30 de abril de 2009

25 de Abril - 35 anos depois

Comemoraram-se, há dias, 35 anos sobre a Revolução iniciada em 25 de Abril de 1974, em Portugal. Alguém a qualificou, um dia, como a última “revolução romântica” da Europa. Sou de opinião que todas as revoluções, desde que apontem no sentido da liberdade, têm o seu lado romântico ou, pelo menos, ficam na memória popular como tal.


A Revolução do 25 de Abril, ou a Revolução dos Cravos, como ficou conhecida em França e um pouco por todo o mundo, é, em si mesma, o produto de um conjunto muito complexo de factores. Ela não se explica apenas pela conjuntura que se vivia, em 1974, em Portugal, e só pode ser bem entendida, tal como os acontecimentos que lhe sucederam, se se conhecer a génese histórica da sociedade política em que teve lugar.


Convém começar por deixar clara uma realidade por vezes não suficientemente mencionada: a Democracia, em Portugal, não é uma coisa nova, não nasceu com o 25 de Abril. A democracia foi instaurada em Portugal, num modelo idêntico ao que vigorava já em alguns países da Europa, na década de 20 do século XIX. Foi nessa altura, que corresponde em Portugal ao fim do Antigo Regime, ao fim do “absolutismo”, que a vida portuguesa iniciou o seu percurso constitucional e lançou as bases para a gestão democrática do país. De certo modo, foi a fuga da Corte portuguesa para o Brasil, onde estivera refugiada desde que o país fora invadido pelas tropas napoleónicas, em 1808, que criou o caldo de cultura que fez ruir, definitivamente, o Antigo Regime em Portugal.


Todo o século XIX foi, a partir de então, atravessado por uma tensão política muito forte, inicialmente numa guerra civil entre facções absolutistas e liberais, que mais tarde evoluiu para um confronto politicamente mais enquadrado constitucionalmente, entre monárquicos e republicanos. O peso cada vez mais preponderante das ideias liberais, o papel crescente das sociedades secretas, que tinham a instauração da República como objectivo final da sua agitação, a crise do modelo colonial português, pela perca do Brasil e pelas limitações colocadas pela Inglaterra aos planos coloniais portugueses em África e, finalmente, a notória incapacidade da corte portuguesa de enquadrar a vontade de mudança que atravessava o país – tudo isso conduziu ao golpe civil e militar que implantou a República, em 5 de Outubro de 1910.


A partir de 1910, e por 16 anos, um regime republicano de cariz parlamentar impôs-se no país. Acho interessante notar que, se descontarmos o caso muito particular e sui generis da Suiça, a República portuguesa é a segunda a nascer na Europa, depois da França. Todo esse tempo, que em Portugal se chama Primeira República, foi marcado por uma tensa polarização entre dois sectores da sociedade portuguesa.


Por um lado, um país rural e conservador, politicamente assente no poder dos caciques, que beneficiavam da incultura da população, com forte influência da Igreja católica, instituição que a República laica hostilizou desde o primeiro momento. As forças monarquicas derrotadas em 1910, em grande parte no exílio, combatiam então o novo regime e nele introduziam vagas sucessivas de instabilidade.


Do outro lado estava uma nova classe em ascensão, constituída pela pequena e média burguesias urbanas, com funcionários e comerciantes, muito permeados pelas ideias maçónicas e anti-religiosas, militantes pela laicidade e pela educação popular, que ocuparam o essencial do espaço político-partidário do novo regime.


Além disso, a República estava sob forte pressão da agitação nos meios operários – onde o anarquismo e o socialismo radical detinham uma influência crescente, fruto dos ideários revolucionários que lhes chegavam de uma Europa em ebulição.


Este complexo puzzle, que se reflectia sobre um sistema político muito dividido, desencadeou uma instabilidade quase permanente, com sucessivas quedas dos governos e algumas intentonas revolucionárias, quase sempre tendo como objectivo último a restauração da monarquia. Uma crescente agitação conservadora, desfavorável ao novo regime, começou a borbulhar no meio militar, que se mostrava descontente com a desordem nas ruas e, de certo modo, sentia a humilhação pelo modo como era lida a sua participação na fase final da Primeira Guerra Mundial.


Perante uma sociedade portuguesa aturdida, assustada pela agitação social, polarizada por uma igreja conservadora e ansiosa por um ambiente de ordem que a instabilidade republicana não conseguia garantir – muito por culpa dos seus inimigos, diga-se - um golpe militar interrompeu, em 28 de Maio de 1926, esta primeira experiência democrática feita no quadro republicano. A chegada dos militares ao poder acabou, assim, por fazer-se quase que com alguma naturalidade, seguindo exemplos em voga noutros países europeus.


A Ditadura Militar, como se auto-apelidou sem cerimónia, teve, porém, uma evolução muito mais conservadora do que alguns dos seus próprios promotores esperavam. Seguindo os modelos que faziam escola na Europa, o regime militar viria a evoluir, ao final de poucos anos, para um regime civil, o Estado Novo, que iria ser consagrado na Constituição de 1933. Nos seus princípios reflectia-se uma espécie de fascismo “soft”, acomodado entre conceitos hiper-conservadores, que misturava uma espécie de ruralismo político e de tradicionalismo moral e religioso. Nesse modelo, a economia do país, essencialmente de base agrícola e com uma muito incipiente indústria, foi enquadrada num regime para-corporativo, que procurava anular os perigos do sindicalismo, bebendo as suas bases ao modelo mussoliniano. O formato constitucional criava, assim, aquilo que qualificou de “democracia orgânica”, com uma espécie de parlamento de um só partido e um modelo novo de senado – a Câmara Corporativa.


Esse regime durou 48 anos, teve diversas fases, nomeadamente no modo como reprimiu os seus adversários e como procurou justificar-se politicamente. Mas houve padrões de comportamento de que nunca se afastou durante esses 48 anos: interdição de partidos políticos, limitação das liberdades fundamentais, prisão e frequente tortura dos activistas que se lhe opunham, polícia política feroz e censura permanente à comunicação social. Diga-se, em abono da verdade, que, mesmo nos seus auges repressivos, o grau de violência do regime sobre os seus adversários não se pode comparar ao de outros modelos autoritários europeus que lhe foram contemporâneos. Isso não evitou que, ao longo desse quase meio século, muitas centenas de pessoas tivessem sido presas, algumas por mais de duas décadas, por vezes muito para além dos períodos a que haviam sido condenadas por uma justiça política discricionária. Outras pessoas morreram por simples violência policial ou objecto de maus tratos, em alguns casos em condições penais degradantes, de que o campo de concentração do Tarrafal, nas ilhas de Cabo Verde, é o exemplo mais saliente.


A polícia política constituiu-se numa realidade omnipresente na sociedade portuguesa, as denúncias e delacções eram estimuladas, muitas pessoas eram afastadas de cargos públicos por mera avaliação política subjectiva e muitas famílias foram condenadas a sobreviver com imensas dificuldades. A vida intelectual era condicionada, o acesso ao ensino estava muito abaixo das médias europeias, as taxas de analfabetismo era muito elevadas. Apesar de, nos termos da Constituição de 1933, o regime organizar actos eleitorais com regularidade formal, as campanhas dos oposicionistas eram limitadas, sem acesso livre à comunicação social, com fraudes eleitorais sempre escandalosas. A melhor prova será, com certeza, o facto de, ao longo de todas essas décadas, nunca nenhum membro da oposição ter sido eleito para o parlamento do regime.


António de Oliveira Salazar foi o estratega e, posteriormente, o condutor desse regime que se chamou Estado Novo. Ministro das Finanças da Ditadura Militar, passou rapidamente a ídolo dos oficiais que se tinham revoltado em 1926 e, pela mão destes, veio a chegar à chefia do Governo, onde se manteve, sem interrupção, entre 1932 e 1968. Receoso do contágio do radicalismo esquerdista que se vivia em Espanha, Salazar apoiou, com sucesso, o general Franco na sua revolta contra o regime republicano, durante a Guerra Civil espanhola, entre 1936 e 1939.


Durante a II Guerra Mundial, Salazar jogou, inicialmente, de forma a não hostilizar a Alemanha e soube pressentir quando a mudança do vento passou a funcionar em favor dos Aliados. A partir de um certo momento, e depois de muito resistir, optou por conceder facilidades militares, nas ilhas dos Açores, às forças que acabaram por ser vitoriosas da guerra, na execução da política a que, sintomaticamente, chamou de “neutralidade colaborante”.


O início da Guerra Fria colocou todos os anti-comunistas – democratas ou não – do mesmo lado da barricada e, num gesto de cínica “realpolitik” por parte dos aliados, o regime autoritário português foi premiado com a sua sobrevivência. Embora, na retórica, Portugal continuasse a ser apelado a restaurar a democracia, a verdade é que Salazar nunca sofreu pressões insuportáveis para liberalizar o seu regime, o qual, no plano prático, acabava por satisfazer os interesses dos Aliados, que levaram mesmo o país a ser membro fundador da OTAN.


Porém, o regime português, tinha, dentro de si, uma fragilidade que lhe iria ser fatal.


Ele assentava, no plano ideológico, num modelo de país imperial, o qual, a partir de certo momento, se recusou a reconhecer-se como um puro modelo colonial, com todas as consequências históricas daí decorrentes. Para o Estado Novo, Portugal era uma entidade que ia “do Minho a Timor” e quem não aceitasse esse mito identitário mais não era que um simples traidor à Pátria. Ao adoptar esta doutrina como base do regime, o Portugal de Salazar não conseguiu perceber a chegada de uma mudança histórica: a nova era da autodeterminação e do fim dos impérios coloniais.


Outras potências colonizadoras europeias souberam, com maior ou menor sucesso, desenvolver uma estratégia de saída das suas colónias. Em muitos casos, essa estratégia assentou na promoção de uma burguesia local, preparada para tomar o lugar do colonizador. Porém, Portugal não podia fazer isso: o seu subdesenvolvimento europeu originou também uma espécie de “colonialismo subdesenvolvido”, sem elites preparadas para assumir o poder na transição, em colónias sujeitas à quase desertificação educativa.


Sem perceber que o sonho imperial era isso mesmo – um sonho –, o país foi obrigado, a partir de 1961, pela força de revoltas sucessivas, a ter de enfrentar guerras coloniais, as quais, por uma década, foram mesmo simultâneas em Angola, Moçambique e Guiné. Antes disso, Portugal perdera já as suas possessões na Índia, com a qual foi incapaz de gizar uma solução negociada. Por virtude destas gerras, centenas de milhares de portugueses, num país com uma população de menos de 10 milhões, passaram obrigatoriamente vários anos nas Forças Armadas, ao longo das décadas de 60 e 70, com custos pessoais, sociais e familares muito sérios.


Com a guerra, a emigração, que era uma constante cíclica do país, aumentou fortemente em direcção à Europa – de que a França foi o principal destino. Foi uma emigração que, inicialmente, era apenas de natureza económica mas que, com o passar do tempo, inclui também quantos procuravam evitar as guerras coloniais.


Salazar adoeceu em 1968 e foi substituído por Marcelo Caetano, uma figura oriunda dos quadros do regime, que se revelou incapaz de desenhar uma saída para o impasse em que o mesmo caíra. Caetano alimentou, inicialmente, um discurso liberalizante e ambíguo, que suscitou algumas esperanças, mas logo se verificou que seguia a lógica de Lampedusa: “mudar alguma coisa para que tudo continuasse na mesma”. A questão colonial, para a qual continuou sem soluções, terá sido o elemento decisivo que rigidificou o regime e que levou à sua derrota histórica.

As forças empresariais portuguesas – e é preciso dizer isto alto, de uma vez por todas – nunca tiveram, em Portugal, nem a visão nem o rasgo para se aliarem às personalidades modernizadoras que o início do período de Marcelo Caetano fizera despontar e que poderiam ter auxiliado uma evolução sem ruptura para a democracia. Nem sequer souberam aproveitar o exemplo de Espanha, onde uma nova burguesia tecnocrática soube convencer o general Franco a permitir alguma abertura, que viria a ser desenvolvida no transição política feita depois da sua morte. Os grandes grupos económicos portugueses viriam a pagar bem cara essa sua aliança objectiva com a ditadura, fruto de uma acomodação com os lucros que ganhavam, graças ao regime laboral rígido e sem liberdades que utilizavam em Portugal e, de igual modo, com a sua falta de estratégia para gerir um “phasing out” dos importantes interesses que mantinham em África.


Como acto político, e como referi no início desta palestra, a Revolução que tem lugar em 25 de Abril de 1974 acabou por ser a resultante de uma aliança cumulativa de descontentamentos de génese muito diversa. Em síntese, esse descontentamento assentava no cansaço colectivo com as guerras coloniais, nas limitações orçamentais derivadas das imensas despesas militares, na ausência de um entusiasmo popular para a defesa de um regime que se alimentava da História, na crescente consciência que o país tinha de que estava a caminhar à margem da modernidade do mundo europeu.


Entretanto, as guerras colonais haviam obrigado as Forças Armadas portuguesas a alargarem a sua base de recrutamento, formando oficiais oriundos de classes sociais cada vez mais baixas, por isso cada vez mais sensíveis às realidades criadas pela chocante dualidade social do país. Por outro lado, a necessidade de formação de quadros de comando conduziu à incorporação obrigatória nas Forças Armadas de milhares de estudantes universitários, saídos de um meio onde o ambiente de radicalismo político estava então no auge, incendiado pelas ideologias a que o Maio de 1968, aqui em França, dera ainda maior popularidade. A junção destes novos recrutas com os militares profissionais, já cansados de uma guerra sem solução política à vista, ajudou a alimentar nestes últimos uma consciência política que gerou uma crescente insatisfação face ao poder.


Inicialmente, o mal-estar militar assentava em meras razões de egoísmo corporativo, mas, pela mão hábil de alguns oficiais, ele rapidamente se converteu num movimento de sentido político. O movimento de 25 de Abril de 1974 foi, tecnicamente, um golpe de Estado militar, justificado por uma “patine” ideológica apenas democratizante, com grandes hesitações e contradições, dentre as quais a mais importante era a própria questão colonial, abordada inicialmente de forma ambígua. Mas o povo português, mobilizado pelas forças e personalidades políticas que, ao longo da ditadura, haviam combatido o regime, rapidamente soube transformar o golpe de Estado numa Revolução. O que se passou após o 25 de Abril foi uma explosão de um país que estava sem voz, uma revolta assente em vários radicalismos, os quais, ao longo dos anos de 1974 e 1975, só muito lentamente começaram a ver-se ultrapassados por forças mais moderadas.


Esta contraposição de posições não se fez, porém, sem luta e sem crises. A partir de um certo momento, ficou claro que havia dois campos bem distintos.


De um lado estavam os que optavam por um modelo democrático similar ao que vigorava em muitos países do Ocidente europeu, embora com uma roupagem socializante, os quais passaram a ser acompanhados por todas as forças conservadoras, mesmo os que se reviam no regime derrubado.


Do outro estavam diversos grupos de matriz socialista, num magma contraditório e muito conflitual entre si, que ia desde o modelo soviético ao esquerdismo maoísta, tendo ainda no meio os promotores de um “poder popular” de sentido quase anarquizante.


Todos estes grupos, sem excepção, tinham conseguido influenciar sectores das próprias Forças Armadas, o que criou um potencial muito sério para uma guerra civil. Das contradições e alianças tácticas entre estes vários grupos resultou uma situação de grande tensão, ao longo de 1975, que partiu da vaga de nacionalizações que teve lugar em 11 de Março até terminar no “putch” em 25 de Novembro, que acabou por confirmar as forças moderadas no comando do processo político.


Esse ano de 1975 foi o ano de todas as batalhas ideológicas e, de certo modo, foi o ano que encerrou as batalhas políticas mais sérias, que a sorte fez com que não tivessem transformado em batalhas militares.


“To make a long story short”, como dizem os anglo-saxónicos, que resta hoje do 25 de Abril em Portugal?


Resta uma herança política e social muito importante.


Resta um sólido regime democrático, servido por uma Constituição com um equilíbrio inter-institucional funcional, que tem evoluído e sobrevivido a todas as tensões e crises políticas.


Resta uma sociedade livre, tão livre como qualquer outra dentro da União Europeia, no que respeita à liberdade dos meios de comunicação social ou a quaisquer outras formas de expressão pública, com um sociedade civil activa e participante.


Resta uma vida económico-social que, situada embora num patamar relativamente modesto no quadro europeu ocidental, representa um país moderno, dotado de importante rede de infraestruturas e com um nível de vida que está a “anos-luz” da sociedade que a ditadura proporcionava aos portugueses em 1974.


Resta uma ampla democratização do ensino e da cultura, que atravessa crises que não estão distantes de algumas que hoje afectam a França, mas onde os índices de cobertura representam um impressionante salto face à situação de há três décadas atrás.


Resta um país com uma acção externa de grande coerência, muito activa e solidária, com uma política europeia de grande clareza, com uma relação magnífica com todas as suas antigas colónias, com uma intensa participação nas instituições multilaterais, com uma colaboração activa das suas forças militares em vários cenários de manutenção de paz.


Estamos então perante um oásis?


Não, estamos perante uma sociedade que sabe estar ainda marcada por algumas bolsas de subdesenvolvimento, com um tecido económico cuja reconversão, que já estava a ser feita sob pressão da globalização, sofre hoje as consequências da crise mundial, a qual incide de forma séria sobre uma economia aberta como é a portuguesa, com sérias consequências no emprego e no défice das contas públicas.


Este Portugal, com todos os seus problemas e dificuldades, é, contudo, um país muito diferente do que existia em 1974. Foi a Revolução de 1974 que acabou por dotar o país das intituições que, entre naturais crises e polémicas, presidem hoje à sua gestão democrática quotidiana. Por isso, em Portugal, tirando alguns saudosistas solitários, o 25 de Abril é visto globalmente como um movimento que valeu a pena.


Também por isso, julgo que os portugueses podem ter orgulho em se sentirem um povo que soube viver um tempo de grandes mudanças, no seio da instabilidade provocada pelo trauma do regresso definitivo das caravelas do império, um povo que conseguiu, apenas em algumas décadas, com a importante ajuda da Europa, gerar uma sociedade de saudável tolerância, marcada por um indiscutível sentido democrático.


Por isso, repito, valeu a pena fazer o 25 de Abril.


Tradução da palestra proferida na Casa de Portugal, na Cidade Universitária de Paris, em 29 de Abril de 2009

21 de abril de 2009

L'Europe: Culture ou Civilisation ?

J’appartiens à une génération portugaise qui a eu le tragique privilège historique de vivre dans une époque de transition. En effet, j’ai vécu déjà, à un âge adulte, dans une ambiance de dictature dont la perfidie principale a été celle de parvenir à retarder notre avenir. Et je vis aujourd’hui dans une démocratie pour la consolidation de laquelle l’Europe a joué et joue un rôle décisif.


Dans ma jeunesse, traverser les Pyrénées signifiait «aller en Europe». L’Europe était alors une entité quelque peu mythique, située au-delà d’une Espagne qu’on nous avait appris à méconnaître. C’était un continent dont la plupart d’entre nous se sentait sentimentalement proche et vers lequel une partie de mon pays s’était déjà lancée à la recherche d’un avenir, mais que nous savions très distant, en raison aussi de l’impérativité du conditionnement qui était imposé à notre quotidien.


En tant que nation, les portugais étaient tributaires naturels de cultures européenne séculaires, mais l’isolement dont nous souffrions, lié à la prépondérance au quotidien d’un mythe idéologique bâti sur un impérialisme tardif et pathétique, se projetait dans notre éducation entière et avait pour objectif délibéré de nous éloigner de l’Europe. Dans ce monde irréel dans lequel nous vivions «orgueilleusement seuls», comme disait Salazar, l’Europe était ainsi le pire des dangers car elle portait en elle la sinistre matrice des droits fondamentaux, de la détestée démocratie, des dangereux partis politiques et de la panoplie des idées subversives que le monde de la liberté paraissait comporter. Pour dépasser ce monde de grise fantaisie, les signaux culturels de la contemporanéité étaient notre pont de liaison au continent, étaient la voie de sortie du «radeau de pierre», que Saramago viendra à imaginer nombre d’années plus tard.


Je veux dire par là que j’appartiens à un pays et à une génération qui n’ont pas toujours été naturellement européens. Étant européens par racine historique, nous avons fini, en vérité, par arriver seulement à être des européens contemporains par la volonté, et, très spécialement, à travers la culture. Au contraire d’un citoyen allemand, luxembourgeois ou italien, ou d’un jeune portugais d’aujourd’hui, ma génération a été forcée de porter le regard sur l’Europe de l’extérieur vers l’intérieur.


Dans notre petit monde d’alors, c’est la culture qui m’a fait arriver en Europe, ou mieux, c’est la culture qui m’a donné le rare privilège de pouvoir ne pas la perdre de vue: ce sont les librairies da la Rive Gauche, les romans torturés de l’Allemagne d’après-guerre, la musique des Beatles et des Stones dans les ondes pirates de «Radio Caroline», les voix romantiques de Brel et de Bécaud, l’image désenchantée des paysages arides du réalisme italien et la production magique de la génération des Cahiers du Cinéma. En outre, mai 68 nous a apporté un remake inespéré d’une certaine Europe mythique des révolutions dans la rue et nous vivions, simultanément, avec le mirage des bourses d’études, à Louvain ou en Suisse, pour éviter les guerres coloniales, ressentant comme les nôtres les débats incendiaires dans le Nouvel Observateur et dans le Temps Modernes.


Mais, partant des rues de Prague, se traînait déjà un pressentiment, encore diffus, des tragédies qui se trouvaient derrière le soi-disant «socialisme réel», de Djilas à Arthur London, de Soljenitzin à Sakharov. Ma génération a suivi divers chemins, les uns plus radicaux, les autres plus sereins. Mais, bien au fond, nous étions presque tous unis dans la volonté de positionner notre pays en accord avec sa géographie. Et nous avons tous fini par nous rencontrer, un beau matin d’avril en 1974, quelques uns d’entre nous aidant à démolir avec joie notre propre mur, bien avant celui de Berlin.


Pour toutes ces raisons, quand ma vie professionnelle m’a projeté à travers le monde, j’étais probablement plus équipé que beaucoup d’autres pour comprendre un peu mieux ce que l’Europe politique représentait pour ceux qui vivaient en dehors d’elle, pour ceux qui convoitaient de se rapprocher d’elle et pour ceux qui la percevaient, dans le monde, comme un partenaire. Et, dans ce parcours, je me suis toujours posé deux questions, qui relèvent beaucoup de la dimension culturelle qui aujourd’hui nous réunit ici.


La première est quasiment existentielle : est-il possible que nous, les habitants de ce continent, ayant l’Union Européenne comme centre incontournable, possédions, en vérité, quelque chose de commun, d’identitaire, qui nous unit et nous fait sentir que cela nous marque en tant qu’européens ?


La seconde question est uniquement un corollaire de la première: comment sommes nous vus de l’extérieur? Projetons-nous une image culturelle propre et univoque? Quels espoirs et souhaits faisons-nous naître chez les autres?


Habituellement nous répondons à la première question en donnant comme exemple usagé que, toujours, nous nous sentons plus européens quand nous sommes, par exemple, en Amérique, sans révéler que l’Amérique des dernières années a apporté un fort et involontaire soutien à ce même sentiment. Toutefois, je dois confesser, que je me sens plus chez moi dans un café de Buenos Aires ou dans une librairie du West Side de New York que dans des endroits de l’Europe géographique, dont je préfère ne pas me rappeler le nom, comme disait Cervantès pour un certain lieu de la Manche, dans le paragraphe d’ouverture du Don Quichotte.


J’interprète le sens d’une culture commune comme quelque chose qui se projette dans la façon avec laquelle nous partageons les traditions, les croyances, les mythes, les projections et les modes de vie, les valeurs propres, quelques unes même un peu contradictoires entre elles, mais avec une matrice que nous identifions comme étant très proche. C’est quelque chose qui découle d’une solide et continuelle appartenance à une longue histoire collective, mais propre aux nations, souvent aux pays et aux régions, plus qu’aux grands espaces multinationaux.


Ce que l’on détecte en Europe, mais qui ne reste pas délimité à ses frontières, et qui fait que nous soyons liés à New York ou à Buenos Aires, ce sont les surnommées « sphères culturelles », des identités culturelles diffusées par des couches ou par des secteurs qui ont moins de rapport avec la géographie et bien plus avec les niveaux de perception conjointe de certains signaux, quel que soit l’endroit où se trouve celui qui les partage. Bien qu’antérieure à la globalisation, ceci est une réalité potentialisée par elle et, que d’une certaine façon, l’internet a rendu encore plus évidente.


Et, à partir d’ici, découle la réponse à la seconde question, celle sur le type de regard que les autres portent sur nous. Une fois de plus, courant le grand risque de simplifier ce qui est très complexe, je dirais qu’il me semble que le monde est aujourd’hui très loin de percevoir des signaux d’une culture européenne commune, mais commence assurément à construire l’image de l’existence progressive d’un modèle de civilisation européen – où se projettent les différentes et diverses dimensions culturelles de notre continent, tout en l’influençant et en le sur-déterminant.


Je trouve même qu’actuellement le reste du monde commence à concevoir une certaine idée de l’Europe qui est supérieure, car plus clairement dessinée, à celle que l’Europe possède déjà d’elle-même. Pour utiliser les termes d’un philosophe allemand, qu’il n’est plus à la mode de citer, je me risquerai à dire qu’il existerait, aujourd’hui déjà, une Europe civilisationnelle « en soi », mais peut-être n’y a-t-il pas encore une civilisation européenne « pour soi ». C’est pourquoi, ce regard extérieur, bien qu’il détecte une projection civilisationnelle commune, il distingue en elle, de façon plus ou moins claire, les différentes Europes culturelles. Il prend note, en particulier, des expressions des pays qui s’affirment le plus dans le marché international de la culture, des pouvoirs d’attraction de ses produits et contenus, ainsi que la puissance de ses moyens de support de la communication.


Mais, je suis convaincu que cet étranger ne fait pas le lien entre son idée de l’Europe – que ce soit l’Europe en général ou l’Union Européenne en particulier – et une projection culturelle déterminée, définie et bien taillée dans ses contours. Et il a raison: à mon avis, s’il prenait ce chemin, il soutiendrait une fausse caricature de la culture européenne. Cet observateur extérieur a de plus en plus raison de préserver ce regard à facettes multiples, par exemple, quand on lui parle de l’Union Européenne: à mesure que l’Union Européenne s’est élargie, qu’elle s’est donné une légitimation en tant que projet, qu’elle s’est réconciliée historiquement avec elle-même, l’Europe est devenue culturellement beaucoup plus diversifiée, beaucoup plus pluraliste et riche dans la variété de ses expressions respectives. La pression de la subsidiarité, qui aujourd’hui est politiquement protégée, a même tendance à forcer l’attention sur les communautés locales, sur les régions, sur les traditions minoritaires, pour ce qui se distingue et qui orgueilleusement résiste à la force d’un template commun.


Mais il y a un facteur que l’étranger commence aussi à reconnaître, spécialement après que l’Europe politique a désiré être vue comme un bénin soft power : cet étranger voit l’émergence dans l’espace européen, centrée dans l’Union Européenne, d’une volonté commune en tentant d’affirmer, probablement sans être encore capable de la construire complètement, une matrice civilisationnelle spécifique, qui va déjà au-delà du modèle classique de la civilisation européenne, gardé dans les bibliothèques, parce qu’il le prolonge dans des dimensions nouvelles et actualisées.

Parce que la somme de préoccupations humanistes dans l’Europe contemporaine est le fruit d’un ardu et négocié processus d’entendement et non d’une quelconque illumination nationaliste, je dirais que l’image principale que la nouvelle civilisation européenne projette aujourd’hui, au-delà d’un sens de la tolérance et du dialogue, est celle d’un culte épuré de la liberté. Peut-être pour l’avoir perdue durant si longtemps, de diverses formes et sous diverses terreurs, l’Europe se présente aujourd’hui, face au monde, comme le grand promoteur de cette même liberté.


Je terminerai avec quelques brèves réflexions provenant de ma vision du rôle de l’Europe dans le monde, à la lumière de « deux ou trois choses que je sais d’elle » comme dirait Jean-Luc Godard. Ce ne sont pas des nouveautés, je ne veux pas faire croire, comme on dit dans mon pays, que j’essaye de « découvrir la poudre », mais j’aimerais les réaffirmer comme des constatations qui appartiennent au simple bon sens politique.


La première est liée à la nécessité de garantir que la dimension culturelle puisse être présente dans tous les cadres européens des relations extérieures et de la coopération pour le développement, qu’ils soient multilatéraux, ou de nature bilatérale. La culture doit être l’âme derrière les politiques de l’Europe.


La seconde se rapporte à la nécessité d’intensifier l’échange culturel, de potentialiser la connaissance mutuelle et à l’effort – qui doit être presque obsessif – pour la promotion à l’intérieur de nous, de la diversité d’autrui, de l’incessant travail dans la compréhension de l’autre. Plus nous serons ouverts aux formes d’expressions culturelles qui, au départ, nous sont étranges, plus riches deviendront nos propres cultures, plus seront ouverts les esprits de nos concitoyens et moins notre regard sur le monde sera eurocentrique.


Et, finalement, l’Europe ne pourra prétendre au prestige face à des tiers qu’en se révélant, ouverte et radicalement intolérante à l’intolérance. L’expérience récente paraît recommander que l’Europe – et l’Europe politique joue ici un rôle fondamental – démontre une disposition inébranlable face à toutes les manifestations, qui, dans son sein et au dehors, relèvent du mépris ou de la diminution pour n’importe quelles expressions culturelles aussi minoritaires soient elles. Nous devons être spécialement vigilants quant à l’action des policiers de l’esprit qui valorisent les écarts du modèle qui, dans le passé et pour un grand nombre, caractérisait une certaine image de la civilisation dite occidentale, que nous avons pris l’habitude de placer au centre de notre monde et de l’imposer dans le monde des autres. Nous devons vaincre nos propres fantasmes et quelques vestales qui les représentent encore, comme ceux qui affirment la supériorité de l’Europe chrétienne et s’obstinent dans la création d’une forteresse politique autour d’elle.


Ceci est un combat où sont mises en cause notre propre crédibilité et notre légitimité comme source d’affirmation culturelle et civilisationelle. Le combat pour que le mot Europe devienne, définitivement, aux yeux du monde, le synonyme du mot liberté.


Texto para uma obra colectiva a publicar pela Fondation André Malraux

18 de abril de 2009

La Lys

Les Français et les Portugais se réunissent, tous les ans, pour commémorer la Bataille de La Lys de 1918. Ceci est un évènement franco-portugais et je ne voudrais pas manquer l’occasion de mentionner la contribution d’amitié et tradition des Mairies de La Couture et de Richebourg, des autorités militaires et policières et de tous les civils et militaires qui s’associent toujours à cette commémoration.


Permettez-moi aussi d’adresser, à cette occasion, une salutation spéciale à Monsieur l’Amiral, représentant des Forces Armées portugaises, ainsi qu’aux Associations des Anciens Combattants qui, au long des années, gardent un souvenir de nos sacrifices collectifs.


C’est la première fois, comme Ambassadeur du Portugal en France, que je participe à la cérémonie qui commémore la bataille de La Lys. J’aimerais vous dire que je ne suis pas ici pour accomplir une routine. Je suis ici pour accomplir un devoir. Un devoir de portugais et un devoir d’européen.


Je commence par une remarque personnelle. Il y a plus de 40 ans, j’ai visité le cimetière de Richebourg, comme un simple citoyen. Je suis venu à la recherche de la mémoire de ce qui fut une aventure tragique pour le Portugal, une aventure qu’on évoquait, tous les ans, le 9 avril, dans ma ville natale. Je suis un compatriote de celui qui est resté connu comme le soldat Milhões, une figure que je me rappelle avoir vu, muni des nombreuses décorations sur la poitrine, dans le pèlerinage annuel au monument à Carvalho Araújo, lui aussi un héros portugais de la 1ère Guerre Mondiale, un vaillant marin, qui a donné sa vie pour sauver un navire de passagers attaqué par un sous-marin allemand.


De nombreux soldats qui gisent aujourd’hui au cimetière de Richebourg, sont originaires de Trás-os-Montes, ma région natale, située au Nord du Portugal. Des hommes qui, dans leur simplicité, ont su honorer l’uniforme qu’ils portaient, même ayant été les protagonistes d’une défaite, mais une défaite au sein d’une guerre qu’ils ont contribué à gagner.


L’Histoire du Portugal, dont nous sommes très fiers, et avec laquelle les portugais vivent aujourd’hui une relation de grande sérénité, est faite de bons et de mauvais moments, de victoires et de défaites. Mais, ce n’est pas par hasard si aujourd’hui nous sommes un pays indépendant, avec des frontières reconnues depuis huit siècles. Cela est arrivé, car beaucoup sont morts pour le drapeau du Portugal, dans l’accomplissement des missions qui leur ont été confiées. Dans les victoires et dans les défaites.


Le débat sur la participation du Portugal à la 1ère Guerre Mondiale, n’est pas un sujet clos dans mon pays. Au-delà de tous ceux qui contestent l’option du Gouvernement républicain de s’unir aux alliés, d’autres croient que le pouvoir politique n’a pas bien pris soin des conditions dans lesquelles cette intervention s’est déroulée et qu’il y a eu des décisions qui ont fragilisé cette même participation. Ce débat continue et il est important qu’il ait lieu. Pourquoi ? Pour que nous puissions apporter une réponse véritable face à tous ces morts, devant toutes ces croix. Il est de notre responsabilité de rendre bien claire la raison pour laquelle ils sont morts.


Les pays et les peuples ne doivent pas seulement commémorer les batailles qu’ils ont emporté. Les défaites font partie de la vie, comme elles font partie de l’Histoire. C’est pourquoi, les hommes qui sont au Cimetière de Richebourg, sont des figures de notre Histoire, dont nous sommes fiers, parce qu’ils sont venus, loin de leur pays, défendre les valeurs que leur Gouvernement a cru devoir protéger, à une époque où il était nécessaire de défendre la liberté de l’Europe. Ces hommes, ces soldats, certainement mal équipés, peu entraînés et exposés à un environnement très différent de leur pays d’origine, sont venus ici pour montrer qu’un pays dont sa métropole n’avait pas encore été atteinte par la guerre, était, néanmoins, un pays qui se sentait concerné par cette guerre. Et ces hommes, ces soldats, ont lutté et sont morts, se sont sacrifiés avec honneur, probablement inconscients des valeurs pour lesquelles ils combattaient, sauf qu’il luttaient sous le drapeau portugais. Ce qui rend encore plus digne leur tragédie.


Au xxème siècle encore, le Portugal s’est engagé dans de nouvelles guerres en Afrique, des guerres coloniales, pour la défense de solutions politiques que l’Histoire a démontré être hors du temps. D’autres soldats y périrent, également avec honneur, et un esprit de sacrifice que nous avons tous l’obligation de respecter et de saluer. Ainsi, nous devons saluer les militaires portugais qui sont aujourd’hui présents dans des opérations de paix, dans divers scénarios internationaux à risque, dans l’accomplissement de missions déterminées par le pouvoir politique. Tous font partie de la même continuité de service public, et de la même Histoire.


Le Portugal est aujourd’hui un partenaire à part entière de la communauté internationale. Nos intérêts sont là où se trouve la défense de la paix, de la stabilité et de la liberté. Nous faisons partie de l’OTAN et de l’Union Européenne, nous maintenons une politique extérieure basée sur le dialogue, mais toujours autour de principes que nous nous efforçons de préserver et de promouvoir. Dans les Balkans ou à Timor-Est, nos Forces Armées sont aujourd’hui une contribution inestimable pour l’action externe du pays.


Tel qu’il est arrivé, en 1917, avec l’Armée qui est venue en Flandre, avec les hommes qui ont laissé leur vie ici et dont la mémoire nous honorons aujourd’hui et nous voulons préserver.


Alocução proferida nas cerimónia comemorativas da Batalha de La Lys, em Richebourg, em 18 dde Abril de 2009


La Lys

Esta é a primeira vez que, como embaixador de Portugal em França, tomo parte na cerimónia que celebra a batalha de La Lys. Mas gostava de dizer que não estou aqui no cumprimento de uma rotina, estou aqui no cumprimento de um dever. Um dever de português e um dever de europeu.

Permitam-me que comece por uma nota pessoal. Há cerca de 40 anos visitei o cemitério de Richebourg, como simples cidadão. Vim à procura da memória daquela que foi uma aventura trágica de Portugal, uma aventura que, na minha cidade natal, Vila Real, se evocava todos os anos, no dia 9 de Abril. Sou conterrâneo daquele que ficou conhecido como o soldado Milhões, uma figura de que me recordo ainda de ter visto, cheio de condecorações no peito, na romagem anual ao monumento a Carvalho Araújo, também ele um herói português da 1ª Guerra Mundial, um valente marinheiro que deu a vida para salvar um navio de passageiros atacado por um submarino alemão.

A minha terra, a região do norte de Portugal, Trás-os-Montes, deu muitos dos soldados que hoje estão no cemitério de Richebourg. Homens que, na sua simplicidade, souberam honrar a farda que vestiram, apesar de serem protagonistas de uma derrota, mas uma derrota de uma guerra que ajudaram a vencer.

A História de Portugal, de que muito nos orgulhamos, e com a qual os portugueses hoje vivem uma relação de grande serenidade, é feita de momentos bons e outros maus, de vitórias e de derrotas. Mas não será por acaso que hoje somos um país independente, com fronteiras reconhecidas há oito séculos. Isso aconteceu porque muitos morreram pela bandeira de Portugal, no cumprimento das missões que lhes destinaram. Nas vitórias e nas derrotas.

O debate sobre a participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial não está encerrado no meu país. Para além de quantos que contestam a opção do Governo republicano de se juntar aos aliados, outros entendem que o poder político não cuidou devidamente das condições em que essa intervenção se fez e que houve decisões que fragilizaram essa mesma participação. Esse debate continua e é importante que se faça. Porquê? Para que possamos responder com verdade perante todos estes mortos, perante todas estas cruzes. É nossa responsabilidade deixar clara bem a razão porque morreram.

Mas os países e os povos não devem apenas comemorar as batalhas que venceram. As derrotas fazem parte da vida, como fazem parte da História. Por isso, os homens que estão no cemitério de Richebourg, são figuras da nossa História, figuras de que nos orgulhamos, porque vieram, bem longe do seu país, defender os valores que o seu Governo entendeu dever proteger, num tempo em que era necessário defender a liberdade da Europa. Esses homens, esses soldados, seguramente mal equipados, pouco treinados e sujeitos a um ambiente muito diferente do seu país de origem, estiveram aqui a mostrar que um país a cuja metrópole a guerra não chegara era, contudo, um país que se sentia envolvido nessa guerra. E esses homens, esses soldados, lutaram e morreram, com sacrifício mas com honra, provavelmente pouco conscientes dos valores pelos quais combatiam. O que torna ainda mais digna a sua tragédia.

Ainda no século XX, Portugal veio a travar novas guerras em África, guerras coloniais, na defesa de soluções políticas que o tempo provou estarem já fora do tempo. Outros soldados aí morreram, também com honra, também com um espírito de sacrifício que todos temos obrigação de respeitar e saudar. Como há que saudar os militares portugueses que hoje estão presentes em operações de paz, em vários cenários internacionais de risco, no cumprimento de missões determinadas pelo poder político. Todos são parte da mesma continuidade de serviço público, da mesma História.

Portugal é hoje um parceiro de corpo inteiro da comunidade internacional. Os nossos interesses estão onde estiver a defesa da paz, da estabilidade e da liberdade. Fazemos parte da NATO e da União Europeia, mantemos uma política externa baseada no diálogo, mas sempre em torno de princípios que cuidamos em preservar e promover. Nos Balcãs ou em Timor-Leste, as nossas Forças Armadas são hoje um contributo inestimável para a acção externa do país. Tal como, em 1918, aconteceu com o Exército que veio para a Flandres, com os homens que aqui deixaram a sua vida e cuja memória hoje honramos e queremos preservar.

2 de abril de 2009

A Excepção e a Regra

Em 1966, o presidente De Gaulle cansou-se do que entendia ser uma insuportável tutela americana sobre a segurança e defesa europeias. A saída da estrutura militar integrada da NATO foi o modo como a França entendeu poder garantir caminho livre para a criação da sua “force de frappe” nuclear e, de certo modo, iniciar o que viria a ser a sua política de “excepção” no quadro ocidental.


A França, contudo, não saiu da Aliança Atlântica, não se dessolidarizou nunca dos seus objectivos, mas conseguiu criar, numa gestão de colaboração cujo casuísmo identificou a sua diferença, uma independência reforçada, a qual, em especial durante a Guerra Fria, não deixou de ter consequências interessantes no seu posicionamento à escala mundial.


Entretanto, o muro de Berlim caiu, a Alemanha reergueu-se, o terrorismo passou a global, a Europa alargou-se até às portas de Moscovo e os EUA, depois de mais um ciclo de unilateralismo, redefinem o modo de proteger os seus interesses no mundo. É neste contexto que a NATO discute o seu novo conceito estratégico, ao qual não será indiferente a jurisprudência de segurança resultante da sua acção “out of area”, na qual a França amplamente participa.


Para a França, ficar fora da NATO, já só significava manter um símbolo datado, face ao interesse maior de preencher em pleno um lugar de decisão. Para a NATO, a França representa a possibilidade de ter no seu seio uma voz aculturada a um registo de alguma singularidade estratégica. Na perspectiva de Portugal, o pleno regresso da França à NATO pacifica a dimensão transatlântica, que é nosso interesse reactualizar construtivamente, coloca o peso francês no comando em território português e, de certo modo, reequilibra uma relação de forças intraeuropeia que deve servir de base à densificação de uma dimensão de segurança e defesa à escala da UE, na qual estamos interessados.


Por isso, o fim da “excepção” francesa na NATO, com a retoma da regra da sua participação plena, é, para Portugal, uma excelente notícia.


Texto publicado no "Diário Económico", em 3 de Abril de 2009