Um dia, a propósito da dimensão económica da
nossa diplomacia, afirmei ao "Jornal de Negócios" que o Ministério
dos Negócios Estrangeiros (MNE) necessitava de “mais batatas e menos
Kosovo". Com a caricatura, que causou engulhos em alguns meios,
queria significar que era importante garantir que o tropismo em favor das
temáticas da pura política internacional não deveria fazer esquecer que a rede
diplomática tinha obrigação de justificar a sua existência por uma crescente adequação
à promoção dos interesses económicos externos - na tripla vertente do
incremento das exportações, da captação de investimento estrangeiro e da atração
turística. A isso acrescia a importância de manter nas Necessidades uma sólida
massa crítica que permitisse executar diligências político-económicas junto de
outros Estados para apoio aos negócios, bem como para superar obstáculos não
pautais ao comércio, negociar instrumentos jurídicos para a facilitação das
trocas e do investimento e, em geral, garantir que o país mantinha uma
capacidade de interlocução de elevado nível, à escala europeia e multilateral
global, capaz de bem defender os seus interesses.
A referência feita às "batatas" não
era casual. Nos anos 70, era assim que a então Direção-geral dos Negócios económicos
(DGNE) do MNE era designada, de forma depreciativa, lá pelas Necessidades. Mas "as
batatas" dispunham então de uma elevadíssima capacidade técnica,
coordenando, com reconhecida autoridade, praticamente toda a negociação político-económica
que o país conduzia no exterior.
Em 1985, a DGNE veio a ser fundida com o setor
político, sendo criada a Direção-geral dos Negócios Político-económicos
(DGNPE). Confirmando as previsões de alguns, a dimensão política quase anulou a
vertente económica. A necessidade de uma estrutura económica específica
levaria, anos mais tarde, à criação do Gabinete de Assuntos económicos (GAE),
cujas insuficiências foram sempre flagrantes. Após a mudança do ciclo político,
em 2007, viria a ser criada a Direção-geral dos Assuntos Técnicos e Económicos
(DGATE), com uma articulação com a Agência para o Investimento e Comércio
Externo de Portugal (AICEP), fruto da fusão da Agência Portuguesa para o
Investimento (API) com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP). Finalmente,
com a alteração governativa de 2011,
a DGATE desapareceu e optou-se pela “integração” da
AICEP no MNE.
Para além da migração de alguns funcionários
do MNE para a AICEP, a colocação formal (pela enésima vez!) dos seus
delegados sob a tutela dos embaixadores e a descapitalização funcional das
Necessidades, tudo continuou basicamente na mesma. O que verdadeiramente se
processou foi a colocação da AICEP sob a tutela pessoal do ministro dos
Negócios Estrangeiros, modelo que, aliás, parecia não estar a funcionar mal de
todo. Agora, com a saída do MNE do seu anterior titular, é anunciado que ele leva
consigo a tutela da AICEP, colocando-a nas novas áreas que passa a coordenar. É
a cíclica reedição do “agora é que é!”: a cada mini-ciclo correspondem novas
estruturas, sendo estas a adaptar-se às pessoas e não o contrário.
Se o novo modelo que aí vem é bom ou mau só o
futuro dirá. O que me parece evidente, até prova em contrário, é que o MNE vai
ficar a perder, em termos da sua densidade em termos económicos, o que nomeadamente
afetará a cultura de envolvimento da rede de embaixadas e consulados no esforço
económico externo. Com toda a criatividade retórica de que o discurso político
é sempre capaz, virá por aí uma justificação sossegante para tudo isto,
embrulhada numa linguagem hábil sobre a nova articulação interdepartamental,
falando de "sinergias", “tutelas partilhadas” e coisas assim. Mas, em
termos mais comezinhos e porque “sei do que a casa gasta”, temo muito que a
nossa diplomacia volte a ter mais "Kosovo" e menos
"batatas".
(Artigo publicado no "Jornal de Negócios", em 5 de agosto de 2013)