ambiente daquela que é a maior Romaria de Portugal. Com isso, o artesanato, que já era famoso, renovou-se com imenso bom gosto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Comecei por falar das festas anuais. Mas Viana, convém que o leitor saiba, não é só esse tempo festivo, em que as ruas estão cheias e há música – ah! e os famosos bombos! – um pouco por todo o lado. É que Viana do Castelo, ao longo de todo o ano, é uma urbe que merece uma visita cuidada.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A cidade é um feliz acaso de conjugação perfeita do monte com o mar, com as praias, com o porto de onde, em tempos passados saíam para as costas da Terra Nova os navios bacalhoeiros – trazendo o bacalhau, esse produtoque se tornou icónico na gastronomia portuguesa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Começar por olhar Viana do Castelo do alto do monte de Santa Luzia, que tem no topo um santuário que a alguns lembra o parisiense Sacré Coeur, é um espetáculo único, em particular nos dias em que se pode observar o estender longínquo do vale do rio Lima, a areia das praias que seguem para o sul e a suave paisagem verde que, para norte, acompanha o caminho para a fronteira espanhola.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Aconselho a que o viajante se perca pela cidade, pelas ruas medievais estreitas, que olhe os solares magníficos, parando nas esplanadas dessa jóia de harmonia que é Praça da República. Desça depois para o rio, visitando de passagem as igrejas, passeando pelo jardim público.Alguém que encontre lhe dirá onde se come melhor, sendo que a doutrina se divide sempre nos gostos, que só parecem ser unívocos em matéria de doçaria.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O visitante que chegue a Viana não tem dificuldade em alojar-se: a cidade, turística por excelência, tem uma magnífica rede hoteleira, com belas surpresas para quemqueira experimentar espaços menos standardizados. Nada ali falta, para uma estada agradável.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Amália Rodrigues, a famosa cantora de fado português, fixou para sempre, naquele que se tornou no hino informal da cidade, a frase “havemos de ir a Viana“, assim expressando o desejo antigo dos habitantes das aldeias do Minho de poderem vir a fazer parte da grande Romaria anual à cidade. Cada vez mais, o país e o mundo concretizam esse desejo, pelo que Viana do Castelo se tornou numa das cidades portuguesas com uma particular atratividade turística.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(Texto para a revista “Viana do Castelo”, da Câmara Municipal de Viana do Castelo)</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-4340052398845992732019-01-31T00:30:00.000+01:002020-05-18T20:23:39.582+02:00“Embaixadores politicos”O conceito de “embaixadores políticos” não tem consagração legal, sendo, no entanto, vulgarmente utilizado, na comunicação social e na linguagem comum, para designar pessoas alheias à carreira diplomática que são indicadas para chefiar missões diplomáticas, bilaterais ou multilaterais. <br /><br />Na história da diplomacia, e em rigor, pode dizer-se que todos os representantes diplomáticos começaram por ser “políticos”, porquanto, na ausência de carreiras estruturadas de diplomatas profissionais, eram sempre figuras de confiança pessoal do soberano que eram destacadas para o representar junto de um seu homólogo - dispondo aliás, tradicionalmente,de poderes de representação muito alargados e bem superiores aos dos atuais profissionais. Daí resulta a designação, um tanto gongórica, de “embaixador extraordinário e plenipotenciário”, que ainda hoje sobrevive na liturgia diplomática.<br /><br />O crescimento do número de países na cena internacional, que se acentuou fortemente após as descolonizações subsequente à Segunda Guerra mundial, provocou um aumento exponencial das missões diplomáticas (e consulares) bilaterais. Também o surgimento de organizações internacionais de natureza permanente, que ocorreu ao longo do século XX, obrigou os Estados a estruturar e a reforçar as respetivas carreiras diplomáticas, que acabaram por se tornar, no essencial, normais carreiras de serviço público, com prestação de funções nos quadros interno e externo dos ministérios encarregados da representação internacional dos Estados.<br /><br />Por muito tempo, os diplomatas profissionais de carreira, embora em geral fossem dominantes na estrutura central dos respetivos ministérios, permaneceram, quando colocados em postos externos, subordinados a personalidades de estranhas a essa mesma carreira, que dispunham da confiança política do poder de turno e que por este eram indicadas para chefiar todas as missões diplomáticas. Com o tempo e com o aumento do número de missões, essespostos, começando pelos menos importantes, passaram a ser chefiados por diplomatas de carreira. <br /><br />Na generalidade dos países democráticos - os Estados Unidos da América foram sempre uma notável exceção, onde a chefia das principais embaixadas é sempre atribuída a personalidades políticas e a financiadores ou coletores de financiamento das campanhas presidenciais –, a prática caminhou no sentido de atribuir progressivamente aos diplomatas de carreira a direção das embaixadas e das representações permanentes junto dos organismos multilaterais. <br /><br />Porém, convém notar que, em muitos países, as exceções a esta regra foram e continuam a ser imensas. Pode dizer-se, em tese, que um grande número de Estados, praticando-o ou não, continua a não fechar a porta à possibilidade de designar para a chefia das suas missões diplomáticas figuras não oriundas do seu serviço público especializado para tal fim.<br /><br />Portugal não foi estranho à evolução que se processou pelo mundo. Depois de um período -todo o tempo da Monarquia e da Primeira República - em que as chefias das escassas missões diplomáticas eram reservadas a figuras de indicação política, geralmente com um perfil relativamente elevado e uma reconhecida qualificação e imagem públicas, os últimos anos do Estado Novo, precisamente pela multiplicação do número de embaixadas, vieram a consagrar uma crescente presença de profissionais diplomáticos na direção dessas estruturas externas. <br /><br />Ao tempo da Revolução de 1974, contudo, apenas no Brasil (José Hermano Saraiva) e na Argentina (Luís Pinto Coelho) o regime de então mantinha “embaixadores políticos”.<br /><br />Com o 25 de abril, terá havido, no seio do novo poder político, um debate sobre a oportunidade de “refrescar” o quadro diplomático profissional, e não apenas a chefia dos postos externos, com figuras que dessem garantias de lealdade ao novo curso do país. Foraisso, aliás, o que acontecera após a implantação da República, em 5 de outubro de 1910, ou na decorrência da instauração da Ditadura militar, em 28 de maio de 1926. <br /><br />Ao tempo do 25 de abril, chegou mesmo a ser ventilada a ideia do preenchimento do quadro diplomático, a nível intermédio, por figuras tidas como possuindo credenciais democráticas, com o argumento de que a algumas gerações havia estado vedado, por determinantes políticas, o acesso à carreira diplomática. Essa ideia, por razões que se desconhecem mas que poderão ter estado ligadas à dificuldade um obter um consenso interpartidário e com outros centro de poder, acabou por não vingar, tal como não viria a ter vencimento a proposta, ainda mais radical, de um “saneamento” profundo nos funcionários diplomáticos que haviam servido o regime ditatorial. Na prática, foram apenas afastados alguns diplomatas acusados de um excessivo zelo persecutório dos opositores ao anterior regime, foram feitas algumas naturais mudanças de chefias diplomáticas externas, mas foi, no essencial, mantido em funções o corpo de funcionários diplomáticos no ativo. Manteve-se, no entanto, sempre aberta a porta a um novo ciclo de recrutamento de “embaixadores políticos”. Como adiante se verá, mais de um terço dos “embaixadores políticos” foi nomeado no período que antecedeu a promulgação da Constituição de 1976.<br /><br />Desde o 25 de abril até ao termo de 2018, os 27 governos da Democracia indicaram um total de 31 “embaixadores políticos”. Por legislação ulteriormente publicada, a algumas dessas personalidades, com um mínimo de anos de serviço na função, foi facilitado o ingresso no quadro diplomático corrente, podendo dessa forma rodar entre postos, no abandono daquela que era a justificação mais vulgar para a sua designação – a sua especial adequação ao exercício de funções num determinado posto.<br /><br />Como é natural, a presença de figuras de nomeação política para a chefia de missões diplomáticas, “curto-circuitando” profissionais que progridem regularmente na sua carreira, com expetativa de acesso a esses lugares cimeiros num prazo mínimo de cerca de duas décadas, não é muito bem aceite entre os diplomatas profissionais. Porém, pode dizer-se que a carreira diplomática portuguesa, em tempos democráticos, soube conviver bem com esta imperativa realidade e só em tempos mais recentes, através das suas estruturas sindicais, tem vindo a dar nota pública do seu desagrado quando esse tipo de nomeações eventualmente ocorre.<br /><br />Vale a pena constatar que a circunstância de algumas das personalidades vindas do exterior da carreira se terem constituído num valor acrescentado interessante para o serviço diplomático contribuiu para minorar essa reação negativa. Porém, no seio da carreira diplomática, prevalece a perceção - justa ou meramente corporativa - de que a maioria dessas personalidades externas, que foram designadas nos vários ciclos políticos, não deixaram uma imagem impressiva que justificasse a excecionalidade da sua escolha e, as mais das vezes, a sua designação correspondeu a meros jogos de oportunidade, na colocação de figuras próximas dos governos da ocasião. <br /><br />Na lista que a seguir se apresenta, optou-se por colocar cada um dos 31 “embaixadores políticos” sob os governos que os designaram, com nota da data e posto da primeira nomeação (com referência, em pé de página, aos postos subsequentes que nove dentre elesviriam posteriormente a ocupar)<br /><br /> <br /><br />Governos Provisórios (1974/1976)<br /><br />Francisco Ramos da Costa, 1974, Belgrado (1)<br /><br />Mário Neves, 1974, Moscovo<br /><br />José Veiga Simão, 1974, ONU<br /><br />Albertino Almeida, 1975, Maputo<br /><br />José Fernandes Fafe, 1975, Havana (2)<br /><br />Ernâni Lopes, 1975, CEE (3)<br /><br />António Coimbra Martins, 1975, Paris<br /><br />Maria de Lurdes Pintasilgo, 1975, Unesco<br /><br />José Manuel Galvão Teles, 1975, ONU<br /><br />Manuel Bello, 1975, OCDE<br /><br />André Infante, 1976, Argel<br /><br /> <br /><br />1° (PS) e 2° (PS/CDS) Governos constitucionais, primeiro-ministro Mário Soares (1976/1978)<br /><br />António Flores de Andrade, 1977, Lusaka<br /><br />Manuel João da Palma Carlos, 1977, Havana<br /><br />José Cutileiro, 1977, Conselho da Europa (4)<br /><br />Álvaro Guerra, 1977, Belgrado (5)<br /><br />Vitor Cunha Rego, 1977, Madrid<br /><br />Walter Rosa, 1977, Paris (6)<br /><br />Vitor Alves, 1977, embaixador itinerante<br /><br /> <br /><br />3°, 4° e 5° Governos constitucionais, de iniciativa presidencial (Ramalho Eanes) (1978/1979)<br /><br />Henrique Granadeiro, 1979, OCDE<br /><br /> <br /><br />6° Governo Constitucional (PSD/CDS), primeiro-ministro Sá Carneiro (1980)<br /><br />Pedro Pires de Miranda, 1980, embaixador itinerante<br /><br /> <br /><br />7° Governo Constitucional (PSD/CDS), primeiro-ministro Pinto Balsemão (1981/1982)<br /><br />Pedro Roseta, 1981, OCDE<br /><br /> <br /><br />9° Governo Constitucional (PS/PSD), primeiro-ministro Mário Soares (1983/1985)<br /><br />Vitor Crespo, 1984, Unesco<br /><br /> <br /><br />10º, 11° e 12° Governos Constitucionais (PSD), primeiro-ministro Cavaco Silva (1985/1995)<br /><br />José Augusto Seabra, 1986, Unesco (7)<br /><br />Eugénio Anacoreta Correia, 1988, São Tomé (8)<br /><br />Fernando Santos Martins, 1988, OCDE<br /><br />Raquel Ferreira, 1988, Estocolmo (9)<br /><br />José Silveira Godinho, 1993, OCDE<br /><br /> <br /><br />15° Governo Constitucional (PSD/CDS), primeiro-ministro Durão Barroso (2002/2004)<br /><br />Basilio Horta, 2002, OCDE<br /><br /> <br /><br />17° e 18° Governos Constitucionais (PS), primeiro-ministro José Sócrates (2005/2011)<br /><br />Eduardo Ferro Rodrigues, 2005, OCDE<br /><br />Manuel Maria Carrilho, 2009, Unesco<br /><br /> <br /><br />21° Governo Constitucional (PS), primeiro-ministro António Costa (2015-)<br /><br />António Sampaio da Nóvoa, 2017, Unesco<br /><br />---------------------<br /><br />(1) Também Copenhague<br /><br />(2) Também México, Praia, embaixador itinerante, Buenos Aires<br /><br />(3) Também Bona<br /><br />(4) Também Maputo, CSCE em Estocolmo, Pretória<br /><br />(5) Também Nova Deli, Kinshasa, Conselho da Europa e Estocolmo<br /><br />(6) Também Caracas<br /><br />(7) Também Nova Deli, Bucareste, Buenos Aires<br /><br />(8) Também Praia<br /><br />(9) Também Tóquio<br /><br /> <br /><br />Notas finais<br /><br />- Constata-se que as personalidades próximas do Partido Socialista surgem em maior número.<br /><br />- Em tempos dos Governos Constitucionais (pós 1976), as nomeações do PS e do PSD equivalem-se, com o CDS a indicar também dois nomes.<br /><br />- No período dos Governos Provisórios, houve sete personalidades nomeadas que não tinham um vínculo evidente aos grandes partidos.<br /><br />- Alguns “embaixadores políticos” que haviam sido nomeados num determinado ciclo político viriam a ser confirmados ou recolocados em tempos governativos muito diferentes.<br /><br />- A OCDE é posto onde o maior número de “embaixadores políticos” foi colocado (7), seguindo-se a Unesco (5).Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-37114997615463208062018-12-20T12:30:00.000+01:002018-12-20T12:30:15.823+01:00A nova balança da EuropaConferências do Chiado<br />
II Ciclo<br />
Francisco Seixas da Costa<br />
«Portugal na Nova Balança da Europa»<br />
Apresentação Guilherme d’Oliveira Martins<br />
<br />
Guilherme d’ Oliveira Martins<br />
<br />
Boas tardes a todos. É para mim um grande gosto estar aqui, pedindo desculpa deste meu ligeiro atraso. Mas ele foi providencial, porque pude justamente acompanhar a embaixadora Ana Paula Zacarias, nossa Secretária de Estado.<br />
Quando o embaixador Francisco Seixas da Costa me pediu para vir aqui, respondi-lhe imediatamente. Nem sequer precisámos de usar a voz, uma vez que usámos a tecnologia. Serei muito breve porque estamos aqui todos para ouvir o embaixador Seixas da Costa.<br />
O tema não pode ser melhor, porque “Portugal na nova balança da Europa” evoca naturalmente um texto fundamental da nossa literatura, e não só da literatura diplomática, do nosso João Baptista da Silva Leitão Almeida Garrett. Ora estamos numa casa que é o Teatro da Trindade, a passar os seus 150 anos e, nesta iniciativa do CIDSENIOR, obviamente que saúdo o seu espírito de animador, que é o Dr. Alberto Regueira.<br />
Apresentar o embaixador Francisco Seixas da Costa é fácil e difícil. É fácil, uma vez que é uma pessoa que tem dado o melhor de si ao serviço público. É natural de Vila Real. Aliás, e por isso mesmo, encontramo-lo, em determinado momento, como Presidente do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.<br />
Eu tive o gosto de conhecer o embaixador Francisco Seixas da Costa em Oslo, numa célebre Comissão Mista Luso-Norueguesa. E saúdo aqui na sala a Engª Maria Alexandra Costa Gomes, que capitaneava, ao lado do Ministro das Finanças, o nosso querido e saudoso professor António de Sousa Franco, de quem então eu era Chefe de Gabinete. E também recordo o Ministro Per Kleppe, amigo de Portugal e referência absolutamente fundamental. Ainda hoje não podemos deixar de lembrar essa experiência luso-norueguesa, de facto tão importante.<br />
E aí nos conhecemos e nunca mais deixámos de ter um contacto muito forte.<br />
Licenciado em Ciências Políticas e Sociais pelo ISCSP, em 25 de Abril era oficial miliciano e foi assessor da Junta de Salvação Nacional. A sua carreira diplomática começou em 1975. Esteve em Oslo, em Luanda e em Londres. Depois, encontrámo-nos em 1995, numa coincidência particular: éramos ambos Secretários de Estado e éramos companheiros relativamente próximos nas reuniões de Secretários de Estado. Havia essa confusão nas siglas, uma vez que ambos éramos SEAE - eu da Administração Educativa, ele dos Assuntos Europeus.<br />
Ora, como Secretário de Estado, ele esteve no XIII e XIV Governos Constitucionais. Teve um papel extremamente relevante, designadamente na negociação dos tratados de Amesterdão e de Nice, simultaneamente também como presidente coordenador do grupo dos acordos de Schengen e da Presidência Portuguesa da EU.<br />
Regressado à carreira diplomática, foi representante permanente de Portugal na Nações Unidas, depois embaixador junto da OSCE, Embaixador de Portugal no Brasil, Embaixador de Portugal em França, ainda Embaixador de Portugal na UNESCO. Já depois de encerrar a sua carreira activa na diplomacia portuguesa, esteve à frente do Centro Norte-Sul, do Conselho da Europa, nos anos 2013 e 2014.<br />
Este é um servidor público, mas ele é muito mais do que isso, devo confessá-lo, mas é uma confissão que sei que partilho com muitos dos que estão aqui. Um dia sem lermos “Duas ou três coisas”, o blogue do nosso embaixador, é um dia mais pobre. Precisamos sempre de o ler. Aliás, faz uma homenagem justíssima ao embaixador Hall Themido, no seu último post.<br />
Um certo dia, naqueles inquéritos que os jornais têm, pediram-me conselhos relativamente à gastronomia e eu logo respondi: não perguntem a mim, perguntem ao embaixador Francisco Seixas da Costa. Todos nós, naturalmente, temos de recorrer a ele naquilo em que é também uma referência fundamental: obviamente que esta referência fundamental liga-se à pertença do embaixador Francisco Seixas da Costa à Academia Portuguesa de Gastronomia. Eu sou testemunha, por conhecer outros participantes activos nesta Academia, que o embaixador Seixas da Costa é por ali dos mais respeitados, ouvidos e até temidos, com justiça. Quando, num restaurante, entrar o embaixador Francisco Seixas da Costa posso-vos garantir que há grandes movimentações, uma vez que se alguma coisa corre menos bem isso não é, de facto, o mais simpático que pode acontecer...<br />
Ele é também hoje membro do Conselho das Ordens de Mérito Civil.<br />
Tantas e tantas coisas podíamos dizer, mas hoje nós estamos muito expectantes e certos de que – e sinto que não cometo uma inconfidência - mas como dizia há pouco a nossa querida Secretária de Estado, “vimos aprender um pouco aqui”.<br />
<br />
Francisco Seixas da Costa<br />
<br />
Muito obrigado, Guilherme. Desde logo, por me dar o gosto de estar hoje aqui. O Guilherme ajuda sempre o meu ego quando fala de mim, em ocasiões como estas. Fico muito grato pelo que disse.<br />
O meu muito obrigado, também, ao CIDSENIOR, na pessoa do Dr. Alberto Regueira, pelo seu amável convite, bem como ao Centro Nacional de Cultura, que co-organiza esta atividade.<br />
Quero ainda assinalar e agradecer a presença da senhora Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, a minha colega de profissão, embaixadora Ana Paula Zacarias. É um grande gosto tê-la aqui. Falo assim sob o seu “controlo”, bem como do meu antecessor nesse cargo, o Dr. Victor Martins, que também tenho o grande prazer de ver aqui presente. Todos fomos ocupantes do mesmo gabinete, no palácio da Cova da Moura, lugar onde, curiosamente, muitos anos antes, eu havia sido adjunto da Junta de Salvação Nacional, ao tempo da revolução de 1974, e onde acabei por regressar noutras condições.<br />
Mas concentremo-nos na razão daquilo que aqui nos traz: a Europa. Tendo em conta que a Europa, como a senhora secretária de Estado sabe hoje aqui melhor do que ninguém, nos surge como uma novidade todos os dias, surpreendendo-nos ao virar da esquina, a minha ideia era falarmos um pouco dessa realidade à luz da minha experiência pessoal. Será uma leitura completamente livre, não limitada minimamente por qualquer tipo de constrangimento, nomeadamente de natureza oficial passada.<br />
A minha experiência é a de alguém que atuou no plano europeu, mas, essencialmente, de uma pessoa que testemunho o que foi a aproximação portuguesa à Europa, nomeadamente no plano político. Falarei como um cidadão, alguém que viveu intensamente as quatro décadas que levamos de democracia , bem como o modo como a União Europeia, nestes últimos trinta anos, marcou a vida de todos nós.<br />
Por isso mesmo, falarei apenas do Portugal democrático, porque esse é o tempo que é mais relevante para a nossa relação institucional com a Europa. O resto, o Portugal do império que se afundou em 1974, tem menos importância para o que aqui me traz. <br />
A doutrina divide-se, ainda hoje, sobre se houve, ou não, uma planificação estratégica para o destino do país, após o 25 de abril. Acabado o que restava do império, surgiu a Europa. A ideia da Europa, colocada aos portugueses, foi a da aproximação àquilo que era o projeto integrador europeu à época existente. Entre nós, essa ideia fez um rápido caminho e, a certa altura, quase que se tornou na obsessão política básica da sociedade portuguesa.<br />
Isso aconteceria com duas exceções: de um setor mais à esquerda, que verdadeiramente até hoje nunca aceitou essa opção, e de um setor mais à direita que, em especial num certo momento da nossa vida política, também colocou reticências face àquilo que se desenhava como opção amplamente maioritária. Perspetivas opostas, mas, curiosamente, ambas marcadas por uma visão soberanista.<br />
Convém lembrar que o sentimento democrático, nas suas diversas expressões, é aquele que prevalece e marca os tempos imediatamente após o 25 de Abril. Por razões que me parecem óbvias, com certeza até com alguns exageros ideológicos que ficaram plasmados naquilo que é a nossa Constituição, prevaleceu a ideia de que era necessário queimar etapas relativamente ao passado, recuperar um imenso tempo perdido e projetar o novo espírito democrático na nova carta institucional que passava a ser fundamental na nossa vida coletiva.<br />
Quero com isto dizer que a democracia foi a razão-chave que, no fundo, nos empurrou para a Europa. Porque se pressentiu que iria ser a futura presença institucional na Europa que traria segurança para a preservação do próprio modelo democrático.<br />
Ousaria mesmo dizer que foi o interesse em garantir uma moldura democrática forte que esteve na origem de certos exageros, eventualmente até semânticos, em que a época foi pródiga. Para exorcizar o passado, foi feito um esforço para nos blindarmos com um politicamente correcto democrático muito forte. A ideia terá sido usar a nova Constituição como uma barreira contra o passado ou contra a expressão de sentimentos retrógrados - como o racismo, a xenofobia ou novas derivas autoritárias. À época, nada garantia que, sem essa profilaxia ideológica, essas tendências não viessem a conseguir ter representação na Assembleia da República. Graças talvez a esse politicamente correcto, isso acabou por não ocorrer. Mas nada nos assegura que o futuro nos não possa trazer ainda surpresas.<br />
A Europa foi a segunda grande obsessão no país, imediatamente a seguir à democracia, sendo que ela própria surge, para muitos, embora não para todos, como um factor integrante da própria democracia. É óbvio que, por essa época, também se falava muito do desenvolvimento e da descolonização, mas a Europa permaneceu como o elemento mobilizador fundamental para a ancoragem do projecto democrático. Para alguns, ela tinha a virtualidade de poder ajudar a prevenir a prevalência de determinado tipo de tentações, mais ou menos revolucionárias, como as que existiram no período 1974-1976 - e eu falo com a “autoridade” de ter estado então ligado a algumas delas... Em todo o caso, a ideia básica era que o país pudesse, através da participação nas instituições europeias, assegurar condições sustentáveis para desenvolver o projecto nacional renovado que a revolução promovera, assente na garantia da livre expressão popular. Uma coisa ao mesmo tempo simples, complexa e só formalmente consensual.<br />
Foi esse novo Portugal, graças à imagem de uma revolução sem sangue e com cravos, que foi acolhido de forma muito aberta e positiva por todo o mundo. Foi isso que nos abriu as portas que a ditadura tinha contribuído para manter fechadas no mundo multilateral. E o mesmo se passaria no plano bilateral, onde o nosso país recolheu alargadas simpatias, mesmo por parte de Estados que acabavam por ser politicamente contraditórios entre si – desde democracias liberais a democracias populares, passando por modelos autoritários existentes naquilo que então era designado por Terceiro Mundo. Porém, por muito que alguns possam não o querer reconhecer, acabaria por ser essa Europa democrática a conduzir doutrinariamente o “mainstream” ideológico da classe política portuguesa pós-25 de abril, a fazê-la apostar num projecto de desenvolvimento em liberdade que, atrevo-me a dizê-lo, é quase uma opção civilizacional. E que nos marca a vida até hoje.<br />
Vejo nesta sala pessoas cuja experiência e profundo sentido integracionista ajudaram a garantir que Portugal não iria ser tentado a cair em mais um ciclo histórico de periferização. Aquilo que às vezes é apelidado ironicamente como a teoria do “bom aluno”, a ideia de um integracionismo “à outrance”, tem ser confrontado com a realidade chocante desse outro tempo, com um Portugal física, mental, económica e socialmente periférico, a que era preciso dar um abanão. Foi uma aposta de longo prazo, que teve no Dr. Victor Martins, aqui presente, um grande defensor, ele que esteve no centro de importantes opções então feitas, bem e nos momentos certos, por governos de Cavaco Silva, nos primeiros tempos da nossa integração.<br />
O choque com a Europa não deixou de ter, é óbvio, alguns impactos negativos em certos sectores portugueses. Mas não vale a pena ter a mais levíssima dúvida de que dele resultaram muitos mais aspectos positivos, e que estes sobrelevam, qualitativa e quantitativamente, e de longe!, todos os efeitos negativos que, naturalmente, um processo desses acabaria sempre por desencadear, porque ele próprio, pelo seu caráter de rotura, nunca poderia ser neutral face à realidade pré-existente.<br />
A Europa passou a ser a nossa maneira de estar na Europa, por muito que esta expressão possa soar estranha. Adotámos a Europa como o nosso modelo de comportamento. Mas, ao fazermos isso, ao assumirmos esse mimetismo, a Europa também se tornou para nós numa forma comodista de estar no mundo. Isso talvez tenha acontecido pela nossa própria natureza, mas também porque não sentimos a Europa da mesma forma que a sentem outros europeus. Eu explico.<br />
Os portugueses não fizeram parte dos que quiseram a Europa – e quando falo de Europa falo, naturalmente, da Europa integrada – para fugir ao horror de um continente regularmente devastado por guerras trágicas. Essa foi a Europa dos anos da reconciliação, do progresso económico, que mostrava a liberdade ao outro lado da “cortina de ferro”. Nós éramos de outra Europa, da Europa pobre e então sob ditadura.<br />
Pela nossa singularidade geopolítica, também nunca fizemos parte da Europa que aí viria, a Europa dos últimos alargamentos, das tensões com a Rússia - a chamada “nova Europa”, para utilizar a caricatural fórmula do senhor Rumsfeld.<br />
E, finalmente, porque somos uma sociedade culturalmente homogénea, também nunca fomos parte de uma Europa atravessada por tensões, como as que, nos últimos anos, emergiram – na integração das minorias, nas questões identitárias, nacionalistas, nas lutas religiosas, no receio do diferente.<br />
A nossa Europa, aquela a que aderimos, era outra: era a que nos ajudava a estabilizar a democracia e a desenvolver económica e socialmente.<br />
E o tempo deixou claro que a nossa entrada para o projeto europeu se fez no momento certo. Aderir antes seria impossível, entrar mais tarde condenar-nos-ia a uma situação muito mais complexa e com muito menos efeitos positivos do que aqueles de que beneficiámos por ter acedido no tempo em que o fizemos.<br />
A adesão ao processo europeu foi temporalmente certa, quase “cómoda”, para um Portugal saído de um período complexo e traumático, de transição de uma ditadura para um mundo de liberdade, com uma revolução pelo meio.<br />
Mas isso de certo modo - e volto à questão do “comodismo” - criou em Portugal uma espécie de “naturalidade” da opção europeia. Criou-se uma imagem de “bondade” de tudo que era europeu. A Europa tinha efeitos visíveis na paisagem, tinha consequências nos bolsos das pessoas, transformou-se num choque fantástico de modernidade, de mudança das mentalidades. Isso foi particularmente relevante num país como o nosso, que, repito, era então profundamente periférico, em todos os sentidos, face àquilo que era o mundo desenvolvido europeu. Mas isso também criou alguma dependência, porque as coisas se faziam porque vinham da Europa e porque a Europa, a certa altura, também se tornou o modelo automático de representação dos nossos interesses, quase sem questionamento da valia do que dela nos chegava.<br />
As coisas acabaram por correr muito bem, mas, volto a dizer, alinhámos por opção política num integracionismo forte, embora por razões que o tempo iria revelar terem sido boas - desde o “protocolo social” a Schengen e à moeda única. Estivemos sempre nessa primeira linha. E bem!<br />
Esse voluntarismo foi então justificável por razões de natureza política. Vai agora ser importante saber se a vontade integradora pode continuar a ir tão longe quanto o nosso voluntarismo o determinar, isto é, se não haverá limitações de uma outra natureza que nos impeçam de estar presentes nos futuros patamares mais elevados de integração.<br />
Este movimento não teve um só sentido. Por exemplo, nas relações externas, Portugal contribuiu para a Europa com elementos muito interessantes, nomeadamente a sua participação nas questões africanas, em especial no âmbito dos acordos com os países ACP. Está aqui nesta sala o meu amigo embaixador João Rosa Lã, que esteve nessa primeira linha de negociação nesse tempo. Também na cooperação mediterrânica, Portugal surgiu fortemente empenhado. O mesmo ocorreu nas relações com a América Latina, em particular com o Brasil. Resta ainda dizer que, dentro da Europa, com o Reino Unido, com a Holanda e alguns outros países relativamente mais sensíveis às relações com os Estados Unidos, Portugal muito contribuiu para a atenção à vertente transatlântica.<br />
Regresso aos impactos da nossa adesão. Foi uma Europa exigente que tivemos que assumir na frente interna. Houve impactos forte na área do mercado interno, sofridos por alguns setores portugueses. Ao mesmo tempo, para outros como para a generalidade da sociedade, houve ganhos fabulosos, avanços de toda a ordem - da proteção dos consumidores às regras ambientais. Foi um imenso salto qualitativo, talvez mais notório porque, ao tempo, estávamos num estado muito atrasado de desenvolvimento.<br />
Dando agora um salto de alguns anos, e que não foram tantos quanto isso, verificamos que o “choque” com a Europa veio a repetir-se mais recentemente, no quadro das exigências provocadas pela pertença à moeda única. Aí ficou clara a dificuldade de Portugal num quadro de crise económico-financeira que abalou o mundo e a Europa em particular. Aí nos demos conta de uma certa ilusão, relativamente à proteção que o euro nos dava. Talvez essa ilusão tivesse na sua origem a ideia de que, no quadro de eventuais efeitos assimétricos negativos da aplicação da moeda única, isso seria “barato” para a União e que “alguém acabaria por pagar”. A realidade era outra. Depois de termos feito todo o esforço em matéria macro-económica por forma a estar à altura da “fotografia” para a entrada no euro, depois de termos conseguido, durante os primeiros tempos, sustentar o que foi um esforço complexo, o surgimento da crise mostrou, de uma forma muito clara e evidente, a nossa fragilidade e as nossas dificuldades. Em particular, não tendo a própria Europa mecanismos próprios para garantir uma ajuda a esse tipo de disfunção conjuntural.<br />
O que se passou em Portugal no período de 2007-2011 foi um processo de desadequação do país perante aquilo que eram as exigências criadas pelo quadro da moeda única. E o que se passou em 2011 teve um efeito muito negativo sobre Portugal. Não foi só o efeito da dívida, houve ainda um efeito reputacional sobre o nosso país. E temos que ter a devida consciência dele. A imagem de Portugal degradou-se profundamente com o resgate, aquilo que muitos pensavam em silêncio sobre Portugal veio ao de cima e alguns puderam dizer: “afinal nós tínhamos razão, eles não eram capazes”. Portanto, houve aqui um recuo que nós vamos ter de pagar durante algum tempo. Por muito que agora façamos, esse recuo estragou um pouco aquilo que era a imagem que tínhamos conseguido criar na cabeça de muita gente e naquilo que é a leitura pública do nosso país à escala global.<br />
A ajuda europeia acabou por ser cara e sou de opinião de que não devemos ter um sentimento de grande agradecimento relativamente à Europa: a Europa não esteve à altura desta crise, a Europa teve respostas casuísticas, erráticas, “ad hoc”, tomou medidas que saíram mais caras mais tarde porque não foram tomadas antes, quando eram necessárias.<br />
Isto teve a ver com uma realidade que é muito típica em política, que é a impossibilidade de ter um mandato para agir antes que haja uma consciência pública coletiva da imperatividade da tomada de algumas decisões. Assim, a Europa andou um pouco ao arrasto dos factos, na resposta às diversas situações.<br />
Por outro lado, e não vale a pena ter dúvidas sobre isto porque o problema continua e vai prolongar-se, os ciclos eleitorais diferenciados nos Estados europeus e os equilíbrios muito diversos que existem dentro dos governos nacionais, tudo isso não contribui para uma resposta rápida, ajustada e eficaz em determinados momentos. E, dessa forma, acabamos por ficar sempre à espera da eleição seguinte. E isso é ainda mais verdade quando essa eleição é alemã... E, depois, daquilo que dela resulta em termos de governo. Ai de nós estivéssemos três meses para fazer um governo aqui em Portugal! Éramos considerados nem sei bem o quê! Mas sendo os alemães, têm todo o tempo do mundo...<br />
Esta Europa é assim um pouco uma Europa aos solavancos, desde logo com uma união bancária muito incompleta (e a Alemanha é um dos países que tem dificuldades em avançar nesse sentido), quanto mais uma vontade de avançar para algum tipo de mecanismo que permita resolver o passado: um “write-off” na questão da dívida, ou os Eurobonds ou outras formas de mutualização dessa mesma dívida.<br />
A situação na Europa é aliás bem mais complexa, porquanto o próprio discurso político europeu se afastou do “politicamente correto” do passado, da narrativa da solidariedade. Recordo que foi nesse discurso que conseguimos ancorar, graças também ao então secretário de Estado Dr. Victor Martins, a política de coesão económica e social, uma política que viria a tornar-se central dentro da União. Hoje em dia, a solidariedade é uma palavra quase banida do léxico comunitário. Pelo contrário, o discurso dos decisores políticos reflete, com regularidade, uma espécie de mimetismo daquilo que são alguns sentimentos primários e egoístas existentes ao nível das opiniões públicas, às vezes adubados por agendas populistas potenciadas pela comunicação social nacional. Isso faz com que esses governos sejam praticamente impermeáveis a uma qualquer releitura do processo europeu, capaz de gerar políticas que possam de certo modo “recoser” um pouco aquilo que foi o resultado da rotura surgida no passado recente. Assistimos àquilo que foi o tratamento dado à Grécia, assistimos também ao que os “Novos Finlandeses” disseram sobre Portugal. Esse discurso continua por aí e não vale a pena ter a ilusão de que se voltará atrás. Algumas lideranças políticas ao nível europeu, em países que são centrais para a definição do projecto, revelam-se incapazes de promover uma pedagogia junto das suas próprias opiniões públicas, relativamente às vantagens para todos de uma Europa mais equilibrada, mesmo que isso signifique, num determinado momento, prestar um apoio pontual a países que saíram do equilíbrio. Esses políticos não têm a coragem de assumir que as políticas de solidariedade e transferência de fundos são o outro lado da moeda que tem, numa das faces, a abertura dos mercados.<br />
Ora bem, se pensarmos que esta é uma situação que dura já há dez anos, desde o início da crise, o que equivale a cerca de um terço do período da nossa presença nas instituições europeias, se pensarmos que nos últimos tempos temos visto surgir dentro da Europa um conjunto de outras tensões, que se cumulam às anteriores e algumas delas as justificam, e que têm a ver com inseguranças e medos que se foram criando nas vinte e oito opiniões públicas dos países da União, cada qual com uma agenda de preocupações e interesses diferenciada, muitas vezes contraditórias entre si, mobilizadas por vezes por forças político-partidárias mais ou menos populistas, teremos de convir que é cada vez mais longínqua a possibilidade de garantir uma agenda europeia sólida. A crescente diversidade entre os países europeus, potenciada pelos alargamentos, contribuiu muito para isto, mas a realidade mostra que alguns países da União mais antiga também evoluíram internamente no mesmo sentido.<br />
Estas dificuldades e este desagregar da própria UE tornam a Europa mais permeável a agendas nacionais, à emergência dos nacionalismos, a algum proteccionismo e até a facilitar o acesso aos governos, porque a democracia é assim mesmo, de partidos que têm orientações que põem já em causa o próprio projecto europeu. A reação face ao que se passa na Polónia ou na Hungria - e veremos em que medida o novo governo austríaco virá ou não a ser permeável à influência de um dos membros da coligação - irá mostrar-nos se a União tem real vontade de reagir, ou se estamos perante uma mera retórica, uma clara aceitação de um “novo normal”. Se assim vier a ser, as coisas acabarão por fazer parte de quotidiano de que será impossível regredir.<br />
Com isto quero dizer que a Europa a que aderimos em 1986 já não é a mesma. Mas convém ver claro: não pensemos que nós ainda somos os mesmos. Nós também já mudámos, até mudámos naquilo que era a nossa própria atitude face à Europa. Se olharmos para a opinião pública portuguesa e se olharmos até para as forças políticas portuguesas, no tocante ao seu discurso europeu, já não encontramos a mesma sintonia, já não encontramos o mesmo sentido maioritário de esperança, já não encontramos a mesma vontade europeia. Estamos menos coesos quanto à ideia europeia em geral, estamos menos crentes nas virtualidades de algumas dimensões do projecto europeu, talvez porque estejamos muito mais realistas relativamente àquilo que a Europa nos pode vir a dar. Ora isso diminui muito aquilo que é o investimento emocional e cívico das pessoas, o investimento de esperança no futuro.<br />
Ora bem, eu tinha-me proposto falar de “Portugal na nova balança da Europa”, mas só falei da Europa praticamente com Portugal de permeio. Geopoliticamente nós nunca saímos do mesmo sítio, como é obvio. Social, económica e politicamente nós mudámos no plano interno, mas os três eixos tradicionais que definem a política externa portuguesa, que são uma espécie de um “mantra” que não discutimos no MNE - a dimensão transatlântica, a dimensão europeia e a dimensão africana ou lusófona em geral - tudo isto mantêm-se. Porém, em cada uma delas, as coisas mudaram e há um conjunto de novas questões que necessitam de ser trabalhadas.<br />
Começaria pela questão transatlântica, que, para nós, é muito importante, desde há décadas. Portugal é um membro fundador da NATO, a associação que juntava países do “mundo livre”. E mesmo se o nosso mundo não era tão livre como isso, fomos o único país que entrou por razões que só a lógica maniqueísta da Guerra Fria justificava. O Estado Novo agarrou-se a isso, ao longo de todo o período de 1949-1974. Verdade seja, depois de 1974, já em democracia, não mudámos substancialmente, tendo em conta em especial a importância da questão das Lages. A relação transatlântica funcionou assim sempre como elemento identitário da nossa própria postura no plano internacional. Isso atravessa mesmo o “gonçalvismo” (ainda me recordo da imagem de Vasco Gonçalves numa reunião da NATO em Bruxelas. Gostava de “ser mosca” para observar a cara daquela gente a ver Vasco Gonçalves numa reunião da NATO....) Mas, apesar de tudo, a cultura NATO persiste na nossa defesa e segurança - e está nesta sala o senhor general Begonha, o meu general, que foi meu instrutor em 1973, que me ajudou a formar como oficial de “acção psicológica”. A cultura NATO é a cultura que marca a formação contemporânea das forças armadas portuguesas, quer durante o tempo da guerra colonial, quer posteriormente. Isso mantem-se, não obstante o olhar sobre nós, do outro lado do Atlântico, poder entretanto ter mudado. Ou mesmo na hipótese desse olhar se ter diluído, porque, às vezes, pergunto-me se o tal outro lado do Atlântico ainda nos nota e se sabe onde nós ficamos, depois de reduzida a importância relativa das Lages no cenário estratégico global. As coisas mudaram, não apenas pela mudança ocorrida nos EUA no último ano, mas em particular porque, também no próprio quadro da NATO, as coisas evoluíram. A Espanha tem hoje uma muito maior importância do que Portugal. A questão dos comandos NATO, com a realidade que é a forte ligação da Espanha à organização, acabou por alterar a relação ibérica face à Aliança. Se a isso somarmos a circunstância do Reino Unido estar a sair da UE e das suas estruturas de segurança e defesa, bem como a evolução da atitude da Holanda (o João Rosa Lã, aqui presente, enviou-me um dia um papel sobre a revisão da política externa holandesa, feito com uma frieza estratégica impensável entre nós), se refletirmos bem em tudo isto verificaremos que estamos um pouco mais sós naquilo que é o sublinhar da dimensão transatlântica por este lado ocidental do continente. E isso não deixa de ser relevante para a importância que essa mesma dimensão NATO pode ter na afirmação de Portugal nesse mesmo quadro.<br />
Temos depois uma segunda dimensão que é África e a lusofonia. Há que convir que fizemos uma recuperação notável, independentemente de todos os altos-e-baixos das tensões com Angola e Moçambique, ao longo dos últimos quarenta anos. Uma recuperação ao nível do relacionamento bilateral com esses países, mas, igualmente, pelo efeito que isso teve na nossa relação com a África em geral. A África refletiu essa mudança, sentiu que Portugal, por exemplo, passou a ser, dentro da UE, um parceiro particularmente atento àquilo que eram os seus interesses. Isso foi muito evidente no quadro da Convenção de Lomé, embora só limitadamente se tenha projetado naquilo que depois veio a ser a CPLP.<br />
A CPLP tem um problema, eu diria quase original: é a única das grandes comunidades que está centrada num país que não é o mais importante no seio dessas mesmas comunidades. O Reino Unido está no centro da Commonwealth - por alguma razão uma antiga colónia chamada EUA não é membro da Commonwealth. A França tem naturalmente a sua posição no centro da francofonia. E, nessa comunidade vaga que é a Comunidade Hispânica, ninguém põe em causa o papel central de Madrid, até porque a Espanha é maior do que a maioria esmagadora das suas antigas colónias.<br />
Portugal não diria que é o segundo ou terceiro país na CPLP, mas não é claramente o mais importante nesse quadro. Por outro lado, o Brasil, desde o início, nunca mostrou um grande empenho em utilizar a CPLP como instrumento activo da sua própria política externa. Se tal tivesse acontecido, isso teria mudado muito a posição da CPLP no mundo, por arrasto, e isso seria vantajoso para todos. Mas a CPLP, não obstante as suas insuficiências, tem vindo a crescer, tem vindo a melhorar, tem vindo a aculturar dimensões básicas em determinadas áreas de trabalho em comum. É aliás um suporte fundamental para a promoção da língua portuguesa, e esse é um ponto que não é despiciendo. Mas sejamos realistas: ninguém vê a CPLP como uma entidade relevante à escala global, nem na Europa nem no quadro transatlântico. Sobrevive no âmbito voluntarista das nossas relações externas. É uma espécie de quadro de esperança, falado em português, tentando que todos tendamos a olhar de maneira os assuntos globais. Ora as coisas não evoluem assim e o próprio papel do Brasil à escala global também não tem ajudado a isso.<br />
Assim, neste triângulo, com os vértices transatlântico e lusófono no estado que descrevi, o vértice europeu torna-se fundamental. Porém, essa dimensão europeia está hesitante relativamente aos caminhos do futuro. Aquilo que se passou há cerca de um ano, com a apresentação das propostas de trabalho da Comissão, foi patético, por muito respeito que me mereça o senhor Jean-Claude Juncker - e merece-me muito. Mas ver a Europa a ser convidada a “pôr cruzinhas”, num dos cinco modelos de maior ou menor integração, não parece uma coisa séria. Este tipo de metodologia faria sentido se acaso houvesse uma opinião pública europeia, mas não - há vinte e oito opiniões públicas europeias, cada qual mobilizada por agendas de interesses e preocupações completamente diferentes entre si.<br />
Vai ser assim muito difícil conseguir dar um passo institucional em frente, embora eu me confesse estimulado por algum trabalho que tem vindo a ser feito a nível europeu no tocante à reflexão sobre caminhos de futuro e à possibilidade de caminhar para modelos pontualmente mais integrados.<br />
Mas, ainda neste quadro de dificuldades, não posso esquecer-me de que há um elemento que vai permanecer durante os próximos anos como perturbador: o Brexit e tudo o que se lhe relaciona. Depois de uma espécie de atordoamento inicial, o Brexit parece ter chamado os “vinte-e-sete” a trabalharem mais em conjunto e o efeito Trump ajudou a esse movimento. É como se dois fatores negativos juntos se tivessem convertido num elemento positivo, obrigando a Europa a dar um salto em frente.<br />
Mas não nos iludamos: o Brexit vai ter um efeito negativo fortíssimo dentro da UE. Até agora, falávamos sempre da construção europeia, ninguém pensava na “desconstrução” europeia e logo daquele que é o segundo ou terceiro maior contribuinte líquido, o que tem o primeiro orçamento militar de defesa, a primeira indústria militar da Europa, o mais bem equipado e com capacidade de projeção militar de forças, um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, uma potência nuclear. Mas é também um país com um quadro de relações externas fabuloso, mesmo para além da Commonwealth, uma das melhores máquinas diplomáticas do mundo, além de ter uma ação de grande relevo e qualidade no aparelho institucional comunitário, que nos vai fazer muita falta. Imagino o que irá por Bruxelas em matéria de luta pelos lugares que vão ficar vagos, conhecendo nós bem o que é a grande “solidariedade” no seio da Europa quando se trata de ocupar lugares…<br />
Além disso, o Reino Unido é o maior dador europeu em matéria de cooperação externa e, vamos falar claro, o facto de desaparecer, após o quadro financeiro 2020, o segundo maior contribuinte líquido vai criar dificuldades imensas e naturalmente alterar aquilo que possam ser as expectativas relativamente ao que Bruxelas nos pode vir a dar - para utilizar uma expressão de simplicidade jornalística.<br />
Além disso, volto a dizer, no equilíbrio interno de poderes dentro da UE, na tal “nova balança da Europa” que aqui abordo, a saída do RU perturba visivelmente aquilo que é o atual equilíbrio dentro da UE. Talvez ainda não tenhamos se a percepção exata do que é que isso pode representar, mas é algo de muito preocupante no quadro dos equilíbrios europeus. E há ainda outra questão que o Brexit nos traz: é que se a saída do RU for um sucesso, não é de excluir que possamos assistir a um possível efeito dominó, no resto da Europa. Mas se acaso for um insucesso, vamos também entrar numa situação de crise complexa, que também não tem uma resultante unívoca. A posição de Portugal perante esta negociação não é linear, como bem melhor do que nós sabe a senhora secretária de Estado dos Assuntos Europeus. Porque não se trata apenas de defender os direitos de livre circulação. Há, por exemplo, setores nacionais que temem que uma rigidez negocial da parte do resto da Europa perturbe os seus interesses comerciais. Ora isto passa-se com Portugal tal como se passa com outros países e pode inquinar e complexificar a negociação com o RU. Há que assumir as coisas com clareza: o Brexit, manifestamente, é um grande, um imenso embaraço para a Europa.<br />
É evidente que, como contraponto a isto, havia a hipótese de um “salto em frente”, um passo integrador audacioso. O senhor Macron trouxe essas ideias para cima da mesa e, por isso, pensava-se que um resultado das eleições alemãs num determinado sentido pudesse fazer convergir as duas vontades e mobilizar os dois poderes fundamentais da Europa. Ora bem, o resultado das eleições alemãs é o menos interessante relativamente à possibilidade da Alemanha vir a ter uma atitude positiva face a essas ambições europeias da França. Portanto, vamos ter aqui um outro problema a resolver, muito dependente daquilo que vier a ser a solução do novo governo alemão, e da vontade europeia que esse governo vier a demonstrar.<br />
Diria assim que, no plano europeu, temos hoje algumas dificuldades inesperadas. É que o próprio envolvimento da Alemanha, que parecia ir num determinado sentido, até de alguma exigência, inclusivamente forçando compromissos no plano da cedência de soberania no reforço institucional à volta da moeda única, está agora em causa. E se se confirmar que não há condições para as coisas avançarem, vamos entrar num período de estagnação decisória bastante complexo. Ora eu estava a lembrar-me de um exercício em que participámos há uns tempos, na Gulbenkian, no termo do qual se concluiu que a Europa não está preparada se acaso vier a ocorrer uma nova crise económico-financeira. A síntese desse exercício, com vários actores europeus mobilizados pela Fundação Notre Europe, era claramente nesse sentido, de que a Europa não dispõe hoje dos instrumentos necessários. Ora não é preciso ser catastrofista para concluir que qualquer abalo europeu mínimo é, em Portugal, um terramoto.<br />
Não queria acabar com uma nota necessariamente negativa. Vivemos uma situação nacional específica, que as tragédias dos incêndios adensaram no sentimento coletivo, mas julgo que se vive uma situação de um certo optimismo relativamente ao futuro. Com efeito, conseguimos uma recuperação muito interessante de alguns indicadores, embora tenhamos 130% da nossa dívida relativamente ao PIB para pagar. Não precisamos de pagar tudo, como se sabe - a dívida pode manter-se e reciclar-se em permanência desde que reduzida para 60% ou 70%, mas, apesar de tudo, há esses 60% excedentários dessa dívida que tem de ser paga e, para tal, temos de começar a reduzi-la e isso tem efeitos complicados nos gastos orçamentais. Ainda assistimos às nossas taxas de juro nos mercados internacionais baixarem, os indicadores são cada vez mais simpáticos, as agências de rating começam a mostrar-se compreensivas em relação a nós. Felizmente que a atitude do Banco Central Europeu tem sido positiva e isso tem tido efeitos claros na evolução das taxas de juro e no próprio efeito de confiança global que a economia portuguesa começa a encontrar. Vivemos tempos extraordinários em relação ao turismo, em relação às exportações, estamos a olhar cada vez mais para outros espaços e oportunidades, os nossos empresários foram capazes, num movimento absolutamente notável, de descobrir, em tempo de crise, novos mercados externos. Mas não temos, vale a pena pensar, suficiente investimento directo estrangeiro de cariz produtivo em Portugal, aquele que nos traz “know how”. Temo-lo para a aquisição de activos, mas não é esse que nos pode garantir o futuro. Porque uma coisa é alguém vir cá comprar acções, adquirir empresas, até jornais, como já foi o caso, outra coisa é alguém trazer para cá algo que nos desenvolva de forma sustentada. Basta vermos, por exemplo, a importância que tem uma Auto Europa nas nossas exportações e no seu futuro. Hoje em dia, o mercado internacional de captação do investimento directo estrangeiro é muito complexo e difícil, porque há óbvios “dumpings” de vária natureza por aí. Isso é muito evidente em alguns países do Centro e do Leste europeu. É extraordinariamente difícil combatê-los, até porque temos algumas fragilidades, como a instabilidade fiscal, o comportamento da nossa justiça e diversos outros fatores que são valorados negativamente, por exemplo, nas avaliações comparativas nacionais sobre os melhores destinos para “fazer negócios”, identificados pelo Banco Mundial.<br />
De todo o modo, as coisas estão a correr bem, todos esperamos que continuem a correr bem, mas, em face do que se passa neste momento à escala global, a própria Europa deixou de ser para nós uma constante segura e passou a ser uma variável que não controlamos. Por isso, diria que estamos numa espécie de navegação à vista, complexa e difícil. Vivemos um exercício interno que exige grande habilidade - não vejo a palavra habilidade de forma negativa, ser hábil não é necessariamente ter uma perspectiva cínica das coisas, mas sim eficaz, em face das circunstâncias – ou seja, tentar conciliar o respeito por aquilo que são os compromissos assumidos à escala europeia com o esforço de recuperação de rendimentos e de correcção de algumas evidente injustiças que foram feitas no passado. É um terreno muito difícil, escorregadio, em que a sorte não deixa de ser um factor importante para a sua sustentação.<br />
Neste quadro, e finalmente, não vou concluir com nenhuma novidade, antes pelo contrário. Acho, aliás, que, em política externa, normalmente quando se procura vir com grandes e novas ideias acabamos por nos tornar irresponsáveis. Entendo apenas que a Europa é, e deverá continuar a ser, a nossa grande aposta. Olhando para todos os cenários de expressão estratégica que Portugal pode encarar, parece-me óbvio concluir que o nosso destino está ligado ao destino europeu e há-de cumprir-se na Europa. Portugal não tem nenhuma alternativa minimamente plausível fora do quadro europeu. Pode ter complementaridades com a Índia, com a China, com isto ou com aquilo, pode ter um sonho lusófono a explorar, mas é na Europa que estão os nossos maiores interesses. Por isso, porque não podemos arriscar, em especial num tempo em que os instrumentos de solidariedade que existiam nos anos 1980 estão em extinção, se não fizermos um esforço - voluntarista, político, mobilizador - para estar na integração europeia ao nível mais aprofundado, acabaremos forçosamente por cair, agora sim!, por muitas e muitas décadas, num novo ciclo de periferização, que nos tornará decerto mais pobres e de onde dificilmente voltaremos a ser ajudados a sair. Ainda hoje somos hoje - eu sei que as pessoas não gostam de ouvir isto… - o país mais pobre da Europa Ocidental. Agora imagine-se o que seríamos se perdêssemos o principal comboio europeu!<br />
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Muito obrigado a todos pela vossa presença.<br />
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Debate<br />
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Guilherme d’Oliveira Martins<br />
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Muito obrigado, Francisco Seixas da Costa. Suponho que estará disponível para algumas perguntas e comentários, que peço que sejam breves e precisos.<br />
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Alberto Regueira<br />
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Embaixador Seixas da Costa. Gostei muito de ouvir a sua magnífica exposição e tive bem consciência de que não quis, apesar das circunstâncias, deixar-nos ficar com uma ideia mais negra do que possa eventualmente aparecer nos nossos pesadelos. Há algumas circunstâncias que não teve a oportunidade de desenvolver, mas que poderão eventualmente ainda tornar as coisas um bocadinho mais negras. Estou-me a lembrar, por exemplo, que há perto de um ano houve uma eleição em França que gerou uma enorme expectativa e uma grande esperança. Depois do deserto de ideias que infelizmente foi o resultado da anterior administração francesa do senhor Hollande, eis aqui um homem mais novo (isso só por si não seria necessariamente um avanço), que parecia saber o que queria e devo dizer que continuo a achar que ele parece saber o que quer. Eu só chamo a atenção para um aspecto, isto vale o que vale, mas ao fim de alguns meses de mandato a percentagem de aprovação ou de simpatia relativamente ao novo presidente caiu de uma forma absolutamente drástica, de várias dezenas percentuais relativamente à esperança que tinha sido suscitada.<br />
Não quer dizer que as ideias não estejam todas lá, algumas serão discutíveis, em todo o caso é melhor ter ideias claras mesmo discutíveis do que não ter ideias nenhumas, o que era o caso da administração francesa anterior. Em todo o caso tem-se posto muito em evidência que a França, ou uma grande parte da opinião francesa, acha que o novo presidente francês é algo distante, pouco afectivo. E nessas circunstâncias a menor simpatia dele e a maneira menos hábil dele “vender” as suas ideias poderá vir a tornar-lhe a vida mais difícil nos próximos tempos.<br />
Relativamente a Espanha aquilo que aconteceu e que está a acontecer pode vir a ter a prazo efeitos muito negativos na própria maneira de ser e no relacionamento entre os espanhóis. Tenho tendência, como economista que sou, a olhar para as coisas numa perspectiva racional, mas se eu fosse catalão, ficaria impressionado com a velocidade com que muitas das maiores empresas espanholas sedeadas na Catalunha retiraram de lá as suas sedes sociais. Isto há-de ficar, penso eu, no subconsciente de muita daquela gente e vai gerar necessariamente azedumes, mal-entendidos, eu sei lá. Como não sou jurista, tenho a vantagem de não valorizar muito o argumento de que a possibilidade de independentização de uma região de Espanha não estava na Constituição. Eu suponho que em nenhum país da Europa ou de outro qualquer continente a sua Constituição preveja que o Estado respectivo não é unitário e que a qualquer momento as pessoas podem simplesmente votar no sentido de o abandonar. Em todo o caso para os juristas espanhóis este parece ser o grande argumento, uma espécie de cavalo de batalha.<br />
O ambiente geral na Europa não vai ser fácil. Dizem que o futuro da Itália vai-se decidir entre a extrema-direita e o movimento do “palhaço”. Estes são três dos maiores países da Europa, se as coisas porventura correrem mal, isto vai agravar as perspectivas a curto e médio prazos, possivelmente o senhor embaixador teve re ceio que nos fôssemos meter por baixo do primeiro eléctrico ou do primeiro autocarro que passasse…<br />
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Francisco Seixas da Costa<br />
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Por isso que acaba de referir é que eu disse que a situação na Europa é uma variável, não é uma constante. Nós nunca a podemos ter como um elemento que garanta alguma permanência de tempo. A questão francesa é interessante. Ao mesmo tempo é um país que me diz alguma coisa, porque estive lá no meu último posto e assisti àquilo que foi a desilusão relativamente à administração Hollande e, depois, já cá, à emergência deste candidato que, no fundo, praticamente ninguém conhecia. Lembro-me dele a fazer um briefing no Eliseu, imediatamente a seguir à eleição de Hollande, quando era Secretário-geral adjunto da Presidência. Foi um briefing económico muito bem feito e organizado. No final, à saída, o meu colega sueco disse-me isto: “podia ter sido um assessor do Sarkozy, era exactamente a mesma coisa que ele teria dito”. Foi aí que conheci pela primeira vez Emmanuel Macron, o tal político que não é de esquerda nem de direita.<br />
Macron foi, no fundo, um candidato que surgiu para travar a senhora Le Pen. É também preciso percebermos que, se por acaso François Fillon não se tivesse metido naquelas trapalhadas, provavelmente seria hoje o Presidente da França. Portanto, Macron foi um candidato de conjuntura, independentemente de ele próprio assumir aquela “grandeur” que é típica dos presidentes franceses, a ideia que é uma espécie de predestinado que vem como de Colombey-les-Deux-Églises. Não vem! Surge naquela conjuntura porque o tempo foi o de encontrar quem melhor travasse Le Pen. O voto dele, na primeira volta, foi de um pouco mais de 20%. Esse é o seu “score” que, mesmo assim, foi magnificado pela circunstância de o Partido Socialista ter escolhido um mau candidato. Caso contrário, o candidato do Partido Socialista tinha 13% a 15% e Macron teria muito menos votos, provavelmente nem sequer chegaria à segunda volta.<br />
Mas concordo que Macron tem uma vantagem, por um lado, de ter um discurso interessante no plano teórico relativamente à modernização da França, embora quem conhece a França ache que é, provavelmente, incompatível com aquilo que nós sabemos que a França profunda é. A França não consegue mudar, à esquerda ou à direita, porque vive numa rigidez estatista própria que faz parte da sua identidade, assente no peso da máquina pública. Ele tentou, contudo, iniciar a mudança, o que já teve o seu preço. Mas, ao mesmo tempo, Macron trouxe um discurso europeu muito interessante, uma reflexão curiosa, talvez porque ele tenha a consciência de que a França tem hoje, à sua frente, uma oportunidade histórica neste momento europeu. Tendo em conta a saída do RU, a França tem a oportunidade de recuperar uma posição central no quadro europeu: passa a ser o único membro permanente do Conselho de Segurança, passa a ser o único país europeu com capacidade de projeção de forças à escala global, o único poder nuclear. Além disso, tem uma política externa forte e consequente, com uma relação africana muito importante. Macron quer desenhar o futuro da França como um dos eixos refundacionais da Europa, ao mesmo tempo tentando modernizá-la, dar-lhe um toque neoliberal que está subjacente a muitas das suas políticas e, dessa forma, torná-la muito mais competitiva do que hoje é. É esse o seu projecto. Se vai levá-lo avante ou não é outra questão. Não tendo uma simpatia especial pela personagem, devo confessar que a dimensão europeia de Macron me conquistou, isto é, quem me dera que Macron conseguisse pôr em prática algumas das suas ideias para a Europa.<br />
No que disse, não falei da Catalunha de propósito, devo confessar. Esse é um tema em que acho que valia a pena trazer aqui Ramon Font, que é o embaixador secreto da Catalunha neste país. Mas vou contar uma história passada quando, há cinco anos, participei no grupo de trabalho que elaborou o Conceito Estratégico de Defesa Nacional. A certa altura desse trabalho, o saudoso Luís Fontoura, que a ele presidia, distribuiu textos de alguns “conceitos estratégicos” de outros países. Um dia, numa dessas reuniões, eu fiz um elogio ao “conceito estratégico” espanhol, que achei muito bem organizado e estruturado. Um dos mais qualificados membros da comissão, cujo nome não vou revelar, comentou: “É, sem dúvida, um belíssimo texto. Mas tem duas falhas graves: não prevê a possibilidade da queda da monarquia ou a implosão territorial da Espanha”. Não deixava de ter alguma razão. O “conceito estratégico” de defesa espanhol não ousava pôr em causa a sua própria dinâmica, da mesma maneira que as Constituições nunca põem em causa a essência do Estado enquanto tal.<br />
Confesso que não acompanho muito a atual situação italiana. Como vou para lá daqui a três dias, pode ser que aprenda qualquer coisa... Devo contudo dizer que tenho a sensação de que um dos problemas europeus, impossíveis de resolver, se liga à desconformidade dos ciclos de eleições nacionais, decorrentes das suas ordens constitucionais próprias. Além disso, no passado, as lideranças europeias tinham uma leitura que decorria de um tempo trágico, que havia forçado compromissos, mesmo entre linhas políticas diferentes. Durante muito tempo, eram essas leituras comuns que garantiam a unidade da Europa. Era a geração que havia tido a experiência da guerra. A saída de cena dessa geração abre caminho a pessoas com uma experiência completamente diferente, que não viveram essa situação e que hoje em dia só nos livros de História encontram os seus ecos, embora diferenciadamente de país para país. É a Europa que vai andando e que vai, ela própria, mudando. A Europa já não é a mesma de quando entrámos, mas nós também já não somos os mesmos: hoje, mesmo sobre a Europa, também em Portugal já é difícil gerar consensos. O debate que aí anda sobre as questões de defesa europeia, polémica que a mim me parecia impossível de existir em Portugal, está a ser titulado pelos dois partidos portugueses que estruturaram, há trinta anos, o consenso europeu entre nós. E é pena, porque se havia área em que nós conseguimos, apesar de algumas divergências e nuances, manter uma linha comum, havia sido a questão europeia, porque ela é essencial ao futuro de Portugal e consubstancia uma opção estratégica de fundo.<br />
<br />
Rodolfo Begonha<br />
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Senhor embaixador. É escusado dizer que gostei muito da sua intervenção, gosto sempre, mas queria pôr-lhe uma questão: é o problema da defesa e nele um ponto fraco particular da Europa. A maioria das nações acha que esses problemas não preocupam e, embora esteja escrito que isso é absolutamente vital, têm outra visão dos problemas. Mas quando se estudam as ameaças, uma delas, e sobre a qual eu gostaria de ouvir a sua opinião, é a questão do islamismo radical. Isto preocupa-me pessoalmente, a França tem mais de 700 locais com a sharia implantada e, quando eu digo isto aos meus amigos, eles não sabem o que isto quer dizer. A minha pergunta é: existe ou não um plano de islamização da Europa em curso, porque há indícios nesse sentido. E se existe também relativamente a Portugal ou se há indícios nesse sentido, como é que vê essa questão?<br />
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Francisco Seixas da Costa<br />
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Senhor General. Quase me sinto tentado a passar a palavra à senhora secretária de Estado dos Assuntos Europeus, que está no governo e é ao governo que esse assunto compete. Eu não sei se há um plano de tomada islâmica da Europa do Califado até à Península Ibérica. Manifestamente, nos últimos dez anos, revelou-se uma expansão das ideias islâmicas radicais. É uma espécie de uma nova “internacional” que congrega soldados dispersos por todo o mundo, umas “brigadas internacionais” de novo tipo. Isso é uma evidência, não há a mais pequena dúvida. Mas convém reconhecer que isso foi muito adubado pela circunstância de se ter criado um sentimento de injustiça no tocante à questão israelo-árabe. Isso também teve muito a ver com uma tomada de consciência relativamente àquilo que foram as consequências da descolonização naquelas áreas, no Médio Oriente, àquilo que é o papel das monarquias do Golfo, o papel das potências ocidentais nesse contexto, as questões do petróleo. Há um livro, que me lembro de ter lido há uns anos, que se chama “What went wrong?” Nele se procurava analisar o que correu mal no mundo árabe, como se criou um sentimento de acrimónia anti-ocidental, hoje polarizado sob o ponto de vista religioso. Sobre se há ou não uma estratégia de ameaça de natureza global, confesso que não sei. Tenho apenas a sensação de que há sociedades que hoje são mais permeáveis a essa desestabilização religiosa, não havendo nenhuma que lhe seja totalmente impermeável. Não acredito que estejamos protegidos por um escudo invisível que nos possa evitar amanhã um acto terrorista, num qualquer local do país, e que não haja eventualmente alguns núcleos de islamitas radicais, que, de repente, possam ser tentados a uma acção, em qualquer local. Não estou, porém, a ver como plausível a estruturação de uma entidade de natureza estatal ou paraestatal, mesmo o chamado Estado Islâmico, uma organização que vá para além daquilo que foi a conjuntura dos últimos anos. Mas concordo que vivemos sob uma ameaça real. Acho aliás que devia ser denunciado um setor que, lamentavelmente, se tem acobardado nesta questão: os islâmicos moderados, que tinham a obrigação de assumir o palco e aparecer na primeira linha da denúncia. Sei que é complexo, que lhes arrisca as vidas e põe em causa a sua própria legitimidade, no plano religioso. Mas o mundo precisa dos islâmicos moderados na primeira linha da denúncia e do combate ao islamismo radical.<br />
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Guilherme Valente<br />
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Eu, na minha vida, e por temperamento, não estudei estratégia. O meu querido General Begonha sabe isso, mas que gosto sempre de ter presente e de saber o quadro mais pessimista. Senhor embaixador, estou-lhe grato por isso. Mas, também por temperamento, tenho sempre que desenhar uma esperança, sou talvez um pessimista na análise, mas - suponho que era o Gramsci que dizia - sou um optimista na acção. Queria assim perguntar-lhe o seguinte, embora, se calhar, isto fosse objecto de uma nova conferencia. O senhor embaixador disse, várias vezes, que temos que mudar. Sim, mas em que sentido? E punha-lhe uma questão agora mais concreta. O senhor embaixador disse que dois factores vitais num quadro de mudança da nossa vulnerabilidade são a correcção do sistema fiscal e questão do investimento produtivo transformador externo. Estava a ouvi-lo, e estou absolutamente de acordo com isso, é claro, e estava a pensar: mas porque é que nós não conseguimos mudar nesses dois sectores, o que é que nos cria dificuldades? Porque dá a impressão de que mudar isso não é qualquer coisa que tenha a ver com a nossa genética, embora tenha a ver com qualquer coisa que é endémica. Dá a impressão que é uma coisa que, com voluntarismo e inteligência, e nós não temos falta de inteligência, que é uma coisa que pode ser resolvida no plano político. A minha questão é: o que é que nos tolhe e inibe de agir?<br />
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<br />
Maria Célia Ramos<br />
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Em primeiro lugar quero felicitar o senhor embaixador pela excelente conferência que nos fez. Obviamente que isto não vale muita coisa, mas estou, no essencial, de acordo com o que disse, muito embora gostasse de lhe pôr também uma pergunta provocatória, que é a seguinte: nós, neste momento, estamos confrontados na Europa, ou melhor em Portugal ( interessa-me mais o que se passa realmente aqui do que o que se passa porventura em Itália, na Polónia ou na Hungria), com uma questão curiosa: quer o RU, quer a Espanha, que são de facto as nossas fronteiras mais próximas, estão neste momento numa situação de turbulência. Não quero entrar em detalhe em relação ao que se passa em Espanha, mas é óbvio que há realmente uma certa implosão do sistema político e até porventura económico aqui ao lado. A mesma coisa se passa com o Brexit no RU, muito embora em relação ao RU valha a pena pensar que é muito difícil sair da UE e que o RU está neste momento a demonstrar isso. Sendo certo que quer sair, sendo certo que há uma parte importante da sua população que considera que isso é positivo, o que é facto é que estamos a assistir, há mais de um ano, a um processo que demonstra a dificuldade de sair da UE. Portanto, eu diria que isso é um ponto de optimismo, revela que existe um cimento muito forte em relação aos países que dela fazem parte. Mas o que é importante, a meu ver, para Portugal, é que estamos confrontados com turbulências nestas duas fronteiras. O que eu pergunto, sendo que o RU é a nossa fronteira marítima e o nosso mais antigo aliado, com quem temos relações privilegiadas muito antes da UE existir (a Espanha escuso de qualificar, todos conhecemos bem que é a nossa fronteira terrestre), é se Portugal tem vindo a assumir nos últimos tempos uma posição de política externa própria face a estas duas realidades, isto é, aproveitando a turbulência que em qualquer dos casos existe nestes dois países, para beneficio da sua economia e da sua situação social, da sua situação política, será que temos uma política externa que tenha permitido e que permitirá aproveitar em nosso favor as situações existentes?<br />
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<br />
Francisco Seixas da Costa<br />
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Relativamente à questão da vontade politica e da mobilização de vontades para aquilo que são os constrangimentos em matéria de investimento directo estrangeiro é preciso perceber que a política fiscal (e aí devia passar a palavra ao Guilherme nesta matéria) é uma das poucas margens que ainda nos restam, no quadro das limitações harmonizadoras que a pertença à UE nos coloca. A política fiscal é assim um instrumento diferenciador utilizado pelos estados. Isso naturalmente funciona a contraciclo de uma estabilidade fiscal a prazo, porque quem quer investir em Portugal deseja que as coisas não venham a mudar no cenário fiscal em que fizeram o seu investimento. A pertença ao euro, por exemplo, funcionou como um elemento para efeito de captação do investimento directo estrangeiro porque, ao mesmo tempo, fez desaparecer os fantasmas das desvalorizações competitivas e criou um horizonte de estabilidade relativamente à moeda, uma moeda que já não era gerida aqui, que já passou a sê-lo em Frankfurt. Não é por acaso que não há harmonização fiscal no seio da UE. Isso deve-se a que essa margem é uma espécie de espaço residual de soberania que os estados têm deliberadamente reservado para si. Temos de perceber que a grande crise de legitimidade do processo europeu começou no momento em que a União surgiu a tratar, em Bruxelas, determinadas políticas que antes faziam parte daquilo que era o “core” das soberanias nacionais. Foi o caso da moeda, é o caso da politica externa, é o caso de políticas de justiça e assuntos internos, etc. Foi nesse momento que as opiniões públicas acordaram para as negociações europeias, até aí feitas com as portas fechadas. Foi isso que levou ao sobressalto de Maastricht e a todo o debate posterior. A política fiscal, desde sempre, nunca foi tida como uma variável que pudesse imediatamente reduzir-se num “template” europeu comum, e por alguma razão.<br />
Por outro lado, há também elementos de natureza corporativa, vale a pena dizê-lo, que travam, em Portugal, a possibilidade de que se façam algumas reformas em sectores fundamentais que, nomeadamente, podiam ter um impacto importante ao nível da captação do investimento directo estrangeiro. Todos sabemos que há um algum enquistamento em determinadas áreas. A área da justiça é talvez o caso mais evidente e isso tem sido um constante factor limitativo quando se faz a avaliação dos critérios relativos de atração, em matéria de investimento directo estrangeiro. Portanto, repito, há elementos de natureza corporativa como há reservas de soberania nacional de que os estados são incapazes de prescindir, particularmente em tempos de crise e em que a sua margem de liberdade para a execução de políticas públicas é mais limitada.<br />
Relativamente à questão do RU e da Espanha.<br />
O RU é um aliado tradicional de Portugal. Mais do que isso, condicionou a nossa política externa ao longo dos anos, diria mesmo quase até à nossa entrada na UE e mesmo ainda depois da nossa entrada para a UE, durante algum tempo, em algumas áreas. Mas o RU é talvez o país com o qual as relações se foram afastando cada vez mais, a partir do momento em que a nossa integração europeia se iniciou. Portugal passou a funcionar, dentro da UE, precisamente em contraciclo com o RU: nós somos um país integracionista, acreditamos no aprofundamento das políticas. Por isso, não estivemos com o RU num conjunto cada vez mais alargado de questões, fomo-nos afastando em variadíssimas áreas. No entanto, relativamente à questão de segurança e defesa e a uma certa sensibilidade transatlântica, Portugal e RU permanecem próximos. Assim estaremos no quadro da NATO. Porém, no quadro da UE a minha experiência foi que o nosso afastamento se acentuou muito. Eu senti isso, mas o doutor Victor Martins, que teve o dobro da minha experiência no mesmo lugar, conhece isso bem melhor do que eu. Às vezes, recordo, chegávamos a fazer um esforço voluntarista para contrariar essa tendência, mas o RU também não ajudou muito. Estou a lembrar-me de Timor, uma questão de politica externa que era muito importante para nós. Nunca esqueci uma conversa que tive com o embaixador britânico, no final de um jantar, em Bruxelas. Portugal necessitava que, no dia seguinte, o RU subscrevesse uma declaração, que tinha a ver com Timor. O embaixador disse-me que o RU estaria disponível para isso, desde que, na questão da BSE, das vacas loucas, Portugal pudesse ser mais flexível. A proposta de um “trade-off” entre Direitos Humanos em Timor e umas toneladas de carne de vaca mostrou-me, para sempre, o cinismo britânico na vida diplomática.<br />
Em relação à política externa portuguesa face ao Brexit. Gostava de começar por dizer que sou extremamente favorável, que tenho uma grande simpatia pela actual politica externa portuguesa e pelo modo como ela tem vindo a ser desenvolvida ao longo dos últimos dois anos. Digo isto com toda a franqueza e acho que, também em relação ao Brexit, e ao posicionamento que tivemos face ao RU no pré-Brexit, funcionámos muito bem.<br />
Vou contar uma pequena história. A embaixadora britânica convidou um dia quatro pessoas para jantar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Phillip Hammond: o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães, que era supostamente o menos “hardliner” naquela matéria, Jorge Moreira da Silva, António Vitorino e eu. Pensando que ia criar à volta daquela mesa uma divisão profunda, por diferentes alinhamentos ideológicos, no tratamento daquilo que era a nossa atitude face à negociação pré-Brexit com o RU, a Embaixadora e o ministro rapidamente se deram conta de que se criou um coro unânime: tínhamos exactamente a mesma posição, nada tínhamos combinado uns com os outros, mas dissemos praticamente o mesmo. Portugal tem tido uma posição correcta da defesa dos seus interesses, mas verifico que também uma leitura dos interesses europeus no dossiê Brexit, porque sabemos bem que isso pode ter relevantes impactos noutros contextos.<br />
No caso da Espanha, também acho que a posição portuguesa tem sido profundamente correcta. Isto é, não intervir até à decisão de declaração de independência da Catalunha e, nesse momento, recusar obviamente essa hipótese. Penso que é a posição mais sensata, porque nós não somos a Bélgica. A Bélgica pode-se dar a esse luxo, até porque tem problemas internos para resolver que pode disfarçar neste tipo de coreografias. Nós não somos esse vizinho longínquo, nós somos verdadeiros vizinhos da Espanha. Não temos que estar permanentemente a tomar posições sobre as questões que interessam a um país que, para nós, é tão importante. Temos que ter algum respeito por aquilo que são os interesses do nosso principal parceiro económico, do nosso único vizinho terrestre. Sinto-me muito surpreendido por ver hoje tantos cidadãos pró-Catalunha em Portugal. Se, há um ano, se perguntasse se alguém por aqui se era a favor da independência da Catalunha, estou certo de que muitos dos que agora surgem como fervorosos defensores dessa independência não tinham a menor opinião. Percebo que possa haver uma leitura de simpatia sobre a legitimidade da opção catalã, oposta ao respeito pela Constituição espanhola. São duas legitimidades opostas, que não são conciliáveis. E nós não somos nem catalães nem espanhóis. Porém, em face da ideia de independência da Catalunha que surge colocada contra os interesses de estabilidade do nosso principal parceiro, num quadro que rompe aquilo que é o equilíbrio a que nos comprometemos no quadro europeu, percebo perfeitamente que o governo português tenha dito que não, como aliás disseram todos os governos europeus e à escala global - não sei se a Ossétia do Sul, a Abkásia e talvez a Transnítria foram favoráveis... A grande questão que se põe é saber se a Espanha é um país democrático ou não. É que se partimos do principio de que a Espanha não é um país democrático, temos de convir que os critérios de Copenhaga não são válidos e que, como tal, a Espanha de hoje é afinal uma falsa democracia, no fundo, uma imensa ditadura que impõe um regime de excepção a uma determinada zona do país e que as pessoas que afrontam a lei espanhola referendada são heróis da independência. Ora é preciso percebermos que o conceito de independência, bem como o de autodeterminação, estão ligados, no imaginário internacional, a descolonizações, a zonas sobre tutela. O mundo não está habituado a ver uma independência surgir na zona mais rica de um determinado país, apenas por uma razão que tem uma componente de natureza egoísta iniludível, como é o caso da ideia da independência catalã.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-57493784481475335032018-11-09T04:38:00.003+01:002018-11-09T04:39:55.510+01:00“Autobiografia”<div style="text-align: center;">
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZILzK821yuo/W-UBbgAeuJI/AAAAAAABil0/-pCYr-myWoUeTGb96-p6iYP3iMHCZ2kiACLcBGAs/s1600/C54DB361-5A87-4356-AD81-9610BC781915.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1200" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZILzK821yuo/W-UBbgAeuJI/AAAAAAABil0/-pCYr-myWoUeTGb96-p6iYP3iMHCZ2kiACLcBGAs/s320/C54DB361-5A87-4356-AD81-9610BC781915.png" width="240" /></a></div>
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<b>Se a vida são dois dias, aproveitemos as noites</b></div>
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Nasci, ao que me disseram, já o dia tinha entrado há muito pela noite. Sempre me perguntei se isso não terá marcado o meu destino. Sou um assumido militante da noite, embora só raramente tenha sido um notívago. Ou melhor, fui sempre um notívago sereno.</div>
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O imperativo “apaga a luz!” persegue-me desde a infância. Dou por mim, lá por Vila Real, a tentar ler Júlio Verne e coboiadas importadas do Brasil, graças a um candeeiro escondido sob os lençóis. Em férias, em Viana do Castelo, com a luz já apagada por imposição paterna, recorria à luminosidade declinante de uma Nossa Senhora fosforescente para observar, sob os lençóis, páginas inacabadas dos Tintin. Foi também pelas noites que, no final da adolescência, ouvia a Radio London e a Radio Caroline, as rádios-pirata que me traziam a música anglo-saxónica e, mais tarde, também as rádios épicas da liberdade que, para os “amigos, companheiros e camaradas” de quem me ia sentindo próximo, por cá tardava em chegar.</div>
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Quando, em meados dos anos 60, fui estudar para o Porto, foram as noites, da Candeia à Japonesinha, das conversas no lar da Torrinha ou no quarto a meias na Miguel Bombarda, além de um mundo de aventuras sem fim, e que afinal apenas vingavam o meu jejum adolescente vilarrealense, que viriam a arruinar, de vez, o percurso académico do engenheiro que então julgava poder vir a ser. O teatro, o atletismo, até o incipiente jornalismo, compunham a sofreguidão do usufruto de um quotidiano que me desviava daquilo que me estava destinado. As noites no Rádio Clube, com o Alfredo Alvela, que acabavam em madrugadas no Ginjal ou no Transmontano, fizeram o resto. Vistas as coisas em perspetiva, ainda bem!</div>
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Lisboa, para onde depois me mudei, mudou-me um pouco, mas não no essencial. Na escola onde Adriano Moreira preponderava, descobri um percurso académico que me agradava. Afinal, “tirar o curso”, desiderato à época essencial, talvez fosse possível. A vida, porém, levou-me por muitos e inesperados caminhos de interesses. Passei a encontrar-me com outras noites, da Granfina ao Montecarlo e ao Bolero. As olheiras com que entrava nas aulas, bem como, mais tarde, na Caixa Geral de Depósitos, onde entretanto me empregara porque sobressaltos académicos a isso haviam obrigado, eram produto do contraste dos horários, agora imperativos, com esse tempo lúdico que eu teimava em não deixar escapar. Havia já então por ali bastantes livros, muitos em francês, lidos avidamente por madrugadas, no meu quarto nos Olivais, com a chama vermelha de Cabo Ruivo a ver-se ao longe. Chama vermelha essa que, noutro registo, adubado por lutas académicas e aventuras cívicas mais ou menos óbvias para a minha geração, me pôs na pista de amanhãs que acabaram finalmente por cantar, também numa noite, claro, de um certo dia 25. E aí, sim! Fardado de abril, com farto bigode e cabelo a desafiar as NEP’s, foram então muitas mais as noites de sonhos acordados, tentando apressar o futuro, já com família, num tempo excitante e, esse sim!, bem novo.</div>
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Um dia, por um acaso da vida, as minhas noites (e, vá lá!, também os dias), mudaram de latitude. Recordo, da janela da minha casa, em Oslo, rodeado de livros, com uma Aquavit a aquecer-me as leituras, com música em fundo, ver a neve cair no escuro, com Holmenkollen no horizonte. Vivi muito bem as famosas longas noites nórdicas e, dentro delas, tive conversas com amigos que me ficaram para a vida. A diplomacia, nesse entretanto, acabaria por ser a minha via profissional definitiva, que aliás nunca me passara pela cabeça seguir, à qual me habituei com forte dificuldade interior (confesso agora), mas que, com o tempo, passou a fazer parte de mim. Olhando para trás, não trocaria essa “estranha forma de (boa) vida” por nada! </div>
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Outros dias, e outras grandes noites, surgiriam, logo depois, na Luanda que o futuro me destinou. O “recolher obrigatório” criava por ali uma espécie de noites compulsivas, que vingávamos com muita festa, muitos copos, muita risada, como que a compensar a nervoseira de um quotidiano da guerra que se vivia no país, de insegurança nas ruas, de um sabe-se lá o que será o amanhã. Tínhamos a idade para isso, os amigos à mão, a genica para as noitadas imensas. Esses anos, que poderiam ter sido chatíssimos, acabaram por ser dos melhores das nossas vidas. Até no trabalho, muito interessante e intenso.</div>
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Regressado a Lisboa, surgiu-me pela frente a grande aventura europeia do país. Eu era então um “soberanista” ferrenho, desconfiado da bondade do projeto bruxelense, como impenitente esquerdista que então me orgulhava de ser. Nos anos que se seguiram, a profissão levou-me bastante pelo mundo, da África à Ásia, do Pacífico à América. Grandes noites de conversa, de viagens transatlânticas, de jet-lag sucessivos! Talvez tenha sido, em parte, esse contraste com gentes muito diversas que tenha ajudado a convencer-me da “bondade” do projeto europeu de integração. E a amortecer, de caminho, algum radicalismo do passado. Nunca o saberei! </div>
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Quando, em 1990, na rotação a que a profissão obriga, aterrei na nossa embaixada em Londres, no tempo do estertor de Thatcher, alguma coisa mudara já dentro de mim. Mergulhei noites inteiras na leitura, na conversa, nos teatros e na música da mais viva capital europeia. Foi um dos postos mais trabalhosos da minha vida, mas um dos mais interessantes.</div>
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Por um inesperado acaso, Lisboa voltaria a surgir-me no destino, quatro anos mais tarde. E por ali mergulhei, de novo, nas coisas europeias, que estavam então “na berra” da nossa política externa. Foi esse também o tempo áureo das noitadas na tertúlia do Procópio, tutelada pelo Nuno Brederode, das jantaradas num Bairro Alto que andava na moda mas que já começava a não caber nessas costuras - ah! e para que não restem dúvidas, nunca fiz parte das “tropas” do Frágil e da movida que chegou ao Lux! Sempre fui de outra Lisboa, de outras “equipas”, sem veleidades de modernidade vanguardista. E sempre me dei bem assim!</div>
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Um dia, quase de surpresa, mas com alguma lógica de percurso, acabei por tomar posse de um lugar governativo onde, ironicamente, iria, por mais de meia década, tutelar - ele há cada uma! - a integração europeia do país. A vingança, diplomática, afinal serve-se fria. Pertencer a um governo tem graça, desde que a ele nos não habituemos. Nunca me arrependi da opção que fiz. As mordomias, os carros, os jantares, as vénias de alguns - tudo isso passou por mim sem (julgo eu!) me afetar excessivamente. Trabalhei então imenso, cansei-me muito, dormi muito pouco (lá estão as noites!), viajei talvez demasiado, mas, caramba!, também me diverti à brava! Olhar o mundo desse lado não nos deixa iguais embora, no meu caso, me tenha deixado (sei que muitos não acreditam, mas que se há-de fazer?) sem a menor vontade de praticar um “remake”. </div>
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Com o cabelo muito mais branco, regressei um dia, de forma planeada e sem o menor “stress”, à profissão que já tinha por minha e por destino. Na vida que aí vinha, estava Nova Iorque, a fantástica cidade que, trinta anos antes, eu visitara nas minhas primeiras férias como funcionário bancário. Quase ainda a desempacotar as minhas coisas, vi as Torres Gémeas caírem ali ao lado, mudando muito mais do que uma cidade. Foi um tempo intenso, interessante, de imensa aprendizagem, com dias cheios e, infelizmente, escasso usufruto das noites.</div>
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Tempos depois, novo rumo de vida: Viena. Não sou muito dado a dourados palacianos, prefiro o jazz à valsa, gosto mais da Broadway do que do Musikverein. Mas o que tem de ser tem muita força e lá tive eu de encher-me de noitadas no meu terraço sobre o Graben. Muitas jantaradas de Wienerschnitzel e Sachertorte, regadas a Riesling. Viena, por esse tempo, acabaria por se transformar numa espécie de placa giratória: dali descolei, incessantemente, para as misteriosas fronteiras da nova Rússia, para os Balcãs e vários outros destinos, para “fact-finding missions” ou para palestrar sobre temas etéreos, quase sempre em áreas instáveis e turbulentas. Foram, contudo, tarefas muito interessantes. E as noites, nesses mundos muito eslavos, foram muitas e longas, com gente muito diversa, fora do paradigma tradicional ocidental. Aprendi imenso! E diverti-me, claro! Foi um tempo de muitas libações, ilustradas por alguns belos vodkas, conversas pouco óbvias num tempo polémico em que o fim da “détente” já se prenunciava.</div>
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A graça da vida diplomática é a sua incerteza. Para quem, como eu, acabou por ter 21 ministros dos Negócios Estrangeiros na sua carreira, viver em sete cidades estrangeiras, em diversos continentes, não pode assustar. O Brasil, uma das mais complexas - se bem que, aparentemente, simples - relações bilaterais de Portugal, saiu-me depois em rifa. Em boa hora! Aprendi, desde logo, que devia ser “obrigatório” para qualquer diplomata português ter um contacto com a realidade brasileira, para pôr fim a alguns mitos, diluir preconceitos e ajudar-nos a situar melhor no mundo. Quatro anos de Brasil, visitando 23 dos seus 27 Estados, fez-me perceber muitas coisas. A vida correu-me bem por lá, mas eu fiz bastante por isso. </div>
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Quando, quatro anos depois, aterrei em Paris, senti-me quase em casa. No final dos anos 60, eu chegara àquela cidade, saído à boleia de Lisboa, como um peregrino que chega a Meca. Depois, viciei-me e passei muitas mais vezes por lá. Regressar como embaixador seria, contudo, muito diferente, muito mais do que eu pensava. Claro que havia os restaurantes e as livrarias, mas as horas foram sempre muito contadas, nos anos em que, até à minha reforma, por ali fiquei. Trabalhei muito, assisti a tempos muito diversos, nem sempre bons, em especial para a imagem de Portugal no mundo. E, como em todo o lado, alimentei-me por ali da serenidades das noites, onde conversei imenso, li muito e, em especial, pensei. </div>
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Em 2013, tal como estava planeado desde há muito, regressei, definitivamente, a Portugal. Era a reforma? “Sort of”, como dizem os anglo-saxónicos. Não parei, desde então, um segundo. Houve empresas que quiseram passar a ouvir a minha opinião sobre as áreas internacionais dos seus negócios, universidades que me contrataram para dar aulas ou me convidaram para as aconselhar, jornais que me ofereceram colunas para eu escrever o que pensava. Fora dessa dimensão mais “séria”, que muito me agrada, divirto-me com o usufruto outros prazeres, como os livros, a escrita, a gastronomia e as viagens. Leio, leio muito, escrevo um blogue pela noite dentro, frequento tertúlias muito diversas. E, pelos dias, mas essencialmente pelas noites, estou com os amigos, com a família. Às vezes, perco alguns deles, dos bons, o que me deixa nostálgico, confesso. Mas tento olhar em frente, aproveitar, ao máximo, este país renovado, magnífico, sereno, que gargalha para as aves agoirentas, para os profissionais da inveja e do mal-dizer, figuras que apetece irritar - e eu faço-o, com algum gosto. Uma terra que agora anda bastante mais feliz do que, ainda há pouco, parecia condenada a ser. Carpe diem! </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(Publicado no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, em 7 de novembro de 2018)</div>
<div>
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-81078273524550058112018-05-03T20:27:00.002+02:002018-05-03T20:27:53.469+02:003ª Conferência de Lisboa<div style="text-align: center;">
<i>Intervenção na abertura da 3ª Conferência de Lisboa</i></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br />
Senhor Presidente da República<br />
Senhor Doutor Guilherme de Oliveira Martins, em representação da Senhora Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian<br />
Senhores embaixadores<br />
Caros oradores e convidados para esta Conferência, <br />
Caros amigos<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Começo, naturalmente, por agradecer, em nome do Clube de Lisboa, que organiza este encontro que tenho o gosto de dirigir, a amabilidade que o Senhor Presidente teve ao conseguir encontrar tempo, na sua carregada agenda, para nos honrar com a sua presença, nesta sessão inaugural da 3ª Conferência de Lisboa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Conhecendo-o, Senhor Presidente, sei que a sua adesão a um evento desta natureza, em cuja substância se situam temáticas que lhe não são indiferentes, é sincera e empenhada. Mas, nem por isso, deixo de reiterar o meu profundo agradecimento pelo prestígio que a sua presença hoje nos traz.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma vez mais, queremos agradecer à Fundação Calouste Gulbenkian, na pessoa do meu querido amigo Guilherme de Oliveira Martins, a generosidade do seu acolhimento. A Gulbenkian nunca nos falha, aliás, a Gulbenkian nunca falhou a este país.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma palavra de reconhecimento é devida às diversas instituições que se prontificaram a ajudar à organização deste encontro, contribundo da mais variada forma. O seu nome está assinalado nos documentos que hoje distribuímos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas não posso deixar de destacar, dentre essas mesmas entidades, duas que, de um modo muito particular, sempre deram um contributo decisivo para que estas Conferências fossem possíveis: o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Câmara Municipal de Lisboa, cujos titulares estarão presentes amanhã no encerramento dos nossos trabalhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Finalmente, “last but not least”, quero deixar uma palavra de grande apreço pelo esforço de todos os oradores, alguns vindos de bem longe, e que, sem a menor retribuição financeira, e apenas pelo gosto de participarem neste exercício, aqui estarão a partilhar o seu saber connosco. A eles, muito em especial, muito obrigado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não sei como os intérpretes vão conseguir traduzir isto, mas eu gostava de dizer que as Conferências de Lisboa são uma espécie de “sopa da pedra”, feita de generosidades, de boas vontades e, quero também crer, do interesse genuíno em ir mais longe no debate de ideias sobre as grandes questões globais, em que todos estamos empenhados. Fazemos estas reuniões a cada dois anos, variamos a temática central, mas não temos alterado um conceito de fundo que aqui nos motiva: o desenvolvimento. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Porquê o desenvolvimento?, num tempo em que, por vezes, deixamos de ouvir a palavra com a intensidade que ela teve em períodos não muito distantes, durante os quais motivou iniciativas de grande vulto, à escala mundial, encheu bibliografias e alimentou doutrinas. Precisamente por isso. Precisamente porque continuar a lutar pelo desenvolvimento daqueles que, à escala global, não o partilham com os mais afortunados, tentar manter o conceito bem alto na agenda internacional de prioridades, é talvez o melhor testemunho de um espírito de solidariedade que desejamos que Portugal, e esta cidade saudavelmente aberta que é Lisboa, devem saber alimentar e aprofundar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Clube de Lisboa, que, de forma totalmente benévola, promove estas Conferências, tem precisamente como objetivo contribuir para ajudar a transformar a capital portuguesa numa nova centralidade de reflexão sobre os grandes temas que atravessam a sociedade global.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Chamámos a esta 3ª Conferência, “Desenvolvimento em tempos de incerteza”. Por definição, os tempos são sempre incertos, mas já houve tempos em que a incerteza era menor. Hoje vivemos dias em que as interrogações sobre o futuro, mesmo o futuro próximo, se acumulam. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Desde logo, em termos do <b><u>poder</u></b> mundial, tema que vai ocupar o nosso primeiro painel. A atitude dos principais atores globais tem hoje “nuances” que induzem fortes tensões no cenário internacional, pondo em causa equilíbrios que tínhamos por adquiridos e, muito em particular, colocando em risco os mecanismos multilaterais, corpo institucional que regulava o que pensávamos serem os caminhos irreversíveis do futuro. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Essa instabilidade nas relações de poder conduz ao surgimento de novas ameaças à <b><u>segurança</u></b>, assunto que o segundo painel do dia vai abordar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A segurança, nas suas várias declinações, é uma questão essencial para a estabilidade psicológica das sociedades. É a falta de segurança, melhor dizendo, a perceção de insegurança que induz facilmente tropismos populistas e a captura das vontades para agendas radicais. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma dessas inseguranças, bastante visível nas suas consequências políticas na maior potência do ocidente, assenta nos “descontentes” da <b><u>globalização</u></b>, para utilizar a velha expressão que Stiglitz já usava em 2001. É precisamente uma reflexão sobre a globalização e sobre as dúvidas que alguns colocam sobre a sua irreversibilidade, que ocupará o nosso último painel no dia de hoje.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Amanhã começaremos o dia falando da nossa casa comum, do <b><u>planeta</u></b>, das lutas da sustentabilidade, do clima e das transições energéticas que aí estão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E tentaremos, no saldo das incertezas que acumulámos, perceber como estão nas nossas sociedades, nestes tempos estouvados, para utilizar uma expressão que sei ser cara ao senhor presidente, as <b><u>pessoas</u></b>, nas suas angústias e temores, nas suas dúvidas e na sua crescente propensão para soluções limite, que põem em risco a democracia e os direitos. Nesse contexto, o destino das classes médias é uma pista para reflexão que está ficada no debate.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Terminaremos amanhã os nossos trabalhos falando da <b><u>Europa</u></b>, desse continente que, em termos de expressão organizada e eficaz de poder, recebe sistematicamente o Óscar para o melhor ator secundário. Onde estamos, na Europa? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda navegamos no mesmo barco ou só fingimos que pertencemos ao mesmo clube? O que é feito dessa Europa ética que pretendia ser um “benchmark” para o mundo? Que é feito, por exemplo, da Europa farol das políticas de desenvolvimento? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E aqui regresso onde comecei. “Desenvolvimento em tempos de incerteza” é, hoje e amanhã, o desafio que o Clube de Lisboa aqui vos lança. Espero que aproveitem o debate e que estejam atentos, no futuro, às diversas atividades que vamos promover. Teremos o maior gosto em vê-los por lá.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Muito obrigado pela vossa presença. Tenham uma boa Conferência.</div>
<br />
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-48528457675562457422017-06-06T16:27:00.001+02:002017-06-06T16:27:17.415+02:00Diplomacia - os próximos 100 anos
<br />
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Como Twain disse um dia a propósito de um anúncio prematuro sobre a sua
morte, parecem muito exageradas as notícias sobre a iminente desaparição da
diplomacia. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Deixando embora os créditos da mais velha profissão do mundo para outras
artes, essa vetusta gestão dos “rituais de entendimento” à escala internacional,
como lhe chamou Paulouro das Neves, tem-se constituído, ao longo dos séculos,
como um eficaz instrumento na prevenção e resolução de conflitos, sendo que,
quando em absoluto os não consegue evitar, é da sua natureza e missão conseguir
manter abertos, por cima de todas as dificuldades, os canais possíveis de contacto
e diálogo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Nunca se saberá quantas guerras a diplomacia evitou, mas é uma evidência
que ajudou a pôr termo a muitas e, de um modo ainda hoje bem visível, ajudou a que
algumas fortes tensões internacionais se mantivessem a níveis de intensidade capazes
de poupar muitas vidas.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">O século XX testemunhou, não apenas a exponencial multiplicação da rede
diplomática bilateral à escala global, pela quase dupla centena de países que,
em especial, o processo descolonizador fez emergir, mas igualmente consagrou o
surgimento de uma diplomacia multilateral permanente, terreno de afirmação e
representação, política e negocial por excelência, onde os pequenos e médios
Estados ganharam um estatuto de equidade relativa que não deixa de ter
consequências no equilíbrio da ordem internacional. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Marcada por um “template” com clara origem europeia, a prática
diplomática (e consular) internacional conseguiu aculturar, num modelo
basicamente similar, todo o resto do mundo, graças, em especial, à adoção
generalizada desse valioso referencial normativo que foram as Convenções de Viena
– sobre relações diplomáticas e consulares. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Não vale a pena inventariar as mudanças cumulativas que a prática
diplomática foi sofrendo ao longo dos tempos, a começar pela diluição da
exclusividade de representação da vontade do “soberano”, que os agentes diplomáticos
contemporâneos praticamente deixaram de ter. A crescente facilidade nas
comunicações, das pessoas e das mensagens, o progressivo estabelecimento de uma
“comunidade” mediática e de análise dos fenómenos políticos, com projeção quase
instantânea à escala global, a prática generalizada das relações diretas entre
os setores especializados, públicos ou privados, dos vários países, que muitas
vezes deixaram de passar pela coordenação da rede diplomática, tudo isso, e
muito mais, contribuiu para desenhar um novo perfil para a atividade
diplomática contemporânea – e, por maioria de razão, para os tempos que aí virão.
</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">O trabalho dos diplomatas profissionais é hoje escrutinado com muito
maior rigor e exigência, porquanto estes estão, cada vez mais, sujeitos a modelos
de “accountability”, na aplicação dos quais se joga a própria legitimidade da
sua existência como classe professional autónoma. A diplomacia é hoje chamada a
mostrar, de forma cada vez mais transparente, o valor acrescentado que a sua
ação pode trazer à proteção dos interesses que lhe cabe proteger e promover.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Essa evolução da prática diplomática, como se tornou flagrante nas
últimas décadas, acabou por simplificar muita da “coreografia” que,
historicamente, envolvia a ação dos seus profissionais e marcava a imagem de
“glamour” (mas também, por vezes, de alguma superficialidade generalista) que a
diplomacia tinha aos olhos exteriores. Alguma dessa “liturgia” da profissão é
ainda preservada, dado que isso constitui um relativo suporte para o mútuo
respeito por procedimentos que, no fundo, padronizam e regulam o exercício da mesma
atividade por cidadãos oriundos de culturas muito diversas. No entanto, a vida
diplomática dos nossos dias tende a simplificar certos rituais protocolares, a
dar mostras de alguma contenção na exibição dos faustos que fizeram a sua
glória de outras eras, isto é, procura assumir-se, cada vez mais, como um terreno
para a execução adequada e sóbria da dimensão externa das políticas públicas
dos Estados. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">É neste contexto que uma nova visibilidade da ação diplomática, através
da chamada diplomacia pública, se procura hoje crescentemente estabelecer,
através de uma utilização das novas tecnologias e ferramentas mediáticas
(blogs, Twitter, Facebook, etc), procurando tornar mais eficaz a mensagem
política que intervem nos vários segmentos (especializados, etários, esferas
culturais, etc) do espaço público externo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">A nível pessoal, confrontado com uma observação mais atenta do seu
trabalho e movimentação profissional, quer pela comunicação social quer pelos
cidadãos e instituições, o diplomata contemporâneo tende, em especial nas
sociedades com serviços públicos mais eficientes, a ser crescente avaliado em
função de uma “performance” por objetivos, na sua tarefa de execução da
política externa que lhe compete pôr em prática. Em particular, o seu papel de
coadjuvação dos operadores económicos, bem como de um conjunto cada vez mais
diversificado de interesses estatais e não-estatais com projeção na área
externa (ONG, expressões diversas da sociedade civil, academia), obriga-o a uma
constante atualização e a uma diversificada capacitação informativa que, muito
frequentemente, parece poder conflituar com os ciclos da sua rotatividade entre
postos e entre estes e a sua capital – modelo que a experiência consagrou até
hoje como relevante, como forma de ser mantida a alguma “frescura” no olhar
profissional sobre as realidades externas em que o diplomata opera.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">O caso da integração continental, em que um país como o nosso está
inserido, merece aqui uma palavra especial. O estabelecimento daquilo que é hoje
a União Europeia veio criar uma realidade radicalmente nova, com que os seus
Estados membros se vêm confrontados. Por um lado, as instituições comunitárias
funcionam como uma estrutura multilateral de natureza regional, onde se
processa a concertação de posições nacionais que define a linha coletiva, por
consenso ou maioria. Porém, a própria União exerce hoje uma ação externa
autónoma, em representação das suas instituições coletivas, em paralelo com as
diplomacias nacionais dos Estados que a compõem, que naturalmente prosseguem os
interesses próprios de cada um. A coerência entre todas estas dimensões é um
desafio da maior importância.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">O modelo funcional da União, por seu turno, acaba por ter efeitos na
natureza do tecido das representações diplomáticas que esses Estados mantêm
entre si, conduzindo a um crescente “downsizing” dessas estruturas. Isso é
potenciado pela intensidade dos encontros e comunicações dos responsáveis
políticos e técnicos de todos esses países, numa movimentação que passa frequentemente
à margem das estruturas diplomáticas bilaterais, bem como pela circunstância do
tecido legislativo e os procedimentos administrativos serem cada vez mais
similares e transparentes em todos os Estados, dispensando a “leitura”
especializada das embaixadas. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Duas outras dimensões da diplomacia tradicional podem ser referidas como
afetadas pela existência da União Europeia. No plano da sua proteção, o facto
de um cidadão da União poder hoje recorrer aos serviços consulares de outros
Estados membros desestimula, de certo modo, a multiplicação das redes
consulares nacionais (muitas vezes integradas nas unidades diplomáticas), em
especial no caso de Estados de menor dimensão. Também a tendência para posições
conjuntas dos Estados da União em algumas estruturas multilaterais, cuja adoção
é decidida na coordenação comunitária em Bruxelas, tende a desvalorizar o
trabalho das missões nacionais nessas instâncias, com eventuais impactos na sua
densidade em matéria de pessoal e estruturas.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Em conclusão, a continuar a ser aprofundada, ou mesmo apenas que preservada
no seu modelo atual, a União Europeia vai apresentar um desafio interessante à
criatividade transformadora das máquinas diplomáticas dos seus Estados membros.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Se me é permitida uma reflexão prospetiva, diria que tudo parece indicar
para que as representações externas bilaterais venham, em geral, a perder algum
sentido naquilo que era parte da sua vocação tradicional. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Nas décadas passadas, já se tinha verificado a desaparição da sua função
negociadora, avocado por missões ad hoc. Agora, e cada vez mais, parece
evidente que as tarefas de observação e informação, em especial na área
política, surgem grandemente afetadas na sua valia pela qualidade analítica da
informação aberta disponível, ou mesmo pelos serviços de entidades privadas com
canais de recolha de dados muito mais eficientes que muitas embaixadas (embora,
a disponibilidade de serviços oficiais de “intelligence”, por parte de certos
países, continue a ser muito valiosa).</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Restam três dimensões onde a função dos diplomatas parece dificilmente
substituível. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Por um lado, a proteção e promoção de interesses, humanos ou
patrimoniais, do Estado, dos cidadãos ou de entidades privadas. O aumento
exponencial das viagens internacionais coloca desafios sérios em matéria de
segurança e proteção dos cidadãos e, cada vez mais, a promoção dos interesses
económicos (investimentos, comércio, turismo) e da imagem e prestígio dos
Estados (cultura, diplomacia pública) se torna importante e, muitas vezes, só
pode ser assumida a nível nacional.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Por outro, a função de representação ou presença política do seu Estado
perante aquele em que está acreditado. A grande maioria dos países não está
integrada nos circuitos de contactos regulares (pessoais ou por comunicações)
entre os respetivos dirigentes politicos, pelo que o papel de representante
pessoal do chefe do Estado ou da vontade do governo é, muitas vezes,
indispensável para o tratamento de certo tipo de questões. A dimensão humana da
atividade diplomática permanece um valor acrescentado insubstituível.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Finalmente, alguma mudança se pressente na diplomacia multilateral, onde,
ao que tudo parece indicar, residirá muita da decisão futura com impacto na
vida corrente dos Estados – e, por maioria de razão, no plano da prevenção e resolução
dos conflitos entre eles. Neste domínio, a tendência poderá não favorecer o
modelo tradicional do diplomata generalista e, cada vez mais, a função poderá vir
a ser exercida por quadros técnicos cada vez mais especializados, em novas
“carreiras” diplomáticas a funcionarem em paralelo com a clássica “carreira”. Essa
“nova” diplomacia já hoje tem grande expressão e caberá aos Estados saberem
compatibilizar a sua existência com o modelo tradicional.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0px; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="margin: 0px;"><span style="font-family: inherit;">A diplomacia, nas suas variadas formas evolutivas, está aí para ficar.
Durará 100 anos? Ninguém sabe, mas a História provou a resiliência dessa
“espécie” vocacionada para a simpática tarefa de harmonizar a vida dos Estados
e dos povos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<b></b><i></i><u></u><sub></sub><sup></sup><strike></strike><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
(Texto incluído na antologia "Olhar o Mundo", coordenada por António Mateus, ed. Marcador, 2017)</div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-47801448663666984662017-05-15T20:55:00.003+02:002017-05-15T20:58:06.998+02:00Em Lisboa, pare, escute e olhe o ruído<div style="text-align: justify;">
Andava muito cansado e, enquanto esperava, na sala ao lado de uma oficina, que me arranjassem o carro, sentei-me numa cadeira e, por instantes, fechei os olhos. Foi então que o som, ao fundo, de uma chapa a ser batida, bem como impactos secos, provavelmente oriundos de um martelo de borrracha no realinhamento de uma direção, despertaram em mim uma súbita onda de prazer auditivo. Não tinha o ritmado do mimimalismo de Philip Glass que um dia me embalara no Barbican (levando-me a sair no intervalo, por queixas de ressonar), mas havia por ali algo que evocava no meu ouvido (talvez mesmo em melhor) uma sessão de música concreta polaca, no S. Luís, a que, só por vergonha, cerca de uma semana antes, resistira até ao fim. Terá sido nesse instante que, embora meio adormecido, acordei pela primeira vez para a fantástica identidade dos ruídos de Lisboa.</div>
<div style="text-align: justify;">
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Os estímulos auditivos que não resultem de melopeias ou de sonoridades pré-cozinhadas são, de há muito, uma das mais inspiradoras fontes da minha reatividade. E Lisboa, com o alarido mediterrânico – que os nórdicos confundem, insensivelmente, com javardice e falta de respeito pelo sossego dos outros – é um raro oásis (longe ainda de Nápoles, claro) em matéria de impactos dessa natureza. O som “oficial” de Lisboa é, como todos sabemos, o fado, mas, mesmo num registo turístico clássico, o chiar dos elétricos na descida do Ferragial ou a buzina dos cacilheiros sob neblina, bem poderiam equivaler-se-lhe nessa dignidade identitária de cartaz. Antes, no tempo do SNI e do Ferro, era também o gritar esganiçado das varinas, tão incensado na fadunchada primária, que integrava esse património decibélico. Mas ele foi-se com o tempo e com o Pingo Doce.</div>
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Verdade seja que os ruídos humanos lisboetas são reportados desde as calendas. Fernão Lopes registou-os na sonoridade literária da sua Crónica, a Rattazzi tomava-os à conta de falhas na educação e nos costumes (preconceitos!), Eça ouviu-os pelos bilhares do Montanha. Até o canto de Fausto, no “Europa, Querida Europa”, fala dessa “algazarra nas ruas”, com um “suave cheiro a sardinhas”. O chavascal é parte da nossa matriz e Lisboa é o palco orgulhoso dessa peça de chinfrim.</div>
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Um amigo brasileiro, há dias, deixou-me sem palavras, num ambiente de infernal basqueiro e guinchos de máquinas, no longo concerto de barulheira operária concreta que o maestro Fernando Medina orquestrou, por meses, pela cidade, ao dizer-me: “Você sabe, Francisco, é adorável este vosso Chiado”. Como ele disse isso nas Avenidas Novas, em frente à Versailles, fiquei sem saber se havia de escrever Chiado com maiúscula ou não.</div>
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Mas tudo isto, meus amigos, será sempre apenas uma singela gota de água numa realidade hoje com uma riqueza quase inesgotável.</div>
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Todas as cidades, como sabemos, têm os seus sons. Questão diferente é selecionar aquelas raras urbes às quais uma forte presença auditiva confere um estatuto identitário próprio. À lembrança vem-me, de imediato, Nova Iorque, com aquela obsessiva e permanente confusão de sirenes de ambulâncias e carros de bombeiros, que alguém um dia chegou a pensar que eram pagos pelo serviço de Turismo da cidade, para lhe sustentarem, no imaginário dos viajantes e cinéfilos, essa típica marca sonora. Mas Lisboa, passe a imodéstia, não fica nada atrás de Manhattan.</div>
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O meu interesse por este tema, embora por muito tempo de forma pouco consciente, vem já de muito longe. O ruído lisboeta é, em mim, um eterno fator mobilizador, que me induz a certas atitudes, embora algumas, se acaso levadas até às últimas consequências, eu não garanta que evoluíssem sempre num registo de serena urbanidade.</div>
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Recordo-me de, quando vivia perto do Campo Pequeno, em noites de fim-de-semana, ter sido o roncar dos escapes dos motards que, por exemplo, suscitou em mim uma inesperada vocação cinegética. Só não comprei a caçadeira por falta de espaço lá em casa para a guardar.<br />
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Nos dias de hoje, na rua da Lapa onde vivo, a desportiva tendência dos carros para aí testarem os limites urbanos de velocidade, traz-me, por vezes, o impulso de complementar a minha reforma com uma atividade de bricolage, onde o uso de pregos e taxas é, como é sabido, imperativo.</div>
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E, não raramente, a saborosa diversidade dos claxons, saídos dos SUV a fingir que por aí abundam, guiados por graves metrossexuais de barba, travados no caminho para as start-ups, desperta em mim, nesse tráfico congestionado (e Lisboa tem evoluído para grandes confusões de trânsito, garantindo-se assim já ao nível das grandes cidades) saborosas memórias da sétima arte: mais precisamente uma nostalgia pelos gadgets que Q colocava no Aston Martin de James Bond, capazes de disparar rajadas em várias direções.</div>
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Mas aprendi que o ruído lisboeta, paradoxalmente, também convida à reflexão. Recordo-me de jantares em casa de um amigo que vivia no topo de um prédio sobre o qual passavam, na aproximação à aterragem, os aviões. Havia pausas de largos segundos nesses momentos de convívio, tipo “un ange qui passe”, que permitiam instantes valiosos de meditação ou, em alternativa, de concentração em mais umas garfadas.</div>
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É, contudo, o ruído humano lisboeta, em todo o esplendor da sua criatividade, que estimula em mim os mais inesperados sentimentos, mesmo que, por vezes, ele tenda a atenuar os efeitos dos hipertensores que tomo.</div>
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Quase sem igual no mundo, são os berros das adoráveis criancinhas nos restaurantes onde escolhemos ir ter uma conversa serena. Lisboa tem, nesse domínio, uma magnífica cultura liberal – e ainda há quem se queixe de sermos uma sociedade iliberal! – permitindo, desde a tenra idade, a vocalização do protesto ou da alegria. É uma espécie de aplicação do 25 de abril às creches, socializando a criança ao usufruto do seu inalienável direito à indignação ou à berraria em voz bem alta. Mas, entre nós, o que é mais notável é que os pais cuidam em não guardar essa expressão sonora dos rebentos para o recato egoísta da família, antes a partilham, com imensa generosidade, com a vizinhança, que assim pode apreciar a encantadora espontaneidade infantil. O facto de alguns circunstantes se sentirem tentados a (e cito o que, infelizmente, já ouvi) a “dar um par de bofardos no puto”, também deve ser levado à conta do inestimável efeito de impulso interventivo que é desejável poder suscitar na em nosso redor. A sociedade ou é interativa ou ficamos todos silenciosos de olhos nos iPads e iPhones. Não é disso de que todos se queixam?</div>
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A contemporaneidade, contudo, tem sabido trazer, neste domínio, uma generosa oferta sonora, mais high-tech. O telemóvel é hoje um imprescindível instrumento da nossa transparência urbana. O lisboeta típico, como os estrangeiros estasiados se fartam de constatar, dá-nos regularmente o gosto de partilhar connosco, em lugares públicos, diálogos da sua vida pessoal, como informações muito francas, por exemplo, sobre os seus padecimentos de saúde ou as crises existenciais dos conhecidos. Esperimente o leitor ir ler para um lugar público e, ao final de uns minutos, concluirá que lhe são oferecidas pausas divertidas que, tirando-lhe embora o fio à meada àquilo em que estava concentrado, o fará entrar num mundo novo de revelações alheias – excelentes para quem gosta de exercitar sociologia de pacotilha no Facebook.</div>
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Outros ainda capricham, nos cruzamentos ou nas filas, em nos fazer ouvir os ritmos “metal” que saem do altifalantes dos seus carros, num volume tão elevado que, às vezes, os incapacita de tomar nota de alguns alguns adjetivos qualificativos com que, muitas vezes sem uma explícita simpatia no nosso rosto, lhes retorquimos essa não solicitada partilha.</div>
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Mas os estrangeiros visitantes, ao que me chega, já também cuidam, cada vez mais, de participar no cuidado desse património de sonoridades atípicas. Ao que parece, pelas noites animadas dos hostels, ou em partilhas de Airbnb, surgem cada vez mais interações sonoras entre andares, as quais, com o tempo, acabarão pela certa nas páginas do Correio da Manhã ou nos apanhados noticiosos das urgências.</div>
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Esta Bica, que nasceu com uma explícita vocação de servir de guia a uma nova leitura de Lisboa, rompendo com estereótipos e tentando descortinar espaços inéditos de interesse para visitantes em busca de novos nichos de curiosidade, tem aqui um papel indispensável. Dar a conhecer a riqueza dos ruídos da cidade, chamar a atenção para essa Lisboa dos sons pretensamente não harmónicos, indicar mesmo oportunidades de criatividade ativa nessa área para quem nos visita, é levar à prática um imenso dever cívico.</div>
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Não deixemos silenciar esse inestimável património decibélico (por onde anda a Unesco, que não viu ainda isto?) que é o ruído urbano lisboeta, não façamos orelhas moucas à necessidade de cultivar essa riqueza e, acima de tudo, não calemos a nossa voz perante a óbvia conspiração que se está a fazer contra o chavascal popular, contra a (tão típica) conversa aos berros em voz alta pela rua, contra a espontaneidade das mães chamando crianças à distância, nos lugares públicos e outras amenidades correlativas. Cuidemos do que é nosso, povo de Lisboa!</div>
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Há alguma coisa melhor que isto? Pode haver, mas por cá ainda não se sabe.</div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-60739749998981684362017-04-16T03:18:00.002+02:002017-04-23T00:50:15.475+02:00Saudades nossas<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-f4Myhfdiisw/WPvbFAoghnI/AAAAAAAAffk/wV1RAHD8YLwMiyoSCGozOMLPKdyeCER2ACLcB/s1600/saudades%2Bnossaa%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://3.bp.blogspot.com/-f4Myhfdiisw/WPvbFAoghnI/AAAAAAAAffk/wV1RAHD8YLwMiyoSCGozOMLPKdyeCER2ACLcB/s640/saudades%2Bnossaa%2B%25281%2529.jpg" width="480" /></a></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: "arial" , sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span></span><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Tinha um pequeno batente, nunca houve qualquer campainha. A porta era envidraçada, com portadas de madeira, idêntica às janelas que, na zona lateral, davam para uma estreita passagem exterior que levava à cozinha. Eu tinha por hábito anunciar a minha chegada de outra forma: batia nos vidros da porta ou na madeira adjacente. Instantes depois, um olhar inquisitivo de uma senhora idosa surgia por detrás dos vidros, logo transformado, à minha vista, num amplo e alegre sorriso. Foi assim durante anos. Bastantes, felizmente.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Isto passava-se na “casa das tias”, e as tias de que vou falar eram irmãs da minha avó materna. A casa era nas Pedras Salgadas, numa das esquinas do cruzamento que constitui o eixo daquela aldeia que agora já é vila. Mesmo em frente, em paralelo com a estrada, passava nesse tempo o comboio da linha do Corgo.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O comboio já acabou há muito, a casa ainda lá está, mas já não é a mesma. Quem hoje sobe para a igreja de S. Martinho, encontra-a na esquina do lado esquerdo. Noutros tempos, a casa – na realidade, um primeiro andar, com um estabelecimento comercial por baixo - era bordejada por um belo terraço de contorno curvo, com um muro caiado de branco, encimado por uma pérgula que cobria de plantas quase metade desse espaço. Nos verões, cadeiras de verga e madeira almofadada serviam de pouso e cenário a amenas conversas.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O terraço foi sempre imenso, mas apenas na minha memória: na realidade, ocupava uns escassos metros, tornados gigantescos pela minha pequenez de infância. Acedia-se a ele da rua por um pequeno portão vermelho, de madeira, seguido de um curto lanço de escadas. Passado este, à direita, havia o “barraco”, com porta também vermelha (ou seria castanha?), atulhado de coisas imprestáveis que, num vício comum nas aldeias, se guardam sempre, vá lá saber-se para quê.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Tenho fotografias minhas nesse terraço, em diversos tempos, de criança a adolescente, com várias pessoas da família, e por elas meço as idades de quem fui, entretanto, perdendo. Numas, vejo-me no chão, a brincar com um cão de borracha; noutras, estou ao colo ou ao lado de primos, tios, avós e pais. Até enfarpelado e de laço, portador de alianças num casamento feliz, surjo retratado por ali, de braço dado com uma prima que já não vejo há décadas. Daquele terraço, então imenso, olhava a mulher do alguidar dos tremoços que oficiava na esquina em frente e encantava-me com a coreografia das bandeiras da guarda da passagem de nível. Aquele terraço foi um dos meus cenários dos tempos da vida que tenho por muito bons.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Voltemos à porta. Era quase sempre uma das tias que nela nos acolhia. Mas, afinal, quantas e quem eram essas tias?, perguntar-se-á o leitor não iniciado. Vou tentar simplificar a resposta.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A família da minha avó materna e dessas suas irmãs era originária de uma localidade não muito longe dali, de Soutelinho do Monte, perto de Sabroso de Aguiar, na estrada para Chaves. Por lá nasceu a minha mãe, segundo rebento do casamento da avó Olívia, irmã das tais tias, com o meu avô Francisco. Desse casamento, que teve lugar no virar da Monarquia para a República, iria resultar um total de cinco filhos – duas raparigas e três rapazes.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Em data que não consigo precisar, mas que se situa algures nos anos 20 do século passado, a casa e as propriedades de Soutelinho do Monte foram vendidas. Os meus avós, que ali tinham ficado a viver depois de casados, mudaram-se para a casa que o meu avô, entretanto, herdara da sua mãe, e minha bisavó, em Bornes de Aguiar, também a dois passos dali.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Como era muito comum à época, quer o meu avô, quer a minha avó tinham imensos irmãos. É sobre os irmãos e irmãs da minha avó que quero falar, porque é destes que fazem parte as tias que quero recordar neste texto.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O destino dos dez irmãos da minha avó foi distinto entre si. Dos irmãos, já só conheci um, o tio João, de que falarei adiante. Dos restantes, ouvi falar do tio Cândido, farmacêutico no Vidago (quem é da região diz “no Vidago”, quem não é diz “em Vidago”), do tio Armando, proprietário em Oura, às portas do Vidago, e do tio Acácio. </span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O tio Acácio era médico e foi diretor clínico das Termas das Pedras Salgadas e da companhia que as geria. Por algum tempo, foi governador civil de Vila Real. Vivia em Vila Meã, a caminho de Vila Pouca de Aguiar. Conheci bem a viúva, a tia Elvira, de forte personalidade e génio, que se revelou por vezes menos compatível com as cunhadas.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Com ele viveu, por algum tempo, uma irmã da minha avó, a tia Aninhas (Ana), que casou muito jovem e enviuvou cedo. Tendo-se depois apaixonado por um rapaz de Ribeira de Pena, numa ligação que, por qualquer razão, não terá agradado à família, sobre ela caiu uma espécie de “fatwa” familiar, só quebrada nos anos sessenta, quando um imenso piquenique de reconciliação foi organizado por um dos irmãos da minha mãe, o tio Rogério, que, entretanto, tinha restabelecido a ligação com esse ramo da família. Lembro-me bem dessa alegre ocasião, em Ribeira de Pena, em que todas as irmãs então vivas caíram chorosas nos braços da tia Aninhas, pondo termo àquela ridícula separação. A tia Aninhas era uma senhora encantadora, que nos recebia com extrema generosidade e alegria e com cuja simpática descendência, em especial desde então, todos viemos a estabelecer uma forte e duradoura relação.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Tenho uma imagem fugaz de outra tia, de seu nome Palmira, também irmã da minha avó. Guardei dela uma cara sofrida e, muito em especial, tempos mais tarde, a evocação difusa do dia chuvoso da sua morte, nas Pedras Salgadas, na “casa das tias”, onde viera despedir-se da vida e da família. Foi num ambiente tenso e que imagino que deva ter sido difícil para a criança muito pequena que eu então era, mas a que os meus pais não terão podido poupar-me, nessa que, seguramente, foi a primeira vez que me confrontei com a ideia da morte de alguém.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Três outras tias – Tininha (Albertina), Helena e Maria – tinham ido viver para as Pedras Salgadas, nesses anos 20, depois da divisão das propriedades de Soutelinho do Monte. A data da chegada dessas três senhoras coincidiu com uma época áurea das termas. As Pedras, as suas águas medicinais, o seu parque, o hipismo e os seus muitos hotéis e pensões eram um sucesso, em especial entre maio e outubro, arrastando gente abastada de todo o país.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">As três irmãs decidiram abrir um novo hotel. A casa em que ele foi criado ainda lá está, em frente à “casa das tias”, um interessante prédio com um terraço de colunas que, desde há muito, abriga serviços oficiais.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O Hotel Colonial, como foi chamado, não terá sido, de acordo com a história oral familiar, um empreendimento de grande sucesso. O conhecimento do negócio, por parte das tias, não foi suficiente. A sua extrema generosidade terá contribuído para esse fracasso: consta que muitos familiares e amigos, alguns vindos de longe, se iam acolhendo por lá, por temporadas, sem que isso se refletisse necessariamente a crédito na contabilidade da operação hoteleira. Um dia, foi declarada uma inevitável falência. O Colonial, como sempre o ouvi referir, foi sido vendido e, talvez com esse valor, foi adquirida, em frente, aquela que passou a ser a “casa das tias”.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Um episódio dessa aventura hoteleira ficou para sempre na nossa memória coletiva. Por alguns meses, durante a Guerra Civil de Espanha, um “rojo”, por indicação de alguém da família, obteve refúgio no Colonial. Durante o dia, permanecia dentro de um grande armário de parede, onde lhe eram servidas as refeições, só regressando ao quarto à noite. Não sendo essa geração da minha família materna conhecida por qualquer inclinação antifascista e, ao que julgo saber, não sendo de considerar a relevância da questão pecuniária, ficam por explicar, embora sendo desde logo de louvar, as razões que terão levado as minhas tias a tão arriscado gesto. A verdade é que, para sempre, Avelino Sola Castro, mais tarde um bem-sucedido empresário em Chaves, ficou um bom amigo de toda a nossa família.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Entretanto, ainda o Colonial funcionava, uma das três irmãs que o geria, a tia Maria, ter-se-á encantado com um oficial do Exército que por ali se hospedou. Casou com ele e foi viver para o Porto. Com o marido, o tio Óscar, a tia Maria regressava anualmente às Pedras Salgadas, para o que me recordo ser uma longa jornada estival, em casa das irmãs.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Resta ainda falar de uma outra tia, a tia Alcina, que desempenha também nesta história um papel central. Fora casada com um para mim misterioso Castro, figura que ornava uma moldura oval numa parede da sala, cavalheiro de fartos bigodes e que, ao que me recordo, era originário de Murça. Nunca percebi bem o que teria feito na vida esse tio, que já não conheci, mas rezavam as crónicas que a tia Alcina viveu com ele no Porto e, creio, em Lisboa. Depois da morte do Castro, sem filhos, a tia Alcina viria a regressar às Pedras Salgadas, indo viver com as duas irmãs que aí tinham ficado.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">É esse trio de tias-avós – tia Alcina, tia Tininha e tia Helena – que integra a minha mais viva memória de infância e adolescência. Não me conheço sem elas, tive-as por perto em todos os tempos, e a sua progressiva saída da paisagem da vida significou o meu confronto definitivo com uma espécie de fim da inocência, o acordar para o mundo das perdas irreversíveis que acabam por fazer parte do nosso crescimento.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Em certos anos, ainda na minha juventude, fui várias vezes passar alguns dias, em tempo de férias, às Pedras Salgadas, para casa das tias.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A primeira dessas experiências individuais, fora do controlo dos meus pais, com nove ou dez anos, ficou marcada pela minha queda acidental de um barco, no lago do parque das Pedras. Molhado que nem um pinto, refugiei-me no canavial, sem coragem de seguir naquele estado até à residência das minhas tias. Avisado o meu avô, ele negociou com um dos rapazes que faziam assistência ao jogo do “golfinho” o empréstimo do seu traje de trabalho. E o rapaz lá ficou, em cuecas, também no meio das canas, enquanto eu seguia para casa, pela artéria central da aldeia, imagino que escondendo a cara, vestido com o macacão cinzento de serviço desses apanha-bolas. Depois de um banho, sabe-se que as tias me esfregaram o corpo a álcool, não fosse a água do lago ter-me deixado impurezas na pele…</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Em outros anos mais tarde, já adolescente, fui duas ou três vezes, em férias, passar uma semana por lá. Porém, como já tinha encetado o meu vício de ler pela madrugada dentro, as minhas manhãs de sono eram trágicas. O quarto que ocupava dava para a estrada nacional e para a linha férrea paralela, pelo que era invariavelmente acordado pelo trânsito da manhã, automóvel ou ferroviário, entre Vila Real e Chaves. Acrescia que, sob a casa, havia a “venda” do senhor Marçal, inquilino das tias, e, desde muito cedo, através do soalho, chegava a essa zona da casa uma perturbadora vozearia, acompanhada pelo odor dos eflúvios do vinho que se vendia ao balcão. E havia também os mosquitos que se infiltravam pelas frinchas das janelas e me arruinavam as leituras noturnas. A isso se somava, finalmente, um relógio na sala anexa, que me irritava os ouvidos, de hora a hora. Hoje, pensando bem, devem ter sido estas circunstâncias, inconformes com os meus incorrigíveis hábitos horários, que terão limitado uma maior frequência minha em férias na “casa das tias”.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Marcante na minha memória foi um dia em que, de surpresa, aportei à “casa das tias”, de mochila às costas. Tinha andado mais de um mês à boleia pela Europa, de Lisboa à Suécia. Numa tarde, em França, à saída de Bordéus, numa paragem do trânsito na velha N10, consegui boleia com o condutor de um táxi português. Ele ia para Ribeira de Pena, passava mesmo à porta da “casa das tias”! Até lhe fui útil, para o entreter com conversa, evitando o perigoso sono da noite, na estrada de Tordesilhas a Verín, por Puebla de Sanabria. Aguardámos em Feces de Abajo a abertura da fronteira (é verdade: fechava à noite, como a “guerra” do Solnado) e, bem cedo, de manhã, bati àquela “santa” casa. Dessa vez, nem a barulheira da “venda” do Alcino nem os carros ou os comboios ou o relógio perturbaram uma dúzia de horas seguidas de sono, numa cama a sério, com que me desforrei de uma noite em branco e do bom cansaço acumulado da alegre jornada europeia.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Os quartos da casa das tias eram impressionantes de organização. Recordo a garrafa de água com copo a tapar que era regra na mesa-de-cabeceira, a bacia de louça com jarro e a toalha de linho, bem como, na casa de banho coletiva, os tapetes brancos ainda com os dizeres Hotel Colonial, a recordar uma experiência que, talvez por trauma, nunca as ouvi a elas abordar.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A frustrada experiência do Colonial não anulara, contudo, por completo a vocação hoteleira das tias. Por alguns anos, entre maio e outubro, dois ou três quartos da casa eram alugados a pessoas que ali chegavam por recomendação, que ficavam por períodos “a águas” e que, com o tempo, acabavam por converter-se em amigos da família. Os meios nunca foram muito fartos na vida modesta daquelas senhoras e, estou certo, esse contributo sazonal devia ser interessante para o seu orçamento.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">As tias, essas três tias, eram bastante diferentes entre si.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A tia Alcina tinha um evidente ascendente sobre as outras duas, por ser a mais velha e quiçá (estas coisas não se pressentiam, ao tempo) por dar um contributo financeiro importante para a gestão da casa, fruto da herança de viuvez do Castro (ela e as irmãs referiam-se-lhe sempre como “o Castro”, pelo que fiquei sem saber o primeiro nome desse meu tio). O seu caráter um pouco cerimonioso ungia-a de uma imagem de distinção. Era uma figura de modos requintados e voz pausada, levantava o dedo mindinho quando erguia a chávena de chá e dava ares de ter uma educação formal muito elaborada. Lia as Seleções (do Reader’s Digest) e romances, de óculos na ponta do nariz. Um dia, contou-me que, quando se deslocava de comboio ao médico, a Vila Pouca de Aguiar, o chefe da estação fazia sempre questão de ir buscar um pequeno banco para a ajudar a subir à carruagem.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Das outras duas tias, a que sempre me foi mais próxima, sendo-o também da minha mãe, era a tia Tininha. Desde muito pequeno, era com ela que eu tinha as brincadeiras, é da sua constante companhia que rezam as minhas memórias mais antigas. Uma ida com ela ao Teatro-Circo, em Vila Real, para uma longa-metragem infantil, antecedida pelo filme da coroação de Isabel II, comigo com cinco anos, é um desses momentos impressivos. Era uma mulher de uma suavidade extrema, incapaz de dizer uma palavra mais alta, com um sorriso bondoso que rimava com a sua maneira de ser. O meu pai, que tinha pelas minhas tias uma dedicação e uma amizade que iam muito para além do seu vínculo por afinidade, dizia que ela “viveu para ser útil e agradável aos outros”. E assim era. Adorava a minha mãe e todos os meus tios, como se fossem os filhos que não teve. Nunca entendi por que nunca casou. Nunca percebi também se era apenas uma brincadeira o rumor de que um galante e aventureiro irmão do meu avô, o tio Filipe, lhe tinha, em tempos, andado a “arrastar a asa”.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A outra tia era a Helena. Era uma figura com um toque muito particular, que às vezes parecia um pouco ausente, distante. Na cara trazia um sorriso que era um permanente esgar, com umas maçãs do rosto salientes e rosadas. Lembro-me bem do cheiro do seu pó de arroz, o invariável “Maderas de Oriente”, com que vivia sempre muito empoada. Quando a casa passou a ter televisão, passava horas deliciadas em frente ao aparelho, “do hino de abertura à Meditação”, como ironizava o meu pai. Cozinhava lindamente e era seu um irrevogável “pelouro”: fazer o chá. Tinha o que se chama um “feitiozinho” e, não raramente, implicava com as irmãs. Mas, valha a verdade, aquela casa era um oásis de calma e bom entendimento.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Creio que, com o seu irmão, e meu tio, Fernando, que as visitava com grande frequência, a minha mãe era talvez, em toda a família, a pessoa mais intimamente ligada às tias. Talvez por isso eu tenha herdado algo dessa sua muito forte relação. Por uma razão para a qual nunca obtive uma explicação muito concreta, a minha mãe fora, desde muito nova, criada na casa dessas senhoras, que distava pouco mais de um quilómetro da Casa do Pereiro, onde o meu avô Francisco e a minha avó Olívia, em Bornes de Aguiar, viviam com os restantes quatro filhos. Essa circunstância, contudo, não conduziu à mais leve distância entre ela, os pais e os irmãos e talvez tenha mesmo contribuído para que uma relação muito forte existisse entre os meus avós e aquelas minhas tias.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">De facto, elas eram como que um prolongamento natural dos meus avós, figuras presentes, a toda a hora e sem exceção, nas ocasiões que reuniam a família, como o demonstra a imensidão de fotografias de encontros e picnics em que todos sempre participavam.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O meu avô, que se licenciara em Direito em Coimbra no fim da Monarquia, decidiu desistir da carreira judicial que iniciara, por não querer “circular” pelo país e por desejar ficar perto da sua terra de origem, Bornes. No final dos anos 30, foi viver para Vila Real, aí ocupando o cargo de Conservador do Registo Predial. Sempre que podia, “fugia” para a casa de Bornes, tomando o comboio da linha do Corgo para as Pedras Salgadas, em viagens em que me recordo de algumas vezes o ter acompanhado.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Desde sempre, criou-se o hábito de essas irmãs da minha avó passarem a ficar, por largos períodos, em Vila Real, naquilo que, nas casas onde por lá vivi, sempre se chamou “o quarto das tias”.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Iam para o Natal, em meados de dezembro, e só regressavam às Pedras com fevereiro à vista, depois do meu aniversário. Antes da Páscoa, voltavam a tomar o comboio até Vila Real e aí ficavam por cerca de um mês. Depois, insistiam em regressar às Pedras Salgadas, para o período termal.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Todas essas tias tinham uma adoração pelo meu avô, seu cunhado, que as tratava, coletivamente, pelo nome carinhoso de “as pequenas”, talvez justificado por alguma diferença de idade que entre eles existia. O meu avô Francisco, que tinha grande sentido de humor, era um patriarca que adorava ter a família à sua volta. E as “pequenas” eram parte desse cenário, com todas elas a tratarem-no, invariavelmente, por “Chiquinho”.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Uma noite, nos anos 50, depois de jantar, em Vila Real, saído para o café Excelsior com o meu pai, como costumava fazer em muitas ocasiões, o meu avô decidiu improvisar uma falsa chamada telefónica para uma das tias, que, com a minha mãe e a minha avó, tinham ficado em casa. Fingindo a voz de um genro que se tinha deslocado ao Brasil – e que era então presidente do município de Vila Real, casado com a única irmã da minha mãe, Benedita (a tia Zinha) -, criou uma falsa chamada internacional, coisa muito rara à época, pedindo para falar com a tia Alcina, a mais velha das tias. Não se sabe como foi a conversa, só sei que, no regresso do meu avô a casa, a tia Alcina contava, deliciada, a conversa que tinha tido com o Humberto, esse genro do meu avô, tendo o que então disse ficado na memória divertida de todos nós: “Ó Chiquinho! Ouvia-se tão bem! Até parecia que era daqui!” A revelação do logro deixou a tia Alcina encavacada e a sala num riso que se prolongou nos dias seguintes, nesse tempo em que as coisas simples podiam ser interessantes.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O prazer do meu avô de brincar com a tia Alcina, talvez por ser a mais sénior das três, assumiu o ponto supremo quanto um dia esta recebeu, durante uma estada em Vila Real, uma carta enviada das Pedras Salgadas, assinada pelo padre Domingos, o pároco da freguesia, convidando-a, “com outras três distintas senhoras das Pedras”, a integrar a procissão anual, carregando ao ombro um inédito “andor feminino”, já não sei com que santa ou santo.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Eu fora, dias antes, com o meu avô à tipografia do senhor Agostinho, na esquina da rua das Pedrinhas, quase em frente à casa onde então vivíamos, para a impressão do papel timbrado “da Paróquia”. O meu avô tivera o cuidado de pedir a alguém, que entretanto se deslocava às Pedras, para enviar a carta de forma a poder ter o credibilizante carimbo dos correios local. Contava-me o meu pai que o embaraço da tia Alcina, quando abriu a carta e se confrontou com o “pedido”, foi imenso. Por um lado, não queria afrontar com uma recusa o “gesto simpático do senhor padre Domingos”, mas, por outro, a ideia bizarra de carregar um andor, tarefa até ali inédita para senhoras nas Pedras, deixava-a mais do que perplexa e dividida. O seu avô, com ar sério, apelava ao seu “sentido de responsabilidade, até para a imagem da família…”. A santa senhora só sossegou quando, passadas muitas horas, lhe foi revelada a patranha.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">É ainda a tia Alcina quem me oferece o título que dei a este texto. O único filho do meu avô que vivia fora de Vila Real, o tio Luís, tinha por hábito telefonar todas as noites, de Lisboa, ao pai. No final desses telefonemas, as tias, sentadas ali ao lado, queriam enviar ao “nosso Luizinho” o seu carinho e, representando as irmãs, a tia Alcina deixava sempre, alto, para que o meu avô se não esquecesse: “Saudades nossas!” </span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;"> ***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Até aos 13 anos, vivi, com os meus pais, em casa dos meus avós. A vinda das tias era, para mim, um momento de satisfação e, como criança única a vaguear e a crescer pela casa, neto único por muitos anos, imagino-me privilegiado pelo ambiente afetivo que se criava à minha volta. As tias adoravam-me e eu retribuía-lhes. Um dia em que estava previsto o regresso delas às Pedras Salgadas, depois de um desses períodos em Vila Real, rezam as crónicas familiares que as deixei fechadas no quarto que ocupavam e saí com a chave para a rua. Terão perdido o comboio e imagino a imensa confusão que se deve ter criado. Eu teria quatro ou cinco anos, mas essa nota de carinho exagerado pelas tias ficou para sempre inscrita nas histórias da família.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Os meus avós morreram, entretanto, com escassa diferença de tempo. As tias continuaram a ir passar os Natais connosco, na casa dos meus pais, em Vila Real. E a minha forte relação afetiva com elas mantinha-se. Talvez porque então vivia mais longe, um qualquer regresso a Trás-os-Montes, mesmo que por escassos dias, levava à quase imediata questão por parte da minha mãe: “Quando vais às tias?” E eu ia, sem custo, a gosto, pelo prazer de estar uma boa hora de conversa com aquelas senhoras, numa intimidade única, serena e carinhosa. Ela mostravam-me então, orgulhosas, a coleção dos postais que eu lhes enviara de todos os locais por onde viajava pelo mundo. Até muito tarde, até elas começarem a desaparecer, mantive o hábito dessa correspondência que, no fundo, sinalizava a sua permanente lembrança em mim.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Quando casei, as tias adotaram a minha mulher, que passou a devotar-lhe uma dedicação em tudo similar à minha. Na modéstia de meios que era a sua, ofereceram-nos, como prenda de casamento, uma pequena cafeteira que só fazia dois cafés, acompanhada de duas chávenas e de um comovente pedido de desculpas por não poderem ser mais generosas.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Um dia, levei-lhes, para uma tarde de convívio que ficou memorável, uma simpática tia da minha mulher que tinha uma idade próxima da delas: E por ali ficámos, a ouvir desfiar conversas e memórias, de mundos próximos embora distantes. As tias eram de uma gentileza e de uma atenção sem par para os outros e recebiam todos os nossos amigos com imensa generosidade, como se da sua própria família se tratasse.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Volto, por uma última vez, à porta da “casa das tias”, nas Pedras. Eram a tia Tininha ou a Tia Helena quem nos abria a porta. Nunca essa tarefa foi, que me recorde, da tia Alcina, que usufruía do seu estatuto etário.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Não se ficava na sala envidraçada de entrada, uma espécie de antecâmara que dava acesso à sala de estar. Esse era o lugar para receber alguém menos íntimo, pessoas da aldeia, a quem, pela certa, acabava por ser oferecido um cálice de “vinho fino”.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Por lá, havia uma estante que recordo ter Almanaques Bertrand, romances já sem capa e, sempre, exemplares antigos da Modas & Bordados, leitura regular lá de casa, a par da Flama e das Seleções. Numa das paredes, havia uma gravura, representando a sequência majestosa das palmeiras do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, talvez oferta de algum dos membros da família que tiveram o Brasil como destino de vida.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A sala adjacente, a “saleta”, era, na realidade, o centro da vida da casa. Tinha a inevitável mesa com braseira, por muitos anos a brasas e que, numa tarde de salto tecnológico, vi passar a elétrica. Havia um móvel com um imenso espelho, cobrindo grande parte da parede, o que dava profundidade à divisão. Além de um relógio de cuco e da fotografia do já referido Castro, por lá estava um retrato dos meus bisavôs, pais das tias e da minha avó.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Entrados para essa sala, sentados à volta da braseira, trocadas as primeiras histórias, um momento inevitável seguia-se, como ao dia se segue a noite: a vinda do chá. Discretamente, a tia Helena, minutos depois da nossa chegada, deslizava do banco almofadado junto à janela e encaminhava-se para a cozinha, para preparar a “chazada”, como eu jocosamente qualificava o momento. Quantas vezes, mal entrado na sala, as arreliava com um “hoje não quero chazada!”, pretextando com um almoço tardio ou algo que pudesse impedir essa rotina. Qual quê! O servir um chá era sagrado naquela casa, que vinha sempre com pão, marmelada (as tias faziam ótima marmelada!) e queijo flamengo. E eu, que afivelara por rabugice a inicial recusa da “chazada”, quase sempre acabava por me alambazar com um lanche completo.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A casa das tias era grande. Tinha um longo corredor, com quatro quartos, que partia da cozinha e desembocava na sala de jantar. A cozinha era um espaço com um cheiro inesquecível, confortável, um misto de mercearias e legumes. O chão do corredor rangia, no caminho para a sala de jantar. Aí, onde as refeições eram servidas num belo serviço que tinha vindo do Colonial, havia um relógio “de violão”, entre duas varandas.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Para a sala de jantar, davam ainda mais dois quartos. Um deles era aquele em que eu tentava, debalde, dormir nas manhãs barulhentas de férias, o outro era conhecido como o “quarto do Óscar”. Era ocupado pela tia Maria e pelo seu marido, o tio Óscar, o tal militar que desencaminhara essa irmã mais nova, quando vinham do Porto para a vilegiatura anual. Nesse período, “o Óscar”, como era referido pelas cunhadas, ocupava o papel do homem da casa.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Sou suspeito ao falar do tio Óscar. Criei com ele, desde a minha infância até à sua morte, uma relação magnífica e dele recebia um tratamento ímpar. Com ele e com a tia Maria, passei férias na casa em que viviam no Porto, à Ramada Alta. Da sua janela, via passar o comboio para a Póvoa e, ao longe, vislumbrava o monumento da Boavista. O tio Óscar levava-me a passear de elétrico até à Foz, mostrava-me com cuidado a Baixa, sentava-me, junto aos seus camaradas “na reserva”, no Rialto, aos domingos eu acompanhava o casal aos almoços na messe da Batalha. O meu gosto pelo Porto começou aí.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O tio Óscar tinha, recordo, a coleção completa encadernada da revista oficiosa do Porto, O Tripeiro, lia O Primeiro de Janeiro e assinava a Vida Mundial, quando aquela publicação era, apenas, uma folha impressa sem imagens, com tradução de artigos publicados na imprensa estrangeira. Interessava-se por temas internacionais e despertou a minha curiosidade por questões militares – ele que fora oficial em África, durante o primeiro conflito mundial. Era um homem com uma cultura de factos e eventos, a depreciativamente chamada cultura “de almanaque”, dado às vezes a conclusões simples sobre temas complexos. Conservador e julgo que salazarista, recordo-me de ter assistido à emergência de algumas contradições suaves, em conversas com o meu pai, que nunca escondia as suas convicções democráticas.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O tio Óscar, na imagem que dele guardo, era uma figura baixa, com proeminente barriga. Todos os anos, fazia uma varinha tirada de uma cana que cortava no parque das Pedras e ela acompanhava-o durante todo o resto das férias. Dava um passeio “higiénico” após cada refeição, pela avenida e pelo parque, em passo próximo do militar, com a minha tia ao lado e o chapéu na cabeça. Pela tarde, não dispensava uma sesta sob a pérgula do terraço da casa das tias. Eu invejava-lhe a disciplina de rotina que se autoimpunha e pensava que um dia, quando “fosse grande”, conseguiria essa capacidade de regrar a vida. Enganei-me redondamente: nunca consegui e, valha a verdade, nunca tentei. O tio Óscar era um homem bom, de gostos simples e de uma grande bonomia.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Conheci o tio João, irmão das tias, muito menos do que desejaria. Porquê? Porque era uma personalidade muito simpática, suave, um homem pesado, com uma maneira pausada de falar, muito marcada pelo inconfundível sotaque de Chaves, onde era secretário da Câmara municipal e onde vivia há muito. Tinha um grande carinho por mim e dava-me uma atenção especial, num mundo de adultos onde, muitas vezes, eu era a única criança.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Vinha, em algumas épocas, em especial nas vindimas, passar semanas para uma bela casa que tinha à entrada de Bornes. Ia visitá-lo com os meus pais, e tenho na memória os refrescos oferecidos pela sua mulher, a tia Tininha (não confundir com a homónima irmã da minha avó, de quem tenho falado), uma mulher culturalmente interessante e com uma forte personalidade, que parecia (mas só parecia) contrastar com o carater mais sereno do marido.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">O tio João era um caçador emérito e recordo, muito miúdo, a imagem de o ver embarcar numa camioneta, com outros parceiros, para uma jornada cinegética. Dizem-me que era um bom garfo, qualidade sempre estimável que, com o tempo, me faz apreciá-lo ainda mais.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Há uma história deliciosa, passada numa tarde, no terraço das tias. O tio João devia regressar a Chaves, ainda nesse dia. A certa altura, as “cancelas” fecharam-se e o comboio, vindo da Régua e de Vila Real, entrou, fumegante, na estação, com os apitos da praxe. Velho habitué daquele meio de transporte, o tio João, fiando-se na sua intuição do tempo, prolongou a conversa por um período para além do prudente. A certo passo, ofegante, entrou pelo portão um funcionário da CP: “Senhor Joãozinho, o senhor chefe da estação diz que o comboio está pronto para partir e pediu para o senhor se apressar.” O tio João (o “Joãozinho” é o diminutivo que, nas aldeias transmontanas, se dá a quem é querido por lá) lá se despediu e, nos seus vagares, desceu para a estação. Era assim a vida, por esses tempos.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Nos últimos anos da vida das tias, a sua existência pelas Pedras Salgadas manteve-se muito simples. Como destino termal, as Pedras eram cada vez menos procuradas. Os hóspedes feitos amigos, que tinham chegado a dar alguma animação à casa, deixaram de aparecer. Com a morte sucessiva do meu avô e da minha avó, bem como do seu irmão João, em Chaves, elas passaram a ter como laço familiar, essencial e constante, a nossa família de Vila Real.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A minha mãe e o seu irmão, o meu tio Fernando, eram, como disse, as âncoras mais regulares dessa existência, mas valha a verdade que toda a família, de Chaves a Lisboa, visitava-as com a frequência que a respetiva vida permitia.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">A tia Maria, uns anos depois de enviuvar, saiu do Porto e juntou-se às restantes três irmãs. O agora “quarteto” desenhou, por alguns anos, a nova paisagem humana da casa (“Do alto desta braseira, bem mais de três séculos nos contemplam", napoleanizava o meu pai). As “senhoras”, como eram chamadas na aldeia, tinham frequentes visitas de figuras femininas das suas relações, muitas delas mais novas, o que induzia alguma animação às suas tardes – e aos seus chás (que eu passei a trazer-lhes da Twinings).</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Um dia, chegou o 25 de abril. A Revolução não era, com certeza, algo que as sossegasse, tanto mais que, na nossa família, acarretara algumas consequências pessoais menos agradáveis e, em outros casos, suscitara temores exagerados, que eu me divertia sempre em tentar amenizar.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Um dia de 1975, antes das eleições para a Assembleia Constituinte, numa "saltada" de Lisboa a Vila Real, fiz a minha visita habitual às tias, nas Pedras. Que me recorde, a política nunca havia sido tema de conversa entre nós. Mais por curiosidade do que por outra coisa, perguntei-lhes se já tinham decidido em que partido ou partidos tencionavam votar, nas eleições que estavam à porta, de que tanto então se falava.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Com exceção da tia Maria, a mais nova, regressada pouco antes do Porto, que talvez votasse no PS, eu estava em absoluto convicto de que o CDS ou o então PPD seriam o destino normal dos votos das outras minhas tias. Talvez tivessem mesmo sido já "apalavradas" pelo prior da freguesia, o excelente e simpático padre Domingos, o homem que me batizara, que fizera casamentos e todos os funerais da nossa família. Embora ele fosse liberal noutros domínios, suspeitava que seguia a onda do clero nortenho que, à época, "diabolizava" fortemente a esquerda.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">As tias mostraram-se muito hesitantes, julgo que chegaram a perguntar-me a minha opinião (eu ia votar no MES, mas não tinha coragem de as tentar convencer...), embora sem necessariamente prometerem seguir o que eu lhes dissesse, claro. Até que uma delas contou: “Esteve cá, há dias a dona Albertina - que tu conheces! - e falou-nos das eleições, dos comunistas e coisas assim. Deu-nos um conselho...”</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Fiquei imensamente curioso sobre qual teria sido o "conselho" da dona Albertina, uma senhora bastante mais nova, que tinha vivido até há pouco em Lisboa, que devia andar a fazer proselitismo conservador, pela certa. A minha curiosidade foi logo saciada: “Ela disse-nos que não se deve votar nos partidos que tenham ferramenta no emblema...”</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Dei uma imensa gargalhada, lembrei-me da imensidão de foices e martelos que adornavam as imagens dos partidos, bem como de enxadas e rodas dentadas que ilustravam outras formações. O conservadorismo da dona Albertina, afinal, era muito moderado. Aliás, a senhora informara-as de que ia votar no "partido da mãozinha", do Mário Soares, que "parecia boa pessoa e que não gostava dos comunistas". Nunca soube ao certo em quem votaram as minhas queridas tias. Essa era, aliás, a minha última preocupação.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;"> </span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">***</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Os anos foram passando. As quatro tias, uma a uma, foram desaparecendo. Eu vivia então longe, no estrangeiro e da morte de cada uma ia tendo notícia pelos meus pais, sempre tardia, porque o dar com tempo as novidades desagradáveis faz parte dos hábitos da nossa família. Quando, numa visita às Pedras, voltava a bater no vidro daquela porta, sabia que faltaria mais alguém, pelo que os sorrisos que nos recebiam passaram a ser cada vez mais tristes. Eu fazia boa cara, dizia umas patetices, para animar os espíritos, entregava a lembrança que trazia, falava por algum tempo, bebia o chá da praxe, mas, em cada minuto que passava, ia-me invadindo uma insuperável nostalgia. Eram, são as saudades nossas.</span><br style="color: #222222; text-align: start;" /><br style="color: #222222; text-align: start;" /><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: start;">Vila Real, Natal de 2016</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: inherit;"> </span></span><span style="font-family: inherit;"> </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: inherit;">Dedico estas recordações, muito pessoais, aos meus primos, a todos eles. Os
mais velhos terão, das tias, as suas memórias próprias, que cruzarão com as
minhas. Aos mais novos, hoje ou no futuro, o que ficou escrito pode ajudar a entender
que todos somos felizes herdeiros de um mundo ímpar de afetividade, criado por
umas senhoras que viveram para os outros e que, talvez sem o saberem, ajudaram muito
àquilo que somos como família. </span><span style="font-family: "modern no" , serif; font-size: 16pt;"><o:p></o:p></span></span></i></div>
Unknownnoreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-58655559842439686052017-01-26T15:53:00.001+01:002017-01-26T15:54:46.536+01:00Que futuro, nesta Europa<div style="text-align: justify;">
Lamento não poder corresponder à promessa que fiz ao Miguel Almeida Fernandes de hoje estar aqui convosco, a trocar algumas ideias sobre a Europa. Pode ter sido algum vento europeu que me trouxe a gripe que agora provoca a minha ausência. Ou são talvez só os maus ventos que sopram de Almaraz...<br />
<br /></div>
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Em 2007, há precisamente dez anos, fui convidado a ir do Brasil a Harvard para falar sobre um tema que, na altura, era candente – e que hoje está posto nas calendas da plausibilidade: a entrada da Turquia para a União Europeia. Numa conversa coletiva durante o almoço que antecedeu a conferência, um professor canadiano perguntou-me, com uma desarmante candura, se Portugal se tinha já preparado para a iminência de ter de sair do euro. </div>
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<br /></div>
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Segundo ele, o facto de os mais poderosos membros da moeda única estarem, já então, a incumprir com os princípios a que se tinham comprometido deixava bem claro que, para os mais fracos (como manifestamente era o caso de Portugal), a situação seria insustentável, ao menor abalo a que o sistema viesse a ser sujeito. A minha resposta foi ingénua na sua sinceridade: disse-lhe que, na nossa avaliação, os custos que significaria um eventual abandono da moeda única seriam sempre superiores a tudo quanto tivessemos que fazer para nos manter dentro do clube. Não sei se convenci quem então me ouviu, muito menos o meu interlocutor. Mas, é verdade, essa era – e ainda hoje continua a ser, a manterem-se certos pressupostos – a minha leitura.</div>
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Estávamos em 2007. A crise financeira internacional ainda se não vislumbrava no horizonte, se bem que muitos – aqueles que costumam ter a pouco credível razão antes do tempo – já apontassem então para as bolhas imobiliárias e para as correlativas disfunções financeiras que minavam o sistema. </div>
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Portugal vivia, então, nessa linha estatística plana de um mediocre crescimento, que apontava para a persistência de uma endémica falta de competitividade e da falta de soluções para a colmatar. A dívida, então mais a privada do que a pública, ia aumentando a olhos vistos, mas a ideia de que o para-raios do euro nos protegeria parecia preponderar em quem ia tendo responsabilidades políticas.<br />
<br /></div>
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Há algo que muitos tendem a esquecer. Estava criada, à época, a sensação de que a Europa, em última rácio, viria sempre a encontrar uma solução para os seus problemas menores. Desde logo, porque os consideraria seus, isto é, europeus, sujeitos a uma resposta coletiva. Por outro lado, porque uma economia como a portuguesa seria sempre um problema menor, quiçá até barato, que, em caso de desregulação seria absorvido, com facilidade, pela zona euro. </div>
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Medimos mal o peso da realidade, avaliámos erroneamente o sentido da solidariedade europeia e, depois, foi o que se viu. A Europa económico-financeira, sujeita à pressão da crise, claudicou politicamente. E nunca mais se reencontrou. </div>
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<br /></div>
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Essa parte importante da Europa, para quem o euro fora uma solução em tempos do otimismo, deixou de se considerar responsável, de forma solidária, quando as coisas passaram passaram a correr menos bem. O sucesso era europeu, os fracassos eram individuais – e as responsabilidades também.</div>
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Se refletirmos um instante, verificaremos que, mais do que as instituições europeias, o que se fragilizou foi a vontade política para a tomada de decisões com real impacto comum. De facto, enquanto uma instituição como o Banco Central Europeu se mostrou a partir daí resiliente, e capaz de se afirmar com relativa eficácia, as lideranças europeias, ao cederem à tentação de autonomizaram as dívidas soberanas, depois do acordo Merkel-Sarkozy em Deauville, confirmaram que, a partir daí, seria o “sauve qui peut” – o salve-se quem puder. Alguns economistas na sala estarão, por esta altura, a pensar, intimamente, que, se acaso tivesse sido outra a decisão política então tomada, o BCE acabaria por ter uma tarefa impossível. E, provavelmente, têm alguma razão. Isto só prova que, nos dias europeus que atravessamos, a moeda, mesmo a única, tem sempre duas faces…<br />
<br /></div>
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Mas é sobre a crise política europeia que lhes quero falar. Sei que pode ser impopular dizer isto num país como o nosso, mas há uma realidade, bem comezinha, com que todos temos hoje que viver. Cada país europeu tem uma agenda de interesses e de preocupações diferente das dos restantes, às vezes mesmo contraditória entre si. A ideia comum europeia, esse cimento ideológico de liberdade, progresso e potencial desenvolvimento coletivo funcionou, por muito tempo, como saudável fator agregador. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E vamos ser claros: funcionou enquanto a Alemanha, por razões históricas que me abstenho de trazer à colação, se dispôs a pagar o essencial do cheque, que dava aos deserdados da sorte no continente a ideia de que um dia iriam poder vir a colar-se ao “pelotão da frente” dos ganhadores do Mercado Único europeu. Essa Europa acabou. Esse sonho também. </div>
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<br /></div>
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A Europa dual está aí para ficar e é à volta dessa sua dualidade, da forma de a gerir, com o mínimo possível de tensões, que os entendimentos futuros terão de ser feitos. Os alargamentos – e não só os últimos – introduziram uma mudança qualitativa profunda nos valores comuns que todos dávamos por adquiridos, naquele “politicamente correto” que nos habituáramos a ver como o “template” do discurso comunitário. As várias Europas que aí andam mudaram de prioridades, passaram a colocar os interesses nacionais muito acima de qualquer registo solidário de sentido europeu. No plano imediato, passaram a vir ao de cima preconceitos que todos sabíamos estarem subjacentes no pensamento prevalecente em muitas opiniões públicas: países do Sul, laxistas, gastadores, etc. E as consequências fizeram-se logo sentir, por exemplo, nas dificuldades sentidas para montar o consórcio de ajuda na concessão do pedido de resgate de Portugal. Basta lembrar a atitude do partido dos “Novos Finlandeses” para regressarmos com facilidade a esse tempo. </div>
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(E, já agora, conviria lembrar que, nos tempos que correm, seria ainda mais difícil reconstituir uma ajuda dessa dimensão, no caso de ser necessário um segundo resgate.)</div>
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Mas voltemos ao que interessa, que é o plano politico. É fácil condenar o que pode ser visto como egoísmo por parte de alguns Estados membros, em especial daqueles que nunca tinham estado na anterior Europa comunitária. </div>
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<br /></div>
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Mas, repito, temos de ser realistas. É um facto que a generalidade dos dirigentes desses mesmos países nunca enveredaram por uma pedagogia interna das vantagens gerais retiradas da integração europeia. É óbvio que a maioria deles seguiu o caminho fácil de considerar Bruxelas e o que ela representa como o “bode espiatório” de tudo quanto possa correr mal nos seus Estados. Mas a verdade é que estamos a falar de democracias e as democracias respondem perante os seus eleitores e repercutem os seus sentimentos. Estamos a falar de Estados em que as lideranças, muitas vezes frágeis e em forma de coligação, representam opinões públicas que não estão “nem aí” para essa coisa de auxiliar os outros, muitas vezes sob constantes campanhas mediáticas de denegrimento sistemático desses mesmos outros. </div>
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Acresce o evidente: o receituário para o combate aos défices excessivos passou a ser praticamente único na maioria dos governos da zona euro, os quais, seguramente, olham com ironia o facto das medidas antiausteritárias serem contestadas precisamente, e quase em exclusivo, por quem é forçado a implementá-las. Daí que o espaço para a consensualização de mecanismos de diferente natureza, como a mutualização da dívida, seja hoje praticamente nulo, com uma maioria a olhar como uma espécie de devida punição os rigores inflingidos pelas medidas de contenção dos défices. Devo dizer que, no auge da crise grega, cheguei a pressentir algum sadismo em certas declarações de dirigentes da Europa rica e, em especial, em alguma imprensa menos preocupada com a brutalidade com que diz as coisas. </div>
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Mas esta é, meus amigos, a Europa que temos. Respeito muito as reuniões, como a que há dois dias teve lugar em Lisboa, em que dirigentes da Europa do Sul procuram conjugar posições para tentar mudar o sentido do discurso europeu. Tudo deve ser tentado, mas a História prova que raramente a soma das fraquezas conduziu a uma grande força. Porque a chave do problema, que o mesmo é dizer, a chave do cofre, está a Norte e, por aí, as coisas não parecem tender a mudar.</div>
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Essa Europa rica não parece disposta, apesar das lições negativas retiradas das políticas de austeridade, a enveredar por fórmulas de mutualização de risco. O que é menos compreensível, porque isso já toca um elemento relativamente mais gerível, é que não se gerem consensos mínimos no sentido de políticas de discriminação positiva, seja nos acessos aos programas de financiamento público, seja no aliviar dos juros da dívida – em especial dos países que se constate terem feito um percurso de redução nominal do seu défice. Mas a grande barreira, que parece inultrapassável, é a questão da dívida, sem cuja reestruturação – ou renegociação, como o eufemismo recomenda – nada se conseguirá, com qualquer efeito significativo.</div>
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<br /></div>
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Estamos então num impasse? Estamos numa navegação à vista. E os ventos não parecem favoráveis. Senão vejamos.</div>
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Está ainda por medir o efeito da onda Trump na economia americana e, por reflexo, na economia europeia. E se pensarmos que agora podemos esperar sentados pelos efeitos positivos que a Parceria Transatlântica a todos nos traria, não é líquido que certo tipo de estímulos à economia, que a nova administração em Washington possa vir a desenvolver, não acabe por ter impactos entre nós, o menor do quais não seria a subida das taxas de juros – o que, para um país como Portugal, acarretaria uma asfixia, a prazo.</div>
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Numa segunda linha de preocupações, situa-se o Brexit. Embora fique a sensação, entre fantarronices ouvidas de ambos os lados da Mancha, de que muito pouca gente tem ainda real consciência do que poderá vir ocorrer, a verdade é que, em qualquer circunstância, o impacto na confiança em que assenta o principal tecido económico que é para nós relevante vai ser muito forte. Devo dizer, mesmo não sendo economista, que me preocupa mais o período negocial, com todas as suas indecisões e “recados” para os mercados, do que a situação pós-divórcio. Mas, quanto a este, também convém sermos realistas: uma economia europeia amputada de um dos seus principais elementos, um orçamento que já não disporá de um dos seus principais contribuintes líquidos, é um cenário muito pouco prometedor. E, volto a repetir, isto é particularmente relevante para Portugal, que será sempre um elo fraco da cadeia europeia.</div>
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<br /></div>
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A este cenário de indecisões soma-se a situação francesa. Alguém dizia, há dias, que uma vitória presidencial de Marine Le Pen significaria o fim da União Europeia, pelo menos como hoje a conhecemos. Concordo com essa perspetiva. Goste-se ou não, o eixo politico franco-alemão é um elemento essencial no equilíbrio do projeto integrador. Ter no Eliseu uma interlocutora anti-euro, que em nenhum cenário minimamente realista, conhecendo o sistema politico francês, lhe poderia assegurar uma maioria parlamentar, transformaria a França num catavento à deriva, numa coabitação desastrosa. Dificilmente a Europa sobreveria a este panorama e, com toda a certeza, parte dela procuraria gizar um outro modelo de cooperação integrada. </div>
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<br /></div>
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Mas há alguma hipótese de vitória Le Pen? Até ontem, parecia que não, tudo indicava que o candidato da direita normal tinha praticamente assegurada a vitória à segunda volta, em especial depois da esquerda aparentar escolher o mais inelegível dos seus possíveis candidatos. Mas algumas trapalhadas, nas últimas horas, em torno da família Fillon podem vir a mudar este cenário.</div>
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<br /></div>
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Restam a Itália, a Holanda e, finalmente, e como sempre, a Alemanha. Falando apenas desta última, de quem o essencial depende, eu diria que estamos condenados a desejar que tudo continue na mesma no poder em Berlim, que a aliança da Grande Coligação se renove, muito embora haja sinais de que nunca será tão forte como tem sido até agora. A estabilidade no país central da União Europeia é um elemento chave para o futuro coletivo e, nesse futuro, para aquela parte dele que também nos toca. O ponto decisivo, nesta corda bamba em que vivemos, é garantir que a verdadeira aliança que à Europa importa, a aliança entre Berlim e Frankfurt, se não desequilibra em desfavor das políticas que favorecem o statu quo que nos tem vindo a proteger. </div>
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<br /></div>
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Será essa a solução para os nossos problemas? Para um país com uma dívida monstruosa, cujo serviço limita fortemente o exercício de políticas públicas amigas do crescimento, com uma economia exportadora que poderá estar a atingir os limites plausíveis de expansão, com uma economia de serviços baseada num surto turístico que não está a salvo de um qualquer sobressalto securitário, num tempo de crise geral de confiança económica que retrai naturalmente o investimento, o panorama não é brilhante. </div>
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<br /></div>
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Mas como nós cá estamos, como isto não fecha para obras, tentemos pelo menos fazer o trabalho de casa tão bem feito quanto nos for possível. Tentemos ganhar credibiidade externa ao cumprir aquilo com que nos comprometemos. E, o que não é menos importante, tentemos manter, na nossa cultura política, uma luta tenaz contra o “quanto pior melhor”, que parece apostado em que tudo corra o pior possível, que afeta a generalidade da imprensa económica e estimula o “tremendismo” de certa classe política. Apenas lembraria que, como tivemos mostras muito recentes, quando as coisas correm mal, correm mal quase sempre para todos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No que me toca, longe de ser hoje tão definitivo como fui face ao meu interlocutor canadiano de 2007, de que lhes falei no início, de que estava em absoluto fora do cenário sairmos do euro, não deixo de pensar que passou entretanto uma década, e que o país resistiu. E o euro também.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não estamos mais fortes, não temos defesas mais seguras face aos imponderáveis do futuro, mas creio que é tempo de, com alguma regularidade, nos perguntarmos que não será por acaso cá continuamos, um dos mais antigos países do mundo, com quase nove séculos com fronteiras definidas, que atravessou crises existenciais bem piores. Eu, pelo menos, quando coloco esta questão a mim mesmo sinto bastante confiança.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Muito obrigado pela vossa atenção. </div>
<br />Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-67173755258487160952017-01-23T00:59:00.002+01:002017-01-23T00:59:54.575+01:00Não é por acaso...<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Concedo que pode ser um pouco bizarra a circunstância do apresentador de um livro não estar presente na sessão do seu lançamento.</span></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Mas hoje é um dia já de si bem bizarro: por esta hora, estão a acontecer coisas que muitos de nós nunca imaginámos que pudessem vir a acontecer. A falta – embora devidamente justificada – do apresentador de um livro será, pela certa, a última razão pela qual, de futuro, se falará deste dia 20 de Janeiro de 2017.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Frederico Duarte Carvalho, um jornalista que eu não conhecia pessoalmente, formulou-me, há várias semanas, o convite para poder apresentar um livro que escrevera. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Ao referir que o tema era Bilderberg, ele recordar-se-á que fiz, de imediato, uma declaração de interesses: sou muito pouco dado a teorias conspirativas, tenho uma leitura muito própria e arraigada sobre a real importância desse tipo de cenáculos, pelo que admitia que a minha apresentação pudesse não servir os propósitos do seu convite.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Mas o autor, simpaticamente, insistou e sublinhou que ele tinha especialmente a ver com a circunstância de ter descortinado, nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, algumas peças documentais sobre o modo como a ditadura portuguesa se relacionara com Bilderberg. E aí, confesso, a minha curiosidade prevaleceu.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> E li o livro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Quem conhece a escrita de Frederico Duarte Carvalho - e eu conhecia-o já dos jornais e de um seu livro anterior –, a sua agilidade estilística, o seu jeito de reporter, sabe que está perante alguém com uma linguagem viva, apelativa, com forte riqueza de imagens. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Temos perante nós um livro em português de lei, com ritmo e boa organização das ideias que promove. O autor vai desfiando a sua tese, procurando, a cada tempo, encontrar uma lógica que dê coerência àquilo que pretende demonstrar. Por isso, porque este é um livro bem escrito – e farto-me de ler livros mal escritos - fiz a leitura deste “Governo Bilderberg” quase de uma vez só, com o prazer de leitor militante que sou. Mas não saí dele com o meu ceticismo infirmado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Para Frederico Duarte Carvalho, Bilderberg representa uma espécie de clube de interesses, à escala global, que procura garantir, por discreta cooptação, que aqueles que revelaram a adesão a um conjunto básico de princípios, podem ser ajudados a assumir funções e, eventualmente, a atuarem em consonância com os objetivos que o grupo se propõe defender. A triagem desses eleitos é feita, em cada país, por alguém em quem o grupo delega a responsabilidade da seleção, na certeza que tem de que os seus critérios essenciais são sempre preservados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Neste cenário, desenhado pelo autor, Francisco Pinto Balsemão representa o papel de « pivot » português de Bilderberg e, nessa função, ao longo dos anos, foi convidando a estarem presentes nas reuniões anuais figuras que tinham já algum passado que parecia indiciar um futuro promissor.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Como disse, quase cinco décadas a observar o mundo e as suas instituições levaram-me a alimentar algum ceticismo sobre a capacidade de certos interesses conseguirem mobilizar, como se de uma religião se tratasse, prosélitos que, no nosso caso, vão da ala esquerda dos socialistas a conservadores radicais. Bilderberg, como a Trilateral e outras estruturas desta natureza (porque há algumas outras), o que é que são, na minha visão pessoal?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> São foruns onde vigora uma espécie de «template» comum : defesa acérrima da economia de mercado, recusa de receitas económicas estatizantes, sob o cultivo de um pensamento semore muito liberal - na leitura europeia de liberal, não na americana, claro. Durante a Guerra Fria, a profunda rejeição do comunismo e de tudo quanto o pudesse favorecer levou, muitas vezes, à transigência cínica com alguns autoritarismos conservadores. Bilderberg para mim foi e é isso – e não muito mais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Nas suas reuniões, são ouvidas opiniões informadas, gente intelectualmente quase sempre muito bem preparada, às vezes algumas vozes fora do «mainstream» do clube. Isso permite uma oportunidade única de ter uma imersão total, em escassas horas, num manancial de ideias que, nem por serem direcionadas, deixam de ter grande interesse.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> E há um outro aspeto em que Bilderberg tem importância: no «networking», nas redes de contactos e conhecimentos que se estabelecem e promovem nesses encontros. Um bom contacto leva a uma outra conversa futura, às vezes a um negócio, seguramente a uma atualização da agenda telefónica ou de emails.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Aquilo em que divirjo de Frederico Duarte de Carvalho é na sua leitura de que Bilderberg promove pessoas para chegarem a certos postos. Eu acho, bem ao contrário, que essas pessoas são escolhidas para irem a Bilderberg porque, na perspetiva de quem as selecionou, eram gente com futuro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> No caso português acho que Pinto Balsemão fez o óbvio : escolheu aqueles que via como «high flyers», enganou-se algumas vezes mas, no essencial, acertou. Porquê ? Porque o nosso «baralho» é pequeno e, por cá, quem tem um olho é rei...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> E vamos ao Estado Novo. É deliciosa, em especial para quem é tributário da cultura funcional dos Negócios Estrangeiros, o modo como a ditadura, com pinças, tratou o convite que lhe foi endereçado para ir às reuniões de Bilderberg : havia por ali muita desconfiança, alguma falta de mundo e um atavismo quase patético.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Salazar percebeu que aquela gente era conservadora e anti-comunista e que esse era um terreno a explorar, no espaço cada vez mais limitado de que a sua política colonial ia tendo no plano internacional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Mas a desconfiança estava, claramente, na influência americana que ele pressentia por detrás de Bilderberg. E rapidamente ficou claro para a ditadura portuguesa que uma postura anti-colonial era já a palavra de ordem dominante nos meios avançados do capitalismo internacional que Bilderberg representava. A utilidade do clube para o regime declinante revelou-se assim escassa. Mas, repito, acho deliciosa a descrição que Frederico Duarte de Carvalho faz dessa coreografia diplomática, às vezes muito primária, que rodeou as primeiras participações portuguesas em Bilderberg.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Termino com um voto de sucesso para este livro. Chamei a este texto «Não é por acaso», que é a expressão com que vulgarmente se iniciam as análises conspirativas. Mas é apenas por acaso, pela coincidência infeliz com uma cerimónia a 400 km de distância, a que não pude furtar-me, que não posso ter o gosto de ser eu a ler este texto. Mas isso permite-me, pelo menos, agradecer a quem o fez e, claro, ao autor que me fez este amável convite.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>(Apresentação o livro "O Governo Bilderberg", de Frederico Duarte de Carvalho, em 20.1.17)</i></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4239355229347768929.post-86882868796441537882017-01-09T20:50:00.000+01:002017-01-09T20:50:48.163+01:00Soares europeu<div style="text-align: left;">
<span style="text-align: justify;">Quando Jaime Gama
me deu a novidade, num dia do primeiro semestre de 1999, caí das nuvens :
Mário Soares iria ser o cabeça de lista do Partido Socialista às eleições
europeias. Estava já tudo assente entre ele e António Guterres, que passaria a
contar com um trunfo importante para o sufrágio. Três anos depois do fim da sua
década de Belém, Soares voluntariava-se para uma batalha pela Europa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">Gama pedia-me que
falasse com Soares, tentando-o preparar para os debates que iriam seguir-se, procurando
garantir que ele não se afastaria da « linha » que o governo Guterres
projetava na sua política europeia. Convidei Mário Soares para um almoço
discreto num restaurante na Madragoa. Expliquei-lhe, com jeito, qual era a
minha tarefa. Foi simpático e amigo, como sempre, mas logo concluí que me tinha
sido atribuída uma missão impossível : Soares não se deixaria enquadrar.
Propus-me preparar-lhe eu próprio um conjunto de fichas temáticas,
simplificadas, que refletissem a nossa orientação. Aceitou, de muito bom grado,
a ideia. Quando, uma semana depois, lhe enviei o que me tinha dado grande
trabalho a </span>fazer<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">,
telefonou-me de volta, gratíssimo, dizendo que aquilo passaria a ser a sua
« Bíblia ». Dois dias depois, li na imprensa extratos de uma
intervenção sua em Paris : algumas ideias contrariavam abertamente o que
vinha na minha « Bíblia »...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">Mário Soares foi
sempre um político instintivo</span> e intuitivo<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">, e, muitas vezes, os factos deram-lhe razão. Isso induzia-</span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-hansi-font-family: Calibri;">lhe uma imensa confiança que
o levava a pensar, quase sempre, pela sua</span><span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-hansi-font-family: Calibri;"> própria</span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-hansi-font-family: Calibri;"> cabeça. Na</span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"> Europa, as coisas iriam passar-se da
mesma forma. Soares tinha criado uma certa ideia da Europa, das suas linhas
tendenciais de evolução desejável, do desiderato mobilizador. Nada o irritava
mais do que a tibieza dos burocratas, o peso dos aparelhos, a falta de ousadia,
de ambição, de sentido de destino. Em muitas conversas que com ele tive,
senti-o descontente com algumas cautelas soberanistas que eu cuidava em ter. Várias
vezes me disse que, nas questões europeias se sentia muito mais próximo de
Guterres do que de Jaime Gama ou de mim. Soares olhava « grande »
para a Europa. Quando teria nascido o </span>Mário <span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">Soares europeu ?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">A Europa « do
capital »</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">A criação das
Comunidades Europeias, em 1957, apanha Mário Soares num período já posterior à
sua ligação ao Partido Comunista. O profundo desencanto em relação à
« traição » das democracias europeias, que tinham deixado, prolongar
as ditaduras ibéricas, numa Europa ocidental livre, marcava ainda muito do
sentimento dos oposicionistas portugueses, que achavam que essa cumplicidade se
mantinha por parte de alguns e era aproveitada habilmente por Salazar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">Por outro lado, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a esquerda portuguesa estava muito longe de
alimentar qualquer ideia sobre uma futura unidade europeia, vista apenas como
uma tentativa de atenuar a fratura franco-alemã, impulsionada pelos Estados
Unidos, numa jogada que não era independente da Guerra Fria em que o mundo
estava mergulhado. Nos meios políticos em que se movia, não havia o menor
discurso sobre a criação institucional da Europa, tema que, à época devia ser
lido </span>em Portugal <span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">como
relevante apenas para alguns países que haviam estado envolvidos na guerra. O
Tratado de Roma era tido pela nossa esquerda como um mero quadro de cooperação intergovernamental,
entre economias capitalistas, um tempo em que o discurso continuava a assentar
numa denúncia da Europa « do capital ». E assim seria até ao 25 de
abril</span>.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">A « Europa
connosco »</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">A Revolução de
1974 vai </span>alterar<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"> tudo. Soares
deixa de ser um dos líderes de uma oposição perseguida pela Ditadura, com uma
narrativa feroz sobre os malefícios da sociedade capitalista europeia, e passa
a ser um político com funções de Estado, cioso em tentar ganhar para Portugal
um lugar</span> diálogo com todos os parceiros. <span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">O sentido socializante da Revolução portuguesa é evidente, mas cedo Soares
começa a entender que o mundo europeu e norte-americano em que se move é o das
democracias liberais, com maior ou menor « toque » de esquerda. As
experiências do Verão Quente tê-lo-ão, com certeza, ajudado a descobrir uma
nova linguagem,</span><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">comum a muitos dos seus amigos da Internacional Socialista, que diariamente
frequentava. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">São os anos do
governo que aproximam inexoravelmente </span>Mário <span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">Soares da Europa. Mas, sejamos lúcidos ! O
que à época se pretendia era ter a « Europa Connosco » para garantir
as ajudas para o financiamento da economia portuguesa, que passava por momentos
dramáticos. A mobilização de Soares </span>junto <span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;">dos social-democratas (</span>um termo então quase
tabu para a nossa esquerda) europeus tinha esse objetivo essencial. É nesse
movimento e nessa interlocução em busca de ajudas que, a meu ver, Mário Soares
“descobre” a Europa. Se lermos os textos da época, fica claro que a aproximação
às instituições comunitárias surge como uma decorrência natural dessa ligação ”interesseira”,
muito embora apoiada na evolução natural de um pensamento socialista democrático,
aculturado à evidência de uma Europa que vivia em plena economia de mercado, a
qual, aliás, dera evidentes frutos nos “trinta gloriosos” anos de prosperidade
que se viviam na Europa.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Mário Soares, a par de Medeiros Ferreira, é o promotor
histórico do pedido de adesão às instituições europeias. Creio que ambos, com
Portugal recentemente saído de tempos de grande turbulência política, se terão
dado conta de que ancorar o nosso país aos parceiros europeus mais
desenvolvidos podia contribuir para estabilizar o nosso processo democrático,
ao mesmo tempo que nos fornecia meios materiais para potenciar o
desenvolvimento económico que a Revolução não tinha facilitado. Quando se diz que
esse desígnio foi assumido como alternativa ao processo colonial que terminara,
confesso que alimento algumas dúvidas: as coisas acabaram por seguir por aí,
mas não acredito que o pedido de adesão seja o resultado de uma maturação
estratégica dessa envergadura. A História escreve-se sempre depois.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
É graças a Mário Soares e à sua magnífica e crescente rede
de contactos que o processo de adesão evoluiu no plano externo. Dentro de
Portugal, Soares teve a sabedoria política de o colocar como um objetivo
nacional, percebendo que, ao assim proceder, tinha nas mãos um instrumento mobilizador,
com um espetro alargado de suporte, de que o PCP “fazia o favor” de se excluir.
A Europa passou a ser sinónimo de liberdade, no jargão do socialismo
democrático. E os socialistas, não obstante alguma coreografia daquilo que
viria a ser o PSD, acabaram por ficar colados, por bastante tempo, à imagem de
“o partido da Europa”. Nem os longos anos de Cavaco Silva em S. Bento foram
suficientes para desfazer por completo esta perceção.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
O federalismo</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
O entusiasmo europeísta levou muita gente, em Portugal, a
desenhar como desejável o caminho para uma Europa federal. Um dia se trabalhará
melhor a evolução do debate em torno da ideia federal europeia no nosso país,
tida como a resposta definitiva que melhor poderia evitar, por um salto centrípeto,
os riscos de periferização. A conceção é simples: sendo Portugal um país sempre
frágil à mesa do Conselho Europeu, uma verdadeira gestão coletiva de soberanias
libertar-nos-ia de riscos de marginalidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Mário Soares adotou instintivamente esta filosofia. Tendo
chegado à Europa por razões de interesse, soube dar um salto coerente em
frente, no plano dos princípios. Impulsionou entre nós o Movimento Europeu e
colocou-se no centro dos promotores de uma Europa federal, de uma Constituição
Europeia, com todas as suas decorrências. A partir de certa altura, com
especial incidência no período posterior à sua saída da Presidência, Soares
surge como o maior mentor do integracionismo radical europeu entre nós. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Quando, em 2002, pedi a Soares um prefácio para o meu livro
“Diplomacia Europeia – as instituições, o alargamento e o futuro da União”, a
que se voluntariou de imediato, notei que se viu obrigado a distanciar-se
ligeiramente nesse texto de algumas das minhas propostas e posições. Mário
Soares nunca me achou suficientemente federalista, pelo menos pelos padrões de
exigência que ele entendia dever seguir. E tinha razão para pensar assim.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Um cidadão da Europa</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Poucas pessoas com estatura política em Portugal acumularam,
como Mário Soares, um saldo tão grande de experiêncIa europeia. Educado num
Portugal fechado, Soares teve a Europa como lugar de exílio e, antes disso, como
referente cultural, de valores e de ideais. A vida política levou-o a privar de
perto com líderes de um continente em anos de profunda transformação. Com um
Portugal convulso, arruinado e com um trauma colonial a resolver, Soares
percebeu que era a Europa que nos podia “salvar” e teve a perceção de que o
choque de modernidade de que Portugal necessitava também podia vir daí. Foi
ousado e ganhou. Foi convicto naquilo em que acreditou, porque tinha uma forte cultura
humanista, aliada a um sentido estratégico excecional, o que lhe permitiu fixar
com exatidão o novo destino do país.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Quando eu vivia em Paris, e das vezes que por lá passava,
Mário Soares dava-me o privilégio de longas conversas, mais tarde repetidas na
Fundação. Notava-o desencantado com o rumo europeu, com os egoismos crescentes,
com a mediocridade de muitas lideranças. Sentia-o progressivamente triste com o
rumo do processo integrador, desiludido com a atitude dos novos Estados
membros, ele que tanto fora um arauto empenhado do alargamento. Contudo, nunca
o vi desanimar, pela convicção que tinha de que a Europa se recomporia,
conseguiria ultrapassar a obsessão financeira em que tinha mergulhado os dias,
o cinismo contabilista para que se deixara arrastar. Soares era por uma Europa
política, de valores, de ideais, de projeto, um bom cimento para a paz. Era
essa Europa, que justificara o Tratado de Roma, que Soares tinha esperança em
ver renascer, não por uma mera opção ideológica, mas pela racionalidade que lhe
parecia óbvia para um futuro de estabilidade e bem-estar para o continente.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
Com a morte de Mário Soares morre um certo Portugal europeu,
que tentou fazer da ideia da integração do continente a alavanca para um
Portugal, não apenas moderno e mais desenvolvido, mas eticamente à altura do
seu passado, da sua imagem como Estado “de bem”, uma sociedade aberta e solidária,
na Europa e no mundo. Mário Soares não vai poder testemunhar se a Europa que
sonhou não está a morrer, afinal, também consigo.</div>
<b></b><i></i><u></u><sub></sub><sup></sup><strike></strike>Unknownnoreply@blogger.com0