8 de março de 2004

... e Moscovo aqui tão perto!

Quando, daqui a semanas, o alargamento colocar a União Europeia a escassas centenas de quilómetros de Moscovo, com a quase simultânea extensão da NATO a consagrar a proximidade de áreas de segurança que a História criou como rivais, esta não será a mesma Europa em que nos habituámos a viver. Resta saber se a Rússia e a UE alargada estão perfeitamente conscientes da necessidade imperiosa que têm de gizar uma nova cultura de vizinhança em torno desta circunstância.

O realismo dentro da UE cedo acordou para a necessidade de estabelecer uma parceria estratégica com o seu mais importante vizinho, simultaneamente um mercado em crescimento, um fornecedor de energia e matérias primas e, acima de tudo, um Estado com um papel mundial relevante, não obstante um enfraquecimento económico conjuntural, com repercussões na sua actuação como “global player”.

Para assegurar uma saudável matriz nesse relacionamento é decisivo desligar a imagem da Rússia da União Soviética. Essa operação de descolagem psicológica tem de ser feita no seio da “nova Europa” – onde traumas e tensões subsistem contra Moscovo – mas igualmente no imaginário do próprio Kremlin. Nem a política externa da UE alargada pode ficar refém daquele reflexo condicionado, nem a Rússia, se quiser ser tratada como um poder democrático, pode prolongar a sua tentação de preservar zonas de influência que não derivem da livre opção dos eleitorados.

Nesta sua descomplexada aproximação à Rússia – que constitui uma das faces mais sólidas da sua vertente externa nos últimos anos – Bruxelas tem conseguido evitar que o acessório prejudique o essencial. Percebendo que um relacionamento intenso com Moscovo em nada é contraditório com o laço transatlântico, foi possível garantir, por exemplo, uma cooperação estreita em áreas como o controlo da criminalidade ou os temas ambientais, na luta anti-terrorista ou no conflito israelo-palestiniano.

Esta colaboração não exclui a assunção aberta de divergências. Nestas podemos encontrar, entre outras, uma leitura negativa de práticas russas no domínio da democracia, dos Direitos Humanos na Chechénia ou em questões ligadas à liberdade dos media, bem como no relacionamento com áreas de vizinhança (Moldávia, Geórgia) ou num domínio como a ratificação do Protocolo de Kyoto.

Do lado russo, regista-se igualmente uma preocupação pelos efeitos do próximo alargamento, seja em matéria de concessão de vistos e de protecção das suas minorias, seja nos impactos da extensão automática do Acordo de Cooperação e Partenariado aos novos membros da UE.

Mas o que importa é que estas coisas se debatem hoje, entre Rússia e UE, com frontalidade e sem acrimónia histórica.

A próxima reconsagração do Presidente Putin poderá trazer estabilidade acrescida à Rússia. Espera-se que essa mesma estabilidade se projecte sobre o respectivo sistema democrático e no modo como Moscovo tenciona conviver com a livre vontade dos seus vizinhos, que têm um indiscutível direito de não ser vítimas eternas da sua geografia.