25 de junho de 2007

Recordações da Casa Cinzenta

não sentes um vago um suave cheiro a sardinhas
a algazarra nas ruas e o troar dos tambores ?
somos nós querida Europa

Fausto



A cor que associo ao interior do Justus Lipsius, o edifício-sede do Conselho de Ministros da União Europeia, é o cinzento. Quererá isto dizer, subliminarmente, alguma coisa ?


Lembrar o tempo da nossa Presidência comunitária de 2000 é um exercício que traz à memória as muitas coisas positivas conseguidas, caricaturas de momentos únicos e, acima de tudo, a sensação pessoal de um cansaço endémico, correndo entre reuniões, leituras rápidas de papéis, conversas a quente, algumas fúrias. E viagens e viagens, demasiadas viagens. Mas, no essencial, a imagem de um trabalho bem feito, com dedicação e rigor, por centenas de anónimos servidores públicos.


A Presidência começou cedo em 99, no trabalho de preparação e coordenação, bem como na garantia de um “back-up” sólido em Lisboa. Procurou-se aculturar para o exercício sectores da Administração e do próprio Governo, para os quais Bruxelas, não sendo uma novidade, passava a ter um cariz e uma responsabilidade diferentes. Lá fora, a Presidência apoiou-se na experiência da nossa Representação Permanente, eterna chave do sucesso ou do inêxito do exercício.


Identificou-se, com pormenor, a “agenda obrigatória”, o que estava já no “pipeline” comunitário. Depois, foi necessário perceber e jogar com as agendas pessoais dos Comissários, recém-nomeados, nutrindo-lhes as ambições de glória efémera, num “trade-off” engenhoso com as nossas próprias prioridades.


Olhámos para o Parlamento Europeu como uma “senhora” marcada por uma grande susceptibilidade, fácil de amuos, que era vital saber seduzir, frequentando-a amiúde, mimando-a com o que queria ouvir e, se possível, evitando traí-la... Era um Parlamento recém-eleito e, recorde-se, na ressaca de uma frustrada e traumática tentativa portuguesa para assegurar a respectiva chefia.


Hoje, sete anos depois, qual é o saldo que ficou desse nosso semestre de 2000? Para a História europeia, restou, no essencial, a Estratégia de Lisboa, esse magnífico e incansável trabalho de António Guterres e Maria João Rodrigues. Logo em seguida, alguns recordarão uma agenda externa insuperável, com a primeira Cimeira UE-África no topo, fruto de um milagre diplomático, obtido por obra e graça de Jaime Gama e Luis Amado. Algumas prestações sectoriais de muito mérito renderam-nos louvores, numa Europa que neles é parca. Para a pequena história ficou o “caso austríaco”, o sobressalto democrático face à subida de um partido extremista à coligação em Viena, que nos toldou os seis meses. Hoje, à luz do que por aí anda, seria um mero “fait divers”.


O “The Economist” ironizou então que a competência revelada por Portugal na sua gestão recomendava que a União lhe entregasse a tarefa em permanência... Foi, sem dúvida, uma bela Presidência. Portugal já havia feito um bom trabalho em 1992. Vamos também fazer muito bem em 2007. Porém, com o rumo que as coisas levam, esta será a última Presidência portuguesa da União Europeia. A Europa e Bruxelas ficarão com muito menos cor. Ainda mais cinzentas.


Publicado no Jornal de Negócios em 25.6.07