18 de dezembro de 2009

La diplomatie et les entreprises


L’année 2009 s’achève avec le surgissement de quelques notes d’optimisme modéré pour l’ensemble des économies de la zone euro, qui signalent la possibilité de pouvoir obtenir les conditions de récupération du chemin de la croissance. Ceci est une bonne nouvelle pour des pays comme la France et le Portugal, dont la sortie de la récession technique a eu lieu en même temps, quoique la capacité de récupération des économies respectives ne puisse être comparée, de la même façon que les effets de la crise sur sa toile économique et sociale ont été différents, notamment en matière d’emploi.

Dans une situation de normalité et dans le cadre d’une relation économique étroite comme celle qui existe entre le Portugal et la France, marquée par la présence d’entreprises d’un des pays sur le territoire de l’ autre, ainsi que par d’importants flux d’exportation, le travail d’un ambassadeur est de simple « facilitateur » des activités d’entreprises. Notre rôle, pour l’essentiel, est de rechercher de nouvelles opportunités pour les agents économiques, tout en essayant de limiter à un minimum les difficultés de ceux qui se trouvent déjà sur le marché.

En situation de crise, toutefois, notre activité possède une logique un peu différente, plus complexe et avec un plus grand degré d’incertitude quant aux résultats. D’un côté, nous devons chercher à garantir aux entreprises françaises actives au Portugal qu’elles ont, à tout moment, l’appui et la stimulation officielle portugaise pour poursuivre leurs activités, pour maintenir les postes de travail déjà créés et pour consolider leurs investissements. De l’autre côté, et plus que jamais, il faut être attentif aux nouvelles possibilités qui pourraient s’offrir pour que les nouveaux opérateurs français puissent accéder à notre marché, en explorant les opportunités qui surgissent et les instigations qui pourraient se présenter.

Ce que je viens de référer a un objectif pratique: faire connaître aux entreprises portugaises et françaises ce que les services de l’Ambassade peuvent faire pour elles. Les agents économiques qui opèrent dans le marché franco-portugais doivent savoir qu’ils peuvent compter sur mon engagement, personnel et institutionnel, dans le but d’accroître leurs affaires.

De la même façon, et en ce qui concerne les entrepreneurs portugais qui rechercheraient le marché français, notre objectif est de garantir que nos services de promotion commerciale et de l’investissement – le AICEP – soient en mesure de leur fournir tous les instruments de soutien pour qu’ils puissent opérer sur le marché français, en les aidant à trouver les contreparties adéquates et en leur facilitant la “lecture” de ce marché.

L’année prochaine, aura lieu un sommet bilatéral franco-portugais qui réunira les deux gouvernements dans une réflexion commune qui constitue toujours un stimulant politique pour un ensemble d’actions à développer dans un futur immédiat. J’ai l’espoir que nous puissions donner à cette prochaine réunion un sens très pratique, spécialement par sa concentration dans des domaines opérationnels qui pourront fonctionner comme stimulant pour le renforcement de relations économiques bilatérales.

Le Portugal et la France, indépendamment de la dimension inégale de leurs économies, ont démontré qu’ils avaient de nombreux points communs pour aborder quelques uns des défis devant lesquels cette crise les a placés. Ce constat a mené à l’adoption de « thérapeutiques » similaires pour faire face à quelques disfonctionnements que les économies respectives ont révélés. Tout indique que, dans le futur, leurs chemins pour la sortie de la crise se retrouveront, d’autant plus qu’ils sont confrontés à quelques désajustements macro-économiques de nature identique.

Dans tout ce labeur, le rôle de la Chambre de Commerce est vital et central pour les réflexions qui doivent précéder les décisions à prendre au niveau politique, grâce à sa profonde insertion dans la toile constituée par les entreprises portugaises en France et par les entreprises françaises ayant des intérêts au Portugal. J’aimerais qu’il soit très clair que la Chambre de Commerce est aujourd’hui le premier et principal partenaire de l’Ambassade portugaise en France dans cette bataille positive autour de la pleine récupération de la dynamique de l’activité économique bilatérale.

A diplomacia e as empresas

O ano de 2009 termina com o surgimento de algumas notas de moderado optimismo para a generalidade das economias da zona euro, que apontam para a possibilidade de virem a ter condições de recuperar um caminho de crescimento. Esta é uma boa notícia para países como a França e Portugal, cuja saída da recessão técnica teve lugar ao mesmo tempo, muito embora a capacidade de recuperação das respectivas economias se não possa comparar, da mesma maneira que foram diferenciados os efeitos da crise sobre o seu tecido económico e social, nomeadamente em matéria de emprego.

Numa situação de normalidade, e num quadro de relação económica íntima como aquele que existe entre Portugal e a França, marcado pela presença de empresas de um país no território de outro, bem como por importantes fluxos de exportação, o trabalho de um embaixador é de mero “facilitador” das actividades empresariais. O nosso papel, no essencial, é procurar novas áreas de oportunidade para os agentes económicos, tentando limitar ao mínimo as dificuldades dos que já se encontram no mercado.

Em situação de crise, porém, a nossa actividade passa a ter uma lógica um pouco diversa, mais complexa e com maior grau de incerteza de resultados. Por um lado, temos de procurar garantir que as empresas francesas que já operam em Portugal têm, a todo o momento, o apoio e o estímulo oficial português para prosseguirem a sua actividade, para manterem os postos de trabalho já criados e para sedimentarem os seus investimentos. Além disso, e mais do que nunca, há que estar atento às hipóteses que se possam abrir para que novos operadores franceses possam aceder ao nosso mercado, explorando as oportunidades que surjam e os incentivos que possam ser proporcionados.

Do mesmo modo, e no tocante aos empresários portugueses que procurem o mercado francês, o nosso objectivo é garantir que os nossos serviços de promoção comercial e de investimento – a AICEP – lhes possam fornecer todos os instrumentos de auxílio para operarem no mercado francês, ajudando-os a encontrar os contrapartes certos e facilitando a sua “leitura” deste mercado.

O que acabo de referir tem um objectivo prático: deixar claro às empresas, portuguesas e francesas, aquilo que os serviços da Embaixada podem fazer por elas. Os agentes económicos que operam no mercado luso-francês devem saber que podem contar com todo o meu empenhamento, pessoal e institucional, com vista a potenciar os seus negócios.

No próximo ano, irá ter lugar uma cimeira bilateral franco-portuguesa, que reunirá ambos os governos numa reflexão conjunta que sempre constitui um estímulo político para um conjunto de acções a desenvolver no futuro imediato. Tenho esperança que possamos dar a esta próxima reunião um sentido muito prático, em especial pela sua concentração em domínios operacionais que possam funcionar como estimulantes para o reforço do relacionamento económico bilateral.

Portugal e França, independentemente da dimensão desigual das suas economias, demonstraram ter muitos pontos comuns na abordagem de alguns dos desafios que esta crise lhes colocou. Essa constatação levou à adopção de “terapêuticas” similares para fazer frente a algumas disfunções que as respectivas economias revelaram. Tudo indica que, no futuro, os seus caminhos para a saída da crise se voltem de novo a encontrar, tanto mais que enfrentam alguns desajustes macro-económicos de idêntica natureza.

Em todo este trabalho, para as reflexões que devem anteceder as decisões a tomar a nível político, o papel da Câmara de Comércio é vital e central, em face da sua profunda inserção no tecido empresarial português em França e no empresariado francês com interesses em Portugal. Gostava de deixar muito claro que a Câmara de Comércio é hoje o primeiro e principal parceiro da Embaixada portuguesa em França nesta batalha positiva em torno da plena recuperação da dinâmica da actividade económica bilateral.

30 de novembro de 2009

Olhar o futuro

Portugal e a França são dois países que partilham uma intimidade antiga, que os tempos mais recentes não têm deixado de consolidar. A presença de uma importante comunidade portuguesa em território francês – a maior que Portugal tem no mundo –, bem como a continuidade de uma forte relação cultural, constituem o sólido pano de fundo em que hoje se projectam as relações políticas e económicas, que dão substância a um perfeito entendimento bilateral.


Os últimos anos encontraram Portugal e França no mesmo terreno de objectivos sobre a necessidade de trabalharem conjuntamente para ser mantida a vitalidade do projecto europeu e para garantir que o processo de integração política do continente possa ser utilizado como um instrumento para a promoção da paz e a da segurança internacionais. O trabalho levado a cabo por Lisboa e Paris, durante as suas recentes presidências da União Europeia, mostrou uma importante identidade de objectivos e a fidelidade a uma agenda comum de interesses. A continuidade de um excelente diálogo político, nos tempos posteriores a esses exercícios, demonstra que estamos perante uma firme linha de continuidade.


A situação internacional evoluiu, porém, nos últimos anos, num registo de alguma instabilidade, reflectida em diversos domínios, o que obriga a novas respostas de natureza colectiva. França e Portugal têm mantido um diálogo intenso e frutuoso sobre essas diversas dimensões. Tal foi o caso da reacção à crise económica global, onde ambos os países souberam transmitir às instâncias europeias a sua vontade de caminhar para a adopção de medidas de saneamento da regulação financeira e de normas constrangentes para aumentar a transparência dos procedimentos nesse domínio.


No plano interno, ambos os países desenharam programas nacionais de medidas de estímulo económico, susceptíveis de contrariarem os efeitos negativos da crise e estabilizarem os sectores por ela mais afectados. O facto de ambas as economias, não obstante as fragilidades que ainda as afectam e que vão perdurar por algum tempo, terem conseguido sair simultaneamente do estado de recessão técnica em que se encontravam mostra que as receitas adoptadas foram as correctas.


Como referido, França e Portugal optaram, no auge desta crise, por programas de estímulo económico e empresarial, de paralelo com intervenções pontuais em sectores financeiros cuja disrupção poderia ter consequências de “bola-de-neve”. Além disso, bem conscientes das implicações sociais da instabilidade da confiança económica, adoptaram, à luz das disponibilidade orçamentais que um tempo de limitações impõe, medidas de auxílio para sectores populacionais mais fragilizados.


Porém, não interessa a ninguém esconder que o futuro tem ainda algumas núvens pela frente. A retoma da economia internacional não está já ao virar da esquina, os impactos da crise sobre certos sectores produtivos podem ter consequências dramáticas e definitivas para algumas unidades produtivas, os níveis de desemprego tenderão a manter-se e, eventualmente, a agravar-se num futuro próximo.


Ainda no campo macroeconómico, França e Portugal vão ter de encontrar formas de garantir que, no médio prazo, conseguem reduzir os importantes défices orçamentais entretanto gerados, que vieram contrariar o esforço de redução que, com inegável êxito, vinha a ser levado a cabo por ambos os Governos, nos últimos anos. A circunstância da dívida pública ter crescido por essa via, bem como a possibilidade de poder vir a ser difícil reduzi-la num tempo próximo, no caso de uma eventual subida das taxas de juro, são elementos que têm de ser equacionados – nomeadamente à escala europeia, onde é importante encontrar uma resposta flexível e isenta de qualquer rigidez fundamentalista, que coloque os “critérios de convergência” ao serviço do crescimento e não apenas subordinados à ortodoxia financeira. Resta ainda a grande incógnita da factura energética, que pode vir a alterar todas as equações, por ter associada a si condicionantes de ordem político-estratégica que não está nas mãos dos dois países controlar.


Interessante foi também verificar que, tanto em Paris como em Lisboa, parece prevalecer uma leitura favorável a uma política de investimentos públicos que, ao mesmo tempo, reactive sectores empresariais capazes de absorver força de trabalho, sendo indutora de efeitos multiplicadores em áreas colaterais de actividade, com atenção paralela em domínios em que assentarão a vias do futuro – investigação, novas tecnologias, energias renováveis, etc.


Olhando agora mais para esse mesmo futuro, e especificamente no tocante às relações económicas bilaterais, parece ser importante que ambos os países – Estado e operadores económicos – consigam empreender uma reflexão conjunta sobre alguns aspectos que sobredeterminam esse mesmo quadro. Além disso, será vital consolidar e consensualizar, no quadro da União Europeia e no âmbito das medidas a tomar face à presente crise, qual a política de ajudas de Estado que pode vigorar, em moldes que não falseiem o Mercado Interno, mas permitam carrear legítimos estímulos a sectores em dificuldade.


Julgo que, neste contexto, o papel das Câmaras de Comércio bilaterais, em Lisboa e em Paris, é insubstituível. Torna-se muito relevante, para ambas as diplomacias, poderem acompanhar, com o maior cuidado, a sensibilidade dos agentes económicos, as suas dificuldades e interesses, com vista a poder apoiá-los para um maior reforço das relações económicas. O nosso futuro depende muito dessa solidez de relacionamento e do modo como ambos os países forem capazes de definir, dia-a-dia, um terreno comum de partilha de interesses e objectivos.

(Texto publicado no boletim da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa, em Lisboa)

10 de junho de 2009

A Europa não nos divide

Haverá que convir que o debate realizado em Portugal, em torno das eleições europeias, terá ficado à porta das grandes questões que se prendem com o futuro do nosso país no projecto integrador. Seria ingenuidade pensar que as coisas pudessem ter-se passado de modo diferente, atento o quadro de tensões políticas que antecedeu o sufrágio. Mas isso não impede que, ultrapassado este, se não tente reflectir, com serenidade, sobre o caminho que estamos a percorrer, situando-o no tempo europeu que actualmente se vive.


Gostaria de começar por notar que a Europa comunitária se tem revelado uma entidade mutante, que adquire novas formas à medida dos desafios que enfrenta e do modo como consegue, ou não, compatibilizar as vontades nacionais de que é composta. Com o tempo, vão-se alterando as expectativas de quem nela está inserido e de quem a olha de fora, seja como interlocutor, seja como potencial membro. Essa qualidade auto-transformadora do projecto europeu é, simultaneamente, a sua força e a sua fraqueza. Aliás, fica-se hoje com a sensação de que, se assim não fosse, a Europa comunitária teria estiolado.


A ambiguidade tem sido um dos principais motores da Europa. Os países e os povos estão neste projecto mobilizados por finalidades que nem sempre são exactamente as mesmas. Se se perguntasse a cada Estado qual o modelo final europeu para o qual desejaria ver evoluir a União Europeia, aqueles poucos que ousassem responder diriam coisas bem diversas – que iriam desde o formato federal à “Europa das nações”. Por isso, retomando a frase clássica de Kautsky para outra realidade, temos de concluir que, também na Europa, “o movimento é tudo, o fim é nada”.


No seu pouco linear processo de construção - dos ”seis” aos “vinte e sete” - a Europa passou por etapas diferentes, que corresponderam às pressões que foi colocando a si mesma, por opção própria ou por determinantes externas. Também por essa razão, convém que tenhamos plena consciência de que a Europa de amanhã vai ser outra coisa, distinta da que hoje existe e, naturalmente, já muito diferente daquela a que aderimos, nos Jerónimos, numa manhã de 1985.


Um mínimo de bom-senso deve levar-nos a concluir que, tendo em atenção o nível de consenso potencial hoje existente, o modelo federal europeu perdeu, definitivamente, a corrida. O federalismo europeu nasceu, historicamente, em torno dos países que deram início ao processo integrador, no pós-guerra. Essa pulsão, gerada pelo medo à repetição do conflito intra-europeu e às tensões da Guerra Fria, continuou a ser uma ideia muito centrada nesses mesmos Estados e, alguns deles, conseguiu mesmo suplantar os sentimentos nacionalistas. Pode dizer-se que o alargamento a Portugal e à Espanha foi o último momento desse tempo, que ainda apontava para que o modelo federal tivesse alguma plausibilidade.


Mas tudo mudou na Europa com o termo da Guerra Fria e, há que assumi-lo, toda a sedução que o modelo federal mantinha, mesmo em sectores dos países fundadores, acabou por esvair-se muito com a realidade dos últimos alargamentos. Interpretada como um imperativo político e estratégico, a entrada desse importante conjunto de novos Estados teve, como efeito colateral, a emergência de uma consciência de que a gestão da nova Europa tinha de fazer-se de outra forma. O Tratado de Nice foi a derradeira tentativa de compromisso com o modelo anterior. O Tratado de Lisboa é já a consagração da prevalência dessa outra leitura da Europa. Diga-se isto em voz alta, de uma vez por todas.


Portugal e a Europa


Mas voltemos um pouco atrás, ao caso português. O nosso país nasce para a integração europeia de uma forma muito diferente da dos países fundadores. A Europa serviu-nos como âncora para a democracia reconquistada e como apoio a um novo processo de desenvolvimento, encerrado que estava o ciclo colonial. Mas o sentimento soberanista, que é identitário na nossa política externa e que esteve bem patente nas duas primeiras décadas após o nosso acesso às Comunidades, tem em Portugal raízes bem profundas - e, há que dizê-lo, bem fundadas na nossa experiência histórica nacional. Por isso, a nossa atitude europeia começou por ser, em termos de projecto institucional, mais intergovernamental e muito pouco aberta às ideias federalistas. Com o tempo, um compromisso entre esses dois extremos acabou por fixar-se na matriz da nossa política externa.


O federalismo europeu em Portugal resulta de uma construção intelectual de algumas elites, na maior parte dos casos decorrente do seu convívio com algum outro pensamento internacionalista ou, pelo menos, com um cosmopolitismo cultural desprendido de defesas nacionalistas. Ser europeísta no sentido federal, em Portugal, foi uma atitude que resultou de um esforço de abstracção face à ideologia nacional dominante, uma tentativa de olhar além desses preconceitos, numa outra visão de longo prazo dos interesses portugueses num quadro global. Mas o federalismo pressupõe a partilha de uma "nacionalidade europeia", que os portugueses, pelo menos por ora, parecem longe de sentir.


O "europeísmo" em Portugal, convém sermos honestos, foi uma realidade diferente: situava-se nas vantagens económicas, nos bolsos ou na paisagem, somadas ao interesse na livre circulação, que garantia um estatuto a quantos já estavam na Europa comunitária antes do próprio país. Daí a insistência inicial na "ideologia da coesão", um teste à coerência do projecto europeu que traduzia, simultaneamente, a proposta de trocar a nossa abertura ao mercado interno pelo recebimento de ajudas compensatórias. Nada que outras países não obtivessem em paralelo, através de outras políticas europeias, note-se.


Já a indução do debate grandes países/pequenos países no discurso negocial europeu, foi um óbvio reflexo que teve algo de soberanista, embora sem ser, necessariamente, uma mera atitude anti-federal. O que esse movimento defensivo pretendeu ser foi a reacção contra um aproveitamento oportunista , por parte de alguns países que utilizavam a mutação do processo europeu como forma de imposição de um modelo de “directório”. Esses Estados, perdido que estava o modelo federal que apenas funcionava na anterior lógica de pequeno “clube”, rapidamente se reconverteram à ideia de reforço do seu próprio papel nacional, no seio do processo decisório europeu. A eficácia era e é a justificação maior que apresentavam. Nomes? Basta atentar nos países que sistematicamente atacam a Comissão Europeia, a única instituição cuja preeminência pode ainda garantir algum interesse comum e contrariar o peso de quem tem mais força.


As temáticas da coesão e do conflito pequenos/grandes foram, assim, as que estiveram mais presentes no debate europeu em Portugal, num caso por justificado interesse económico, noutro por considerável interesse político. Mas, curiosamente, temas tão próximos do eixo da soberania como são a moeda ou a segurança e defesa europeias passaram ao lado de qualquer polémica.


E agora?


Mas, perguntar-se-á o leitor, onde é que estamos hoje, quando a coesão política se sobrepõe à coesão económica e social? O modo responsável como Portugal se comportou face aos alargamentos da União provou que, nas elites políticas, foi possível criar a consciência de que o êxito do processo europeu tinha que ter um preço económico, com uma dimensão estratégica que não nos poderia ser indiferente. Foi uma opção consciente e politicamente motivada, destinada a evitar a emergência, ao tempo em que os últimos alargamentos estavam ainda em discussão, de uma espécie de "egoísmo da coesão". Julgo que, dessa forma, foi possível criar, na opinião pública portuguesa, um sentimento de naturalidade face à diversificação geográfica das ajudas, no quadro de uma Europa alargada. Nesse aspecto, Portugal foi e é um magnífico exemplo.


Agora, é preciso olhar o futuro, que não vai ser fácil. Perante nós estão dois grandes desafios.


O primeiro prende-se com a necessidade de assegurarmos, numa Europa que, para se realizar como entidade com escala a nível global, pode tender a dividir-se em núcleos para o aprofundamento de certas políticas, o nosso permanente lugar nesses mesmos modelos variáveis de integração. Não tenho a certeza de que o consigamos. Mas temos de lutar, com todas as forças, para evitar que o país mergulhe num novo ciclo de periferização.


O segundo desafio prende-se com o anterior. Para além de voluntarismo e de recursos financeiros para estarmos sempre nesses núcleos centrais, importa-nos manter como linha dominante na nossa política externa um sentido profundamente europeu, isto é, uma defesa extrema dos mecanismos comunitários e uma denúncia aberta dos modelos que favoreçam a fixação de “directórios”.


Nada que todos os governos do nosso país não tenham feito até hoje, diga-se. A Europa, em Portugal, não nos divide.


(Artigo publicado no jornal diário português "i" em 10 de Junho de 2009)

A Europa não nos divide

Haverá que convir que o debate realizado em Portugal, em torno das recentes eleições europeias, terá ficado à porta das grandes questões que se prendem com o futuro do nosso país no projecto integrador. Seria ingenuidade pensar que as coisas pudessem ter-se passado de modo diferente, atento o quadro de tensões políticas que antecedeu o sufrágio. Mas isso não impede que, ultrapassado este, se não tente reflectir, com serenidade, sobre o caminho que estamos a percorrer, situando-o no tempo europeu que actualmente se vive.

Gostaria de começar por notar que a Europa comunitária se tem revelado uma entidade mutante, que adquire novas formas à medida dos desafios que enfrenta e do modo como consegue, ou não, compatibilizar as vontades nacionais de que é composta. Com o tempo, vão-se alterando as expectativas de quem nela está inserido e de quem a olha de fora, seja como interlocutor, seja como potencial membro. Essa qualidade auto-transformadora do projecto europeu é, simultaneamente, a sua força e a sua fraqueza. Aliás, fica-se hoje com a sensação de que, se assim não fosse, a Europa comunitária teria estiolado.

A ambiguidade tem sido um dos principais motores da Europa. Os países e os povos estão neste projecto mobilizados por finalidades que nem sempre são exactamente as mesmas. Se se perguntasse a cada Estado qual o modelo final europeu para o qual desejaria ver evoluir a União Europeia, aqueles poucos que ousassem responder diriam coisas bem diversas – que iriam desde o formato federal à “Europa das nações”. Por isso, retomando a frase clássica de Kautsky para outra realidade, temos de concluir que, também na Europa, “o movimento é tudo, o fim é nada”.

No seu pouco linear processo de construção – dos ”seis” aos “vinte e sete” – a Europa passou por etapas diferentes, que corresponderam às pressões que foi colocando a si mesma, por opção própria ou por determinantes externas. Também por essa razão, convém que tenhamos plena consciência de que a Europa de amanhã vai ser outra coisa, distinta da que hoje existe e, naturalmente, já muito diferente daquela a que aderimos, nos Jerónimos, numa manhã de 1985.

Um mínimo de bom-senso deve levar-nos a concluir que, tendo em atenção o nível de consenso potencial hoje existente, o modelo federal europeu perdeu, definitivamente, a corrida. O federalismo europeu nasceu, historicamente, em torno dos países que deram início ao processo integrador, no pós-guerra. Essa pulsão, gerada pelo medo à repetição do conflito intra-europeu e às tensões da Guerra Fria, continuou a ser uma ideia muito centrada nesses mesmos Estados e, alguns deles, conseguiu mesmo suplantar os sentimentos nacionalistas. Pode dizer-se que o alargamento a Portugal e à Espanha foi o último momento desse tempo, que ainda apontava para que o modelo federal tivesse alguma plausibilidade.

Mas tudo mudou na Europa com o termo da Guerra Fria e, há que assumi-lo, toda a sedução que o modelo federal mantinha, mesmo em sectores dos países fundadores, acabou por esvair-se muito com a realidade dos últimos alargamentos. Interpretada como um imperativo político e estratégico, a entrada desse importante conjunto de novos Estados teve, como efeito colateral, a emergência de uma consciência de que a gestão da nova Europa tinha de fazer-se de outra forma. O Tratado de Nice foi a derradeira tentativa de compromisso com o modelo anterior. O Tratado de Lisboa é já a consagração da prevalência dessa outra leitura da Europa. Diga-se isto em voz alta, de uma vez por todas.

Nós e a Europa

Mas voltemos um pouco atrás, ao caso português. O nosso país nasce para a integração europeia de uma forma muito diferente da dos países fundadores. A Europa serviu-nos como âncora para a democracia reconquistada e como apoio a um novo processo de desenvolvimento, encerrado que estava o ciclo colonial. Mas o sentimento soberanista, que é identitário na nossa política externa e que esteve bem patente nas duas primeiras décadas após o nosso acesso às Comunidades, tem em Portugal raízes bem profundas - e, há que dizê-lo, bem fundadas na nossa experiência histórica nacional. Por isso, a nossa atitude europeia começou por ser, em termos de projecto institucional, mais intergovernamental e muito pouco aberta às ideias federalistas. Com o tempo, um compromisso entre esses dois extremos acabou por fixar-se na matriz da nossa política externa.

O federalismo europeu em Portugal resulta de uma construção intelectual de algumas elites, na maior parte dos casos decorrente do seu convívio com algum outro pensamento internacionalista ou, pelo menos, com um cosmopolitismo cultural desprendido de defesas nacionalistas. Ser europeísta no sentido federal, em Portugal, foi uma atitude que resultou de um esforço de abstracção face à ideologia nacional dominante, uma tentativa de olhar além desses preconceitos, numa outra visão de longo prazo dos interesses portugueses num quadro global. Mas o federalismo pressupõe a partilha de uma "nacionalidade europeia", que os portugueses, pelo menos por ora, parecem longe de sentir.

O "europeísmo" em Portugal, convém sermos honestos, foi uma realidade diferente: situava-se nas vantagens económicas, nos bolsos ou na paisagem, somadas ao interesse na livre circulação, que garantia um estatuto a quantos já estavam na Europa comunitária antes do próprio país. Daí a insistência inicial na "ideologia da coesão", um teste à coerência do projecto europeu que traduzia, simultaneamente, a proposta de trocar a nossa abertura ao mercado interno pelo recebimento de ajudas compensatórias. Nada que outras países não obtivessem em paralelo, através de outras políticas europeias, note-se.

Já a indução do debate grandes países/pequenos países no discurso negocial europeu, foi um óbvio reflexo que teve algo de soberanista, embora sem ser, necessariamente, uma mera atitude anti-federal. O que esse movimento defensivo pretendeu ser foi a reacção contra um aproveitamento oportunista, por parte de alguns países que utilizavam a mutação do processo europeu como forma de imposição de um modelo de “directório”. Esses Estados, perdido que estava o modelo federal que apenas funcionava na anterior lógica de pequeno “clube”, rapidamente se reconverteram à ideia de reforço do seu próprio papel nacional, no seio do processo decisório europeu. A eficácia era e é a justificação maior que apresentavam. Nomes? Basta atentar nos países que sistematicamente atacam a Comissão Europeia, a única instituição cuja preeminência pode ainda garantir algum interesse comum e contrariar o peso de quem tem mais força.

As temáticas da coesão e do conflito pequenos/grandes foram, assim, as que estiveram mais presentes no debate europeu em Portugal, num caso por justificado interesse económico, noutro por considerável interesse político. Mas, curiosamente, temas tão próximos do eixo da soberania como são a moeda ou a segurança e defesa europeias passaram ao lado de qualquer polémica.

E agora?

Mas, perguntar-se-á o leitor, onde é que estamos hoje, quando a coesão política se sobrepõe à coesão económica e social? O modo responsável como Portugal se comportou face aos alargamentos da União provou que, nas elites políticas, foi possível criar a consciência de que o êxito do processo europeu tinha que ter um preço económico, com uma dimensão estratégica que não nos poderia ser indiferente. Foi uma opção consciente e politicamente motivada, destinada a evitar a emergência, ao tempo em que os últimos alargamentos estavam ainda em discussão, de uma espécie de "egoísmo da coesão". Julgo que, dessa forma, foi possível criar, na opinião pública portuguesa, um sentimento de naturalidade face à diversificação geográfica das ajudas, no quadro de uma Europa alargada. Nesse aspecto, Portugal foi e é um magnífico exemplo.

Agora, é preciso olhar o futuro, que não vai ser fácil. Perante nós estão dois grandes desafios.

O primeiro prende-se com a necessidade de assegurarmos, numa Europa que, para se realizar como entidade com escala a nível global, pode tender a dividir-se em núcleos para o aprofundamento de certas políticas, o nosso permanente lugar nesses mesmos modelos variáveis de integração. Não tenho a certeza de que o consigamos. Mas temos de lutar, com todas as forças, para evitar que o país mergulhe num novo ciclo de periferização.

O segundo desafio prende-se com o anterior. Para além de voluntarismo e de recursos financeiros para estarmos sempre nesses núcleos centrais, importa-nos manter como linha dominante na nossa política externa um sentido profundamente europeu, isto é, uma defesa extrema dos mecanismos comunitários e uma denúncia aberta dos modelos que favoreçam a fixação de “directórios”.

Nada que todos os governos do nosso país não tenham feito até hoje, diga-se. A Europa, em Portugal, não nos divide.

(Artigo publicado no jornal "i", em 10.6.2009)

30 de abril de 2009

25 de Abril - 35 anos depois

Comemoraram-se, há dias, 35 anos sobre a Revolução iniciada em 25 de Abril de 1974, em Portugal. Alguém a qualificou, um dia, como a última “revolução romântica” da Europa. Sou de opinião que todas as revoluções, desde que apontem no sentido da liberdade, têm o seu lado romântico ou, pelo menos, ficam na memória popular como tal.


A Revolução do 25 de Abril, ou a Revolução dos Cravos, como ficou conhecida em França e um pouco por todo o mundo, é, em si mesma, o produto de um conjunto muito complexo de factores. Ela não se explica apenas pela conjuntura que se vivia, em 1974, em Portugal, e só pode ser bem entendida, tal como os acontecimentos que lhe sucederam, se se conhecer a génese histórica da sociedade política em que teve lugar.


Convém começar por deixar clara uma realidade por vezes não suficientemente mencionada: a Democracia, em Portugal, não é uma coisa nova, não nasceu com o 25 de Abril. A democracia foi instaurada em Portugal, num modelo idêntico ao que vigorava já em alguns países da Europa, na década de 20 do século XIX. Foi nessa altura, que corresponde em Portugal ao fim do Antigo Regime, ao fim do “absolutismo”, que a vida portuguesa iniciou o seu percurso constitucional e lançou as bases para a gestão democrática do país. De certo modo, foi a fuga da Corte portuguesa para o Brasil, onde estivera refugiada desde que o país fora invadido pelas tropas napoleónicas, em 1808, que criou o caldo de cultura que fez ruir, definitivamente, o Antigo Regime em Portugal.


Todo o século XIX foi, a partir de então, atravessado por uma tensão política muito forte, inicialmente numa guerra civil entre facções absolutistas e liberais, que mais tarde evoluiu para um confronto politicamente mais enquadrado constitucionalmente, entre monárquicos e republicanos. O peso cada vez mais preponderante das ideias liberais, o papel crescente das sociedades secretas, que tinham a instauração da República como objectivo final da sua agitação, a crise do modelo colonial português, pela perca do Brasil e pelas limitações colocadas pela Inglaterra aos planos coloniais portugueses em África e, finalmente, a notória incapacidade da corte portuguesa de enquadrar a vontade de mudança que atravessava o país – tudo isso conduziu ao golpe civil e militar que implantou a República, em 5 de Outubro de 1910.


A partir de 1910, e por 16 anos, um regime republicano de cariz parlamentar impôs-se no país. Acho interessante notar que, se descontarmos o caso muito particular e sui generis da Suiça, a República portuguesa é a segunda a nascer na Europa, depois da França. Todo esse tempo, que em Portugal se chama Primeira República, foi marcado por uma tensa polarização entre dois sectores da sociedade portuguesa.


Por um lado, um país rural e conservador, politicamente assente no poder dos caciques, que beneficiavam da incultura da população, com forte influência da Igreja católica, instituição que a República laica hostilizou desde o primeiro momento. As forças monarquicas derrotadas em 1910, em grande parte no exílio, combatiam então o novo regime e nele introduziam vagas sucessivas de instabilidade.


Do outro lado estava uma nova classe em ascensão, constituída pela pequena e média burguesias urbanas, com funcionários e comerciantes, muito permeados pelas ideias maçónicas e anti-religiosas, militantes pela laicidade e pela educação popular, que ocuparam o essencial do espaço político-partidário do novo regime.


Além disso, a República estava sob forte pressão da agitação nos meios operários – onde o anarquismo e o socialismo radical detinham uma influência crescente, fruto dos ideários revolucionários que lhes chegavam de uma Europa em ebulição.


Este complexo puzzle, que se reflectia sobre um sistema político muito dividido, desencadeou uma instabilidade quase permanente, com sucessivas quedas dos governos e algumas intentonas revolucionárias, quase sempre tendo como objectivo último a restauração da monarquia. Uma crescente agitação conservadora, desfavorável ao novo regime, começou a borbulhar no meio militar, que se mostrava descontente com a desordem nas ruas e, de certo modo, sentia a humilhação pelo modo como era lida a sua participação na fase final da Primeira Guerra Mundial.


Perante uma sociedade portuguesa aturdida, assustada pela agitação social, polarizada por uma igreja conservadora e ansiosa por um ambiente de ordem que a instabilidade republicana não conseguia garantir – muito por culpa dos seus inimigos, diga-se - um golpe militar interrompeu, em 28 de Maio de 1926, esta primeira experiência democrática feita no quadro republicano. A chegada dos militares ao poder acabou, assim, por fazer-se quase que com alguma naturalidade, seguindo exemplos em voga noutros países europeus.


A Ditadura Militar, como se auto-apelidou sem cerimónia, teve, porém, uma evolução muito mais conservadora do que alguns dos seus próprios promotores esperavam. Seguindo os modelos que faziam escola na Europa, o regime militar viria a evoluir, ao final de poucos anos, para um regime civil, o Estado Novo, que iria ser consagrado na Constituição de 1933. Nos seus princípios reflectia-se uma espécie de fascismo “soft”, acomodado entre conceitos hiper-conservadores, que misturava uma espécie de ruralismo político e de tradicionalismo moral e religioso. Nesse modelo, a economia do país, essencialmente de base agrícola e com uma muito incipiente indústria, foi enquadrada num regime para-corporativo, que procurava anular os perigos do sindicalismo, bebendo as suas bases ao modelo mussoliniano. O formato constitucional criava, assim, aquilo que qualificou de “democracia orgânica”, com uma espécie de parlamento de um só partido e um modelo novo de senado – a Câmara Corporativa.


Esse regime durou 48 anos, teve diversas fases, nomeadamente no modo como reprimiu os seus adversários e como procurou justificar-se politicamente. Mas houve padrões de comportamento de que nunca se afastou durante esses 48 anos: interdição de partidos políticos, limitação das liberdades fundamentais, prisão e frequente tortura dos activistas que se lhe opunham, polícia política feroz e censura permanente à comunicação social. Diga-se, em abono da verdade, que, mesmo nos seus auges repressivos, o grau de violência do regime sobre os seus adversários não se pode comparar ao de outros modelos autoritários europeus que lhe foram contemporâneos. Isso não evitou que, ao longo desse quase meio século, muitas centenas de pessoas tivessem sido presas, algumas por mais de duas décadas, por vezes muito para além dos períodos a que haviam sido condenadas por uma justiça política discricionária. Outras pessoas morreram por simples violência policial ou objecto de maus tratos, em alguns casos em condições penais degradantes, de que o campo de concentração do Tarrafal, nas ilhas de Cabo Verde, é o exemplo mais saliente.


A polícia política constituiu-se numa realidade omnipresente na sociedade portuguesa, as denúncias e delacções eram estimuladas, muitas pessoas eram afastadas de cargos públicos por mera avaliação política subjectiva e muitas famílias foram condenadas a sobreviver com imensas dificuldades. A vida intelectual era condicionada, o acesso ao ensino estava muito abaixo das médias europeias, as taxas de analfabetismo era muito elevadas. Apesar de, nos termos da Constituição de 1933, o regime organizar actos eleitorais com regularidade formal, as campanhas dos oposicionistas eram limitadas, sem acesso livre à comunicação social, com fraudes eleitorais sempre escandalosas. A melhor prova será, com certeza, o facto de, ao longo de todas essas décadas, nunca nenhum membro da oposição ter sido eleito para o parlamento do regime.


António de Oliveira Salazar foi o estratega e, posteriormente, o condutor desse regime que se chamou Estado Novo. Ministro das Finanças da Ditadura Militar, passou rapidamente a ídolo dos oficiais que se tinham revoltado em 1926 e, pela mão destes, veio a chegar à chefia do Governo, onde se manteve, sem interrupção, entre 1932 e 1968. Receoso do contágio do radicalismo esquerdista que se vivia em Espanha, Salazar apoiou, com sucesso, o general Franco na sua revolta contra o regime republicano, durante a Guerra Civil espanhola, entre 1936 e 1939.


Durante a II Guerra Mundial, Salazar jogou, inicialmente, de forma a não hostilizar a Alemanha e soube pressentir quando a mudança do vento passou a funcionar em favor dos Aliados. A partir de um certo momento, e depois de muito resistir, optou por conceder facilidades militares, nas ilhas dos Açores, às forças que acabaram por ser vitoriosas da guerra, na execução da política a que, sintomaticamente, chamou de “neutralidade colaborante”.


O início da Guerra Fria colocou todos os anti-comunistas – democratas ou não – do mesmo lado da barricada e, num gesto de cínica “realpolitik” por parte dos aliados, o regime autoritário português foi premiado com a sua sobrevivência. Embora, na retórica, Portugal continuasse a ser apelado a restaurar a democracia, a verdade é que Salazar nunca sofreu pressões insuportáveis para liberalizar o seu regime, o qual, no plano prático, acabava por satisfazer os interesses dos Aliados, que levaram mesmo o país a ser membro fundador da OTAN.


Porém, o regime português, tinha, dentro de si, uma fragilidade que lhe iria ser fatal.


Ele assentava, no plano ideológico, num modelo de país imperial, o qual, a partir de certo momento, se recusou a reconhecer-se como um puro modelo colonial, com todas as consequências históricas daí decorrentes. Para o Estado Novo, Portugal era uma entidade que ia “do Minho a Timor” e quem não aceitasse esse mito identitário mais não era que um simples traidor à Pátria. Ao adoptar esta doutrina como base do regime, o Portugal de Salazar não conseguiu perceber a chegada de uma mudança histórica: a nova era da autodeterminação e do fim dos impérios coloniais.


Outras potências colonizadoras europeias souberam, com maior ou menor sucesso, desenvolver uma estratégia de saída das suas colónias. Em muitos casos, essa estratégia assentou na promoção de uma burguesia local, preparada para tomar o lugar do colonizador. Porém, Portugal não podia fazer isso: o seu subdesenvolvimento europeu originou também uma espécie de “colonialismo subdesenvolvido”, sem elites preparadas para assumir o poder na transição, em colónias sujeitas à quase desertificação educativa.


Sem perceber que o sonho imperial era isso mesmo – um sonho –, o país foi obrigado, a partir de 1961, pela força de revoltas sucessivas, a ter de enfrentar guerras coloniais, as quais, por uma década, foram mesmo simultâneas em Angola, Moçambique e Guiné. Antes disso, Portugal perdera já as suas possessões na Índia, com a qual foi incapaz de gizar uma solução negociada. Por virtude destas gerras, centenas de milhares de portugueses, num país com uma população de menos de 10 milhões, passaram obrigatoriamente vários anos nas Forças Armadas, ao longo das décadas de 60 e 70, com custos pessoais, sociais e familares muito sérios.


Com a guerra, a emigração, que era uma constante cíclica do país, aumentou fortemente em direcção à Europa – de que a França foi o principal destino. Foi uma emigração que, inicialmente, era apenas de natureza económica mas que, com o passar do tempo, inclui também quantos procuravam evitar as guerras coloniais.


Salazar adoeceu em 1968 e foi substituído por Marcelo Caetano, uma figura oriunda dos quadros do regime, que se revelou incapaz de desenhar uma saída para o impasse em que o mesmo caíra. Caetano alimentou, inicialmente, um discurso liberalizante e ambíguo, que suscitou algumas esperanças, mas logo se verificou que seguia a lógica de Lampedusa: “mudar alguma coisa para que tudo continuasse na mesma”. A questão colonial, para a qual continuou sem soluções, terá sido o elemento decisivo que rigidificou o regime e que levou à sua derrota histórica.

As forças empresariais portuguesas – e é preciso dizer isto alto, de uma vez por todas – nunca tiveram, em Portugal, nem a visão nem o rasgo para se aliarem às personalidades modernizadoras que o início do período de Marcelo Caetano fizera despontar e que poderiam ter auxiliado uma evolução sem ruptura para a democracia. Nem sequer souberam aproveitar o exemplo de Espanha, onde uma nova burguesia tecnocrática soube convencer o general Franco a permitir alguma abertura, que viria a ser desenvolvida no transição política feita depois da sua morte. Os grandes grupos económicos portugueses viriam a pagar bem cara essa sua aliança objectiva com a ditadura, fruto de uma acomodação com os lucros que ganhavam, graças ao regime laboral rígido e sem liberdades que utilizavam em Portugal e, de igual modo, com a sua falta de estratégia para gerir um “phasing out” dos importantes interesses que mantinham em África.


Como acto político, e como referi no início desta palestra, a Revolução que tem lugar em 25 de Abril de 1974 acabou por ser a resultante de uma aliança cumulativa de descontentamentos de génese muito diversa. Em síntese, esse descontentamento assentava no cansaço colectivo com as guerras coloniais, nas limitações orçamentais derivadas das imensas despesas militares, na ausência de um entusiasmo popular para a defesa de um regime que se alimentava da História, na crescente consciência que o país tinha de que estava a caminhar à margem da modernidade do mundo europeu.


Entretanto, as guerras colonais haviam obrigado as Forças Armadas portuguesas a alargarem a sua base de recrutamento, formando oficiais oriundos de classes sociais cada vez mais baixas, por isso cada vez mais sensíveis às realidades criadas pela chocante dualidade social do país. Por outro lado, a necessidade de formação de quadros de comando conduziu à incorporação obrigatória nas Forças Armadas de milhares de estudantes universitários, saídos de um meio onde o ambiente de radicalismo político estava então no auge, incendiado pelas ideologias a que o Maio de 1968, aqui em França, dera ainda maior popularidade. A junção destes novos recrutas com os militares profissionais, já cansados de uma guerra sem solução política à vista, ajudou a alimentar nestes últimos uma consciência política que gerou uma crescente insatisfação face ao poder.


Inicialmente, o mal-estar militar assentava em meras razões de egoísmo corporativo, mas, pela mão hábil de alguns oficiais, ele rapidamente se converteu num movimento de sentido político. O movimento de 25 de Abril de 1974 foi, tecnicamente, um golpe de Estado militar, justificado por uma “patine” ideológica apenas democratizante, com grandes hesitações e contradições, dentre as quais a mais importante era a própria questão colonial, abordada inicialmente de forma ambígua. Mas o povo português, mobilizado pelas forças e personalidades políticas que, ao longo da ditadura, haviam combatido o regime, rapidamente soube transformar o golpe de Estado numa Revolução. O que se passou após o 25 de Abril foi uma explosão de um país que estava sem voz, uma revolta assente em vários radicalismos, os quais, ao longo dos anos de 1974 e 1975, só muito lentamente começaram a ver-se ultrapassados por forças mais moderadas.


Esta contraposição de posições não se fez, porém, sem luta e sem crises. A partir de um certo momento, ficou claro que havia dois campos bem distintos.


De um lado estavam os que optavam por um modelo democrático similar ao que vigorava em muitos países do Ocidente europeu, embora com uma roupagem socializante, os quais passaram a ser acompanhados por todas as forças conservadoras, mesmo os que se reviam no regime derrubado.


Do outro estavam diversos grupos de matriz socialista, num magma contraditório e muito conflitual entre si, que ia desde o modelo soviético ao esquerdismo maoísta, tendo ainda no meio os promotores de um “poder popular” de sentido quase anarquizante.


Todos estes grupos, sem excepção, tinham conseguido influenciar sectores das próprias Forças Armadas, o que criou um potencial muito sério para uma guerra civil. Das contradições e alianças tácticas entre estes vários grupos resultou uma situação de grande tensão, ao longo de 1975, que partiu da vaga de nacionalizações que teve lugar em 11 de Março até terminar no “putch” em 25 de Novembro, que acabou por confirmar as forças moderadas no comando do processo político.


Esse ano de 1975 foi o ano de todas as batalhas ideológicas e, de certo modo, foi o ano que encerrou as batalhas políticas mais sérias, que a sorte fez com que não tivessem transformado em batalhas militares.


“To make a long story short”, como dizem os anglo-saxónicos, que resta hoje do 25 de Abril em Portugal?


Resta uma herança política e social muito importante.


Resta um sólido regime democrático, servido por uma Constituição com um equilíbrio inter-institucional funcional, que tem evoluído e sobrevivido a todas as tensões e crises políticas.


Resta uma sociedade livre, tão livre como qualquer outra dentro da União Europeia, no que respeita à liberdade dos meios de comunicação social ou a quaisquer outras formas de expressão pública, com um sociedade civil activa e participante.


Resta uma vida económico-social que, situada embora num patamar relativamente modesto no quadro europeu ocidental, representa um país moderno, dotado de importante rede de infraestruturas e com um nível de vida que está a “anos-luz” da sociedade que a ditadura proporcionava aos portugueses em 1974.


Resta uma ampla democratização do ensino e da cultura, que atravessa crises que não estão distantes de algumas que hoje afectam a França, mas onde os índices de cobertura representam um impressionante salto face à situação de há três décadas atrás.


Resta um país com uma acção externa de grande coerência, muito activa e solidária, com uma política europeia de grande clareza, com uma relação magnífica com todas as suas antigas colónias, com uma intensa participação nas instituições multilaterais, com uma colaboração activa das suas forças militares em vários cenários de manutenção de paz.


Estamos então perante um oásis?


Não, estamos perante uma sociedade que sabe estar ainda marcada por algumas bolsas de subdesenvolvimento, com um tecido económico cuja reconversão, que já estava a ser feita sob pressão da globalização, sofre hoje as consequências da crise mundial, a qual incide de forma séria sobre uma economia aberta como é a portuguesa, com sérias consequências no emprego e no défice das contas públicas.


Este Portugal, com todos os seus problemas e dificuldades, é, contudo, um país muito diferente do que existia em 1974. Foi a Revolução de 1974 que acabou por dotar o país das intituições que, entre naturais crises e polémicas, presidem hoje à sua gestão democrática quotidiana. Por isso, em Portugal, tirando alguns saudosistas solitários, o 25 de Abril é visto globalmente como um movimento que valeu a pena.


Também por isso, julgo que os portugueses podem ter orgulho em se sentirem um povo que soube viver um tempo de grandes mudanças, no seio da instabilidade provocada pelo trauma do regresso definitivo das caravelas do império, um povo que conseguiu, apenas em algumas décadas, com a importante ajuda da Europa, gerar uma sociedade de saudável tolerância, marcada por um indiscutível sentido democrático.


Por isso, repito, valeu a pena fazer o 25 de Abril.


Tradução da palestra proferida na Casa de Portugal, na Cidade Universitária de Paris, em 29 de Abril de 2009

21 de abril de 2009

L'Europe: Culture ou Civilisation ?

J’appartiens à une génération portugaise qui a eu le tragique privilège historique de vivre dans une époque de transition. En effet, j’ai vécu déjà, à un âge adulte, dans une ambiance de dictature dont la perfidie principale a été celle de parvenir à retarder notre avenir. Et je vis aujourd’hui dans une démocratie pour la consolidation de laquelle l’Europe a joué et joue un rôle décisif.


Dans ma jeunesse, traverser les Pyrénées signifiait «aller en Europe». L’Europe était alors une entité quelque peu mythique, située au-delà d’une Espagne qu’on nous avait appris à méconnaître. C’était un continent dont la plupart d’entre nous se sentait sentimentalement proche et vers lequel une partie de mon pays s’était déjà lancée à la recherche d’un avenir, mais que nous savions très distant, en raison aussi de l’impérativité du conditionnement qui était imposé à notre quotidien.


En tant que nation, les portugais étaient tributaires naturels de cultures européenne séculaires, mais l’isolement dont nous souffrions, lié à la prépondérance au quotidien d’un mythe idéologique bâti sur un impérialisme tardif et pathétique, se projetait dans notre éducation entière et avait pour objectif délibéré de nous éloigner de l’Europe. Dans ce monde irréel dans lequel nous vivions «orgueilleusement seuls», comme disait Salazar, l’Europe était ainsi le pire des dangers car elle portait en elle la sinistre matrice des droits fondamentaux, de la détestée démocratie, des dangereux partis politiques et de la panoplie des idées subversives que le monde de la liberté paraissait comporter. Pour dépasser ce monde de grise fantaisie, les signaux culturels de la contemporanéité étaient notre pont de liaison au continent, étaient la voie de sortie du «radeau de pierre», que Saramago viendra à imaginer nombre d’années plus tard.


Je veux dire par là que j’appartiens à un pays et à une génération qui n’ont pas toujours été naturellement européens. Étant européens par racine historique, nous avons fini, en vérité, par arriver seulement à être des européens contemporains par la volonté, et, très spécialement, à travers la culture. Au contraire d’un citoyen allemand, luxembourgeois ou italien, ou d’un jeune portugais d’aujourd’hui, ma génération a été forcée de porter le regard sur l’Europe de l’extérieur vers l’intérieur.


Dans notre petit monde d’alors, c’est la culture qui m’a fait arriver en Europe, ou mieux, c’est la culture qui m’a donné le rare privilège de pouvoir ne pas la perdre de vue: ce sont les librairies da la Rive Gauche, les romans torturés de l’Allemagne d’après-guerre, la musique des Beatles et des Stones dans les ondes pirates de «Radio Caroline», les voix romantiques de Brel et de Bécaud, l’image désenchantée des paysages arides du réalisme italien et la production magique de la génération des Cahiers du Cinéma. En outre, mai 68 nous a apporté un remake inespéré d’une certaine Europe mythique des révolutions dans la rue et nous vivions, simultanément, avec le mirage des bourses d’études, à Louvain ou en Suisse, pour éviter les guerres coloniales, ressentant comme les nôtres les débats incendiaires dans le Nouvel Observateur et dans le Temps Modernes.


Mais, partant des rues de Prague, se traînait déjà un pressentiment, encore diffus, des tragédies qui se trouvaient derrière le soi-disant «socialisme réel», de Djilas à Arthur London, de Soljenitzin à Sakharov. Ma génération a suivi divers chemins, les uns plus radicaux, les autres plus sereins. Mais, bien au fond, nous étions presque tous unis dans la volonté de positionner notre pays en accord avec sa géographie. Et nous avons tous fini par nous rencontrer, un beau matin d’avril en 1974, quelques uns d’entre nous aidant à démolir avec joie notre propre mur, bien avant celui de Berlin.


Pour toutes ces raisons, quand ma vie professionnelle m’a projeté à travers le monde, j’étais probablement plus équipé que beaucoup d’autres pour comprendre un peu mieux ce que l’Europe politique représentait pour ceux qui vivaient en dehors d’elle, pour ceux qui convoitaient de se rapprocher d’elle et pour ceux qui la percevaient, dans le monde, comme un partenaire. Et, dans ce parcours, je me suis toujours posé deux questions, qui relèvent beaucoup de la dimension culturelle qui aujourd’hui nous réunit ici.


La première est quasiment existentielle : est-il possible que nous, les habitants de ce continent, ayant l’Union Européenne comme centre incontournable, possédions, en vérité, quelque chose de commun, d’identitaire, qui nous unit et nous fait sentir que cela nous marque en tant qu’européens ?


La seconde question est uniquement un corollaire de la première: comment sommes nous vus de l’extérieur? Projetons-nous une image culturelle propre et univoque? Quels espoirs et souhaits faisons-nous naître chez les autres?


Habituellement nous répondons à la première question en donnant comme exemple usagé que, toujours, nous nous sentons plus européens quand nous sommes, par exemple, en Amérique, sans révéler que l’Amérique des dernières années a apporté un fort et involontaire soutien à ce même sentiment. Toutefois, je dois confesser, que je me sens plus chez moi dans un café de Buenos Aires ou dans une librairie du West Side de New York que dans des endroits de l’Europe géographique, dont je préfère ne pas me rappeler le nom, comme disait Cervantès pour un certain lieu de la Manche, dans le paragraphe d’ouverture du Don Quichotte.


J’interprète le sens d’une culture commune comme quelque chose qui se projette dans la façon avec laquelle nous partageons les traditions, les croyances, les mythes, les projections et les modes de vie, les valeurs propres, quelques unes même un peu contradictoires entre elles, mais avec une matrice que nous identifions comme étant très proche. C’est quelque chose qui découle d’une solide et continuelle appartenance à une longue histoire collective, mais propre aux nations, souvent aux pays et aux régions, plus qu’aux grands espaces multinationaux.


Ce que l’on détecte en Europe, mais qui ne reste pas délimité à ses frontières, et qui fait que nous soyons liés à New York ou à Buenos Aires, ce sont les surnommées « sphères culturelles », des identités culturelles diffusées par des couches ou par des secteurs qui ont moins de rapport avec la géographie et bien plus avec les niveaux de perception conjointe de certains signaux, quel que soit l’endroit où se trouve celui qui les partage. Bien qu’antérieure à la globalisation, ceci est une réalité potentialisée par elle et, que d’une certaine façon, l’internet a rendu encore plus évidente.


Et, à partir d’ici, découle la réponse à la seconde question, celle sur le type de regard que les autres portent sur nous. Une fois de plus, courant le grand risque de simplifier ce qui est très complexe, je dirais qu’il me semble que le monde est aujourd’hui très loin de percevoir des signaux d’une culture européenne commune, mais commence assurément à construire l’image de l’existence progressive d’un modèle de civilisation européen – où se projettent les différentes et diverses dimensions culturelles de notre continent, tout en l’influençant et en le sur-déterminant.


Je trouve même qu’actuellement le reste du monde commence à concevoir une certaine idée de l’Europe qui est supérieure, car plus clairement dessinée, à celle que l’Europe possède déjà d’elle-même. Pour utiliser les termes d’un philosophe allemand, qu’il n’est plus à la mode de citer, je me risquerai à dire qu’il existerait, aujourd’hui déjà, une Europe civilisationnelle « en soi », mais peut-être n’y a-t-il pas encore une civilisation européenne « pour soi ». C’est pourquoi, ce regard extérieur, bien qu’il détecte une projection civilisationnelle commune, il distingue en elle, de façon plus ou moins claire, les différentes Europes culturelles. Il prend note, en particulier, des expressions des pays qui s’affirment le plus dans le marché international de la culture, des pouvoirs d’attraction de ses produits et contenus, ainsi que la puissance de ses moyens de support de la communication.


Mais, je suis convaincu que cet étranger ne fait pas le lien entre son idée de l’Europe – que ce soit l’Europe en général ou l’Union Européenne en particulier – et une projection culturelle déterminée, définie et bien taillée dans ses contours. Et il a raison: à mon avis, s’il prenait ce chemin, il soutiendrait une fausse caricature de la culture européenne. Cet observateur extérieur a de plus en plus raison de préserver ce regard à facettes multiples, par exemple, quand on lui parle de l’Union Européenne: à mesure que l’Union Européenne s’est élargie, qu’elle s’est donné une légitimation en tant que projet, qu’elle s’est réconciliée historiquement avec elle-même, l’Europe est devenue culturellement beaucoup plus diversifiée, beaucoup plus pluraliste et riche dans la variété de ses expressions respectives. La pression de la subsidiarité, qui aujourd’hui est politiquement protégée, a même tendance à forcer l’attention sur les communautés locales, sur les régions, sur les traditions minoritaires, pour ce qui se distingue et qui orgueilleusement résiste à la force d’un template commun.


Mais il y a un facteur que l’étranger commence aussi à reconnaître, spécialement après que l’Europe politique a désiré être vue comme un bénin soft power : cet étranger voit l’émergence dans l’espace européen, centrée dans l’Union Européenne, d’une volonté commune en tentant d’affirmer, probablement sans être encore capable de la construire complètement, une matrice civilisationnelle spécifique, qui va déjà au-delà du modèle classique de la civilisation européenne, gardé dans les bibliothèques, parce qu’il le prolonge dans des dimensions nouvelles et actualisées.

Parce que la somme de préoccupations humanistes dans l’Europe contemporaine est le fruit d’un ardu et négocié processus d’entendement et non d’une quelconque illumination nationaliste, je dirais que l’image principale que la nouvelle civilisation européenne projette aujourd’hui, au-delà d’un sens de la tolérance et du dialogue, est celle d’un culte épuré de la liberté. Peut-être pour l’avoir perdue durant si longtemps, de diverses formes et sous diverses terreurs, l’Europe se présente aujourd’hui, face au monde, comme le grand promoteur de cette même liberté.


Je terminerai avec quelques brèves réflexions provenant de ma vision du rôle de l’Europe dans le monde, à la lumière de « deux ou trois choses que je sais d’elle » comme dirait Jean-Luc Godard. Ce ne sont pas des nouveautés, je ne veux pas faire croire, comme on dit dans mon pays, que j’essaye de « découvrir la poudre », mais j’aimerais les réaffirmer comme des constatations qui appartiennent au simple bon sens politique.


La première est liée à la nécessité de garantir que la dimension culturelle puisse être présente dans tous les cadres européens des relations extérieures et de la coopération pour le développement, qu’ils soient multilatéraux, ou de nature bilatérale. La culture doit être l’âme derrière les politiques de l’Europe.


La seconde se rapporte à la nécessité d’intensifier l’échange culturel, de potentialiser la connaissance mutuelle et à l’effort – qui doit être presque obsessif – pour la promotion à l’intérieur de nous, de la diversité d’autrui, de l’incessant travail dans la compréhension de l’autre. Plus nous serons ouverts aux formes d’expressions culturelles qui, au départ, nous sont étranges, plus riches deviendront nos propres cultures, plus seront ouverts les esprits de nos concitoyens et moins notre regard sur le monde sera eurocentrique.


Et, finalement, l’Europe ne pourra prétendre au prestige face à des tiers qu’en se révélant, ouverte et radicalement intolérante à l’intolérance. L’expérience récente paraît recommander que l’Europe – et l’Europe politique joue ici un rôle fondamental – démontre une disposition inébranlable face à toutes les manifestations, qui, dans son sein et au dehors, relèvent du mépris ou de la diminution pour n’importe quelles expressions culturelles aussi minoritaires soient elles. Nous devons être spécialement vigilants quant à l’action des policiers de l’esprit qui valorisent les écarts du modèle qui, dans le passé et pour un grand nombre, caractérisait une certaine image de la civilisation dite occidentale, que nous avons pris l’habitude de placer au centre de notre monde et de l’imposer dans le monde des autres. Nous devons vaincre nos propres fantasmes et quelques vestales qui les représentent encore, comme ceux qui affirment la supériorité de l’Europe chrétienne et s’obstinent dans la création d’une forteresse politique autour d’elle.


Ceci est un combat où sont mises en cause notre propre crédibilité et notre légitimité comme source d’affirmation culturelle et civilisationelle. Le combat pour que le mot Europe devienne, définitivement, aux yeux du monde, le synonyme du mot liberté.


Texto para uma obra colectiva a publicar pela Fondation André Malraux