21 de fevereiro de 2013

Klaus Hansch

É para mim uma honra poder estar aqui hoje para fazer uma breve introdução, antes da palestra do nosso convidado, o sr. Klaus Hansch, a quem também dou as boas-vindas. Quero, antes do mais, começar por agradecer o amável convite que recebi do Instituto Português de Relações Internacionais e felicitar a Fundação Friedrich Ebert e o Instituto Goethe por esta iniciativa.

Klaus Hansch é uma figura conhecida nos meios europeus em especial pelo seu papel como presidente do Parlamento Europeu, entre 1994 e 1997.

Recordo-me de o ter visitado, nessa qualidade, imediatamente após ter assumido funções políticas na área europeia em Portugal. Guardo dessa visita, nos primeiros meses de 1996, uma forte impressão. Lembro-me que, na ocasião, nos confrontámos a propósito de um certo assunto de natureza institucional, no quadro da revisão do Tratado de Maastricht, naquilo que viria a ser o Tratado de Amesterdão.

Por esse tempo, Portugal, também por meu intermédio, tinha algumas posições algo reticentes nesse domínio e Klaus Hansch, de forma muito clara e frontal, deu-me conta do sentimento maioritário do Parlamento Europeu – que ia numa linha contrária ao nosso pensamento político-diplomático de então. Para o público aqui presente, talvez valha a pena recordar que a posição à época assumida pelo nosso país face à formatação institucional da Europa comunitária, na linha de uma escola doutrinária algo soberanista que por aqui cultivávamos, demorou algum tempo a evoluir.

O Parlamento europeu tinha uma visão muito mais aberta, que nos era transmitida por dois brilhantes deputados, de linhas políticas diferentes, que hoje tenho como amigos pessoais - Elisabeth Guigou e Elmar Brok. Com os anos, as coisas mudaram e a diferença entre a linha portuguesa e as posições mais avançadas do Parlamento europeu foi progressivamente atenuada.

Mas essa primeira conversa, nada fácil, com Klaus Hansch ficou-me na memória.

O nosso convidado nasceu em 1938, em Sprottau, tendo-se licenciado em Ciências Políticas em 1965 e doutorado em 1969. Enveredou por uma carreira de docência universitária, que exerceu até 1994, tendo antes feito uma curta incursão pelo jornalismo.

Politicamente, Klaus Hansch é, de há muito, membro do SPD, um dos partidos centrais do sistema político alemão, uma formação com uma influência determinante na formatação da posição do país na vida europeia, bem como em algumas das grandes opções geopolíticas assumidas pela Alemanha no quadro mundial. O nome de Willy Brandt aí ficou para a História.

A partir de 1979, Klaus Hansch ingressou no Parlamento europeu, onde assumiu sucessivas responsabilidades, nomeadamente no âmbito do Partido Socialista Europeu, antes de assumir a presidência da instituição, em 1994. Mais tarde, viria a ter funções relevantes nos trabalhos que procuraram abrir caminho para o Tratado Constitucional europeu: foi membro do praesidium da Convenção sobre o Futuro da Europa e representou o parlamento na Conferência intergovernamental que desenhou a malograda Constituição, de que o chamado Tratado de Lisboa acabou por ser uma espécie de genérico.

É assim importante podermos ter hoje o privilégio de ouvir uma pessoa com a experiência de Klaus Hansch falar-nos sobre a Europa e o nosso futuro. Por várias razões.

Desde logo, porque Klaus Hansch viveu por dentro uma outra Europa, um outro tempo do projeto europeu, um período de grande otimismo e de grande esperança, que levou a passos decisivos neste inigualável processo de construção da paz e progresso no continente. No tempo em que Klaus Hansch presidia ao Parlamento europeu, o euro não existia, o mercado interno estava no início da sua consolidação, Schengen começava a ser testado, o grande alargamento não se tinha iniciado. Hoje vivemos numa Europa muito diferente e será com certeza interessante podermos perceber como é que Klaus Hansch olha este novo mundo europeu, como avalia a sua solidez e, muito em especial, se acha que todos ainda estamos no mesmo comboio ou se, com cruel realismo, conclui que algumas carruagens, mais cedo ou mais tarde, estão condenadas a se desligarem desse ritmo comum.

Uma outra razão pela qual é importante ouvir Klaus Hansch é porque se trata de um político alemão que teve responsabilidades na Europa e a Alemanha começa a estar hoje para o projeto europeu como os Estados Unidos da América estão para a NATO – isto é, por muito que isso possa desagradar a alguns outros atores, tudo, na realidade, acaba por depender dela.

Devo dizer que, na minha leitura da Europa, o chamado eixo Paris-Berlim (antes Paris-Bona) deu fortes e decisivos contributos para avanços no processo europeu. Mas, com algum realismo e ironia, hoje acho que o grande eixo começa a ser o eixo Frankfurt-Berlim, em detrimento da influência da cidade onde vivi os últimos quatro anos. E, confesso, não fico muito feliz com isso.

Além disso, Klaus Hansch é da família política socialista, uma corrente que já viveu melhores dias na Europa mas que, mais cedo ou mais tarde, com o rodar natural dos ciclos, voltará a ter um papel importante nesse contexto. Seria, assim, interessante conhecer-se o que é que os socialistas têm a propor de decisivamente novo para a Europa e, muito em particular, importa ao eleitorado saber o que fariam ou farão de diferente, em matéria de propositura de políticas europeias, em especial perante o evoluir da presente crise.

Hoje em dia somos confrontados com aquilo que a Europa conservadora coloca à nossa frente como respostas para a crise. E já se percebeu o limite de ambição dessas propostas.

Assim, gostaríamos, por exemplo, de saber: uma vitória do SPD nas eleições alemãs do Outono significará o surgimento de propostas de reforma do estatuto do Banco Central Europeu, com vista a facilitar a sua rápida ação em todos os mercados? Há nos socialistas alemães vontade de caminhar para a mutualização da dívida, através do lançamento de “eurobonds”?

Finalmente, e porque também vivemos um novo tempo dos tratados, importa-nos conhecer a perspetiva de uma figura que assumiu responsabilidades europeias eminentes sobre o modo como ela observa o novo papel do Parlamento europeu, num quadro interinstitucional em que a Comissão europeia está definitivamente menorizada e em que o Conselho é titulado por uma figura que surge como o representante dos interesses comuns dos países dominantes – isto é, fundamentalmente, como um bom representante da Alemanha, como se observou na recente negociação do novo e triste quadro financeiro.

Estas questões, que são questões que atravessam a Europa e quantos se preocupam com o seu futuro, estão muito presentes no espírito daqueles que, aqui em Portugal, continuam a colocar o projeto integrador no eixo do destino do país. Este país, o país que Klaus Hansch hoje visita não é, infelizmente, e no que toca às suas relações com a Europa, o país que ele conheceu no passado. Com o curso dos anos, a capacidade de Portugal influenciar as posições europeias, que nunca foi muita, reduziu-se ainda mais – e o Tratado de Lisboa ajudou fortemente a isso. Mas, muito mais do que essa menorização institucional, a presente situação económico-financeira, com o processo de assistência externa em curso, raptou a soberania do nosso país e colocou-nos num limbo de dependência que começa já a ter consequências no próprio processo de representação política, na própria legitimidade dos eleitos portugueses aos olhos dos cidadãos.

A Europa tem de ter consciência de que o atual estado de coisas em Portugal, se bem que enquadrado por um sistema democrático que já deu provas de grande solidez, e colocado num cenário europeu que oferece ainda mecanismos de apoio e solidariedade, está a criar inéditas tensões e a induzir dramáticas fraturas no tecido económico e social, que podem vir a ter consequências políticas de grande monta. Consequências que, sendo em primeira linha portuguesas, têm iniludíveis repercussões na Europa, tanto mais que elas próprias testam as respetivas dimensões da solidariedade – eu diria mesmo, a própria coerência ética do projeto europeu.

Klaus Hansch está num país onde a democracia se consolidou tendo a Europa como cenário positivo de fundo, um país com uma opinião pública que ainda se mostra maioritariamente pró-europeia, muito embora já bastante longe do entusiasmo que se viveram no passado. Este Portugal democrático é um país amigo e admirador da Alemanha e do seu fantástico esforço nacional. Sem falhas, demos sempre provas disso, ao estar com a Alemanha em favor da sua reunificação, ao apoiá-la no seu objetivo de alargar a Leste o projeto europeu, mesmo pagando com isso um forte preço nacional, em especial no tecido produtivo e na redução dos fundos europeus, que têm de ser vistos como a compensação natural dos fortes ganhos que os países mais ricos obtêm pela exploração do mercado interno.

Por seu turno, a Alemanha deu constantes mostras de apoio a Portugal no seu caminho europeu – e, não obstante Klaus Hansch ser socialista, deixo aqui uma palavra de reconhecimento à permanente e solidária atitude de Helmut Kohl face ao nosso país, um chanceler alemão conservador que sempre revelou compreender os nossos problemas e procurou ajudar-nos a encontrar formas de os ultrapassar.

Aquilo que estou seguro que todos, nesta sala, gostarão de ouvir de Klaus Hansch é a sua leitura de uma Europa onde hoje a Alemanha enfrenta alguma solidão, um país que dá sinais de alguma hesitação sobre o modo como olha o futuro de um continente onde tem cada vez mais poder e onde, por essa via, se espera que assuma um cada vez maior sentido de responsabilidade.

Sabemos que a paz e a estabilidade dizem muito ao povo alemão. Tudo aquilo que em que a Alemanha investiu, política e economicamente, na segunda metade do século XX, colocando-se como centro propulsor do projeto de integração europeia, significou um esforço consideravelmente inferior àquele que a própria Alemanha havia pago durante toda a primeira metade desse século.

Vale a pena investir na Europa da solidariedade e da paz.

Mas vamos ouvir Klaus Hansch, porque foi para o ouvir a ele, e não a mim, que as pessoas hoje aqui vieram.


*Introdução à conferência de Klaus Hansch “O nosso futuro na Europa”, Goethe Institut. Lisboa, 21 de fevereiro de 2013