O conceito de “embaixadores políticos” não tem consagração legal, sendo, no entanto, vulgarmente utilizado, na comunicação social e na linguagem comum, para designar pessoas alheias à carreira diplomática que são indicadas para chefiar missões diplomáticas, bilaterais ou multilaterais.
Na história da diplomacia, e em rigor, pode dizer-se que todos os representantes diplomáticos começaram por ser “políticos”, porquanto, na ausência de carreiras estruturadas de diplomatas profissionais, eram sempre figuras de confiança pessoal do soberano que eram destacadas para o representar junto de um seu homólogo - dispondo aliás, tradicionalmente,de poderes de representação muito alargados e bem superiores aos dos atuais profissionais. Daí resulta a designação, um tanto gongórica, de “embaixador extraordinário e plenipotenciário”, que ainda hoje sobrevive na liturgia diplomática.
O crescimento do número de países na cena internacional, que se acentuou fortemente após as descolonizações subsequente à Segunda Guerra mundial, provocou um aumento exponencial das missões diplomáticas (e consulares) bilaterais. Também o surgimento de organizações internacionais de natureza permanente, que ocorreu ao longo do século XX, obrigou os Estados a estruturar e a reforçar as respetivas carreiras diplomáticas, que acabaram por se tornar, no essencial, normais carreiras de serviço público, com prestação de funções nos quadros interno e externo dos ministérios encarregados da representação internacional dos Estados.
Por muito tempo, os diplomatas profissionais de carreira, embora em geral fossem dominantes na estrutura central dos respetivos ministérios, permaneceram, quando colocados em postos externos, subordinados a personalidades de estranhas a essa mesma carreira, que dispunham da confiança política do poder de turno e que por este eram indicadas para chefiar todas as missões diplomáticas. Com o tempo e com o aumento do número de missões, essespostos, começando pelos menos importantes, passaram a ser chefiados por diplomatas de carreira.
Na generalidade dos países democráticos - os Estados Unidos da América foram sempre uma notável exceção, onde a chefia das principais embaixadas é sempre atribuída a personalidades políticas e a financiadores ou coletores de financiamento das campanhas presidenciais –, a prática caminhou no sentido de atribuir progressivamente aos diplomatas de carreira a direção das embaixadas e das representações permanentes junto dos organismos multilaterais.
Porém, convém notar que, em muitos países, as exceções a esta regra foram e continuam a ser imensas. Pode dizer-se, em tese, que um grande número de Estados, praticando-o ou não, continua a não fechar a porta à possibilidade de designar para a chefia das suas missões diplomáticas figuras não oriundas do seu serviço público especializado para tal fim.
Portugal não foi estranho à evolução que se processou pelo mundo. Depois de um período -todo o tempo da Monarquia e da Primeira República - em que as chefias das escassas missões diplomáticas eram reservadas a figuras de indicação política, geralmente com um perfil relativamente elevado e uma reconhecida qualificação e imagem públicas, os últimos anos do Estado Novo, precisamente pela multiplicação do número de embaixadas, vieram a consagrar uma crescente presença de profissionais diplomáticos na direção dessas estruturas externas.
Ao tempo da Revolução de 1974, contudo, apenas no Brasil (José Hermano Saraiva) e na Argentina (Luís Pinto Coelho) o regime de então mantinha “embaixadores políticos”.
Com o 25 de abril, terá havido, no seio do novo poder político, um debate sobre a oportunidade de “refrescar” o quadro diplomático profissional, e não apenas a chefia dos postos externos, com figuras que dessem garantias de lealdade ao novo curso do país. Foraisso, aliás, o que acontecera após a implantação da República, em 5 de outubro de 1910, ou na decorrência da instauração da Ditadura militar, em 28 de maio de 1926.
Ao tempo do 25 de abril, chegou mesmo a ser ventilada a ideia do preenchimento do quadro diplomático, a nível intermédio, por figuras tidas como possuindo credenciais democráticas, com o argumento de que a algumas gerações havia estado vedado, por determinantes políticas, o acesso à carreira diplomática. Essa ideia, por razões que se desconhecem mas que poderão ter estado ligadas à dificuldade um obter um consenso interpartidário e com outros centro de poder, acabou por não vingar, tal como não viria a ter vencimento a proposta, ainda mais radical, de um “saneamento” profundo nos funcionários diplomáticos que haviam servido o regime ditatorial. Na prática, foram apenas afastados alguns diplomatas acusados de um excessivo zelo persecutório dos opositores ao anterior regime, foram feitas algumas naturais mudanças de chefias diplomáticas externas, mas foi, no essencial, mantido em funções o corpo de funcionários diplomáticos no ativo. Manteve-se, no entanto, sempre aberta a porta a um novo ciclo de recrutamento de “embaixadores políticos”. Como adiante se verá, mais de um terço dos “embaixadores políticos” foi nomeado no período que antecedeu a promulgação da Constituição de 1976.
Desde o 25 de abril até ao termo de 2018, os 27 governos da Democracia indicaram um total de 31 “embaixadores políticos”. Por legislação ulteriormente publicada, a algumas dessas personalidades, com um mínimo de anos de serviço na função, foi facilitado o ingresso no quadro diplomático corrente, podendo dessa forma rodar entre postos, no abandono daquela que era a justificação mais vulgar para a sua designação – a sua especial adequação ao exercício de funções num determinado posto.
Como é natural, a presença de figuras de nomeação política para a chefia de missões diplomáticas, “curto-circuitando” profissionais que progridem regularmente na sua carreira, com expetativa de acesso a esses lugares cimeiros num prazo mínimo de cerca de duas décadas, não é muito bem aceite entre os diplomatas profissionais. Porém, pode dizer-se que a carreira diplomática portuguesa, em tempos democráticos, soube conviver bem com esta imperativa realidade e só em tempos mais recentes, através das suas estruturas sindicais, tem vindo a dar nota pública do seu desagrado quando esse tipo de nomeações eventualmente ocorre.
Vale a pena constatar que a circunstância de algumas das personalidades vindas do exterior da carreira se terem constituído num valor acrescentado interessante para o serviço diplomático contribuiu para minorar essa reação negativa. Porém, no seio da carreira diplomática, prevalece a perceção - justa ou meramente corporativa - de que a maioria dessas personalidades externas, que foram designadas nos vários ciclos políticos, não deixaram uma imagem impressiva que justificasse a excecionalidade da sua escolha e, as mais das vezes, a sua designação correspondeu a meros jogos de oportunidade, na colocação de figuras próximas dos governos da ocasião.
Na lista que a seguir se apresenta, optou-se por colocar cada um dos 31 “embaixadores políticos” sob os governos que os designaram, com nota da data e posto da primeira nomeação (com referência, em pé de página, aos postos subsequentes que nove dentre elesviriam posteriormente a ocupar)
Governos Provisórios (1974/1976)
Francisco Ramos da Costa, 1974, Belgrado (1)
Mário Neves, 1974, Moscovo
José Veiga Simão, 1974, ONU
Albertino Almeida, 1975, Maputo
José Fernandes Fafe, 1975, Havana (2)
Ernâni Lopes, 1975, CEE (3)
António Coimbra Martins, 1975, Paris
Maria de Lurdes Pintasilgo, 1975, Unesco
José Manuel Galvão Teles, 1975, ONU
Manuel Bello, 1975, OCDE
André Infante, 1976, Argel
1° (PS) e 2° (PS/CDS) Governos constitucionais, primeiro-ministro Mário Soares (1976/1978)
António Flores de Andrade, 1977, Lusaka
Manuel João da Palma Carlos, 1977, Havana
José Cutileiro, 1977, Conselho da Europa (4)
Álvaro Guerra, 1977, Belgrado (5)
Vitor Cunha Rego, 1977, Madrid
Walter Rosa, 1977, Paris (6)
Vitor Alves, 1977, embaixador itinerante
3°, 4° e 5° Governos constitucionais, de iniciativa presidencial (Ramalho Eanes) (1978/1979)
Henrique Granadeiro, 1979, OCDE
6° Governo Constitucional (PSD/CDS), primeiro-ministro Sá Carneiro (1980)
Pedro Pires de Miranda, 1980, embaixador itinerante
7° Governo Constitucional (PSD/CDS), primeiro-ministro Pinto Balsemão (1981/1982)
Pedro Roseta, 1981, OCDE
9° Governo Constitucional (PS/PSD), primeiro-ministro Mário Soares (1983/1985)
Vitor Crespo, 1984, Unesco
10º, 11° e 12° Governos Constitucionais (PSD), primeiro-ministro Cavaco Silva (1985/1995)
José Augusto Seabra, 1986, Unesco (7)
Eugénio Anacoreta Correia, 1988, São Tomé (8)
Fernando Santos Martins, 1988, OCDE
Raquel Ferreira, 1988, Estocolmo (9)
José Silveira Godinho, 1993, OCDE
15° Governo Constitucional (PSD/CDS), primeiro-ministro Durão Barroso (2002/2004)
Basilio Horta, 2002, OCDE
17° e 18° Governos Constitucionais (PS), primeiro-ministro José Sócrates (2005/2011)
Eduardo Ferro Rodrigues, 2005, OCDE
Manuel Maria Carrilho, 2009, Unesco
21° Governo Constitucional (PS), primeiro-ministro António Costa (2015-)
António Sampaio da Nóvoa, 2017, Unesco
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(1) Também Copenhague
(2) Também México, Praia, embaixador itinerante, Buenos Aires
(3) Também Bona
(4) Também Maputo, CSCE em Estocolmo, Pretória
(5) Também Nova Deli, Kinshasa, Conselho da Europa e Estocolmo
(6) Também Caracas
(7) Também Nova Deli, Bucareste, Buenos Aires
(8) Também Praia
(9) Também Tóquio
Notas finais
- Constata-se que as personalidades próximas do Partido Socialista surgem em maior número.
- Em tempos dos Governos Constitucionais (pós 1976), as nomeações do PS e do PSD equivalem-se, com o CDS a indicar também dois nomes.
- No período dos Governos Provisórios, houve sete personalidades nomeadas que não tinham um vínculo evidente aos grandes partidos.
- Alguns “embaixadores políticos” que haviam sido nomeados num determinado ciclo político viriam a ser confirmados ou recolocados em tempos governativos muito diferentes.
- A OCDE é posto onde o maior número de “embaixadores políticos” foi colocado (7), seguindo-se a Unesco (5).
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