1 de setembro de 1999

Uma reforma indispensável?


O Conselho Europeu de Colónia, em Junho deste ano (1999), decidiu o lançamento de um processo de reforma das instituições comunitárias, a ser preparado durante a presidência finlandesa (2º semestre de 1999), a ser iniciado durante a presidência portuguesa (1º semestre de 2000) e a ser concluído durante a presidência francesa (2º semestre de 2000). Esta revisão limitar-se-á, no essencial, às questões da composição da Comissão Europeia, da reponderação dos votos no Conselho e à extensão do número de decisões a serem tomadas por maioria qualificada.

Foi, desta forma, dado cumprimento àquilo que havia ficado decidido no Protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão (os chamados “leftovers”), a que se juntou a pretensão de alguns Estados membros de rever uma vez mais a lista dos temas hoje ainda sujeitos a unanimidade.

Como é sabido, havia sido aceite em Amesterdão que uma nova reforma institucional deveria ter lugar antes do próximo alargamento, a qual é, por alguns Estados, considerada condição sine qua non para a entrada dos novos países na União.

Encontramo-nos assim, nos próximos meses, com uma tarefa de grande exigência à nossa frente, tanto mais que se sabe existirem grandes divergências entre os Estados quanto ao sentido final deste exercício.

Valerá a pena ser claro e começar por dizer que o título deste texto não é casual. Portugal sempre foi dos países que manifestou o seu cepticismo quanto à necessidade de se proceder a uma rearranjo das instituições que pudesse, de alguma forma, provocar substanciais desequilíbrios no actual sistema de representação de interesses no quadro da União. Durante a última Conferência Intergovernamental (1996/97), deixámos evidenciadas as nossas dúvidas quanto à necessidade imperativa de se tocar nos actuais padrões de representação dos Estados - em especial no que respeita aos votos no Conselho e ao modelo da Comissão.

Não estivemos sozinhos nesta posição e o que saiu - ou o que não saiu - de Amesterdão é o resultado da vontade conjugada de alguns Estados, de pequena e média dimensão, no sentido de procurarem resistir a pressões para diminuir a sua representação nas instâncias decisórias. Por outro lado, há que reconhecer que Amesterdão foi uma óbvia derrota para os maiores Estados, que não conseguiram fazer vingar a sua ideia de alargar, em termos do processo de decisão, a sua distância em relação a parceiros de inferior dimensão demográfica. Nessa altura, foi por muitos de nós dito que, para além das questões de eficácia que alimentavam o argumentário dos maiores países, havia que ter em conta um problema de aceitabilidade das mudanças perante as nossas próprias opiniões públicas. A próxima questão estará, a meu ver, em saber se as condições que não existiram em Amesterdão, e que inviabilizaram então um acordo neste domínio, se alteraram tão substancialmente de forma a torná-lo agora possível.

Nessa altura, estavam em cima da mesa duas ideias essenciais: reduzir a Comissão Europeia e dar mais votos no Conselho aos Estados com mais população. Vejamos cada uma dessas ideias separadamente.

A Comissão

No caso da Comissão, a ideia que foi avançada como mais radical, que era de origem francesa, assentava no pressuposto de que não haveria, na prática, mais do que 10 ou 12 verdadeiros pelouros e que, por essa razão, esse deveria ser o número máximo de Comissários. A Comissão Santer ajudou, algumas vezes, a alimentar esta ideia, ao falar igualmente na inexistência de um espectro de atribuições em termos de pelouros que pudesse ocupar os seus 20 Comissários.

Obviamente que a resposta a esta teoria está hoje dada pela própria Comissão Prodi, ao ter encontrado espaço de trabalho para 20 comissários e, ao que parece, sem que haja dúvidas de que terão tarefas suficientes para se ocuparem. À época, porém, a questão foi mais complicada de gerir e, como posição de recuo, aceitou-se a ideia de que se poderia considerar algum reforço do poder voto dos maiores Estados, desde que estes prescindissem de indicar dois comissários, como hoje acontece com a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália e o Reino Unido. Para sermos claros: garantir a equidade dentro da Comissão teria, como “preço”, dar mais alguns votos aos Estados mais populosos.

Porém, este sistema só funcionaria até ao limite de 20 Estados membros, que o mesmo é dizer, até ao limite de 20 comissários, devendo ter lugar uma nova reforma a partir do momento em que outra fosse a perspectiva de dimensão da União. Para muitos observadores, a Comissão Europeia, ao colocar no chamado “primeiro grupo” dos candidatos alargamento precisamente seis países quis, desde logo, “forçar” a revisão mais alargada.

Valerá aqui fazer um parêntesis para sublinhar a incongruência deste “trade off”, que é totalmente contraditório com a ideia formal de que a Comissão é uma instituição independente dos Estados membros e que os comissários exercem os seus cargos “esquecendo” o país de onde são originários. Ao trocar votos por comissários está-se, na realidade, a assumir que o jogo do poder passa por ambas as vertentes, o que contradiz a teoria e torna mais cínica a prática.

Voltando ao que está em jogo, importa deixar evidente que a proposta original francesa, dos 10/12 comissários, está hoje completamente ultrapassada e que já nem mesmo Paris a defende. Por outro lado, parece criada na generalidade dos Estados membros a ideia clara de que não será viável a qualquer Estado vir a prescindir, num horizonte visível, da possibilidade de vir a indicar um membro para a Comissão Europeia.

Sendo assim, o que irá ser decidido na nova Conferência Intergovernamental quanto à Comissão? Embora não possamos estar a limitar a liberdade do exercício - e Portugal, enquanto presidência, terá naturalmente uma atitude neutral, que se distinguirá da posição nacional que defenderemos - a verdade é que não vislumbramos muito espaço de manobra no que toca à Comissão.

Eu deixaria mesmo algumas questões: alguém acha plausível que os cinco Estados membros que há escassos meses nomearam, cada um deles, os seus dois comissários, por um período de cinco anos, estão dispostos, a meio desse período, a prescindir de um deles ? Alguém acha que qualquer desses comissários está disposto a ceder o seu lugar, tendo em atenção que a sua designação foi feita, com o acordo do Parlamento Europeu, para o período total do mandato ? Alguém está seriamente convencido que alguma coisa vai mudar até ao termo de exercício destes novos comissários, em Junho de 2004?

Nestas condições, talvez valha a pena que nos interroguemos sobre o que se pretende extrair, nesta reforma, dos Estados que hoje têm, e apenas querem conservar, o seu único comissário.  O que ganhariam em troca de votos concedidos aos Estados mais populosos?

A reponderação dos votos

A revisão do poder de voto no Conselho é hoje tida, por alguns grandes Estados, como um passo essencial para a recuperação da sua posição no processo decisório onde, sendo afirmam, a maioria qualificada necessária para fazer aprovar legislação se obtém hoje com uma representação cada vez mais diminuta de população europeia.

Salvo melhor opinião, este raciocínio parte de pressupostos falseados.

O primeiro tem a ver com a circunstância de que não há, hoje em dia, uma relação, ainda que tendencial, entre o poder dos Estados no Conselho e as suas respectivas populações. Ou melhor, essa relação existe, grosso modo, para os pequenos e médios Estados, mas já deixa de existir para os “grandes”. Dou dois exemplos: Portugal e a Áustria têm, respectivamente, 5 e 4 votos, tendo entre si uma diferença de população de 1,5 milhões; a Alemanha e a Itália têm 10 votos cada, embora entre esses países haja uma diferença de 23 milhões de habitantes. Se se quer introduzir medidas de equidade, porque não começar por aqui ?

O segundo pressuposto que me parece não colher tem a ver com aquilo que poderíamos designar com o “sentido de agregação” dos votos no Conselho. As votações no Conselho não se fazem nunca - todos o sabem! - numa lógica de “grandes” contra “pequenos”. Jamais na história comunitária, como se pode provar, se registou, nem por uma única vez, uma conjugação dessa natureza. E porquê? Porque a agregação dos votos no Conselho, nomeadamente em matéria legislativa, tem muito mais a ver com a identidade de interesses dos Estados do que com a sua dimensão. Essa identidade de interesses é feita, essencialmente, à luz do grau de desenvolvimento dos Estados, que se reflecte nas suas opções em matéria de definição de padrões comunitários.

Quando estamos perante uma directiva ambiental, para dar um exemplo, é óbvio que a identidade entre as posições de uma Alemanha e de uma Suécia é muito maior da que existe entre a Suécia e Portugal. Com efeito, o grau de desenvolvimento da Suécia, onde os padrões ambientais são elevados e em que terão sido tomadas já, no passado, uma série de medidas que a directiva se limita a estender a outros Estados, tenderá a afastar, na altura da votação, esse país de Portugal, onde o atraso nesse domínio implicará novos investimentos (a tecnologia até pode ser sueca...), com repercussões financeiras sobre, por exemplo, as unidades produtivas, com impactes óbvios na competitividade dos respectivos produtos. Neste caso, como é evidente, a Suécia votará ao lado da Alemanha, que tem um grau de desenvolvimento ambiental similar, e nunca com países “médios”, como Portugal, que tem um desenvolvimento muito inferior neste domínio. Alguém pensa que, no futuro de uma União alargada, um país como o Luxemburgo vai votar alguma vez ao lado da Lituânia, contra a França ou o Reino Unido, só porque se trata de Estados de pequena dimensão?

Mas neste caso, perguntar-se-á, qual é a razão pela qual os grandes Estados querem agravar o fosso decisório face aos menos populosos? E porque razão o querem fazer já, antes do primeiro dos próximos alargamentos?

Por um conjunto variado de razões, umas de natureza económica, outras de natureza política mais geral.

As razões de natureza económica prendem-se com a dualidade de desenvolvimento que atrás mencionei. A manter-se, no futuro, uma simples projecção automática do actual modelo de ponderação de votos, e trazendo o próximo alargamento para o seio da União um grupo de Estados que, por alguns anos, estarão abaixo dos padrões médios de desenvolvimento que nela prevalecem, poderia potencialmente vir a registar-se, nesse mesmo futuro, uma agregação de países da União com menor grau de desenvolvimento que - numa lógica de representação de interesses comuns -, pudesse vir a conseguir formar minorias de bloqueio. Se tal viesse a suceder, isso representaria que os grandes Estados mais desenvolvidos, em aliança objectiva com outros países pequenos e médios que com eles têm interesses convergentes, deixariam de poder continuar a garantir o domínio avassalador que hoje têm sobre o processo legislativo e sobre a gestão orçamental da União. A necessidade de evitar que futuros alargamentos limitem esta sua liberdade é uma das óbvias razões do interesse em alterar o processo decisório.

A segunda razão tem uma perspectiva mais política e prende-se com as novas dimensões da União - a PESC e a Justiça e os Assuntos Internos.

No primeiro destes casos, começa a desenhar-se um óbvio interesse dos maiores Estados, que coincidem, em geral, com os que dispõem de Forças Armadas e de dispositivos diplomáticos de maior dimensão, de garantir que o seu papel decisório naquilo que seja decidido em nome da Europa se faça predominantemente de acordo com a conjugação dos seus interesses. Esta afirmação de vontade tornar-se-á mais premente à medida que, no âmbito da PESC, se forem definindo mais “estratégias comuns”, isto é, linhas gerais de actuação, decididas por consenso em sede de Conselho Europeu, cuja implementação se fará depois por maioria qualificada. Sejamos realistas: as “estratégias comuns”, que o futuro tenderá a generalizar a todas as áreas geográficas e aos principais temas horizontais, são um mecanismo para permitir que a PESC seja decidida por maioria qualificada, embora com uma cláusula de “interesse nacional vital”, que países como Portugal conseguiram garantir em Amesterdão. Ora, num contexto em que a unanimidade deixa de se aplicar, é óbvio que os Estados mais fortes, que têm uma política externa e de segurança de grande visibilidade, entendem não poderem ser limitados em decisões que passam a comprometê-los perante o mundo externo. Daí, pois, o interesse - também na PESC - para um reforço da sua representação.

O segundo caso é, porventura, aquele em que, em tese, melhor se poderia compreender uma relação mais directa entre o poder de voto e o peso demográfico. Com efeito, na área da Justiça e dos Assuntos Internos estamos perante decisões que afectam diferentemente os países, em função da dimensão das respectivas populações. Há, porém, uma realidade que não pode deixar de ser considerada: esta é uma área onde tradicionalmente assenta o eixo da soberania dos Estados, onde se verificam culturas jurídicas mais diversas e, frequentemente, reservas nacionais de competência, nomeadamente de natureza parlamentar, difíceis de ultrapassar.

Tal como na PESC, a área da Justiça e dos Assuntos Internos toca, de muito perto, aquilo que constitui a expressão do poder nacional, por outras palavras, a área em que os Estados devem ser considerados tendencialmente iguais. Daí a dificuldade em avançar para uma desigualização ainda mais pronunciada do que a que hoje já existe no Conselho.

Dito isto, importa ponderar em que medida há espaço de manobra, na próxima CIG, para trabalhar na alteração ao actual modelo de ponderação de votos. Um terreno em que Portugal tem assentado a sua reflexão prende-se com a possibilidade de introdução do chamado sistema da “dupla maioria”. Neste sistema, procurar-se-ia, sem alterar o actual modelo de ponderação, fixar um mecanismo de representatividade demográfica mínima: nenhuma decisão por maioria qualificada seria válida se nela não estivesse representado um conjunto de países cujo somatório de população fosse inferior a uma certa percentagem da população total da União. O argumento demográfico atrás referido ficaria contemplado e, sob o ponto de vista democrático, dar-se-ia um salto em frente. Mas será que os “grandes” países, para além da Alemanha, estão dispostos a enveredar por um sistema que, pela primeira vez, os desigualiza face àquele país?

A extensão da maioria qualificada

Depois desta digressão pelas questões da Comissão e do poder de voto no Conselho, convirá abordar, finalmente, o terceiro vértice do “triângulo institucional” que vai estar em revisão: a extensão da maioria qualificada.

É para todos evidente que o funcionamento da União Europeia terá, cada vez mais, que ser gerido por votações não sujeitas à unanimidade, prática intergovernamental que se tem revelado frequentemente bloqueadora, servindo algumas vezes como instrumento e forma de pressão para garantir vantagens noutros tabuleiros. Há uma consciência crescente que a evolução futura terá de ir nesse sentido.

Importa registar que, contrariamente a uma leitura meramente formal que ainda subsiste em muitos sectores, a preservação da unanimidade – o chamado direito de veto – é frequentemente apenas uma falsa defesa para os pequenos e médios países. A vida interna da União Europeia é feita de equilíbrios muito frágeis e é praticamente impossível a um país de menor dimensão conseguir sustentar uma oposição isolada contra todos os restantes, a menos que esteja em causa um “interesse vital” muito evidente, sem que isso desencadeie pressões noutros domínios, quase sempre impossíveis de gerir.

Esta tendência para a utilização da maioria qualificada não pode, porém, ser desligada da circunstância de, também crescentemente - e com lógica democrática indiscutível -, as decisões que o Conselho toma por essa via deverem ser submetidas a co-decisão do Parlamento Europeu.

Ora aqui coloca-se uma outra questão. Como é sabido, o PE tem vindo a revelar, de ano para ano, uma tendência para que as suas decisões sejam tomadas numa lógica de representação de importantes interesses nacionais, independentemente das linhas ideológicas nele projectadas. Basta ver como votam os deputados portugueses ao Parlamento Europeu quando estão em causa importantes questões para o nosso país, como os têxteis ou os fundos estruturais. Mas, neste caso, importará pensar que, no Parlamento Europeu, a diferença de representação entre os Estados aparece muito mais ligada à sua dimensão demográfica. Repito um exemplo que costumo dar: Portugal tem 5 votos no Conselho para 10 da Alemanha, isto é, uma relação de 1 para 2; mas, quando chegamos ao Parlamento Europeu, Portugal tem 25 deputados e a Alemanha 99, isto é, praticamente uma relação de 1 para 4.

Com o que acabei de referir quero dizer, muito concretamente, que sempre que uma medida legislativa é submetida a co-decisão estamos, um tanto subliminarmente, a “reponderar” o peso dos maiores Estados, desta vez mais diferenciadamente que no Conselho. Ora se pensarmos que há uma tendência para a generalização da co-decisão a todas as medidas de natureza legislativa em que o Conselho decida por maioria qualificada isso significa que os maiores Estados “ganham poder” cada vez que tal se aplica. Nestas condições, será legítimo que ainda reforcem mais o seu poder ao nível do Conselho ?

Este raciocínio não nos deve, porém, colocar necessariamente numa posição de retracção face à extensão da maioria qualificada. Com efeito, a funcionalidade da União é também do nosso interesse e seria extremamente perigoso estar a adoptar uma linha de orientação que facilitasse bloqueios e prejudicasse as políticas comuns.

A extensão da maioria qualificada deve ser, assim, avaliada à luz do mérito de submissão a esse procedimento das várias medidas que possam estar em causa. Há terrenos, nomeadamente os que se ligam às grandes questões de natureza estruturante da União, em que a utilização dessa forma de voto é contraditória com o modelo de representação de Estados que a União Europeia de hoje prevê. Por outro lado, em tudo quanto as questões a decidir no âmbito da UE possam pôr em causa competências internas inalienáveis (como a ratificação de tratados) ou interesses cuja última decisão deva ser sempre de natureza nacional (fixação de orçamentos) é óbvio que a unanimidade deve ser preservada. Alguém já imaginou o resultado que um país como Portugal teria obtido na Agenda 2000 se a decisão final tivesse sido tomada por maioria qualificada?

O modelo híbrido actual

A maneira como se apresenta no debate europeu o conjunto de temas que atrás desenvolvemos representa, a meu ver, uma leitura um tanto redutora do modelo de revisão institucional. Diria mesmo que estamos perante uma perspectiva conservadora, que tem por detrás a ideia de que, sem tocar no essencial do actual modelo institucional, se procura apenas adaptá-lo a uma gestão mais confortável a quem já hoje o domina.

Nesta perspectiva, o modelo actual reveste-se de alguns perigos para os países de pequena e média dimensão e, em particular, para aqueles que, dentre eles, têm um padrão de desenvolvimento que se situa abaixo da média da União. É que não se situando um país como Portugal no centro do padrão de interesses que se projecta em Bruxelas, e ao não ter, cumulativamente, uma capacidade de intervenção muito elevada no processo de decisão, a sua colocação num modelo de solução maioritária deixa-o ao sabor da formação dessas maiorias, nas quais, em particular desde o último alargamento, raramente se sente confortavelmente representado. Dirão alguns que esta é uma questão que se resolve com o tempo e com o desenvolvimento que ele trará. O problema, porém, é gerir o quotidiano até ao momento em que se conseguir uma compatibilidade com o nível médio da União.

A progressiva perda da unanimidade, que caracterizava o modelo intergovernamental, não tem sido entretanto compensada pela instituição de mecanismos de natureza mais federal - através de uma instituição onde os diversos Estados tenham representação idêntica e através de fórmulas de federalismo fiscal, que permitam desencadear reequilíbrios distributivos automáticos de natureza financeira. Estamos, assim, a viver num modelo híbrido que, como é óbvio, é o terreno ideal para a consagração de “directórios”, que cada vez se sentem menos obrigados a proceder à disponibilização de mecanismos compensatórios e parece darem como adquirida a inevitabilidade da dualização de desenvolvimento, agora que já obtiveram as vantagens do mercado interno e a liberdade de expressão financeira e empresarial dos seus importantes interesses económicos.

Por outro lado, entendo que a Comissão Europeia não tem, manifestamente, cumprido bem o seu papel. A União Europeia não é uma mera organização internacional, onde a maioria ganha e a minoria perde. A União dispõe de uma instituição sui generis - a Comissão Europeia - que, por representar a União como um todo, deve, em cada uma das suas propostas, ter o interesse de todos os Estados em permanente conta - e não apenas o interesse pressentido da maioria que lhe vai aprovar essas mesmas propostas. Mesmo os interesses mais marginais e mais minoritários são interesses atendíveis, em especial quando expressos por Estados que têm em curso um esforço de desenvolvimento e de aproximação à média da União, que pode ficar em risco pela adopção de certas decisões

Ora verificamos que não tem sido esse, em anos recentes, o padrão de comportamento da Comissão. Bem pelo contrário, em muitos sectores a Comissão mais não fez do que projectar os interesses maioritários e, com essa orientação, contribuiu para afectar sectores importantes no quadro de desenvolvimento de alguns países. Algumas lamentáveis decisões tomadas na área das relações económicas externas aí estão a prová-lo de forma flagrante e um país como Portugal foi, nesse domínio, particularmente penalizado.

Uma outra reforma ?

Nesta perspectiva, e a haver vontade política para tal, talvez tivesse sido possível ir um pouco mais longe e colocar em discussão o actual modelo de equilíbrios interinstitucionais e partir daí para um repensar total da União do futuro.

Esse exercício que, convém dizê-lo desde já, não está na agenda da próxima revisão, poderia passar por uma reconsideração do papel dos Parlamentos Nacionais no contexto comunitário e por uma reflexão sobre o estatuto do próprio Parlamento Europeu, nos moldes em que funciona. Com efeito, e sem colocar em causa o reforço da dimensão democrática na União, creio que é preciso rompermos, de uma vez por todas, com o mito de que é pelo reforço do Parlamento Europeu que se colmata o “défice democrático” de que tanto se fala. É importante perceber e fazer entender que os Governos, ao actuar no Conselho, têm atrás de si a legitimidade que lhe é conferida pelo voto popular e que, ao contrário do Parlamento Europeu - que não pode ser dissolvido em nenhuma circunstância - estão sempre na iminência de cair por decisão dos parlamentos em que se apoiam. A questão essencial em termos de democracia está, a meu ver, muito mais ao nível das competências que “fogem” dos Parlamentos Nacionais para a esfera comunitária do que na descoberta, no seio desta, de mecanismos de compensação e controlo por afirmação de uma legitimidade europeia, manifestamente prematura para o grau de consciência comum que hoje marca os cidadãos dos Estados membros. Se não queremos que a União se transforme na realidade distante do cidadão que o abstencionismo nas recentes eleições para o Parlamento Europeu denuncia, torna-se indispensável gerar um modelo de representação dos Parlamentos Nacionais no processo interinstitucional. E porque não partir daqui para uma representação tipo senado europeu?


A presidência portuguesa
e a Conferência Intergovernamental

As ideias que atrás expressei, e que são fruto de uma experiência que muito releva dos debates da última CIG, constituem algumas das preocupações que têm estado no centro da posição nacional em matéria institucional.

É perfeitamente natural que estas ideias possam evoluir, em confronto com outras perspectivas e com o curso das realidades em discussão durante a próxima CIG, que caberá a Portugal lançar.

No que toca à gestão desse exercício, é intenção do nosso país levá-lo a cabo com a maior abertura de espírito, tendo como eixo referencial o esforço em curso por parte da presidência finlandesa. A partir do que resultar desse trabalho, é nosso objectivo lançar linhas de reflexão que possam ser outras tantas pistas para a descoberta de consensos que permitam à presidência francesa, que nos sucederá, finalizar o processo com sucesso, a fim de fazer desaparecer o último dos problemas formais a serem ultrapassados antes do primeiro dos próximos alargamentos.

E porque a opinião desses novos Estados não pode ser indiferente a quem, como nós, está a definir o futuro institucional em que se processará a sua futura integração, entendemos importante garantir que esses países acompanham o evoluir da reforma institucional e sobre ela são ouvidos, numa base meramente consultiva e informativa, mas, mesmo assim, num modelo que pretende antecipar o espírito de parceria e solidariedade que está subjacente à sua própria inclusão no processo de integração europeia.

(Publicado em “Europa – Novas Fronteiras” (nº 5, 1999), Centro de Informação Jacques Delors, Lisboa)



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