12 de novembro de 2020

A exportação e a pandemia

É uma evidência que a atual pandemia veio interromper um tempo excecional na afirmação dos setores exportadores da nossa economia. O esforço que muitas empresas estavam a fazer, em termos de diversificação geográfica dos mercados e na crescente qualificação dos seus produtos destinados ao exterior, sofreu um sério abalo. Podemos imaginar que a incerteza agora instalada angustie fortemente os muitos milhares de pessoas que se consagram a esses setores, ou deles dependem, alguns dos quais cumulavam a atividade exportadora com uma dependência do mercado nacional, também hoje em sérias dificuldades, devido à quebra do consumo.

Embora haja alguns traços comuns, o quadro de problemas que afeta as empresas, ao que se vai sabendo, é muito diferenciado. É em momentos como estes que o papel do associativismo empresarial se revela insubstituível, por forma a conseguir tipificar e agregar os vários casos, tornando mais fácil e melhor direcionada a sequente mobilização das políticas públicas.

A esperança criada nos efeitos do futuro Plano de Recuperação e Resiliência tem uma óbvia razão de ser. Mas é evidente que muitas empresas, infelizmente, ou não terão capacidade para virem a beneficiar, ainda que de forma indireta, desses fundos, por não serem adequados à sua matriz produtiva, ou, como seguramente irá acontecer com muitas PMEs, porque dificilmente resistirão no mercado até se sentirem os efeitos colaterais desses instrumentos.

Por isso, é na eficácia das ajudas já desenhadas que a esperança imediata deve ser colocada. Mas tendo sempre presente uma evidência: estamos a falar apenas de medidas paliativas, cuja eficácia, num quadro temporal alargado, tenderá sempre a diluir-se. Por isso, é da permanência dos efeitos da pandemia que tudo, em derradeira instância, vai depender.

Dito isto, que fique bem claro que entendo que dificilmente se poderia ter escolhido um caminho diferente. É altamente meritório o esforço que está a ser feito por todos – governo, parceiros sociais e empresas - para garantir o maior, e qualitativamente melhor, impacto possível do considerável montante de ajudas que se conseguiu mobilizar. Neste caso, reconheçamos, também graças à sensata decisão europeia de flexibilizar os limites financeiros, no quadro da regulação da moeda única.

Esta crise é muito atípica. A circunstância de, ao contrário de outras, ser relativamente simétrica, isto é, afetar o comportamento da generalidade dos mercados e não apenas alguns, deprimidos ou menos robustos por razões específicas, agrava fortemente este panorama.

Com efeito, o que se passa reduz, em muito, a possibilidade de recurso à estratégia tradicional das empresas de partirem na busca de mercados alternativos, ainda que conjunturais. Nas atuais condições, o tecido exportador vê-se obrigado a ficar à espera da reabertura de cada mercado, dependente de um calendário que tem a ver com o modo como o país importador foi afetado, em termos de pandemia e dos seus efeitos económicos internos.

Nesta navegação à vista, com grande grau de imprevisibilidade, a resiliência das empresas vai ela própria depender de fatores muito diversos e variáveis, setor a setor. 

Uma coisa me parece clara: se a ajuda oficial não for capaz de garantir-se como “almofada” para os custos fixos da mão-de-obra – e, como disse, há óbvios limites para o seu prolongamento indefinido no tempo -, se a política de crédito não tiver um comportamento generoso e realista, podemos vir a assistir a um grave surto de falências, que seria particularmente injusto depois do trabalho notável que o setor empresarial fez, em especial desde a “travessia do deserto”, em tempos de “troika”. Muitas unidades empresariais teriam de começar de novo, mas muito emprego ter-se-ia entretanto perdido, com as naturais consequências sociais.

Falei essencialmente de produtos, industriais ou agrícolas. Mas é evidente que os serviços surgem também afetados pelo atual estado de coisas, embora, neste caso, com variações mais sensíveis dentro do setor. Por exemplo, em certos domínios, é sabido que as restrições à circulação e ao transporte puderam ser minoradas por uma maior e mais fácil utilização dos meios digitais.

Nas atuais condições, temos de ser realistas: resta aguardar e estar atento aos sinais dos diversos mercados.

Há, contudo, em quase todos os setores, um importante trabalho de casa que não deve esperar. Isso prende-se com uma nova realidade que esta pandemia trouxe e que veio para ficar, quer quanto à estrutura de operação laboral, quer quanto aos modelos de promoção comercial, quer, finalmente, quanto às fórmulas de relação humana.

No primeiro caso, o aperfeiçoamento das condições de higiene e dos modelos de sustentabilidade, em que já se tinham dado passos muito importantes, vai ter de ser aprofundado. Do mesmo modo, o recurso sistemático a fórmulas de teletrabalho, para dimensões várias da atividade empresarial, vai ter de ficar fixado em permanência, com tudo o que isso implica, nomeadamente na complexidade dos seus impactos no enquadramento legal das relações laborais.

Por outro lado, e isto é muito importante para domínios relevantes do setor exportador, o modelo tradicional das feiras e eventos promocionais, não devendo naturalmente desaparecer, vai, com toda a certeza, passar a rodear-se de fórmulas de segurança e operação que, inevitavelmente, terão repercussão sobre os custos, pelo que será aqui importante refletir sobre a necessidade de encarar maiores apoios oficiais à participação nesse tipo de eventos. Mas haverá sempre que prever um crescente recurso a novas e imaginativas formas de promoção comercial – uma vez mais com o digital no centro dessa nova prática.

Finalmente, nenhum cenário parece apontar para que se regresse a um “business as usual” em termos de frequência de viagens e fácil estabelecimento de contactos presenciais. Não sendo estes dispensáveis, bem entendido, a nova realidade implica que tenha de haver um repensar dos modelos tradicionais de relação inter-pessoal. O recurso ao meios telemáticos, estando longe de poder substituir esses mesmos contactos, vai necessariamente intensificar-se, sendo, aliás, de prever rápidas melhorias tecnológicas, que deem a esses mesmos sistemas maior dinâmica, eficácia e menor penosidade na utilização.

Os tempos não estão fáceis. Das empresas, exige-se rigor, proporcionalidade e realismo naquilo que é pedido ao erário público, bem como uma seriedade extrema na utilização dos recursos. Do Estado, espera-se uma grande atenção para com as necessidades do tecido empresarial, flexibilidade e imaginação no desenho das medidas de exceção, na certeza de que a recuperação será tanto mais fácil quando mais se puder preservar aquilo que estava são e que só uma conjuntura adversa veio afetar.

(Artigo publicado na edição de novembro da revista PortugalGlobal, a convite da AICEP)