7 de setembro de 2004

Com olhos em Gaza

A face pálida de Yasser Arafat tornou-se ainda mais lívida, ao ouvir o colaborador que interrompeu bruscamente a conversa que o presidente da Autoridade Palestiniana mantinha com Mário Soares, na minha presença. Arafat balbuciou qualquer coisa e saiu, apressado, para uma sala ao lado, deixando-nos a conjecturar sobre o que tanto o perturbara. Quando regressou, denotava uma imensa preocupação: Shimon Peres, então ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, acabara de lhe confirmar que, pouco antes, o primeiro-ministro Itzhak Rabin havia sido alvejado num comício em Tel-Aviv. Não se conheciam ainda pormenores sobre o seu estado. Sem o dizermos, o cenário de um atentado de autoria palestiniana atravessou-nos a todos. Minutos mais tarde, veio a saber-se que o autor dos disparos fora, afinal, um judeu radical e que Rabin, entretanto, morrera.

Estávamos em Gaza, em 5 de Novembro de 1995, após um jantar oficial, regressados à guest house da Autoridade Palestiniana, numa inédita visita do Presidente da República portuguesa iniciada nessa tarde, que eu acompanhava em substituição de Jaime Gama. A simpatia por Portugal e o imenso respeito de Arafat por Mário Soares ficaram patentes em vários gestos, desde a nossa chegada. O líder palestiniano fazia questão de recordar a atitude corajosa e solidária de Soares quando, anos antes, este fora visitá-lo a Beirute, sob fogo, durante o cerco sofrido pelas forças da Al Fatah.

A comitiva portuguesa saíra de Jerusalém, nessa manhã, após uma visita oficial de três dias a Israel. A presença do presidente português ficara marcada pela contínua expressão da amizade e admiração de Itzhak Rabin e de Shimon Peres, que viam em Mário Soares, simultaneamente, um sólido amigo de Israel e um militante pela reconciliação no Médio Oriente, defensor dos direitos do povo palestiniano. Viviam-se os tempos de esperança posteriores aos Acordos de Oslo e Washington e, a avaliar pelas medidas de segurança excepcionais que rodeavam Rabin, que haviam obrigado a súbitas mudanças do programa, pressentiam-se os riscos que o primeiro-ministro israelita estaria a correr para forçar, de uma vez por todas, as portas da paz possível. Mas estávamos muito longe de pressentir a tragédia.

Arafat despediu-se de nós, nessa noite, com uma sombra triste no olhar que não perderia na manhã seguinte, quando abreviámos a visita, para nos deslocarmos ao funeral de Rabin. Acto a que ele, contudo, não pôde assistir, como desejaria. Recordo as palavras trocadas entre Soares e Arafat, no momento da nossa saída de Gaza. Do pesar que ambos sentiam pela desaparição de Rabin ressaltava a consciência mútua de que nada voltaria a ser igual no destino daquilo a que então se chamava o Processo de Paz do Médio Oriente.

Voltei a encontrar Arafat algumas outras vezes – em Barcelona, em Malta, em Bruxelas e em Nova Iorque. Sem excepção, perguntava-me sempre pelo seu "amigo Mário Soares" e teimava em relembrar, na sua voz cada vez mais trémula, aquela noite em Gaza, que lhe deve ter ficado na memória dos seus sonhos perdidos de uma Palestina livre.

Yasser Arafat cometeu, nos anos que se seguiram, uma imensidão de erros políticos, imerso numa conjuntura em que se deixou enredar, em que o radicalismo tomou conta dos acontecimentos, de um lado e do outro de uma barricada de ódio, hoje ironicamente simbolizada num muro real de incompreensão. O conflito israelo-palestiniano converteu-se, entretanto, numa imolação de inocentes, numa bola de neve de violência e de terror, com que já convivemos sem espanto, à vista do cinismo estratégico dos feiticeiros da realpolitik, da cobardia complacente de alguns e da fraternidade hipócrita de outros. O mundo tarda em perceber que, graças à aliança objectiva de messianismos contraditórios, alimentados pelo desespero e pelo fanatismo, se ateou a partir das margens do Jordão, à vista de todos, um incêndio imenso, que não pára de estender-se e que está, cada vez mais, longe de ser debelado, ardendo como o petróleo que lhe alimenta as raízes.

Em 5 de Novembro de 1995, morreu Itzhak Rabin. O ocaso de Yasser Arafat começou na mesma data, precisamente nove anos depois. Esta coincidência sela o destino trágico dos dois homens que mais perto estiveram de obter a paz para os seus povos. 

(Publicado no "Pùblico", 7.9.2004)

30 de agosto de 2004

As novas fronteiras da Russia

As mudanças políticas que ocorreram na Geórgia no final de 2003 vieram chamar, uma vez mais, a atenção para um mundo muito vasto, constituído pelos Estados que resultaram do desmantelamento da União Soviética. Dos países bálticos à Ásia Central, da Bielorússia ao Cáucaso, os últimos anos converteram a periferia da Rússia numa área política algo heterogénea, onde se cruzam interesses económicos e estratégicos, cuja evolução dá sinais de perturbar frequentemente o poder político em Moscovo.

Terá a Rússia razões fundamentadas para temer um surto induzido de instabilidade nas suas cercanias, com implicações efectivas na sua segurança futura? Ou estará Moscovo a reagir de forma desproporcionada à constatação da dificuldade de controlar os processos políticos gerados à sua volta? E que condições terá para promover uma reacção eficaz, em moldes que preservem a sua imagem e credenciais internacionais como poder democrático?  
 
A vizinhança imediata

O processo que levou Moscovo, no auge da implosão da URSS, a ter de conceder plena soberania a vários dos seus Estados integrantes, pondo fim a uma União que havia sido preservada em torno de um modelo político em colapso, acabou por dar origem a realidades nacionais diversas, mas, em grande parte, assentes em regimes de matriz algo autoritária, embora com fórmulas constitucionais teoricamente democráticas. Com excepção dos Estados bálticos, na maioria desses países sobreviveu uma cultura política que, curiosamente, passou a ter mais a ver com a herança dos tempos soviéticos do que com a situação entretanto instalada na própria Rússia contemporânea.

Aos primeiros tempos dessa fragmentação sucederam-se tentativas de retomada centrípeta de alguma coordenação de políticas, de que a CEI (Comunidade dos Estados Independentes) foi o exemplo mais patente. Mas a desconfiança histórica e os ciclos de instabilidade nos diversos Estados afectaram sempre os fundamentos de tais estruturas de cooperação intergovernamental, a que a crise económica quase generalizada afectou a eficácia funcional. Além disso, alguma flutuação na afirmação externa das novas lideranças russas, fruto de razões internas e da evolução da conjuntura internacional, deu origem a etapas também diversas no seu relacionamento com o near abroad, não obstante a permanência de algumas constantes.

Esta nova realidade circundante trouxe a Moscovo, talvez mais do que a nostalgia de um poder perdido, a necessidade de convivência com a proliferação de entidades políticas autónomas, com dinâmicas próprias, quase sempre marcadas pelo sinal de uma potencial instabilidade política, fruto das suas crises de legitimidade. Aquela que sempre foi a matriz da preocupação histórica de Moscovo – a segurança no seu cenário estratégico de proximidade – converteu-se numa crescente obsessão, em particular para um poder militar que cedo entendeu que tinha de se contentar com um futuro sofrível de afirmação tecnológica, com tudo o que isso implica em termos operacionais, além do mais num quadro constrangente de colocação de forças convencionais. A falta de meios económicos para apoiar qualquer actividade significativa sustentada fora da sua área geográfica continua hoje a limitar a possibilidade da Rússia servir como polo de atracção para os seus vizinhos, com excepção dos casos em que algum recurso a Moscovo se mostra como escapatória para afrontar crises internas ou a proteger tais regimes no quadro de pressões internacionais. Em qualquer dos casos, as limitações com que a Rússia se defronta são óbvias: a sua credibilidade internacional não lhe permite arriscar ultrapassar, sem custos sérios, a red line da ingerência interna e, por outro lado, algum nacionalismo estruturante da identidade dos Estados que se destacaram da URSS constitui-se quase sempre como uma limitação a uma excessiva promiscuidade política com Moscovo. Se a nostalgia da “doutrina Brejnev” subsiste ainda na mentalidade de alguns, o realismo político deve já ter interiorizado a noção de que as aventuras têm um preço internacional muito elevado.

Um caso interessante continua a ser a relação de Moscovo com os países da Ásia Central, onde o padrão autocrático assume modelos diversos, que nalguns casos reproduzem mimeticamente a liturgia soviética. Face às singularidades destes regimes, a Rússia assume uma atitude de compreensão, alegando o respectivo estádio de transição e procurando demonstrar, contra o seu próprio exemplo, que não é prudente queimar etapas, apenas para impor um modelo democrático. Tem vindo a ser interessante observar o modo como a Rússia procura explorar alguma “solidão” internacional de alguns desses Estados, estendendo-lhes sempre a mão política, num esforço que deve ser também lido como de recuperação de alguma influência. Uma influência que tem como limite as próprias condições económicas da Rússia, que lhe não permitem assumir-se como sólida alternativa no plano da ajuda internacional.
 
O fim da buffer zone

O precipitar dos antigos países socialistas do Centro e Leste do continente para os braços da União Europeia não foi uma surpresa para a Rússia. A Europa comunitária garantia um modelo de estabilização democrática e uma promessa de ajuda ao desenvolvimento económico-social que ia na linha óbvia do projecto das classes políticas emergentes naqueles Estados, quase sempre tributária de uma cultura marcada por forte desconfiança face a Moscovo. A adesão representava, além disso, uma rede subliminar de segurança. Com efeito, esses países entenderam que a simples entrada no clube dos potenciais candidatos à adesão os punha praticamente ao abrigo de uma qualquer, embora improvável, atitude adversa por parte da Rússia, situação bem patente no caso dos três Estados bálticos. Moscovo cedo entendeu que tal movimento era inevitável, tendo talvez contado, erradamente, com a ausência de vontade e de capacidade da União Europeia em avançar com determinação para um processo de tal amplitude.

Com reticências iniciais, em especial ligadas à crescente vocação para uma política de segurança colectiva da União Europeia e à sensível questão báltica, Moscovo conformou-se assim com o alargamento, embora preserve ainda claras reservas à sua extensão sem limites, como haverá oportunidades para confirmar no futuro. Além disso, não deixa de recear, não sem alguma razão, que a estabilidade da relação criada com Bruxelas venha ser posta em causa por eventuais tensões induzidas na PESC pelos novos aderentes, muitas vezes com evidente apetência para explorarem traumas ou contenciosos históricos, ou ainda pendentes, com Moscovo – dado que a nova Rússia continua a ser vista por muitos como um mero sucedâneo da URSS. Neste caso, apenas pode confiar em que a densidade dos interesses da União Europeia sobre si projectados, económicos e de outra natureza, venham a ser um factor de peso para limitar tal deriva.

Mas as objecções essenciais da Rússia quanto ao posicionamento internacional desses países situavam-se noutra dimensão: o alargamento da NATO. Não obstante a Aliança Atlântica ter entretanto elaborado um apreciável quadro formal de cooperação com a Rússia, tendente a gerar confiança e a atenuar tensões, a entrada na NATO de um número significativo de países da Europa Central e Oriental é vista como uma dulcificada “provocação”, que coloca as fronteiras da organização a escassas centenas de quilómetros de Moscovo. A alegada mudança de natureza da organização é um argumento interessante mas demasiado sofisticado para uma cultura político-militar pouco dada a nuances de conjuntura. A circunstância do Ocidente continuar a ligar a ratificação do Tratado CFE Adaptado (que regula a dimensão e colocação das forças convencionais na Europa), bem como a adesão a este Tratado dos países bálticos, à observância pela Rússia dos “Compromissos” firmados em 1999, na cimeira da OSCE em Istambul (retirada de forças e material da Moldova e Geórgia), contribui para potenciar os receios de Moscovo. As fundadas esperanças colocadas pelos EUA no papel da “nova Europa” são um factor acrescido nesta perturbação instalada.

Um alibi de oportunidade

As ondas de choque do 11 de Setembro transportaram a Rússia para uma nova realidade, feita de oportunidades acompanhadas de receios. Por um lado, o seu alinhamento na luta anti-terrorista lançada pelos EUA, com o consequente fechar de olhos circunstancial às suas práticas de imposição político-militar na Chechénia, deram a Moscovo um ensejo para fazer, sem grandes sobressaltos internacionais, aquilo que em circunstâncias normais teria gerado, no mínimo, clamores de condenação. Se a movimentação do nacionalismo checheno não tivesse enveredado pelo desespero como arma política, talvez Moscovo tivesse mesmo conseguido uma solução, neste tempo que lhe foi concedido pela realpolitik.

Mas a queda das Twin Towers trouxe também uma nova – e, aos olhos russos, preocupante – situação na sua fronteira sul. Com a bênção internacional e com um alibi irrecusável, os EUA avançaram pelas Ásias Meridional e Central com uma displicência que a Rússia não pôde disputar, por se tratar do combate a um inimigo que Moscovo definira como comum. Mas entre o Afeganistão e o Iraque alguma água passou sob a ponte. Embora os EUA mantenham a Rússia como parceiro formal de um diálogo ao mais alto nível, vão apresentando como factos consumados aquilo que Moscovo apreciaria fosse produto de uma regulação negociada.

A actividade dos EUA no Cáucaso era, de há muito, um dado adquirido nos equilíbrios da região. Com um pouco discreto apoio à liderança familiar do Azerbaijão e um compromisso com a política de equilíbrio de sobrevivência de Chevardnadze, Washington tinha já conseguido assegurar, sem preocupações de maior, a sustentação do seu projecto petro-político na região. O pouco discreto apoio de Washington à eclosão vitoriosa da nova liderança geórgia obrigou Moscovo a mostrar as últimas cartas de desagrado: reforço da determinação secessionista da Abcásia e da Ossétia do Sul, com a Ajária como jogada intermédia, e uma inesperada recusa, na reunião ministerial da OSCE, em Dezembro de 2003, em Maastricht, de renovar, embora em moldes que o Ocidente queria novos, os “Compromissos” que havia feito em Istanbul. Recorde-se que parte desses mesmos compromissos se prendem precisamente com a manutenção de três bases russas na Geórgia, contra vontade do governo local.

Mas os restantes compromissos, desta vez relativos à Moldova, originaram também uma outra crise. Quase em simultâneo com o eclodir da revolta geórgia, a Rússia apresenta um hábil plano federal para a Moldova, assente no reconhecimento explícito da autonomia da Transnístria, a região secessionista em que Moscovo mantém tropas e material, que se comprometeu, em 1999, respectivamente a retirar e a destruir. A principal “habilidade” deste plano, rejeitado pelo governo moldavo sob o que a Rússia considera ter sido uma pressão ocidental, previa a continuação por um longo tempo das tropas russas, que mudariam o seu estatuto para “forças de manutenção de paz”, desta vez legitimadas pela comunidade internacional. O fracasso desta iniciativa constituiu um golpe humilhante para Vladimir Putin.

Os próximos anos dar-nos-ão resposta a questões que só agora têm condições para ser postas, até porque os respectivos termos de referência estão em constante mudança. Os EUA começam a dar mostras de não ter pejo em forçar alguma tensão com Moscovo, sempre que tal seja compatível com um universo de cumplicidade objectiva de onde continuam a retirar evidentes vantagens. Por outro lado, a renovada legitimidade interna do Presidente Putin permite-lhe, quando oportuno, afirmar agendas de prestígio nacionalista, com o tema da segurança a servir de alavanca instrumental. Estaremos a caminho de um novo, embora diferente, modelo de Guerra Fria?  

( Publicado em "O Mundo em Português", nº 53, Lisboa, 2004)

30 de julho de 2004

A OSCE e a segurança europeia

A Organização para a Segurança e para a Cooperação na Europa (OSCE) é hoje vista como o parente pobre das organizações multilaterais de segurança. E, no entanto, será justo creditar-lhe historicamente um papel central na paz e na estabilidade que hoje se vive no continente europeu e, mesmo, no espaço euro-asiático.

Para um observador exterior, menos atento aos meandros políticos subjacentes ao projecto da OSCE, a fragilidade institucional da organização é a primeira grande surpresa com que se defronta. A ausência das estruturas que normalmente caracterizam modelos internacionais comparáveis, bem como a inédita flexibilidade/adaptabilidade dos respectivos instrumentos, tornam a OSCE muito menos uma organização internacional de tipo tradicional e, muito mais, uma espécie de sedimentação relutante da antiga Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). E escrevemos “relutante” porque alguns parecem continuar a preferir a subsistência no tempo do modelo de conferência em detrimento do reforço da instituição.

A Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) foi estabelecida através do Acto Final de Helsínquia, assinado em 1 de Agosto de 1975, que lançou as bases para a chamada nova arquitectura de segurança europeia. Correspondeu ao culminar de um processo negocial de dois anos, que a Ostpolitik e a détente do início dos anos 70 tornaram possível. A Conferência tinha como objectivo ser um fórum multilateral de diálogo e de negociação entre o Ocidente e o Leste europeus, área onde o papel da URSS era então predominante. A assinatura, em Novembro de 1990, da Carta de Paris para uma Nova Europa, que consagrou o final da Guerra Fria, conferiu outro vigor à CSCE, a qual, na Cimeira de Budapeste, em 1994, se converteu finalmente na OSCE.

Para melhor se interpretar a OSCE e as suas limitações actuais é, assim, essencial começar por entender que esta sua “desestruturação” foi, desde o início, uma opção deliberada de alguns. Hoje, ela prolonga-se pela prevalência de uma cultura funcional onde se projectam, com um singular efeito conjugado na inércia reformadora, as diferentes filosofias de abordagem da organização mantidas pelos seus parceiros centrais – os EUA e a Rússia.

As estruturas permanentes da OSCE assentam num Secretariado com escasso poder de iniciativa, vocacionado para a gestão administrativa e para a montagem logística de operações de limitada dimensão e, no plano político, totalmente subordinado à orientação das Presidências anuais. Existem, além disso, três instituições - o Escritório para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos, o Alto Comissário para as Minorias Nacionais e o Representante para a Liberdade dos Media - dotadas de estatutos diferenciados e com uma autonomia operacional que não facilita uma coerência global de acção. A organização dispõe ainda de 18 Missões operando em vários dos seus Estados participantes, dotadas de diferentes mandatos e designações, correspondentes a objectivos operacionais diversos.

A Presidência anual da OSCE, como cúpula de toda esta estrutura heterogénea, aparece aos olhos exteriores como uma realidade que dispõe de um considerável poder formal, que assume a organização por inteiro, define as respectivas linhas de orientação e marca o ritmo da sua agenda. O Presidente em Exercício, que é o Ministro dos Negócios Estrangeiros do país que exerce a presidência, é o porta-voz político da organização e, nessa qualidade, pronuncia-se regularmente sobre os acontecimentos internacionais relevantes em matéria de segurança, na respectiva esfera geopolítica de responsabilidade. Para tal, é dotado de alguma autonomia decisória e de autoridade opinativa, sem prejuízo de estar sujeito a um controlo a posteriori, pela leitura pública que venha a fazer da vontade política da OSCE. Dispõe, além disso, de uma certa margem de liberdade na selecção de altos funcionários da organização.

No quotidiano do trabalho em Viena, a OSCE é dirigida por um Conselho Permanente, que reúne os representantes diplomáticos em Viena dos Estados participantes e que é presidido pelo Representante Permanente do país que exerce a Presidência.

Mas serão as Presidências anuais efectivamente poderosas? A nosso ver, a realidade difere bastante da teoria. Na boa tradição das conferências internacionais, a OSCE tem a regra do consenso como elemento basilar do seu funcionamento, o que implica a consonância de todos os seus membros com as decisões tomadas no seu seio. Mas, por outro lado, a indispensabilidade de tal consenso baixa, de forma por vezes dramática, a força e a relevância política das decisões, por ser fruto de laboriosos compromissos, muitas vezes assentes numa inescapável ambiguidade. Isso é agravado pelo facto de, contrariamente a outras organizações internacionais, que têm na base sólidas culturas políticas comuns, a OSCE sofrer ainda da sua principal virtualidade – a imensa diversidade dos 55 Estados que a compõem[1], que vão desde estáveis e prósperas democracias a Estados que acumulam tensões, subdesenvolvimento e regimes cuja solidez democrática é muito incipiente, ou melhor, em que os modelos autoritários são ainda o padrão predominante. Se pensarmos que se trata de uma organização focada na área da segurança, matéria que se liga ao âmago da soberania dos Estados, e se reflectirmos na multiplicidade e, por vezes, na conflitualidade de agendas geopolíticas entre os seus membros, fácil será presumir os bloqueios e os impasses que regularmente se registam no seu seio.

Neste contexto, o maior erro que uma Presidência da OSCE pode cometer é levar à letra o seu poder formal, ter a tentação de o explorar de forma desmesurada, tornando-se autista e julgando que pode avançar contando apenas consigo própria, para a formulação das decisões, mesmo que estas teoricamente lhe compitam em absoluto. Qualquer Presidência cedo tem de entender que, nas orientações que projecte em nome da organização, deve garantir um apoio muito alargado, em especial por parte dos Estados tidos como mais influentes.

Uma sabedoria consuetudinária dentro da organização institucionalizou, aliás, dois modelos para atenuar o risco das Presidências serem tentadas a uma deriva autónoma muito radical.

O primeiro, de natureza mais formal, é a Troika. Trata-se de um mecanismo de consulta da Presidência em Exercício, envolvendo o anterior e o futuro titulares da presidência, e que esta pode utilizar para alargar a potencial aceitabilidade das propostas que faz à organização.

O segundo é o mecanismo regular de consultas com os mais importantes parceiros – política e financeiramente. Uma boa gestão deste mecanismo, que funciona exclusivamente a nível dos Representantes Permanentes em Viena, permite assegurar um ritmo de trabalho seguro a qualquer Presidência, que nele deve também saber jogar com a potencial conflitualidade de interesses que, por vezes, se regista entre os parceiros mais influentes.

Se a Troika existe como um filtro de teste e legitimação de iniciativas, as consultas são um reflexo de bom-senso e de realpolitik. E as propostas acolhidas favoravelmente pela Troika antecipam muitas vezes a sua aceitação nas consultas, que o mesmo é dizer, abrem caminho a uma sua aprovação pela generalidade dos membros da organização. É um mecanismo delicado, de gestão à vista, cujo sucesso está também muito dependente da natureza e relevância das crises eventualmente emergentes.


A questão do poder na OSCE

Mas, na realidade, onde se situa o poder dentro da OSCE?

Embora possa não ser politicamente correcto escrevê-lo, é forçoso reconhecer que a OSCE constitui uma espécie de “condomínio” onde prevalecem, em primeiro lugar, os EUA e a Rússia – sem cujo acordo conjunto, implícito ou explícito, nada de significativamente importante avança. Esta é uma realidade que tem as suas origens históricas no processo que levou à criação da CSCE e de que a OSCE se não libertou. Segue-se, na hierarquia dos poderes fácticos, um grupo relativamente homogéneo de países ocidentais (Alemanha, França e Reino Unido), os quais, pelo seu peso individual, compensam a fragilidade afirmativa da União Europeia, enquanto entidade política. Pode dizer-se que estes cinco países acabam por constituir um “directório” informal que marca o ritmo da organização, pela sua expressão orçamental e peso diplomático, bem como pela sua contribuição para os recursos humanos da estrutura da OSCE[2]. O sentimento emergente deste “directório” informal tem de ser levado em permanente conta por qualquer Presidência, se pretender garantir um mínimo de eficácia nas suas iniciativas. Alguma capacidade de manobra das Presidências reside, precisamente, na habilidade em explorar, com efeitos no reforço do seu próprio poder, as eventuais contradições emergentes no seio do “directório” - normalmente entre a Rússia e os membros ocidentais, mas que igualmente ocorrem entre estes últimos.

Importante se torna, também, assegurar uma consulta permanente a alguns outros países que conseguiram granjear algum peso específico no seio da organização – tais como os chamados like-minded (de que fazem parte Estados com o Canadá, a Noruega e a Suíça) e a Turquia. No primeiro caso, por virtude das respectivas contribuições financeiras e/ou expressão diplomática, e no último caso, por se tratar de um país com laços importante a áreas mais a Leste da organização, além de relevante membro da NATO.

Todas estas peculiaridades dão à OSCE uma natureza muito especial e justificam uma gestão cuidadosa pelas Presidências das suas diversas estruturas, implicando um respeito permanente pela cultura organizativa dominante – a qual é, à partida, muito conservadora e refractária à mudança, pelo temor de afectar os delicados equilíbrios em que a organização assenta. Tentar afrontar abertamente tal cultura com propostas muito ousadas, centrar a gestão de iniciativas da Presidência à luz de uma ostensiva agenda nacional de interesses, em especial se não testada de forma alargada, torna-se a receita mais fácil para o desastre. Tais crises pagam-se, em especial, no termo do exercício anual – altura em que tem lugar o Conselho Ministerial, por cujos resultados acaba quase sempre por ser medido, às vezes um tanto injustamente, o exercício global de cada Presidência.

Há que notar que, para uma estrutura marcada por uma debilidade institucional tão evidente, a OSCE se comporta surpreendentemente bem no plano operacional, em particular se atendermos à exiguidade do seu orçamento, recursos humanos e estruturas permanentes. A sua flexibilidade institucional, que é uma das suas debilidades, acaba, curiosamente, por lhe conferir a possibilidade de se mobilizar com alguma rapidez para acções no terreno, desde que uma decisão política para tal seja tomada.

A experiência mostra que a OSCE desenvolve hoje algumas capacidades operativas com prestígio nos cenários em que actua, embora muitas vezes com a discrição própria das intervenções em matéria de diplomacia preventiva. A circunstância de ser uma organização com um espectro alargado de membros, originários e pertencentes a culturas políticas e geoestratégicas muito diferenciadas, confere à sua actividade, um pouco à imagem das Nações Unidas, um carácter relativamente mais neutral, que se repercute positivamente na sua aceitabilidade, em contraste com o modo como as intervenções da NATO ou da União Europeia são, por vezes, vistas por terceiros. 

A maior fragilidade da OSCE residirá, porventura, no facto de, por si só, não ter mecanismos práticos, para além dos meios declaratórios, de constrangimento ou de “recompensa” perante quantos são objecto das suas acções ou das suas recomendações. Daí a crescente importância da organização continuar a estabelecer ligações estreitas a outras estruturas – como a União Europeia, o Conselho da Europa, o FMI, o Banco Mundial, o PNUD, o BERD –, das quais possa transparecer que, para esses actores internacionais, os pareceres da OSCE constituem sempre elementos condicionantes para as suas próprias decisões, das quais o quotidiano ou as expectativas de muitos países dependem. No êxito desta acção conjugada poderá estar muito do futuro das Missões que a OSCE tem actualmente no terreno.

  Dimensões sem equilíbrio


Como é sabido, a intervenção da OSCE objectiva-se através das suas chamadas três Dimensões: Político-Militar, Económico-Ambiental e Humana. Trata-se, de certo modo, da institucionalização dos baskets em que o funcionamento da sua antecessora CSCE assentava.

Com o termo da Guerra Fria e com as vicissitudes que o Tratado CFE[3] entretanto sofreu, a Dimensão Político-Militar da OSCE entrou num regime de rotina operativa. As estruturas da OSCE que foram criadas neste domínio, se bem que numerosas e muito especializadas, não são, em geral, sede de regular conflitualidade entre os Estados participantes. O regime de normalidade a que se chegou nesta Dimensão deve ser lido, precisamente, como um atestado positivo sobre a sua própria eficácia.

A implementação das medidas criadoras de confiança nas áreas militares e de segurança[4] faz-se hoje com toda a regularidade e pode dizer-se que a OSCE tem a seu cargo a gestão de um modelo normativo e regulador que emerge de uma cultura de segurança que está já socializada no seu seio e que é um dos seus mais respeitáveis patrimónios. Alguns poderão objectar que a emergência dessa cultura mais não é que o produto da diluição das tensões no pós-Guerra Fria. A assim ser, há que responder que a CSCE tem também um crédito a reivindicar na origem da situação que hoje lhe cumpre controlar.

A principal Dimensão que hoje ocupa a OSCE é, sem dúvida, a Dimensão Humana – que engloba os mecanismos de observação do respeito pelos direitos humanos, pelo Estado de direito, pela liberdade de organização da sociedade civil, pela observância de práticas eleitorais correctas, direitos das minorias nacionais e liberdade dos meios de comunicação social. No âmbito desta Dimensão, avulta o trabalho do Escritório para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos (ODIHR), sediado em Varsóvia, que um papel activo na área da monitorização e supervisão eleitoral, na formação e promoção de direitos humanos, no desenvolvimento da sociedade civil, no reforço das instituições democráticas, na promoção das actividades das Organizações Não-Governamentais e da sociedade civil, na formação da comunicação social, em questões relacionadas com as comunidades ciganas (Roma/Sinti), etc.

Neste domínio, o dia-a-dia da OSCE aparece cada vez mais marcado por aquilo que alguns chamam as “duas OSCE” - os países “a Oeste de Viena” e os países “a Leste de Viena” - com os primeiros muitas vezes a assumir-se como zeladores pela observância pelos segundos das regras por todos subscritas. Mais adiante avaliaremos as consequências deste confronto no funcionamento e nas perspectivas de futuro da organização.

Note-se que foi o desenvolvimento da Dimensão Humana que, nos anos 90, levou à criação das Missões da OSCE no terreno e que, no essencial, ainda hoje justifica a respectiva manutenção. Por muito que se pretenda conferir um carácter apelativo, para os Estados em que se situam, ao trabalho das Missões OSCE, há que reconhecer que, sem excepção, elas continuam a ser vistas pelos países que as hospedam como uma espécie de “nódoa” perante a comunidade internacional. O que não deixa de ter alguma justificação, porquanto a sua própria manutenção reflecte o reconhecimento da existência de problemas importantes que o país tem a resolver e que os respectivos governos tendem frequentemente a não querer ver sublinhados. Essa é, aliás, a razão pela qual quase todos os Estados onde há Missões OSCE tentam evitar a sua eternização, através da procura da sua limitação no tempo, e tentam uma progressiva diluição do conteúdo substantivo dos respectivos mandatos.

Perante a rotina que hoje marca a Dimensão Político-Militar, e como forma de contrabalançar o peso desproporcionado da Dimensão Humana no âmbito da organização, tem havido tentativas para procurar desenvolver o restante “braço” de intervenção da OSCE – a Dimensão Económico-Ambiental. É importante perceber que a activação desta Dimensão deve assentar em projectos que, directa ou indirectamente, tenham a ver com as questões de segurança para as quais a organização está vocacionada, pelo que, frequentemente, é necessário adoptar uma interpretação muito extensiva de tal conceito para poder comportá-los nesse âmbito. A mobilização da cooperação regional ou sub-regional, que poderia favorecer o lançamento de projectos de natureza económico-ambiental com alguns ganhos de escala, é frequentemente dificultada pela persistência de conflitos ou tensões nesses mesmos quadros regionais. Além disso, o escasso orçamento da OSCE leva, frequentemente, a que tais projectos só possam ser executados com recurso a contribuições de natureza voluntária, bastante mais difíceis de mobilizar. Tudo isto conduz a que a Dimensão Económico-Ambiental seja hoje o “parente pobre” da OSCE e não se consiga assumir como uma expressão suficientemente equilibradora do carácter mais intrusivo da Dimensão Humana.

Este flagrante desequilíbrio entre as três Dimensões constitui uma dificuldade com que todas as Presidências têm que conviver. E a efectiva desigualdade de expressão das Dimensões dificulta, muitas vezes, a aceitação do trabalho das Missões no terreno. Começa a ser cada vez mais difícil conseguir persuadir certos Estados do argumento de que essas mesmas Missões podem funcionar como factores de credibilitação, aferidores da evolução dos respectivos sistemas políticos na sua aproximação ao padrões internacionalmente tidos como mais adequados. Essa avaliação pode ter repercussões favoráveis, se tal evolução for, de facto, positiva, em especial nas pretensões de alguns em virem a integrar estruturas euro-atlânticas e, noutros casos, em obterem facilidades junto de instituições financeiras internacionais, que mantêm alguns critérios de condicionalidade em matéria de direitos humanos e princípios democráticos. Mas pode ter um efeito inverso, se e quando tal evolução não se processar ou se a situação interna dos países regredir. É que as Missões OSCE lá estarão, em ambos os casos, a servir de amplificadores da realidade dos factos.

 

EUA e Rússia – a  paridade desigual

Como atrás ficou implícito, os EUA e a Rússia funcionam como uma espécie de “membros permanentes” de um “Conselho de Segurança” que, efectivamente, condiciona fortemente o dia-a-dia da OSCE. São eles que têm, na prática, um implícito direito de veto em todas as matérias da organização, mesmo a montante da respectiva apresentação formal, pelo que é necessário com eles testar sempre qualquer iniciativa que se pretenda propor. Que fique claro, porém, que esse estatuto de aparente equiparação não os transforma, necessariamente, em parceiros iguais na organização.
Se, durante a Guerra Fria, russos e americanos se equilibravam no seio da CSCE, constituindo-se como um verdadeiro duopólio, ainda que conflitual, a posterior evolução em sentidos opostos do poder relativo de cada país no plano mundial acabou por se repercutir, como não podia deixar de ser, no seu posicionamento relativo no quadro da própria organização. Embora se situe na OSCE, muito provavelmente, o terreno multilateral em que a ficção de um equilíbrio formal de poderes mais sobreviveu. O que, num juízo cínico, pode também ser lido como um reconhecimento implícito da falta de importância da própria OSCE, ao prolongar no tempo uma realidade que só os livros de História hoje acolhem.
Verdade seja que Washington tem sempre um cuidado muito particular em respeitar o estatuto especial da Rússia, mesmo em face de parceiros e aliados ocidentais com os quais tem uma proximidade de cultura política mais evidente. Os EUA pressentem que, estando a OSCE crescentemente centrada em áreas que fazem parte da herança estratégica da antiga URSS, não podem deixar de manter com a Rússia um diálogo preferencial no âmbito da organização, particularmente num momento em que as suas mais perigosas tensões no plano bilateral estão, de certo modo, atenuadas. Naturalmente que os acontecimentos de Setembro de 2001, com o subsequente maior envolvimento dos EUA na Ásia Central e no Cáucaso, veio potenciar esta necessidade de entendimento Washington-Moscovo num palco estratégico como a OSCE.
Importa agora reflectir um pouco sobre o modo como EUA e Rússia se comportam hoje perante a organização.
Na observância de uma filosofia de sempre, os EUA continuam a insistir numa linha tendente a manter a OSCE como organização “desestruturada”[5]. Tal reflexo vem do tempo em que a então URSS queria reforçar institucionalmente a CSCE, com vista a atribuir-lhe um estatuto internacional elevado, aproveitando então a considerável influência de que dispunha no Centro e Leste europeus. Para o interesse americano, a estrutura actual da OSCE continua a ser a mais conveniente: influencia a organização no seu quotidiano, através do trabalho junto das Presidências, garante uma presença estratégica por via da participação activa nas Missões no terreno, onde coloca pessoal de perfil diverso e controla e selecciona as actividades extra-orçamentais que mais lhe interessam. Desta forma, os EUA pretendem impedir que um excessivo reforço institucional da organização possa conduzir a que ela se converta num instrumento passível de escapar ao seu controlo. A nosso ver, as lições aprendidas noutros fora não estão ausentes da opção por esta linha de comportamento.
Não obstante esta insistência na precariedade institucional da OSCE, os EUA mantêm alguma atenção à actividade de uma organização que lhes continua a permitir legitimar um papel central, por via multilateral, numa área geográfica que tem a importância de ser, simultaneamente, a fronteira circundante da Rússia e uma área estratégica, política e economicamente, de que um poder global se não pode desinteressar, em especial depois dos desenvolvimentos ocorridos nos últimos anos e da liberdade de acção que entretanto conseguiram garantir nesse contexto.

Para a Rússia, esta ficção de poder equiparado também traz algumas vantagens. Por um lado, no tocante ao seu prestígio internacional - o que não deixa de ter consequências no modo como a liderança russa apresenta internamente a imagem do país, em especial como factor de apaziguamento de certas tendências nacionalistas que, ciclicamente, exploram o declínio efectivo do seu poderio. Num plano mais prático, a nova situação estratégica criada com o ambiente posterior a Setembro de 2001 como que atenuou alguma pressão crítica por parte dos EUA em termos de Direitos Humanos, que passaram a privilegiar o papel da Rússia como parceiro importante na luta anti-terrorista, numa opção de realpolitik que sobreleva certos pruridos ético-políticos. Neste domínio, Moscovo procurou habilmente retirar das conjunturais prioridades americanas algum abrandar temporário da pressão para o cumprimento dos “Compromissos de Istambul”[6]. Noutra vertente, a Rússia conseguiu, em 2002, dar por encerrada a missão da OSCE na Chechénia[7], sem ter com isso pago um preço político internacional de monta, que lhe teria sido difícil evitar noutras circunstâncias. Restará saber por quanto tempo esse ambiente se manterá e se a Rússia poderá preservar a liberdade de acção que o ambiente da luta anti-terrorista lhe proporcionou.
Em todo este complexo contexto, Moscovo parece alimentar hoje mais dúvidas do que certezas sobre o modo como se comportar perante a organização, sendo claro que muito do futuro desta passará também pelo resultado dessa mesma avaliação. Desaparecidas as vantagens realmente paritárias da CSCE, ultrapassado que foi o período de ilusória “lua-de-mel” Leste-Oeste, no período imediatamente pós-Guerra Fria, a Rússia confronta-se hoje com uma organização que já não domina, embora possa condicionar ou bloquear, e onde prevalece uma cultura política que entende afectar os seus interesses imediatos. Os alargamentos da União Europeia e da NATO, com tensões não resolvidas com alguns países bálticos, e as incursões petro-estratégicas dos EUA no seu espaço tradicional de influência – Cáucaso e Ásia Central - não podem deixar de causar perplexidade num poder que, historicamente, sempre confundiu estabilidade na sua vizinhança com controlo político-militar dos vizinhos, numa cultura obcecada de segurança. Neste contexto, a OSCE não resolve hoje nenhuma das preocupações de Moscovo, antes lhe acrescenta algumas mais.

Na estreita margem de manobra de que dispõe, a Rússia está, contudo, a tentar explorar na OSCE uma virtualidade estratégica marginal. Tendo em atenção a contínua atenção dos países ocidentais face às deficiências na evolução político-institucional dos países saídos do desmantelamento da URSS, a Rússia começa a detectar as vantagens de poder, regularmente, dar a mão no seio da OSCE às actuais lideranças de muitos desses países, ajudando-as a resistir às pressões ocidentais para cumprirem os compromissos de evolução político-institucional que subscreveram ao integrarem a organização. Por essa via, Moscovo procura recuperar alguma influência perdida, tenta restaurar feridas do passado recente e, o que não é despiciendo no caso de alguns países da Ásia Central, procura evitar alguma atracção desses mesmos Estados por parte da China[8]

Como se disse, a Rússia parece hoje hesitante sobre como actuar no seio da OSCE. Descontente com a liberdade que as “contribuições voluntárias” e os regimes de secondment de pessoal facultam aos países ocidentais, Moscovo deixou de pugnar por um reforço institucional que, seguramente, lhe viria a exigir responsabilidades orçamentais impossíveis de comportar, no que acaba por coincidir com os EUA, em detrimento da estruturação progressiva da organização. Nesta indecisão, a Rússia espera para ver e mantém uma atitude de muita prudência, pontuada por uma política de obstrução selectiva.

Finalmente, e numa apenas aparente contradição, a Rússia revela-se como o grande promotor do esforço de reflexão sobre a reforma da organização. Mas a sua agenda neste domínio é relativamente simples: Moscovo quer provocar um debate sobre a necessidade de uma maior transparência no funcionamento da OSCE, quer sublinhar a importância de um maior rigor na observância de regras e procedimentos, em suma, pretende controlar o uso mais eficaz que outros fazem hoje da organização. E procura utilizar tal debate para colocar sobre a mesa outra questão, para ela muito importante: a avaliação das consequências político-estratégicas dos alargamentos da NATO e da União Europeia nos equilíbrios internos dentro da OSCE.


A ausência da União Europeia


Se a Política Externa e de Segurança Comum existisse, a OSCE poderia vir a ser um importante instrumento a utilizar na afirmação estratégica da União Europeia, nomeadamente junto dos países saídos da implosão da URSS. Não sendo esse o caso, e talvez por isso mesmo, a presença da União no seio da OSCE aparece hoje como uma dispersão pouco coerente de iniciativas, as mais das vezes impulsionadas, de forma não totalmente coordenada, pelo Reino Unido, pela França ou pela Alemanha. A acção da União Europeia na OSCE é, quase sempre, reactiva e casuística, muitas vezes meramente declaratória e só episodicamente utilizando o seu potencial económico – nomeadamente a acção externa da Comissão Europeia – como instrumento efectivo de influência.

A União parece não se dar conta que, se se quer afirmar como um poder mundial, não pode descurar uma estratégia clara que atenue o potencial de tensões na sua nova fronteira a Leste (Bielorrússia, Ucrânia e Moldávia), que influencie activamente a resolução das crises no Cáucaso (Geórgia e Arménia/Azerbaijão) e possa projectar o seu peso na Ásia Central, passando a ser actor relevante nesse mercado estratégico-energético. A Europa, enquanto unidade política, parece não se ter ainda apercebido que essa área pode ser-lhe cada vez mais vital, particularmente se se tiver em conta a crescente expressão americana no Golfo e nas zonas adjacentes na Ásia Central e do Sul. Sem uma relação activa com os Estados dessas áreas, a União Europeia não conseguirá garantir, em tempo útil, uma influência relevante no processo de evolução do espaço euro-asiático da OSCE. Infelizmente, a União parece incapaz de entender que a OSCE poderia ser por ela utilizada de forma muito mais eficaz neste domínio.

Convém deixar claro que o problema da melhoria da eficácia da acção da União Europeia no seio da OSCE não se situa predominantemente em Viena. Nesta cidade apenas se sentem os efeitos secundários da leitura feita em Bruxelas, não apenas em termos da colocação dos temas OSCE na hierarquia de prioridades da acção externa da União, mas igualmente os bloqueamentos entre os Estados membros que resultam em certos impasses.

No primeiro caso, constata-se que Bruxelas tem vindo, com alguma lentidão, a absorver as mensagens que a sua antena no seio da OSCE lhe envia. Essa mensagem é relativamente simples: torna-se necessário que a União Europeia, que tem hoje quase metade dos Estados OSCE, alguns deles com uma grande proximidade geográfica das questões mais conflituais que ocupam a organização, e que paga uma fatia considerável do orçamento, se concentre em acordar numa massa crítica de jurisprudência diplomática, não apenas face aos temas actualmente mais apelativos para a PESC, mas igualmente nas áreas do Cáucaso e Ásia Central, por onde passa muito do futuro dos interesses europeus. É forçoso, neste contexto, que a União se ponha de acordo – e, neste caso, a Alemanha, a França e o Reino Unido, em especial – se está ou não disposta a afirmar uma política autónoma para essas regiões, eventualmente arriscando pontuais conflitualidades com os EUA, quando a estratégia deste possa contrapor-se aos seus interesses. A sensação prevalecente é que a Europa dá a Washington o direito de estabelecer em tais áreas a linha prioritária de acção, ficando a actuar apenas nas margens desta e, por essa razão, aparecendo sempre como um poder subsidiário, o que afecta a sua própria relevância no diálogo com a Rússia.

Uma segunda linha de preocupações prende-se com algumas questões de princípio e com a evolução de certas dimensões da acção externa da União Europeia, no período subsequente ao último alargamento. Estamos a referir-nos aos temas ligados às tensões traumáticas que alguns dos novos aderentes, em especial os Estados bálticos, mantêm com Moscovo e ao modo como tal se repercute na formulação de algumas linhas de intervenção substantiva da União no seio da OSCE – de que o tratamento das minorias nacionais é o exemplo mais evidente. Mas isso é igualmente válido nas questões como o tratamento das matérias ligadas ao combate à intolerância e à autonomia a dar às diversas componentes de tal conceito. Se a União Europeia não conseguir ultrapassar, a muito curto prazo, o bloqueamento que obriga a solidariedades que se situam acima dos princípios que deve observar, não nos deveremos admirar que tal possa ter repercussões sérias, em especial no equilíbrio da nossa relação com a Rússia. No seio da OSCE, a União sempre deu a entender que tinha uma diplomacia de valores e que, muitas vezes, esse era o elemento distintivo face a certos jogos de realpolitik que enfraqueciam a credibilidade de outros parceiros. Se a dinâmica do seu processo interno de decisão vier a ficar congelada pela fragilidade na afirmação dessa dimensão ética, a Europa passará a ser vista dentro da OSCE como adoptando o mesmo cinismo táctico que, por vezes, identifica negativamente nos outros.

Mas importa dizer que magnificar a influência da União Europeia na OSCE não pode constituir um fim em si mesmo, mas apenas um meio para utilizar os instrumentos ao dispor da organização para as finalidades da PESC. Para tal, impõe-se que todos os actores relevantes na União – Estados membros, Comissão, Policy Unit PESC, PSC, COSCE - se articulem com vista a aproveitar as eventuais contribuições e meios da OSCE para objectivos comuns da União Europeia, em cada país ou sub-região, que não será possível, ou será muito mais difícil, desenvolver fora deste quadro multilateral. Será pela cumulação criativa dos diversos instrumentos que a União e os seus Estados membros têm na sua mão, em Bruxelas e nas capitais, que vai ser possível conferir credibilidade ao processo declaratório que se desenvolve em Viena. Meios financeiros, instrumentos de política comercial, política de sanções, influência junto de outras instituições multilaterais – estes são alguns de entre muitos instrumentos que a União Europeia (com a Comissão Europeia a ter um papel relevante) e os seus Estados membros têm ao seu dispor e que devem utilizar em pleno.

A ligação entre as delegações da Comissão Europeia e as Missões OSCE são, neste domínio, um elemento da maior importância. A União, além disso, tem de saber trabalhar muito melhor a montante da gestão quotidiana definida no quadro do Conselho Permanente, influenciando as agendas e as prioridades da OSCE, nomeadamente através do desenho do seu orçamento anual e da planificação capaz das suas decisões substantivas, com carácter estratégico, que são aprovadas nos Conselhos Ministeriais anuais. Finalmente, torna-se vital que os Estados Membros que têm agendas nacionais muito vincadas em alguns países da área OSCE, onde a União tem um défice de influência enquanto entidade colectiva, consigam trabalhar de forma coordenada e coerente, numa lógica interventiva europeia. Isto passa, nomeadamente, pelo diálogo no desenho dos projectos com financiamentos nacionais e pela política de candidaturas para os postos OSCE.

No imediato, o empate de vontades que se detecta na União Europeia conduz a que as suas intervenções na OSCE acabem por ser uma manancial de platitudes, a expressão de uma diplomacia de lugares comuns, que contrasta flagrantemente com a importância potencial de representar politicamente 25 Estados num contexto de 55[9]. Se assim continuarmos, não apenas enfraqueceremos a nossa imagem na OSCE como contribuiremos para enfraquecer a própria organização.

 


As dúvidas existenciais


Embora oficialmente assuma um discurso auto-congratulatório sobre a preservação das virtualidades da sua acção e sobre a subsistência de um espaço próprio no mercado das organizações de segurança, é patente que o ambiente que se vive na OSCE está longe de ser de extrema confiança quanto ao respectivo futuro. Muito pelo contrário, há uma constante interrogação sobre o modo como a organização se deve situar na arquitectura de segurança europeia, depois da evolução de outras entidades que, em certa medida, podem conflituar com a preservação do seu domínio específico de intervenção.

Na prática, a evolução da filosofia que hoje enforma a NATO, o vasto alargamento desta organização e, em especial, o modelo de articulação que ela já conseguiu com a Rússia, vieram renovar as dúvidas que existiam sobre o espaço de afirmação futura para a OSCE na área da segurança. Se a organização surgiu no passado como terreno privilegiado para gerir o diálogo com a URSS, a verdade é que a Rússia dispõe hoje de quadros próprios muito mais eficazes, não apenas para sustentar o seu entendimento com os EUA, mas igualmente para organizar o seu relacionamento directo com a NATO. Naturalmente que passam pela OSCE algumas questões residuais em matéria de controlo dos processo de desarmamento convencional, a que se ligam mecanismos de transparência para assegurar as medidas geradoras de confiança em matérias de segurança. Mas, como atrás se assinalou, estamos já muito mais no domínio da gestão das rotinas e, muito menos, num terreno que pressuponha um nível de intervenção negocial em que a OSCE venha a ser instrumental.

Por outro lado, o último alargamento da União Europeia também não resulta neutral para a OSCE, tendo particularmente em conta que vai de paralelo com o reforço de uma dimensão própria de segurança, a qual, assuma-se ou não, conflitua, de certo modo, com o terreno tradicionalmente ocupado pela organização. Um exemplo bem evidente é o papel crescente da União nos Balcãs, num modelo de intervenção que claramente se substitui – e vai mesmo muito para além – àquele que a OSCE está em condições de oferecer. Além disso, e uma vez mais, a Rússia não necessita da mediação da OSCE para dialogar com a União Europeia: fá-lo em quadros que configuram o caminho para uma parceria estratégica perfeitamente autónoma. Diríamos mesmo que importará à União no seio da OSCE evitar que os temas mais problemáticos na sua agenda acabem por prejudicar este mesmo entendimento, em lugar de o reforçar.

Embora ninguém o afirme abertamente, é também evidente existir uma subterrânea competição entre a OSCE e as estruturas do Conselho da Europa, nomeadamente nas áreas da Dimensão Humana, se bem que, neste último caso, a OSCE possa reivindicar ter no seu seio os países da Ásia Central que não fazem parte da instituição de Estrasburgo, para além de parceiros do outro lado do Atlântico com estatuto pleno. A questão estará em saber-se se, numa lógica de economias políticas de escala, a comunidade internacional pode continuar a dar-se ao luxo de manter separadas organizações que se cruzam no mesmo plano de actividades, apenas por uma espécie de luta pela sobrevivência assente em lógicas corporativas e de inércia reformista.

Voltando à OSCE, parece importante que seja feito um inventário sereno das suas virtualidades como organização, do seu acervo institucional e normativo, da utilidade dos instrumentos ao seu dispor e do valor acrescentado que a massa crítica que conseguiu gerar pode dar para os esforços internacionais de segurança. A estes pontos deve somar-se uma análise prospectiva sobre novas áreas temáticas a que poderá dedicar atenção.

Não está nos objectivos deste texto entrar em tal exercício, mas sempre diremos que a preservação integral dos instrumentos que consagram os compromissos assumidos pelos Estados participantes da OSCE deve estar no centro das preocupações de qualquer reflexão sobre o futuro da organização. Por outro lado, não vemos como dispensável o papel extremamente relevante que a rede das Missões OSCE hoje representa, como factor de monitorização e pressão para a evolução de certas sociedades em transição. Finalmente, cremos que questões como o combate ao Tráfico de Seres Humanos, a gestão de fronteiras e a formação de polícia, a par de outras dimensões de natureza horizontal, constituem hoje um espaço de crescimento potencial da organização.

Talvez uma reflexão alargada sobre a divisão internacional de trabalho em matéria de segurança internacional pudesse ser desenvolvida com alguma vantagem, mas temos dúvidas que tal se possa fazer apenas no contexto euro-atlântico-asiático, como aquele em que a OSCE se projecta. A nosso ver, só como resultante de uma evolução das Nações Unidas, com a atribuição de responsabilidades subsidiárias a organizações de natureza regional ou sub-regional, é que o futuro da OSCE poderia ser assegurado em plenitude. Mas esse é outro debate que não cabe neste texto.

Finalmente, a ideia de alguns Estados no sentido de, a prazo curto, ser promovida uma Cimeira de chefes de Estado e de Governo dos países OSCE continua a ser tema de análise recorrente na organização[10]. Confessamos o nosso cepticismo sobre o interesse e oportunidade de levar a cabo, no imediato, tal exercício. Não apenas porque tememos que ele possa ser escassamente mobilizador, espelhando ainda mais o desinteresse actual que os Estados participantes mantêm pela organização, mas igualmente porque ele poderia contribuir para o relevar de algumas clivagens, por ser impensável que alguns sectores dentro da organização se não sentissem tentados a expressar as suas preocupações fundamentais num debate a nível tão elevado. E, neste caso, o exercício acabaria por ser contraproducente e reforçar as perplexidades que, em princípio, tinha como objectivo superar.

 


A Presidência Portuguesa

A Presidência portuguesa da OSCE[11] foi, desde o primeiro momento, assumida como “uma oportunidade única para que Portugal possa continuar a dar expressão ao seu apego a uma política de direitos humanos, de enraizamento da democracia e da promoção da paz, da estabilidade e da prosperidade no mundo e em particular no continente europeu”[12]. O objectivo era utilizar o palco da OSCE para reforçar a nova visibilidade externa que se pretendia para o país, nomeadamente através de uma activa participação no quadro europeu e na crescente afirmação de uma diplomacia de valores.

Para tal, Portugal definiu, durante 2001, um completo programa de trabalho onde ressaltava alguma ambição de tocar, com eficácia e sentido prospectivo, nos principais vectores operacionais da OSCE, nomeadamente através de um maior equilíbrio das respectivas Dimensões, de um impulsionar de linhas internas de reforma e de uma procura de sinergias com outras organizações internacionais e regionais, no quadro do conceito da Plataforma para uma Segurança Cooperativa[13], lançado na Cimeira de Lisboa, em 1996, e consagrado em Istambul, três anos mais tarde.

De registar que os três temas de natureza regional, ligados aos chamados frozen conflicts que subsistem no seio da OSCE, também mereceram a atenção da Presidência portuguesa: Transnístria, Nagorno-Karabakh e Ossétia do Sul.

Valerá fazer referência breve a cada um deles, pois constituem o cerne das preocupações da organização e, na realidade, configuram situações de tensão, restos da Guerra Fria, que não podem deixar de colocar ameaças constantes à estabilidade.

Na região moldava da Transnístria, na fronteira com a Ucrânia, mantém-se uma administração separatista que não aceita o governo central moldavo, expressando uma vontade política que hesita entre o secessionismo e modelos de grande autonomia. Embora não haja um reconhecimento formal de tal administração por parte de qualquer país, a circunstância das autoridades transnístrias de facto dificultarem a destruição e remoção de armas e munições de uma antiga base russa aí localizada traz consequências sérias para o cumprimento por Moscovo de parte dos já referidos “Compromissos de Istambul”. O problema transnístrio apresenta, assim, duas vertentes, que regularmente se conjugam no plano político: o desmantelamento do arsenal militar russo e o processo negocial para o estabelecimento de um acordo político-constitucional com as autoridades legítimas da Moldova. O ano de 2002 trouxe alguns avanços nas duas frentes, embora sem uma solução necessariamente à vista em ambas. Em 2003, a Rússia tentou promover um plano próprio para a resolução do diferendo, que contou com a oposição do governo moldavo e um idêntico cepticismo por parte da comunidade internacional ocidental.

A OSCE, através do chamado “Grupo de Minsk” (co-presidido pelos EUA, Rússia e França), tem, na última década, tentado mediar o conflito provocado pela ocupação pela Arménia de cerca de 16% do território do Azerbaijão, a região do Nagorno-Karabakh, onde reside uma população de etnia arménia. Desde o cessar-fogo obtido em 1994, que culminou um sangrento conflito iniciado em 1988, que a situação se tem mantido sob elevada tensão, com incidentes regulares, embora com uma intensidade baixa de conflito nos últimos anos. Os esforços das diversas Presidências OSCE para promover um diálogo com efeitos práticos na definição do estatuto futuro daquele território têm sido totalmente infrutíferos.

Finalmente, o território da Ossétia do Sul mantém um conflito com as autoridades da Geórgia, que recusam conceder o estatuto de ligação à Rússia que reclama. Trata-se de um problema que a OSCE trata desde há vários anos, com sucesso muito limitado, mas com regular promoção de diálogo entre as partes. De paralelo com a questão do território da Abcásia, que está a cargo das Nações Unidas, a questão da Ossétia do Sul constitui uma das heranças da presença russa na Geórgia.

Porém, todos os esforços de Portugal nestes domínios, se bem que reconhecidos e saudados no seio da organização, tiveram um sucesso semelhante aos que haviam sido levados a cabo por anteriores Presidências. A prevalência de tensões locais muito fortes e a incapacidade ou indisponibilidade de outros actores internacionais de forçarem soluções levou, em todos os casos, a um prolongamento prático do status quo. Vale a pena registar que as Presidências posteriores foram, até ao momento, igualmente incapazes de dar qualquer salto qualitativo nestas mesmas questões.


Terrorismo – desafio e oportunidade

Numa perspectiva mais geral, é importante notar que, sem ter perdido de vista alguns dos principais objectivos do seu programa, a Presidência portuguesa se viu forçada, desde o primeiro momento, a proceder a uma readequação parcelar do mesmo à luz das exigências da nova situação criada pelos acontecimentos de Setembro de 2001. Assim, constituiu preocupação central do nosso exercício potenciar a visibilidade e a utilidade efectiva da organização no esforço colectivo, liderado pela ONU, e assumido como linha comum por toda a comunidade internacional, de luta contra o terrorismo. Tratava-se, neste caso, de prosseguir e complementar o inteligente e oportuno esforço feito pela anterior Presidência romena nos seus últimos meses, onde havia consagrado, neste domínio específico, o Plano de Acção de Bucareste e o Programa de Acção de Bisqueque – que passaram a constituir-se eixos importantes no esforço de visibilidade da OSCE no campo da luta anti-terrorista.

Se bem que ninguém duvidasse da importância de que se revestia uma organização de segurança como a OSCE afirmar a sua disponibilidade para colaborar na luta internacional anti-terrorista, muitos se interrogaram, desde o início, sobre qual seria o valor acrescentado que ela poderia dar a tal esforço. O que ficara definido em Bucareste e Bisqueque era, sem dúvida, importante, mas estava por demonstrar o papel operativo particular que a OSCE poderia vir a desempenhar neste âmbito. Alguns viram mesmo, nesse movimento de colagem à agenda de oportunidade, um ensejo para consolidar o futuro da organização – certos cínicos afirmaram então que talvez o terrorismo pudesse vir a fazer mais pelo futuro da OSCE do que a OSCE pelo combate ao terrorismo…

A Presidência portuguesa procurou, desde o primeiro momento, assumir uma posição realista. Sem tentar magnificar as potencialidades da organização neste domínio, colocou-se a si própria três objectivos paralelos.

O primeiro consistia em dar sequência aos esforços muito positivos da Presidência romena, garantindo que, durante 2002, seriam avaliados os progressos e as boas práticas entretanto desenvolvidas pelos Estados no combate ao terrorismo, estruturando algumas linhas para exercícios similares no futuro, a aprovar no Conselho Ministerial do Porto, em Dezembro desse ano.

O segundo seria a possibilidade de elevar a visibilidade da acção da organização no contexto internacional, utilizando para tal os instrumentos da Plataforma para uma Segurança Cooperativa. Desde o início da nossa Presidência, havia sido planeada a realização, em Lisboa, de uma reunião com os Secretários-Gerais e/ou altos representantes da ONU e das organizações regionais relevantes, que viria a ter lugar em Junho de 2002.

Finalmente, um terceiro objectivo, a que cedo atribuímos grande importância, foi o de procurar fixar, num único instrumento escrito, as bases de uma aproximação política comum dos Estados OSCE no quadro da luta anti-terrorista. A ideia de conferir a tal documento o título de “Carta” foi recorrentemente mencionada como um dos objectivos para o Conselho Ministerial do Porto.

O risco deste último objectivo – e que acabaria por ser a nossa mais original contribuição neste domínio – era reconhecidamente elevado. A crescente simplificação de tratamento do tema, pela situação traumática que o relançara e pelo pragmatismo das acções que a ONU concentrava, deixava escasso espaço para um esforço de abordagem mais conceptual. Esse esforço tanto se poderia perder em generalidades inconsequentes como cair no terreno perigoso de definições muito elaboradas ou restritivas, as quais, neste último caso, iriam em contra-ciclo com a maré política do tempo. Acrescia que a diversidade de culturas políticas que compõem a OSCE facilmente faria resvalar tal tarefa para uma colagem às clivagens tradicionais no seio da organização, como já se começara a verificar em Bucareste.

Cedo se verificou que todas estas preocupações tinham fundamento. Depois de um ensaio do exercício, antes do Verão de 2002, em moldes que a comunidade OSCE não acolheu com grande entusiasmo, viríamos, nos últimos meses, a reverter em Viena o processo através de um modelo que se revelou mais consensual, embora curiosamente mais imaginativo e criativo. Dele viria a resultar, por aproximações sucessivas, a Carta de Prevenção e Combate ao Terrorismo, que seria aprovada no Conselho Ministerial do Porto, em Dezembro de 2002. As discussões em Viena foram muito difíceis, a própria utilidade do exercício chegou a estar em dúvida, o conceito de “Carta” só muito tardiamente foi aceite por todos e, mesmo assim, apenas depois de um delicado trabalho de convicção individualizada dos Estados mais relutantes, com o recurso a complexos trade-off com outros dossiês. Pelo percurso ficaram dificuldades de wording ligadas a problemas específicos de alguns países e um esforço para uma orientação pragmática e, tanto quanto possível, isenta de ambiguidade.

No Porto viríamos também a aprovar uma Decisão, sob impulso dos EUA, relativa aos compromissos e actividades da OSCE no combate ao terrorismo – precisamente na linha de fixação do quadro de monitorização futura que sempre pretendêramos. A assunção, por parte da Presidência, desta ideia americana, que sempre procurámos que não afectasse substantivamente a integridade e a própria identidade conceptual da Carta, acabaria por ser garantida como contrapartida do apoio activo de Washington, nomeadamente junto de terceiros Estados, a outros documentos que pretendíamos incluir no “pacote” que viria a ser aprovado no termo do Conselho Ministerial do Porto.

Neste domínio politicamente tenso e propenso à simplificação caricatural que é o combate ao terrorismo, a Presidência portuguesa terá conseguido, através de um empenhamento e determinação constante, assegurar um dos principais sucessos do seu exercício, o que foi por todos reconhecido[14].


Algumas iniciativas singulares

Não tendo este trabalho uma vocação de inventário de resultados, entendemos, contudo, importante apontar algumas iniciativas que marcaram muito positivamente a nossa Presidência e deixaram uma marca substantiva que, estamos certos, se reflectirá no futuro da organização.

A Declaração sobre Tráfico de Seres Humanos[15] aprovada no Porto é, neste domínio, um caso exemplar. Pela primeira vez a OSCE conseguiu assumir colectivamente um conjunto de princípios num tema que tem crescente actualidade em toda a área geográfica da organização, suscitando dada vez maior atenção e preocupação da opinião pública e dos responsáveis políticos. Fê-lo através da difícil fixação de linhas de abordagem que vão para além, não apenas da retórica declarativa, mas igualmente de perspectivas teóricas tradicionais, por envolverem simultaneamente os países de origem e as fontes de procura que originam e estimulam o tráfico. Com esta Declaração, a OSCE abriu caminho a um papel central num domínio que hoje é reconhecido como da maior importância no contexto europeu. A estrutura específica que, em 2004, acabou por ser criada no organograma da OSCE para a questão do Tráfico de Seres Humanos é o resultado concreto deste esforço português e a prova da sua pertinência.

Ainda no capítulo da Dimensão Humana, julgamos de interesse relevar a Decisão aprovada sobre Tolerância e Não Discriminação. Fruto de uma negociação complexa e laboriosa, que evidenciou as conflitualidade de interesses que o tema acolhe, foram lançadas importantes bases para um domínio que se revela central nas modernas questões de segurança. A realização, em 2003 e 2004, de duas importantes iniciativas neste âmbito, que decorrem directamente desta Decisão, comprova a importância do que no Porto aprovámos. Diga-se que, quando este tema surgiu na mesa negocial da nossa presidência, muitos poucos estavam convencidos da possibilidade de aprovação de algo de substantivo.

Finalmente, sublinharíamos duas Decisões que podem ter um impacto decisivo sobre o futuro da organização.

A primeira tem uma natureza conceptual e prende-se, indissoluvelmente, com o próprio futuro da OSCE enquanto instituição. Tratou-se do lançamento da ideia do estabelecimento de uma comprehensive Estratégia da OSCE para enfrentar as Ameaças à Segurança e à Estabilidade no Século XXI, nomeadamente analisando a respectiva mudança de natureza e principais causas, o papel e a adaptação de toda a rede institucional e operativa da organização em função dessas mesmas ameaças, a avaliação de eventuais novos meios de acção e a ligação prática às acções nacionais e de estruturas regionais ou internacionais relevantes. Na sequência da Declaração ministerial acordada em Bucareste, a Presidência portuguesa em Viena tomou a iniciativa de solicitar aos EUA e à Rússia, no primeiro semestre de 2002, uma contribuição conjunta neste domínio. Com base nela, foi feita uma fixação detalhada deste ambicioso programa de acção, o qual constitui, porventura, uma das contribuições mais relevantes e originais que a Presidência portuguesa prestou à OSCE, “obrigando-a” a repensar-se à luz de uma abordagem muito extensa do novo ambiente de segurança em que se move[16].

Uma segunda Decisão, que julgamos dever também notar, dotada de uma natureza operativa muito evidente, tinha a ver com a proposta de realização de uma “Conferência Anual de Revisão da Segurança”, que se pretendia o fórum para uma avaliação, conjunta e coordenada, do trabalho anual da organização em todas as dimensões da segurança, desde a resposta às novas ameaças, à verificação da implementação das medidas de combate ao terrorismo, aos aspectos político-militares da segurança, às actividades de alerta precoce, prevenção de conflitos, gestão de crises e reabilitação pós-conflito, às questões de polícia, à acção das instituições e das Missões no terreno, etc. Trata-se de uma iniciativa de grande alcance, que se colocou de imediato no centro das prioridades da Presidência que nos sucedeu, e que representa um modelo integrado sem precedentes na história da OSCE[17].

A actividade de uma Presidência não se esgota nos textos aprovados no seu termo, mas estes revelam muito do trabalho desenvolvido[18]. O facto da Presidência holandesa que nos sucedeu ter como programa, praticamente, o desenvolvimento do tasking que fizemos aprovar no Porto dá uma ideia da relevância do nosso contributo.

Mas é evidente que o trabalho de uma Presidência é constituído, também, pela gestão diária de uma complexa organização como é a OSCE, pela capacidade de promover a orientação regular à actividade do Secretariado, de procurar dar coerência à acção das diversas instituições e, muito em especial, pelo modo como se afirma na coordenação diária do trabalho das Missões no terreno, nomeadamente com vista a ajudá-las a superar os seus problemas, de natureza substantiva ou operacional.

Essa acção de rotina está maioritariamente assente na Representação Permanente da Presidência em Viena e é julgada, no dia-a-dia, pelo conjunto da organização, dela resultando a imagem que a Presidência cria e que é a sua marca distintiva.

Neste contexto apreciativo, sobressai também a forma, mais ou menos eficaz, como as Presidências conseguem articular o binómio capital/Viena. A complementaridade ou as tensões que sempre marcam esta dualidade resultam perfeitamente visíveis aos olhos dos observadores, a começar nos Estados participantes e a acabar no Secretariado. No caso da Presidência portuguesa da OSCE, em 2002, valerá a pena afirmar que o modelo de funcionamento do binómio capital/Viena foi um factor muito notório na nossa actividade, durante grande parte do ano, salientando-se em termos públicos em moldes que permanecem muito vivos na memória da organização.


As crises de percurso


A Presidência portuguesa teve de enfrentar, nos primeiros meses da sua gestão da organização, a difícil situação decorrente de não ter sido aprovado, até ao termo de 2001, o orçamento da OSCE para o ano seguinte. Um trabalho aturado de diálogo e persuasão foi levado a cabo com uma eficácia técnica que assegurou o primeiro sucesso da nossa Presidência, garantindo tempestivamente os meios para o funcionamento regular da organização. Valerá a pena notar que, no termo da sua própria Presidência, Portugal conseguiu deixar finalizado, a tempo e horas, o orçamento para 2003.

Uma segunda crise de percurso foi gerada pela decisão da Bielorússia de, progressivamente, deixar de renovar a acreditação diplomática dos membros estrangeiros da Missão OSCE em Minsk, como protesto pelo alegado comportamento da chefia dessa mesma Missão face à situação interna no país, em especial aquando das eleições presidenciais de 2001. O trabalho do pessoal da OSCE foi visto pelas autoridades bielorussas como tendo favorecido abertamente as forças da oposição. Como reacção às dificuldades criadas à Missão em Minsk, a Assembleia Parlamentar da OSCE viria a suspender, em Julho de 2002, a participação de deputados bielorrusos nos seus trabalhos. Em resultado da atitude bielorussa, a Missão da OSCE em Minsk deixou, no final de Outubro de 2002, de poder contar com qualquer funcionário internacional e, na prática, cessou todas as suas actividades, já muito reduzidas desde há vários meses.

Perante a degradação crescente dos laços entre a Bielorrússia e a OSCE, a Presidência portuguesa procurou, desde muito cedo, encetar um diálogo com as respectivas autoridades, para estudar em conjunto o modo como a presença futura da organização no território poderia vir a ser mantida. As autoridades bielorussas furtaram-se a esse diálogo até à cessação, de facto, do trabalho da Missão em Minsk. Entretanto, no seio da União Europeia, e na sequência da recusa checa em permitir a deslocação do Presidente bielorusso à Cimeira da NATO em Praga, em Novembro, gerou-se e acabou por prevalecer uma linha maioritária no sentido de impor medidas restritivas em matéria de vistos de viagem a oito dirigentes bielorussos, incluindo o Presidente e o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Portugal entendeu não dever associar-se a esta medida restritiva e isso permitiu que o MNE bielorusso se deslocasse à reunião ministerial do Porto, o que, na prática, facilitou o início do regresso da Bielorússia à mesa de negociações. Mais de duas semanas de intensas negociações em Viena, sob a exclusiva e autónoma responsabilidade da Presidência portuguesa do Conselho Permanente, permitiram fixar as bases de um novo mandato, que viria a assegurar a reabertura formal de um novo escritório da OSCE em Minsk, a partir de 1 de Janeiro de 2003.

Este significativo êxito da Presidência portuguesa, no tocante à preservação da presença da OSCE em Minsk, não teve paralelo na questão da continuidade da presença da Missão da OSCE na Chechénia a partir de 31 de Dezembro de 2002. Os dois processos têm, contudo, contornos bastante diferentes. Aquando da renovação do mandato daquela Missão, no termo de 2001, a Rússia deixara já entender que 2002 seria o último ano em que a presença da OSCE em Grozny se manteria aberta, à luz do mandato existente. Após o Conselho Ministerial do Porto, em Dezembro de 2002, a Rússia apresentou à Presidência portuguesa um projecto de novo mandato para 2003, que permitia a continuação de uma Missão no terreno. Porém, tal texto diluía grande parte da substância política do anterior mandato e, na prática, transformava um futura presença da OSCE numa mera estrutura de cooperação técnica com as autoridades russas, sem real consistência com os objectivos que a organização pretendia desenvolver no território, nomeadamente na área dos direitos humanos. Intensas rondas de contactos com os parceiros em Viena vieram a resultar na rejeição liminar da proposta russa. Sucessivos projectos alternativos de texto para o futuro mandato, preparados e propostos pela Presidência portuguesa, tendentes a fazer a ponte entre os interesses russos e as pretensões dos principais parceiros ocidentais, nunca conseguiram gerar um mínimo de consenso entre as partes, até ao final do ano, data limite de vigência do anterior mandato e em que a Missão encerrou as suas actividades.

Que razões terão conduzido a este impasse? A nosso ver, a Rússia cedo terá percebido que o preço político a pagar pela decisão de forçar o encerramento da Missão OSCE em Grozny acabaria por não ser muito elevado, num tempo subsequente ao atentado checheno no teatro de Moscovo e em que a prevalência de um ambiente securitário no plano internacional funcionava em seu favor. A Rússia, de facto, não estava enganada.

Uma outra crise que muito marcou a Presidência portuguesa da OSCE respeitou à substituição do director do Escritório para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos (ODIHR), a importante instituição da OSCE sediada em Varsóvia, dedicada à observância dos direitos humanos. O processo de selecção de candidatos teve início antes do Verão e viria a ficar marcado por vários incidentes de percurso, com tensões entre candidaturas e questões de natureza processual em que – há que assumi-lo – a gestão da Presidência poderá ser vista como não estando totalmente isenta de culpas. Perante o evidente bloqueio criado entre as candidaturas apresentadas até ao Verão, a Presidência portuguesa em Viena viria a lançar, em Setembro, um novo processo, desta vez apoiado num grupo de wise persons, que acabou por apontar para uma solução em torno de um único nome. O nome proposto pela Presidência portuguesa em Viena, com base nesse novo modelo selecção, viria a merecer o consenso dos 55. Mas tal só acabou por ocorrer em início de Janeiro de 2003, já sob Presidência holandesa, pela peculiar insistência de um Estado participante nosso vizinho em não desistir da sua candidatura enquanto a Presidência portuguesa estivesse em funções, descontente da forma como Lisboa gerira a questão. Cosas de la vida…

Outro domínio em que se verificaram alguns problemas foi o da nomeação de personalidades para a chefia ou lugares de relevo em Missões da OSCE, decisões que dependiam essencialmente da Presidência portuguesa e que eram da exclusiva responsabilidade da chefia política em Lisboa. Esta é uma área em que, tradicionalmente, surgem questões e tensões, em especial porque toca de perto as ambições de certos Estados participantes na assunção ou preservação da titularidade de alguns postos. É também um domínio em que o Estado que exerce a Presidência procura garantir alguma autonomia decisória, às vezes para gerir equilíbrios no seu quadro de relações bilaterais, e onde também frequentemente se confronta com a opinião do Estado receptor. Em perspectiva, diríamos que Portugal fez uma gestão deste dossiê que ganharia em ter sido muito mais transparente, célere e, em alguns casos, mais apoiada em critérios de competência objectiva. Assim teria sido evitada a fixação de uma desnecessária imagem de hesitação e de desleixo temporal.

Finalmente, uma nota sobre as relações entre o Conselho Permanente e a Assembleia Parlamentar da OSCE[19]. Depois de um período inicial da nossa Presidência em que, a exemplo de anos anteriores, se tentou trabalhar no estabelecimento de um “Memorando de Entendimento”, com vista a fixar a articulação funcional entre as duas estruturas, que cedo se verificou ter difíceis condições de aceitabilidade entre os 55 Estados participantes, entrou-se, na segunda metade do ano, num período de alguma tensão interinstitucional, com a Assembleia a apresentar pretensões que a Presidência em Viena verificou que não tinha condições de fazer aceitar pelos parceiros. Através de um diálogo directo entre o Presidente do Conselho Permanente e o Presidente da Assembleia Parlamentar, Portugal acabou por definir, por decisão tomada em Viena, um modelo pragmático de ligação entre a nova representação da Assembleia e as diversas instâncias do Conselho Permanente, para o que contou com a útil colaboração da futura Presidência holandesa, com vista a assegurar a sobrevivência no tempo de tal gentlemen’s agreement. Desta forma, as tensões diluíram-se e foi possível entrar em 2003 com uma fórmula de intervenção da Assembleia Parlamentar nos trabalhos do Conselho Permanente que já não suscita susceptibilidades de maior. Julgamos ser justo creditar também este resultado no saldo da nossa Presidência.

Os problemas fazem parte da vida das organizações e a OSCE, bem como as respectivas Presidências, não fogem a esta regra. Olhando para trás, sem complexos, para as dificuldades enfrentadas e para os erros cometidos, vemos que outras soluções poderiam ter sido seguidas e que disso teria beneficiado a imagem da nossa Presidência. Numa análise temporalmente distanciada, o autor deste texto assume que, atentas certas condicionantes e aspectos conjunturais menos favoráveis, nos planos interno e externo, Portugal pode dar-se por muito satisfeito com o saldo geral do seu exercício de 2002. Esta perspectiva ganha mais evidência se pensarmos no que poderia ter acontecido se os funcionários do Estado português, nomeadamente os que estiveram colocados em Viena, se tivessem deixado absorver por situações e atitudes que, no limite, os poderiam ter desincentivado de prosseguirem com entusiasmo o seu trabalho. Felizmente assim não aconteceu porque sempre prevaleceu, do seu lado, a vontade em salvaguardar os interesses do país.

 

Pistas de reflexão


Chegados a este ponto, parece-nos útil procurar tirar algumas breves conclusões sobre o futuro da organização, nomeadamente no tocante às possíveis adaptações a introduzir na sua estrutura, como forma de melhor responder ao seu novo posicionamento no contexto da arquitectura de segurança europeia, num momento de acelerada instabilidade internacional, cuja resultante final não é por ora visível. Do mesmo modo, importa também reflectir sobre qual poderá ser o papel de Portugal no futuro da organização e o modo como a poderá utilizar no quadro da sua acção externa.

Como se assinalou, a OSCE vive num impasse difícil de superar, no que toca às suas estruturas. Por um lado, é óbvio que a organização retiraria vantagens de um reforço institucional, de uma maior operacionalidade e autonomia funcional do trabalho do Secretariado e, em especial, da possibilidade do Secretário-Geral dispor de algum poder político de iniciativa, nomeadamente na área da prevenção de conflitos e da gestão de crises.

Tendo em atenção o actual momento de algum bloqueio que atravessa a organização, julgamos irrealista poder apontar para que seja possível fazer aprovar uma reforma institucional profunda, que reformule todo o actual organograma, dando-lhe maior coerência e alterando a relação funcional e hierárquica prevalecente. No imediato, somos da opinião de que só um esforço reformista de adaptação, de natureza política, pilotado pelas próximas Presidências[20], poderá ter condições de sucesso. Esse esforço poderia passar por uma progressiva delegação de competências de representação política no Secretário-Geral, o qual, para ter condições para exercer em pleno tais funções complementares, deveria passar a ser coadjuvado por um Secretário-Geral Adjunto, que teria a seu cargo as questões de natureza administrativa[21]. Assim, as próximas Presidências deveriam ser persuadidas a fazer um esforço de auto-limitação da sua própria autoridade, em favor do Secretário-Geral, aproveitando a circunstância de uma nova figura dever vir a ser designada para este cargo em 2005. Tratar-se-ia de uma progressiva responsabilização dos factores de continuidade, dentro de uma organização que vive sem uma sólida memória que faça a ligação entre as Presidências e permita garantir uma coerente evolução do acervo político da sua intervenção. Esta evolução não deveria, em nenhuma circunstância, subverter a relação de subordinação política entre a Presidência e o Secretário-Geral, tal como actualmente existe, mas apenas reforçaria a capacidade de representação política deste último, em nome da Presidência, na ordem externa e na sua capacidade de gestão interna.

Neste último domínio, seria do maior interesse poder dar ao Secretário-Geral a possibilidade de ser o principal veículo de orientação das Missões no terreno. Tal pressuporia um reforço do actual Centro de Prevenção de Conflitos (CPC), que deveria ser dotado de uma “célula de análise e prospectiva” e de uma “unidade de planeamento de intervenção”, esta última englobando as actuais actividades na área da gestão de fronteiras e acções de polícia e a progressiva criação de uma massa crítica própria em matéria de peacekeeping e acções pós-conflito, em articulação com outros actores internacionais.

Ao Secretariado, e dentro dele ao CPC, deveria ser conferida uma autoridade exclusiva na gestão das Missões no terreno, hoje objecto de instruções directas da Presidência, de orientações que dimanam dos debates no Conselho Permanente, das intervenções ad hoc dos Enviados ou Representantes da Presidência e da acção autónoma das diversas instituições. O CPC deveria passar a ser o único veículo de transmissão de orientações políticas e operacionais às missões no terreno, garantindo a coerência global da acção destas, nomeadamente nas actuações de natureza regional. Repete-se: tal não implicaria que o Secretário-Geral ficasse isento de responder perante a Presidência.

Ainda no tocante às Missões, o cenário ideal apontaria para o aumento dos postos de pessoal contratado, em progressiva substituição do actual regime de secondment, que tem fortes desvantagens pela dependência que cria face aos países que designam o pessoal e pela rotação excessiva que introduz, com instabilização constante das estruturas. Não sendo possível, realisticamente, enveredar por essa via no actual quadro de disponibilidades orçamentais, importaria, contudo, que as Presidências pudessem vir a conferir ao Secretariado um papel decisivo na selecção desses mesmos quadros. Esta questão prende-se, em especial, com as chefias e as subchefias das Missões, que deveriam passar a ser feitas através de uma comissão independente, dirigida pela Presidência e integrada pelo Secretariado, este com direito de veto, e por personalidades indicadas pelo Conselho Permanente. Assim se garantiria uma maior transparência a tais processos de selecção, que deveriam ser marcados por critérios de gestão profissional, com provas rigorosas de selecção. Alguns desastres cometidos neste tipo de selecção, inclusivé durante a nossa Presidência, aí estão para demonstrar a fragilidade do actual método, baseado em avaliações impressionistas e meras apresentações curriculares.

Não ignoramos que a eventual adopção deste novo modelo contrariaria as vantagens que alguns países retiram da prática actual. Para além das Presidências irem perder, nesse caso, parte da influência autónoma de que hoje dispõem, também os países que hoje providenciam pessoal em regime de secondment ficariam afectados no poder de efectivo controlo que hoje têm – o qual, curiosamente, também se objectiva em detrimento do poder da Presidência. Do que não duvidamos é que tal resultaria em favor de um acrescido reforço da organização.

Em termos gerais, a experiência aponta para a necessidade absoluta de garantir um reforço das estruturas de continuidade no seio da OSCE – o que só pode significar um reforço do papel do Secretariado. A menos que houvesse uma improvável vontade política para caminhar no sentido de uma ambiciosa reforma global – o que poderia ser dinamizado por um “Grupo de Sábios”[22] mandatado a nível ministerial, como o fez há anos o Conselho da Europa –, quaisquer passos eficazes e realistas naquele sentido só podem ter sucesso se houver uma disponibilidade de delegação de poder por parte das futuras Presidências.

 

Portugal e a OSCE – o futuro


A Cimeira de Lisboa de 1996 deu a Portugal uma imagem de um país capaz de mobilizar meios e vontades para ajudar a redireccionar o rumo da OSCE, num momento decisivo do respectivo percurso. A Cimeira de Lisboa continua a ser considerada um evento da maior importância na história da organização, pelo aprofundamento aí feito do papel chave da OSCE no processo de segurança e estabilidade, através das suas três Dimensões. Foi em Lisboa que se lançaram os fundamentos daquilo que viria a constituir a Carta para a Segurança Europeia, que viria a ser aprovada em Istanbul, em 1999. Mais tarde, o modo sério e responsável como planeámos e definimos as linhas orientadoras para a presidência 2002, a acção relevante que desenvolvemos na Troika durante 2001 (nomeadamente na gestão da questão transnístria) e a capacidade com que soubemos adequar o nosso programa de acção às novas realidades subsequentes a Setembro de 2001 – tudo isso nos garantiu o crédito de confiança com que iniciámos o exercício da Presidência.

Já atrás fizemos o balanço possível da Presidência de 2002. Resta sublinhar que nela veio a somar-se o efeito conjugado de dois factores: um externo e um interno.

O primeiro prende-se com as próprias interrogações existenciais que hoje em dia marcam a organização, neste tempo novo de transição no cenário geo-estratégico mundial. Os consequentes bloqueios das estruturas da OSCE, bem como o deslocar das agendas de prioridades de alguns parceiros para outros quadros institucionais tidos por mais operativos perante os desafios da conjuntura, conduziram àquilo que foi a média de vontades entre [i]os Estados participantes que serviu de pano de fundo à implementação do nosso programa.

O segundo liga-se às inevitáveis consequências induzidas pelas alterações de titularidade ocorridas durante o curso da Presidência, no tocante aos três actores principais envolvidos na respectiva gestão – Presidente em Exercício, Presidente do Conselho Permanente e Coordenador OSCE em Lisboa. Note-se que nenhuma outra presidência anterior sofreu uma tão profunda convulsão no seu curso de trabalho. Qualquer que seja a leitura que se faça da resultante prática de cada uma dessas mudanças para o curso da nossa Presidência, há que convir que apenas por um grande acaso, que não se verificou, essas alterações poderiam resultar neutrais para os equilíbrios de que dependia o êxito do exercício. E, independentemente do auto-retrato que procuremos dele fixar, a imagem que ficou nos outros prevalecerá como aquilo que fizemos, ou deixámos de fazer, na OSCE durante 2002. Cada um de nós.

Dito isto, onde está hoje, e onde deve estar no futuro, Portugal na OSCE ?

Fora de contextos muito particulares (cimeiras, presidências, Troikas) que se não repetirão, a relevância de Portugal na OSCE acompanha o normal padrão da afirmação da nossa política externa no plano mundial. O que significa que, se quisermos ir para além desse padrão, temos de estar dispostos a adoptar políticas voluntaristas, algumas das quais passam pela elevação do perfil com que encaramos algumas das nossas responsabilidades no plano externo. Atentas as limitações financeiras que vulgarmente aparecem associadas a tais esforços, facilmente se concluirá que o nosso país só tem condições para apoiar tal acção através do reforço de uma diplomacia de valores.

A situação do nosso país numa organização em que os principais problemas se situam em áreas geográficas muito distantes das nossas fronteiras políticas – que não das nossas fronteiras de segurança - dá-nos um óptimo ensejo para nos afastarmos, no quadro da OSCE, de juízos de alguma realpolitik, quase sempre inibidores de uma total coerência. Isso permite-nos uma maior isenção face a determinados cenários, que outros vivem sob reflexos de maior proximidade geopolítica ou de cargas históricas muito particulares.

A OSCE deve ser, assim, para nós, um terreno de afirmação dos princípios com que fomos aculturando a nossa expressão externa nas últimas décadas, nomeadamente no tocante à estrita observância das regras democráticas, à preservação dos valores do Estado de direito, bem como a uma política activa de promoção dos Direitos Humanos, nas suas várias dimensões. Daí decorre o interesse em aproveitarmos o subgrupo da União Europeia como espaço privilegiado para consagrarmos, no dia-a-dia da OSCE, essa mesma linha de orientação. Torna-se importante que continuemos a dar de Portugal, também no contexto específico da OSCE, a imagem de um país “previsível” e responsável nos seus reflexos externos, elemento essencial à nossa credibilidade como actor internacional, que ainda dispõe de uma apreciável projecção em vários cenários geopolíticos.

Complementarmente, a OSCE pode ser, também, um espaço interessante para alimentarmos e completarmos o nosso tecido de relações bilaterais, nomeadamente em áreas do mundo não cobertas por uma presença física permanente da nossa rede diplomática e consular, como é o caso do Cáucaso e da Ásia Central. A nossa Presidência da organização poderia ter constituído, aliás, um momento importante para esse trabalho de fixação e cultivo de uma imagem de um país com uma política externa não subordinada a agendas de oportunidade e com uma vocação tradicional para manter a concertação como prática determinante em todas as situações, em especial no quadro de crises de conjuntura.

O trabalho junto dos países “a Leste de Viena” é, neste domínio, um caminho interessante que entendemos que o nosso país deveria dedicar-se a explorar no quadro OSCE, se nele soubermos projectar, simultaneamente, uma imagem de rigor e exigência na observância dos princípios e uma predisposição constante para o diálogo. Em especial, Portugal deve situar-se na primeira linha dos países que, no seio da OSCE, entendem essencial não deixar deteriorar o acervo da parceria estratégica construída entre a União Europeia e a Rússia, elemento vital para a estabilidade e segurança na Europa. Sem o menor prejuízo para as nossas alianças preferenciais e para as nossas afinidades naturais, deveremos ter a sabedoria, e a coragem política, de não nos deixarmos enlear em alguns jogos conjunturais, susceptíveis de virem a contribuir para minar o valor essencial em que assenta a OSCE: a confiança.




[1] Fazem actualmente parte da OSCE todos os países europeus, os EUA, o Canadá e a totalidade dos Estados, mesmo os asiáticos, que emergiram da divisão da antiga URSS.

[2] Em 2004, o Secretariado e as três instituições da OSCE dispunham de menos de 400 funcionários permanentes. Nas Missões no terreno havia cerca de 1000 funcionários internacionais, a maioria dos quais destacados (seconded) pelos Estados participantes, a que se somavam cerca de 2500 funcionários recrutados localmente.

[3] O Tratado sobre as Forças Convencionais na Europa (CFE) foi assinado na Cimeira de Paris, em 1990, tendo entrado em vigor em 1992. Sempre considerado como um dos documentos mais importantes negociados no seio da organização – porque juridicamente vinculativo –, o Tratado CFE permitiu a destruição de mais de 60 mil peças de armamento, na sua grande maioria provenientes da antiga URSS e dos países do antigo Pacto de Varsóvia. Dada a necessidade da sua actualização, viria a ser assinado na Cimeira de Istambul, em 1999, o chamado Tratado CFE Adaptado, que até hoje não entrou em vigor por divergências de diversa ordem.

[4] CSBM - Confidence and Security Building Measures. Sobre este assunto, ver Francisco Seixas da Costa, “The OSCE Confidence and Security Building Measures”, in Aplicability of OSCE CSBM’s in Northeast Asia Revisited, ed. Institute of Foreign Affairs and National Security, Seoul, 2003

[5] Os EUA são o único Estado participante que recusa a conceder à OSCE personalidade jurídica plena no plano internacional.

[6] Na cimeira de Istambul, em 1999, a Rússia comprometeu-se a retirar de algumas bases militares que dispunha no território da Geórgia e a destruir armamento e munições que mantinha na região transnístria da Moldávia, até ao fim de 2002. Com argumentos diferentes, tais “Compromissos” não foram, na sua grande maioria, cumpridos e uma nova data – até ao final de 2003 – ficou estabelecida na reunião ministerial do Porto, em 2002. Embora verificada a persistência do incumprimento dos “Compromissos” no termo do novo prazo, durante o Conselho Ministerial da OSCE em Maastricht, em Dezembro de 2003, a Rússia recusou então aceitar uma renovação daqueles mesmos “Compromissos”, em termos que os países ocidentais, em especial os EUA, pretendiam mais constrangentes do que os acordados no Porto, no ano anterior. De certo modo, a Rússia quer significar que não tem obrigação de cumprir tais “Compromissos” – que entende como um mero acordo político - antes que os países ocidentais ratifiquem o Tratado CFE Adaptado e, em particular, que a ele adiram os países bálticos. Os países da NATO, por seu turno, entendem que compete à Rússia cumprir os “Compromissos de Istambul” antes de se iniciar a ratificação do Tratado CFE Adaptado, por considerarem ligados, política e institucionalmente, esses dois tempos. Foi esta contraposição de leituras que levou à impossibilidade de acordo em todos os documentos finais do Conselho Ministerial de Maastricht, em Dezembro de 2003.

[7] A Rússia não autorizou a renovação do mandato da missão que a OSCE mantinha na Chechénia desde 1997, que assim foi encerrada em final de 2002.

[8] A China tem vindo a dar sinais de interesse numa aproximação à OSCE, que vem complementar o seu crescente relacionamento económico com países como o Casaquistão e o Quirguistão. Numa lógica similar, a maior aproximação à OSCE que tem vindo a ser evidente também por parte do Japão pode ser vista na perspectiva de alguma competição com a influência da China junto de países da Ásia Central. Para uma análise do percurso político recente dos cinco Estados da Ásia Central, na perspectiva da OSCE, ver  Francisco Seixas da Costa, “Central Asia – Not Always a Silk Road to Democracy”, in “OSCE Magazine”, OSCE, Vienna, July 2004.


[9] As declarações da União Europeia passaram a ser subscritas regularmente, a partir de 2004, pela Bulgária, Roménia, Turquia e Croácia, dado o seu processo de aproximação à União.

[10] A OSCE tinha a intenção original de promover, cada dois anos, a realização de uma Cimeira a nível de chefes de Estado e de Governo. A crescente e generalizada “fadiga” internacional relativamente a este tipo de eventos veio a espaçar a respectiva realização.

[11] O autor desempenhou as funções de presidente do Conselho Permanente da OSCE, a partir de Setembro de 2002.

[12] Gama, Jaime, “A Presidência Portuguesa da OSCE”, in Negócios Estrangeiros, nº 2, MNE, Lisboa, Setembro 2001

[13] A Plataforma para uma Segurança Cooperativa tem como objectivo a promoção da cooperação, sem hierarquias, entre as organizações internacionais e regionais que compõem a chamada “arquitectura de segurança europeia” (ONU, NATO, UE, Conselho da Europa e OSCE).

[14] Sobre a leitura portuguesa do trabalhos da OSCE em matéria de combate ao terrorismo, ver Francisco Seixas da Costa, “OSCE and the fight against Terrorism”, in The Search for Effective Conflict Prevention in the New Security Circumstances, Ministry of Foreign Affairs of Japan, Tokyo, 2004

[15] Esta Declaração resultou de uma oportuna iniciativa tomada em Viena pelo embaixador João de Lima Pimentel, que antecedeu o autor na presidência do Conselho Permanente da OSCE. Na sequência do aprofundamento desta temática no seu seio, a OSCE acabou por estabelecer uma estrutura autónoma para monitorização da questão do Tráfico de Seres Humanos em todo o seu espaço..

[16] A Estratégia veio a ser aprovada na reunião ministerial de Maastricht, em Dezembro de 2003, e é hoje um eixo programático central da actividade da OSCE.

[17] A partir de 2003, passaram a ter anualmente lugar em Viena estas Conferências, nascidas da iniciativa portuguesa.

[18] Foi sob Presidência portuguesa da OSCE, em 2002, que, pela última vez, foi possível obter um acordo entre os 55 Estados que fazem parte da organização, traduzido numa Declaração final consensual. Divergências entre a Rússia, por um lado, e a generalidade dos países ocidentais, por outro, impossibilitaram as Presidências que nos sucederam (Países Baixos, Bulgária e Eslovénia) de conseguir aprovar qualquer Declaração Final, pelo que a Declaração do Porto continua a constituir a mais recente base de consenso.

[19] A Assembleia Parlamentar, cujo Secretariado está sediado em Copenhague, é constituída por mais de 300 deputados dos parlamentos nacionais dos Estados participantes e tem por objectivo promover o envolvimento parlamentar nas actividades da organização, debatendo as suas principais questões e adoptando resoluções e recomendações, desenvolvendo também acções de monitorização eleitoral. A sua sessão principal é em Julho de cada ano, reunindo em Viena em Fevereiro, realizando ainda várias outras reuniões, visitas e seminários. Contrariamente ao que acontece com a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, o órgão similar da OSCE não tem qualquer intervenção na selecção do Secretário-Geral da organização, funcionando apenas como uma instância de formulação de posições políticas, às quais, contudo, nem a Presidência nem o Conselho Permanente se sentem necessariamente vinculados.

[20] Em 2006, 2007 e 2008, a Presidência será assegurada, sucessivamente, pela Bélgica, pela Espanha e pela Finlândia. Existe uma candidatura do Casaquistão para 2009.

[21] Como já referido, na actual estrutura, o Secretário-Geral é o chief administrative officer da OSCE. Não tem substituto directo, sendo representado, nas suas ausências, pelo director que, caso a caso, venha a designar. Na eventualidade de vir a criar-se um lugar de Secretário-Geral Adjunto, este posto poderia vir a ser atribuído a um país “a Leste de Viena”, o que apaziguaria os Estados que entendem que o actual Secretariado, nos lugares essenciais, continua a ser um feudo dos países ocidentais.

[22] Esta sugestão, avançada pela primeira vez por Portugal em 2003, por iniciativa da nossa Representação Permanente em Viena, veio a ser aprovada pela organização em 2005.




(Publicado em "Negócios Estrangeiros", nº 7, Lisboa, 2004)