29 de abril de 2011

Vítimas da saudade

Há mais de 40 anos, um jovem estudante português que flanava pela Europa, à boleia, foi surpreendido por uma grande fila de trânsito, numa área da estrada N10, perto de Bordéus. De mochila às costas, foi-se aproximando do local onde tivera lugar o acidente que provocara tal situação. Mas não pôde chegar muito próximo. Um polícia informou-o que uma viatura com três portugueses tinha tido um grave acidente. Nada mais soube.

O jovem era eu e hoje veio-me à memória essa cena quando fui informado da tragédia que ontem vitimou 6 portugueses e um francês, em local que não deve distar muito daquele em que eu havia sido testemunha distante.

As estradas de ontem e de hoje são muito diferentes, bem para melhor. As viaturas que os nossos compatriotas utilizam são bastante mais seguras nos dias que correm. A qualidade da sua condução é muito superior. Por isso, morrem muito menos portugueses nas estradas de França. Mas as mortes dos que agora desaparecem são tão definitivas como as dos milhares que, ao longo das últimas décadas, se espalharam por aquela estrada.

A emigração, como destino trágico de aventura, transporta consigo elementos de risco permanente. A saudade que os traz e leva, com regularidade e às vezes ânsia, entre o local onde trabalham ou onde passaram a residir e as famílias deixadas longe, acaba por potenciar esse risco.

Os nossos mortos de ontem, um grupo de cidadãos portugueses onde se combinam varias gerações, acabam por reflectir o preço de vidas que tiveram de se fazer fora do pais. Essa acaba por ser a tragédia da Pátria da saudade que Portugal continua a ser.

(artigo publicado no "Correio da Manhã", em 29.4.11)

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