30 de setembro de 2011

Portugal: a sua economia e a sua imagem


Há dias, quando disse a um amigo francês que vinha a Lisboa para falar sobre a economia e a imagem de Portugal, ele olhou-me com um ar espantado. E quando lhe revelei que havia sido eu próprio quem escolhera o tema, fiquei com a sensação de me achava um incompreensível masoquista.

Julgo que muitas pessoas nesta sala devem partilhar esta perplexidade: por que diabo, um embaixador de Portugal, no exercício de funções, numa das principais capitais do mundo, se arrisca a abordar um tema desta sensibilidade e delicadeza?

A resposta é muito simples: um embaixador de Portugal é-o em todas as ocasiões. As boas e as más.

Não somos diplomatas só para recolher os louros de termos entrado da melhor forma para a União Europeia, de termos feito três presidências com sucesso, de termos sido capazes de ingressar no euro. Não representamos apenas o país que teve teimosa razão diplomática na questão de Timor-Leste, que fez com grande êxito a Expo98, que, por três vezes, montou campanhas de sucesso que o conduziram ao Conselho de Segurança da ONU. Não somos só o país do salto em frente nas energias renováveis, do prémio Nobel de Saramago ou de outras glórias do passado recente.

Somos diplomatas de um país que, no contexto da crise em que vivemos, tem um défice e uma dívida elevadas, que teve de recorrer à ajuda internacional para resolver os seus problemas e que vai atravessar, por alguns difíceis anos, um processo sério de ajustamento. Somos diplomatas de um país cujos cidadãos vão sofrer impactos nos salários e na sua fatura fiscal, nos preços e nos empregos, com redução de apoios na saúde e nas facilidades educativas, com uma retração, que se espera conjuntural, do seu crescimento, com muitas consequências sociais que ainda estão por medir.

Em suma: eu sou embaixador do país mais pobre da Europa ocidental.

E, dito isto, quero que fique claro que tenho o maior orgulho em poder representar o meu país – este meu país - neste tempo difícil. Como dizem os americanos: “my country, right or wrong”.

Os diplomatas profissionais representam o Estado. Desde que entrei para esta profissão, servi sob a orientação de 5 presidentes da República, 15 primeiros-ministros e 21 ministros dos Negócios Estrangeiros. Quero com isto dizer que há um país que está para além da transitoriedade democrática dos titulares do Estado e que compete aos diplomatas uma parte importante na defesa dos interesses permanentes de Portugal – hoje como ontem. Repito: em todas as circunstâncias, as boas e as más.

E isto evoca a questão da nossa imagem externa.

Recuemos uns anos, antes da nossa adesão à União Europeia.

A imagem que Portugal projectava, há pouco mais de três décadas, era a de um país que havia passado por um choque histórico algo traumático, provocado pelo esboroar de uma ditadura que acabou por ditar um fim trágico e quase patético a uma aventura colonial tardia – com guerras sem sentido, privações, tensões e um saldo de sacrifícios humanos muito pesado, que o país pagou fortemente, até pelas consequências no seu tecido económico.

A ditadura não castrou apenas cívica e culturalmente o país. Contribuiu para a criação de uma cultura empresarial retrógrada, protegida, temerosa, pouco audaciosa e, por essa razão, com muito escassos exemplos de sucessos empresariais fora de portas.

Foi esse o Portugal que bateu à porta da Europa no final dos anos 70: um país pobre, uma democracia recente, um tecido económico medíocre, um ambiente social desigual e com elevado potencial de convulsão.

Mas Portugal acabou por ser uma surpresa para o mundo: desde logo, pelo modo muito próprio como havia feito a sua Revolução e, em especial, como dela saiu para a democracia e desta para a integração europeia. Aos olhos externos, o nosso país conseguiu, com uma insuspeitada facilidade, instalar e aculturar um regime democrático que se provou funcional e, sem se afastar da sua herança africana, soube simultaneamente voltar-se, com uma quase naturalidade, para um projecto integrador a que só remotamente estivera ligado, embora já partilhasse a cultura de mercado que lhe estava na génese.

Neste percurso, o mundo poderá ter ficado particularmente impressionado por dois factos.

Em primeiro lugar, pela nossa fantástica capacidade de reconciliação interna, depois de um período revolucionário que, como sempre acontece, teve os seus custos e deixou as suas feridas. A absorção da população que retornou de África, no período pós-descolonização, continua a ser um feito que muitos não entendem bem, em especial alguns Estados, bastante mais ricos, que não souberam resolver o seu próprio problema da forma como os portugueses foram capazes.

Em segundo lugar, terá sido uma surpresa a nossa reconversão rápida ao projecto integrador europeu e, já dentro deste, o modo, competente e dedicado, como nos empenhámos nas tarefas de que fomos incumbidos – de que o excelente exercício das presidências europeias, que já referi, é talvez um exemplo paradigmático.

Sem pretender entrar no terreno da polémica, estou perfeitamente convicto que um cidadão português não poderia, quaisquer que fossem os seus méritos pessoais, ser hoje presidente da Comissão Europeia se o nosso país não tivesse demonstrado, nas quase duas décadas que antecederam esse momento, uma imagem de grande eficácia e empenhamento no processo europeu. Desde 1986, embora só algumas vezes com brilho excepcional, mas sempre com grande seriedade e apreciável sentido de responsabilidade, Portugal conseguiu fornecer pessoal, e até ideias, que contribuíram para lhe garantir uma participação de mérito no projecto integrador.

Verdade seja que este inesperado europeísmo não deixou de ser visto como tendo muito a ver com as vantagens, na paisagem e nos bolsos, que os portugueses pressentiram, e bem, que o projecto europeu lhes podia proporcionar.

A Europa entendeu isso muito bem e percebeu também que Portugal soube aproveitar, embora de modo apenas razoável, os benefícios que a pertença ao novo “clube” lhe trouxe.

Aos olhos dessa Europa mais desenvolvida, o usufruto dessa oportunidade não terá sido o melhor, talvez porque não estavam superados no país alguns défices de cultura comportamental que eram, de há muito, a imagem de marca da nossa sociedade - compadrios, facilidades, falta de rigor, inconstância, improviso, escasso nível educativo, vícios de gestão, etc.

Basta entrar numa qualquer livraria, numa grande capital europeia, ir à estante do business internacional e ler o que se diz sobre como fazer negócios em Portugal. A imagem da “ficha” portuguesa é a de um país ciclotímico no seu desenvolvimento recente, isto é, com uma congénita incapacidade de sustentar o sucesso, com uma burocracia apenas atenuada pelo “jeitinho”, uma justiça muito lenta, embora não corrupta. Além disso, a classe empresarial portuguesa é vista como excessivamente convencida da sua própria importância, sendo globalmente – isto é, fora as notáveis exceções - mal avaliada em termos internacionais. A cordialidade e o pendor para a submissão dos portugueses torna-os, nos textos desses livros, fáceis no relacionamento, mas igualmente menos eficazes na constância temporal da sua atitude – e aí estão a falta de pontualidade, de precisão, as reuniões palavrosas, os almoços longos, os atrasos sistemáticos em face dos compromissos assumidos, enfim, a ausência da reliability essencial no exigente mundo competitivo contemporâneo.

Neste ponto, alguns estarão a perguntar-se: mas, afinal, a imagem de Portugal no mundo mede-se, exclusivamente, pelo critério do sucesso económico? Lamento ter de dizer que, a meu ver, o grande indicador para a aferição da performance de um país à escala internacional é, hoje em dia, a sua capacidade de geração de riqueza, de saber distribuí-la sem tensões e proporcionar bem-estar aos seus cidadãos, sempre em liberdade, claro.

Talvez seja a absolutização dos mecanismos de mercado que criou esta percepção, mas não conheço nenhum país pobre que esteja hoje prestigiado à escala global, embora conheça alguns países ricos que, por virtude dos seus sistemas políticos autoritários ou pelas grandes desigualdades sociais internas que mantêm, também não são respeitados, a não ser pelos cultores cínicos da realpolitik.

Por isso, mais do que nunca, a imagem de um Estado perante o mundo depende da eficácia e qualidade das suas políticas públicas, da coragem na execução de reformas essenciais à sua constante melhoria e adequação aos desafios contemporâneos.

E o que é que a sociedade internacional valoriza mais? Valoriza a preservação do equilíbrio macroeconómico, a generalização com qualidade dos sistemas de ensino, saúde e justiça, as práticas de segurança interna com plena preservação de liberdades, os estímulos à afirmação da sociedade civil, o empenhamento oficial na luta contra as discriminações, a cultura ambiental e de promoção de um desenvolvimento sustentável, a protecção dos consumidores e dos utentes públicos – enfim, todo o vastíssimo conjunto de símbolos de uma cultura de modernidade. São esses alguns dos factores que qualificam, contemporaneamente, a imagem dos países.

Neste ponto, alguns poderão estar a pensar: mas, afinal, Portugal tem uma cultura antiga, tem uma História, teve momentos gloriosos na sua muito longa existência como país. Ora isso deve fazer parte, com certeza, do seu reconhecimento exterior.

Receio ter de dizer isto, mas um erro muito comum no imaginário português é o de pensar que o mundo continua a lembrar Portugal pela glória das Descobertas, pelo período áureo de “quinhentos”. O facto de termos hiperbolizado, dentro de Portugal, e em especial durante o Estado Novo, essas imagens de grandeza não significa necessariamente que o mundo ainda seja obrigado a medir-nos à luz delas. Sei que não faz bem à nossa auto-estima lembrar isto, mas temos de assumir que essas glórias, embora constitutivas da nossa identidade como nação, são já longínquas no tempo.

Outros já terão notado que, depois de Sagres, passámos por um declínio muito grande como país, com o lento desfazer da aventura imperial, com quebras drásticas no nosso poder económico e com a consequente perda de importância da nossa afirmação política à escala global. Até o facto de não termos sabido descolonizar a tempo nos agravou uma imagem de perdedores na História, só atenuada pelo contraponto positivo das liberdades que o 25 de Abril, de seguida, nos trouxe. Goste-se ou não, a História que verdadeiramente conta, para a fixação da imagem dos países, é a História contemporânea ou, pelo menos, a versão contemporânea da História. E, nesse retrato, a nossa imagem não é globalmente positiva.

E há, finalmente, um outro ponto também importante: um país que não consiga garantir condições de vida aos seus cidadãos, que acabe por estimular a sua saída em termos maciços, não é prestigiado e respeitado no quadro internacional. Por mais orgulho que tenhamos na aventura de sacrifício que sempre foi a nossa emigração, é para mim hoje evidente que um país que condena a sua população a emigrar, por razões económicas, é um país que não se prestigia e que não sobe na consideração dos outros.

Mas passemos à situação de hoje, à crónica dos dias da “troika”.

Convém começar por deixar claro que esta não é a primeira vez que Portugal recorre à ajuda externa, para reequilibrar as suas contas internas. Na minha vida como diplomata esta é a terceira presença do FMI em Portugal. Desta vez, porém, por razões que têm muito a ver com as limitações que a nossa pertença à moeda única impõe, é aquela que aparece revestida de um maior dramatismo.

Não vou entrar aqui na discussão, que entreteve os portugueses durante a última campanha eleitoral, sobre se a crise é mais portuguesa do que externa, sobre se as responsabilidades nacionais são maiores ou menores do que aquelas que resultam dos efeitos exógenos. Esse é um debate passado, perante a qual o país já tomou posição e que a História, a seu tempo, julgará em definitivo.

A situação é a que temos e esse é o ponto de partida para o que aqui nos traz.

Não lhes vou esconder que a imagem de Portugal, eu diria mesmo, a imagem que Portugal conseguiu projetar de si próprio nos últimos trinta anos, sofreu bastante com a constatação crua, pelo mundo, da difícil situação económico-financeira em que hoje nos encontramos. Digo isto com toda a responsabilidade de quem, como eu e como os meus colegas, teve e tem como obrigação e como objetivo profissional procurar melhorar a imagem do nosso país, e dele salientar os seus aspetos mais positivos.

O retrato de fragilidade que de Portugal está hoje criado veio confirmar, a alguns países do chamado “Norte”, aquilo que fazia parte das suas ideias feitas face ao países do “Sul”: que o nosso salto de modernidade não tinha solidez de fundações, que não fomos capazes de garantir a maturação das ajudas e das oportunidades de que havíamos beneficiado, enfim, que éramos um “trompe l’oeil” de uma realidade diferente. Isto é válido para Portugal, como o é para a Espanha, para a Itália ou para a Grécia. Porém, com o mal dos outros podemos nós bem. A mim, preocupa-me Portugal.

Muitos países desse “Norte” viram agora fundamentadas as dúvidas que tinham quando Portugal quis entrar no euro e que, à época, conseguimos secundarizar.

A diplomacia portuguesa está hoje confrontada com um dos momentos mais exigentes na história recente do país. À nossa escala, temos de encontrar fórmulas para conseguir sublinhar, nesta que é uma conjuntura tendencialmente negativa, todos os elementos de natureza positiva que nos seja possível conjugar, para potenciar o país no plano internacional.

Nesse esforço, tenho para mim que a verdade e a transparência devem sempre constituir os eixos fundamentais da nossa ação externa.

Gostava, a este propósito, de lhes contar uma história que se passou comigo, há mais de duas décadas, num período em estava, transitoriamente, a chefiar a nossa Embaixada em Londres.

Um dia, recebi um pedido de Lisboa, perguntando-me o que, no meu entender, poderia ser feito para tentar contrariar uma campanha que se preparava contra Portugal, mobilizada pelos nossos concorrentes comerciais no Reino Unido. Esses grupos, apoiados num filme a ser divulgado pela televisão britânica, iam explorar o facto de haver trabalho infantil em algumas fábricas e unidades familiares no nosso país.

A minha resposta quase me valeu um processo disciplinar. Eu expliquei com candura a Lisboa que a melhor maneira de evitar que a realidade do trabalho infantil em Portugal fosse explorado pelos nossos adversários talvez fosse… acabar com o trabalho infantil. E que, para isso, talvez valesse a pena sermos honestos quanto à existência do problema e sermos credíveis mostrando vontade política de remar contra esse flagelo.

Eu sabia que, até por algumas razões menos nobres, isso era mais fácil de dizer do que de fazer. Mas não negar a realidade e mostrar a existência de uma determinação para a enfrentar era, a meu ver, a melhor solução. Não sei se, à época, alguns industriais têxteis, de calçado ou da construção civil teriam apreciado essa proposta estratégia.

Por isso, e para mim, continua a haver hoje uma ligação dessa situação com aquela que hoje nos afeta: o imperativo de termos coragem para expor, de forma transparente, a nossa realidade e de provarmos que existe uma forte determinação política para tentar inverter essa mesma realidade. Como se costuma dizer, isso já seria meio caminho andado.

Aqui chegados, há que reconhecer que existem, claramente, alguns pontos positivos que Portugal já soube marcar nesta conjuntura – numa conjuntura em que, convém que fique claro, nem tudo depende ou vai depender exclusivamente de nós.

O primeiro é o facto de Portugal ter feito uma exposição muito franca das suas debilidades ao escrutínio externo, no que demonstrámos uma rara transparência política, que é por todos elogiada. O episódio da Madeira, se bem que não nos tivesse ajudado, acabou por ter a dimensão e o caráter pontual que marcou a diferença entre a exceção e a regra.

O segundo ponto foi a constatação, desde o primeiro momento, de que, no seu histórico de relação com a União Europeia, Portugal tinha sempre jogado um jogo leal, sem contabilidades criativas escondidas, para além daquelas que todos praticam. Esse ponto, por óbvias razões de contraste, favoreceu-nos.

Um terceiro ponto, muito importante, foi o facto do nosso país ter sido capaz de mostrar, no exterior, um largo espetro de apoio político interno ao acordo feito com as instituições internacionais.

Um quarto ponto, que deverá continuar a ser essencial, prende-se com a avaliação positiva feita pelas missões das instituições internacionais, sobre o cumprimento tempestivo, por parte de Portugal, de todas ações a que nos obrigámos, seja no processo legislativo, seja no campo das medidas administrativas. Neste domínio, imagino mesmo alguma surpresa nos nossos interlocutores institucionais face à intenção de levar à prática medidas cumulativas de austeridade, complementares às que haviam sido acordadas internacionalmente.

Finalmente, um quinto ponto, que é lido como traduzindo uma atitude nacional merecedora de grande respeito, nomeadamente à luz de outros exemplos externos, liga-se ao caráter até agora limitado das reações públicas às políticas de austeridade.

Nos contactos que tenho com colegas estrangeiros e com entidades oficiais, estes cinco pontos são tidos como caraterizadores da especificidade positiva da nossa posição, não obstante a constatação da dificuldade da situação geral em que nos encontramos.

Mas – não nos iludamos! - permanecem, no nosso cenário, lido pelos olhos exteriores, alguns fatores negativos que temos de assumir, até para melhor os conseguir ultrapassar.

Desde logo, todos os vícios comportamentais que referi no início desta intervenção. Se não formos capazes de lhes pôr cobro, tudo andará de forma mais lenta. Eu sei que pode ter graça, particularmente para atlânticos, continuar a fazer o papel de mediterrânicos. Mas o “Clube Med” é para as férias e o tempo agora é de trabalho.

À luz do que aprendi nos últimos meses, o principal fator negativo na avaliação que os mercados fazem da nossa economia é a nossa quase endémica incapacidade de promover um crescimento autónomo. Essa realidade fica bem mais patente se descontarmos os efeitos artificiais sobre o nosso PIB que tiveram as transferências comunitárias.

A crise do nosso crescimento é considerada, por todos os observadores, derivada do facto de termos hoje, por razões estruturais e não meramente conjunturais, uma competitividade média inferior à de muitos dos nossos concorrentes diretos. Essa situação é fruto de vários erros cometidos no passado, o menor dos quais não terá sido o facto de termos concentrado, até muito tarde, os nossos fluxos de exportação no “cómodo” mercado europeu, não ousando, na maioria dos casos, ter a audácia para sair para terceiros mercados. A abertura da Europa à globalização veio, assim, apanhar certos setores da nossa economia num processo ainda incompleto de reconversão industrial, o que conduziu a uma desigual capacidade de sobrevivência das nossas unidades produtivas que se centravam nesse mesmo mercado.

Face a esse conjunto de notas de sinal negativo, temos hoje, porém, alguns importantes sinais positivos que importa destacar.

Por exemplo, desde o ano passado, as coisas estão a mudar, bem para melhor, no campo das exportações. No diálogo que tenho tido com empresários, em várias feiras comerciais que tenho visitado, o otimismo é a regra e a dúvida a exceção.

Também na preservação do investimento estrangeiro, já que a sua captação, na atual conjutura, é bem mais difícil, temos vindo a conseguir, nos últimos anos, continuar a potenciar aquilo que são algumas das nossas vantagens comparativas – de que a pertença ao euro é uma das mais importantes, o que, às vezes, se esquece.

E, finalmente, na promoção turística, estamos a trabalhar bem e com resultados concretos, fruto de uma estratégia inteligente e que me parece cada vez melhor coordenada.

Estes são os três domínios que, na área externa, nos importa e face aos quais a nossa diplomacia se encontra atenta e mobilizada. Essas são também as áreas onde se espera que as coisas venham ainda a melhorar, se e quando os efeitos das medidas de reforma e de ajustamento, em curso de implementação, vierem a conduzir a resultados à altura da expetativa que os motivou e dos esforços que o país está a fazer para os levar a cabo.

Aproveito, aliás, neste tempo de anunciadas reformas na área da promoção económica externa, para deixar aqui uma nota pública de grande apreço pelo magnífico trabalho da AICEP, que tenho vindo a testemunhar e a admirar. É preciso preservar a qualidade desse trabalho em qualquer modelo que venha a ser criado para tentar melhorar a diplomacia na área dos negócios.

Sou disso uma testemunha privilegiada. Sou embaixador em França, um país que é hoje o principal investidor externo em Portugal. Um país que, nestes tempos de queda generalizada dos fluxos do turismo, foi o único a aumentá-los em direção ao nosso país. Um país que, por exemplo, já é hoje o principal destino de exportação do nosso vinho do Porto.

Acho que, agora mais do que nunca, deveremos fazer “benchmarking” dos exemplos de investimento mais bem sucedidos em Portugal, relevando junto do mercado internacional as razões positivas que levam certas empresas de qualidade e prestígio a confiar em nós.

Por tudo isso, porque acredito que Portugal não “fecha para obras”, porque sou teimosamente otimista, quero terminar com uma mensagem de confiança.

Essa mensagem é a de que a imagem dos países também se reverte. Há um bom exemplo europeu, que são os países nórdicos. Eles são a melhor prova de que, em escassas décadas, partindo de patamares de desenvolvimento muito baixos, foi possível modernizar essas sociedades, assentando a mudança na educação e no conhecimento, estimulando um empreendedorismo eficaz, socialmente responsável, compatível com a preservação de padrões essenciais de solidariedade social. Para isso, foi também muito importante criar uma cultura comportamental sólida, assente em valores consensualizados pela sociedade. E hoje, bem ao contrário daquilo que acontecia há algumas décadas, esses países  estão no topo das estatísticas de qualidade de vida, de defesa dos direitos das suas populações, da preservação de valores de modernidade. Os países nórdicos são a prova de que é apostando nos fatores de competitividade que é possível atingir a prosperidade, apoiada numa cultura empresarial sólida, geradora de auto-confiança nacional, criadora uma imagem de independência e de capacidade de livre escolha do destino.

Estamos ainda longe disso? Estamos. Parece difícil? Parece e é. Mas esse é o único desafio pelo qual vale a pena Portugal lutar.

Muito obrigado pela vossa atenção.


Intervenção na conferência “Economia portuguesa: economia com futuro”, Lisboa, 30 de Setembro de 2011


Portugal: a sua economia e a sua imagem

Há dias, quando disse a um amigo francês que vinha a Lisboa para falar sobre a economia e a imagem de Portugal, ele olhou-me com um ar espantado. E quando lhe revelei que havia sido eu próprio quem escolhera o tema, fiquei com a sensação de me achava um incompreensível masoquista.
 
Julgo que muitas pessoas nesta sala devem partilhar esta perplexidade: por que diabo, um embaixador de Portugal, no exercício de funções, numa das principais capitais do mundo, se arrisca a abordar um tema desta sensibilidade e delicadeza?
 
A resposta é muito simples: um embaixador de Portugal é-o em todas as ocasiões. As boas e as más.
 
Não somos diplomatas só para recolher os louros de termos entrado da melhor forma para a União Europeia, de termos feito três presidências com sucesso, de termos sido capazes de ingressar no euro. Não representamos apenas o país que teve teimosa razão diplomática na questão de Timor-Leste, que fez com grande êxito a Expo98, que, por três vezes, montou campanhas de sucesso que o conduziram ao Conselho de Segurança da ONU. Não somos só o país do salto em frente nas energias renováveis, do prémio Nobel de Saramago ou de outras glórias do passado recente.
 
Somos diplomatas de um país que, no contexto da crise em que vivemos, tem um défice e uma dívida elevadas, que teve de recorrer à ajuda internacional para resolver os seus problemas e que vai atravessar, por alguns difíceis anos, um processo sério de ajustamento. Somos diplomatas de um país cujos cidadãos vão sofrer impactos nos salários e na sua fatura fiscal, nos preços e nos empregos, com redução de apoios na saúde e nas facilidades educativas, com uma retração, que se espera conjuntural, do seu crescimento, com muitas consequências sociais que ainda estão por medir.

Em suma: eu sou embaixador do país mais pobre da Europa ocidental.

E, dito isto, quero que fique claro que tenho o maior orgulho em poder representar o meu país – este meu país - neste tempo difícil. Como dizem os americanos: “my country, right or wrong”.

Os diplomatas profissionais representam o Estado. Desde que entrei para esta profissão, servi sob a orientação de 5 presidentes da República, 15 primeiros-ministros e 21 ministros dos Negócios Estrangeiros. Quero com isto dizer que há um país que está para além da transitoriedade democrática dos titulares do Estado e que compete aos diplomatas uma parte importante na defesa dos interesses permanentes de Portugal – hoje como ontem. Repito: em todas as circunstâncias, as boas e as más.

E isto evoca a questão da nossa imagem externa.

Recuemos uns anos, antes da nossa adesão à União Europeia.

A imagem que Portugal projectava, há pouco mais de três décadas, era a de um país que havia passado por um choque histórico algo traumático, provocado pelo esboroar de uma ditadura que acabou por ditar um fim trágico e quase patético a uma aventura colonial tardia – com guerras sem sentido, privações, tensões e um saldo de sacrifícios humanos muito pesado, que o país pagou fortemente, até pelas consequências no seu tecido económico.

A ditadura não castrou apenas cívica e culturalmente o país. Contribuiu para a criação de uma cultura empresarial retrógrada, protegida, temerosa, pouco audaciosa e, por essa razão, com muito escassos exemplos de sucessos empresariais fora de portas.

Foi esse o Portugal que bateu à porta da Europa no final dos anos 70: um país pobre, uma democracia recente, um tecido económico medíocre, um ambiente social desigual e com elevado potencial de convulsão.

Mas Portugal acabou por ser uma surpresa para o mundo: desde logo, pelo modo muito próprio como havia feito a sua Revolução e, em especial, como dela saiu para a democracia e desta para a integração europeia. Aos olhos externos, o nosso país conseguiu, com uma insuspeitada facilidade, instalar e aculturar um regime democrático que se provou funcional e, sem se afastar da sua herança africana, soube simultaneamente voltar-se, com uma quase naturalidade, para um projecto integrador a que só remotamente estivera ligado, embora já partilhasse a cultura de mercado que lhe estava na génese.

Neste percurso, o mundo poderá ter ficado particularmente impressionado por dois factos.

Em primeiro lugar, pela nossa fantástica capacidade de reconciliação interna, depois de um período revolucionário que, como sempre acontece, teve os seus custos e deixou as suas feridas. A absorção da população que retornou de África, no período pós-descolonização, continua a ser um feito que muitos não entendem bem, em especial alguns Estados, bastante mais ricos, que não souberam resolver o seu próprio problema da forma como os portugueses foram capazes.

Em segundo lugar, terá sido uma surpresa a nossa reconversão rápida ao projecto integrador europeu e, já dentro deste, o modo, competente e dedicado, como nos empenhámos nas tarefas de que fomos incumbidos – de que o excelente exercício das presidências europeias, que já referi, é talvez um exemplo paradigmático.

Sem pretender entrar no terreno da polémica, estou perfeitamente convicto que um cidadão português não poderia, quaisquer que fossem os seus méritos pessoais, ser hoje presidente da Comissão Europeia se o nosso país não tivesse demonstrado, nas quase duas décadas que antecederam esse momento, uma imagem de grande eficácia e empenhamento no processo europeu. Desde 1986, embora só algumas vezes com brilho excepcional, mas sempre com grande seriedade e apreciável sentido de responsabilidade, Portugal conseguiu fornecer pessoal, e até ideias, que contribuíram para lhe garantir uma participação de mérito no projecto integrador.

Verdade seja que este inesperado europeísmo não deixou de ser visto como tendo muito a ver com as vantagens, na paisagem e nos bolsos, que os portugueses pressentiram, e bem, que o projecto europeu lhes podia proporcionar.

A Europa entendeu isso muito bem e percebeu também que Portugal soube aproveitar, embora de modo apenas razoável, os benefícios que a pertença ao novo “clube” lhe trouxe.

Aos olhos dessa Europa mais desenvolvida, o usufruto dessa oportunidade não terá sido o melhor, talvez porque não estavam superados no país alguns défices de cultura comportamental que eram, de há muito, a imagem de marca da nossa sociedade - compadrios, facilidades, falta de rigor, inconstância, improviso, escasso nível educativo, vícios de gestão, etc.

Basta entrar numa qualquer livraria, numa grande capital europeia, ir à estante do business internacional e ler o que se diz sobre como fazer negócios em Portugal. A imagem da “ficha” portuguesa é a de um país ciclotímico no seu desenvolvimento recente, isto é, com uma congénita incapacidade de sustentar o sucesso, com uma burocracia apenas atenuada pelo “jeitinho”, uma justiça muito lenta, embora não corrupta. Além disso, a classe empresarial portuguesa é vista como excessivamente convencida da sua própria importância, sendo globalmente – isto é, fora as notáveis exceções - mal avaliada em termos internacionais. A cordialidade e o pendor para a submissão dos portugueses torna-os, nos textos desses livros, fáceis no relacionamento, mas igualmente menos eficazes na constância temporal da sua atitude – e aí estão a falta de pontualidade, de precisão, as reuniões palavrosas, os almoços longos, os atrasos sistemáticos em face dos compromissos assumidos, enfim, a ausência da reliability essencial no exigente mundo competitivo contemporâneo.

Neste ponto, alguns estarão a perguntar-se: mas, afinal, a imagem de Portugal no mundo mede-se, exclusivamente, pelo critério do sucesso económico? Lamento ter de dizer que, a meu ver, o grande indicador para a aferição da performance de um país à escala internacional é, hoje em dia, a sua capacidade de geração de riqueza, de saber distribuí-la sem tensões e proporcionar bem-estar aos seus cidadãos, sempre em liberdade, claro.

Talvez seja a absolutização dos mecanismos de mercado que criou esta percepção, mas não conheço nenhum país pobre que esteja hoje prestigiado à escala global, embora conheça alguns países ricos que, por virtude dos seus sistemas políticos autoritários ou pelas grandes desigualdades sociais internas que mantêm, também não são respeitados, a não ser pelos cultores cínicos da realpolitik.

Por isso, mais do que nunca, a imagem de um Estado perante o mundo depende da eficácia e qualidade das suas políticas públicas, da coragem na execução de reformas essenciais à sua constante melhoria e adequação aos desafios contemporâneos.

E o que é que a sociedade internacional valoriza mais? Valoriza a preservação do equilíbrio macroeconómico, a generalização com qualidade dos sistemas de ensino, saúde e justiça, as práticas de segurança interna com plena preservação de liberdades, os estímulos à afirmação da sociedade civil, o empenhamento oficial na luta contra as discriminações, a cultura ambiental e de promoção de um desenvolvimento sustentável, a protecção dos consumidores e dos utentes públicos – enfim, todo o vastíssimo conjunto de símbolos de uma cultura de modernidade. São esses alguns dos factores que qualificam, contemporaneamente, a imagem dos países.

Neste ponto, alguns poderão estar a pensar: mas, afinal, Portugal tem uma cultura antiga, tem uma História, teve momentos gloriosos na sua muito longa existência como país. Ora isso deve fazer parte, com certeza, do seu reconhecimento exterior.

Receio ter de dizer isto, mas um erro muito comum no imaginário português é o de pensar que o mundo continua a lembrar Portugal pela glória das Descobertas, pelo período áureo de “quinhentos”. O facto de termos hiperbolizado, dentro de Portugal, e em especial durante o Estado Novo, essas imagens de grandeza não significa necessariamente que o mundo ainda seja obrigado a medir-nos à luz delas. Sei que não faz bem à nossa auto-estima lembrar isto, mas temos de assumir que essas glórias, embora constitutivas da nossa identidade como nação, são já longínquas no tempo.

Outros já terão notado que, depois de Sagres, passámos por um declínio muito grande como país, com o lento desfazer da aventura imperial, com quebras drásticas no nosso poder económico e com a consequente perda de importância da nossa afirmação política à escala global. Até o facto de não termos sabido descolonizar a tempo nos agravou uma imagem de perdedores na História, só atenuada pelo contraponto positivo das liberdades que o 25 de Abril, de seguida, nos trouxe. Goste-se ou não, a História que verdadeiramente conta, para a fixação da imagem dos países, é a História contemporânea ou, pelo menos, a versão contemporânea da História. E, nesse retrato, a nossa imagem não é globalmente positiva.

E há, finalmente, um outro ponto também importante: um país que não consiga garantir condições de vida aos seus cidadãos, que acabe por estimular a sua saída em termos maciços, não é prestigiado e respeitado no quadro internacional. Por mais orgulho que tenhamos na aventura de sacrifício que sempre foi a nossa emigração, é para mim hoje evidente que um país que condena a sua população a emigrar, por razões económicas, é um país que não se prestigia e que não sobe na consideração dos outros.

Mas passemos à situação de hoje, à crónica dos dias da “troika”.

Convém começar por deixar claro que esta não é a primeira vez que Portugal recorre à ajuda externa, para reequilibrar as suas contas internas. Na minha vida como diplomata esta é a terceira presença do FMI em Portugal. Desta vez, porém, por razões que têm muito a ver com as limitações que a nossa pertença à moeda única impõe, é aquela que aparece revestida de um maior dramatismo.

Não vou entrar aqui na discussão, que entreteve os portugueses durante a última campanha eleitoral, sobre se a crise é mais portuguesa do que externa, sobre se as responsabilidades nacionais são maiores ou menores do que aquelas que resultam dos efeitos exógenos. Esse é um debate passado, perante a qual o país já tomou posição e que a História, a seu tempo, julgará em definitivo.

A situação é a que temos e esse é o ponto de partida para o que aqui nos traz.

Não lhes vou esconder que a imagem de Portugal, eu diria mesmo, a imagem que Portugal conseguiu projetar de si próprio nos últimos trinta anos, sofreu bastante com a constatação crua, pelo mundo, da difícil situação económico-financeira em que hoje nos encontramos. Digo isto com toda a responsabilidade de quem, como eu e como os meus colegas, teve e tem como obrigação e como objetivo profissional procurar melhorar a imagem do nosso país, e dele salientar os seus aspetos mais positivos.

O retrato de fragilidade que de Portugal está hoje criado veio confirmar, a alguns países do chamado “Norte”, aquilo que fazia parte das suas ideias feitas face ao países do “Sul”: que o nosso salto de modernidade não tinha solidez de fundações, que não fomos capazes de garantir a maturação das ajudas e das oportunidades de que havíamos beneficiado, enfim, que éramos um “trompe l’oeil” de uma realidade diferente. Isto é válido para Portugal, como o é para a Espanha, para a Itália ou para a Grécia. Porém, com o mal dos outros podemos nós bem. A mim, preocupa-me Portugal.

Muitos países desse “Norte” viram agora fundamentadas as dúvidas que tinham quando Portugal quis entrar no euro e que, à época, conseguimos secundarizar.

A diplomacia portuguesa está hoje confrontada com um dos momentos mais exigentes na história recente do país. À nossa escala, temos de encontrar fórmulas para conseguir sublinhar, nesta que é uma conjuntura tendencialmente negativa, todos os elementos de natureza positiva que nos seja possível conjugar, para potenciar o país no plano internacional.

Nesse esforço, tenho para mim que a verdade e a transparência devem sempre constituir os eixos fundamentais da nossa ação externa.

Gostava, a este propósito, de lhes contar uma história que se passou comigo, há mais de duas décadas, num período em estava, transitoriamente, a chefiar a nossa Embaixada em Londres.

Um dia, recebi um pedido de Lisboa, perguntando-me o que, no meu entender, poderia ser feito para tentar contrariar uma campanha que se preparava contra Portugal, mobilizada pelos nossos concorrentes comerciais no Reino Unido. Esses grupos, apoiados num filme a ser divulgado pela televisão britânica, iam explorar o facto de haver trabalho infantil em algumas fábricas e unidades familiares no nosso país.

A minha resposta quase me valeu um processo disciplinar. Eu expliquei com candura a Lisboa que a melhor maneira de evitar que a realidade do trabalho infantil em Portugal fosse explorado pelos nossos adversários talvez fosse… acabar com o trabalho infantil. E que, para isso, talvez valesse a pena sermos honestos quanto à existência do problema e sermos credíveis mostrando vontade política de remar contra esse flagelo.

Eu sabia que, até por algumas razões menos nobres, isso era mais fácil de dizer do que de fazer. Mas não negar a realidade e mostrar a existência de uma determinação para a enfrentar era, a meu ver, a melhor solução. Não sei se, à época, alguns industriais têxteis, de calçado ou da construção civil teriam apreciado essa proposta estratégia.

Por isso, e para mim, continua a haver hoje uma ligação dessa situação com aquela que hoje nos afeta: o imperativo de termos coragem para expor, de forma transparente, a nossa realidade e de provarmos que existe uma forte determinação política para tentar inverter essa mesma realidade. Como se costuma dizer, isso já seria meio caminho andado.

Aqui chegados, há que reconhecer que existem, claramente, alguns pontos positivos que Portugal já soube marcar nesta conjuntura – numa conjuntura em que, convém que fique claro, nem tudo depende ou vai depender exclusivamente de nós.

O primeiro é o facto de Portugal ter feito uma exposição muito franca das suas debilidades ao escrutínio externo, no que demonstrámos uma rara transparência política, que é por todos elogiada. O episódio da Madeira, se bem que não nos tivesse ajudado, acabou por ter a dimensão e o caráter pontual que marcou a diferença entre a exceção e a regra.

O segundo ponto foi a constatação, desde o primeiro momento, de que, no seu histórico de relação com a União Europeia, Portugal tinha sempre jogado um jogo leal, sem contabilidades criativas escondidas, para além daquelas que todos praticam. Esse ponto, por óbvias razões de contraste, favoreceu-nos.

Um terceiro ponto, muito importante, foi o facto do nosso país ter sido capaz de mostrar, no exterior, um largo espetro de apoio político interno ao acordo feito com as instituições internacionais.

Um quarto ponto, que deverá continuar a ser essencial, prende-se com a avaliação positiva feita pelas missões das instituições internacionais, sobre o cumprimento tempestivo, por parte de Portugal, de todas ações a que nos obrigámos, seja no processo legislativo, seja no campo das medidas administrativas. Neste domínio, imagino mesmo alguma surpresa nos nossos interlocutores institucionais face à intenção de levar à prática medidas cumulativas de austeridade, complementares às que haviam sido acordadas internacionalmente.

Finalmente, um quinto ponto, que é lido como traduzindo uma atitude nacional merecedora de grande respeito, nomeadamente à luz de outros exemplos externos, liga-se ao caráter até agora limitado das reações públicas às políticas de austeridade.

Nos contactos que tenho com colegas estrangeiros e com entidades oficiais, estes cinco pontos são tidos como caraterizadores da especificidade positiva da nossa posição, não obstante a constatação da dificuldade da situação geral em que nos encontramos.

Mas – não nos iludamos! - permanecem, no nosso cenário, lido pelos olhos exteriores, alguns fatores negativos que temos de assumir, até para melhor os conseguir ultrapassar.

Desde logo, todos os vícios comportamentais que referi no início desta intervenção. Se não formos capazes de lhes pôr cobro, tudo andará de forma mais lenta. Eu sei que pode ter graça, particularmente para atlânticos, continuar a fazer o papel de mediterrânicos. Mas o “Clube Med” é para as férias e o tempo agora é de trabalho.

À luz do que aprendi nos últimos meses, o principal fator negativo na avaliação que os mercados fazem da nossa economia é a nossa quase endémica incapacidade de promover um crescimento autónomo. Essa realidade fica bem mais patente se descontarmos os efeitos artificiais sobre o nosso PIB que tiveram as transferências comunitárias.

A crise do nosso crescimento é considerada, por todos os observadores, derivada do facto de termos hoje, por razões estruturais e não meramente conjunturais, uma competitividade média inferior à de muitos dos nossos concorrentes diretos. Essa situação é fruto de vários erros cometidos no passado, o menor dos quais não terá sido o facto de termos concentrado, até muito tarde, os nossos fluxos de exportação no “cómodo” mercado europeu, não ousando, na maioria dos casos, ter a audácia para sair para terceiros mercados. A abertura da Europa à globalização veio, assim, apanhar certos setores da nossa economia num processo ainda incompleto de reconversão industrial, o que conduziu a uma desigual capacidade de sobrevivência das nossas unidades produtivas que se centravam nesse mesmo mercado.

Face a esse conjunto de notas de sinal negativo, temos hoje, porém, alguns importantes sinais positivos que importa destacar.

Por exemplo, desde o ano passado, as coisas estão a mudar, bem para melhor, no campo das exportações. No diálogo que tenho tido com empresários, em várias feiras comerciais que tenho visitado, o otimismo é a regra e a dúvida a exceção.

Também na preservação do investimento estrangeiro, já que a sua captação, na atual conjutura, é bem mais difícil, temos vindo a conseguir, nos últimos anos, continuar a potenciar aquilo que são algumas das nossas vantagens comparativas – de que a pertença ao euro é uma das mais importantes, o que, às vezes, se esquece.

E, finalmente, na promoção turística, estamos a trabalhar bem e com resultados concretos, fruto de uma estratégia inteligente e que me parece cada vez melhor coordenada.

Estes são os três domínios que, na área externa, nos importa e face aos quais a nossa diplomacia se encontra atenta e mobilizada. Essas são também as áreas onde se espera que as coisas venham ainda a melhorar, se e quando os efeitos das medidas de reforma e de ajustamento, em curso de implementação, vierem a conduzir a resultados à altura da expetativa que os motivou e dos esforços que o país está a fazer para os levar a cabo.

Aproveito, aliás, neste tempo de anunciadas reformas na área da promoção económica externa, para deixar aqui uma nota pública de grande apreço pelo magnífico trabalho da AICEP, que tenho vindo a testemunhar e a admirar. É preciso preservar a qualidade desse trabalho em qualquer modelo que venha a ser criado para tentar melhorar a diplomacia na área dos negócios.

Sou disso uma testemunha privilegiada. Sou embaixador em França, um país que é hoje o principal investidor externo em Portugal. Um país que, nestes tempos de queda generalizada dos fluxos do turismo, foi o único a aumentá-los em direção ao nosso país. Um país que, por exemplo, já é hoje o principal destino de exportação do nosso vinho do Porto.

Acho que, agora mais do que nunca, deveremos fazer “benchmarking” dos exemplos de investimento mais bem sucedidos em Portugal, relevando junto do mercado internacional as razões positivas que levam certas empresas de qualidade e prestígio a confiar em nós.

Por tudo isso, porque acredito que Portugal não “fecha para obras”, porque sou teimosamente otimista, quero terminar com uma mensagem de confiança.

Essa mensagem é a de que a imagem dos países também se reverte. Há um bom exemplo europeu, que são os países nórdicos. Eles são a melhor prova de que, em escassas décadas, partindo de patamares de desenvolvimento muito baixos, foi possível modernizar essas sociedades, assentando a mudança na educação e no conhecimento, estimulando um empreendedorismo eficaz, socialmente responsável, compatível com a preservação de padrões essenciais de solidariedade social. Para isso, foi também muito importante criar uma cultura comportamental sólida, assente em valores consensualizados pela sociedade. E hoje, bem ao contrário daquilo que acontecia há algumas décadas, esses países  estão no topo das estatísticas de qualidade de vida, de defesa dos direitos das suas populações, da preservação de valores de modernidade. Os países nórdicos são a prova de que é apostando nos fatores de competitividade que é possível atingir a prosperidade, apoiada numa cultura empresarial sólida, geradora de auto-confiança nacional, criadora uma imagem de independência e de capacidade de livre escolha do destino.

Estamos ainda longe disso? Estamos. Parece difícil? Parece e é. Mas esse é o único desafio pelo qual vale a pena Portugal lutar.

Muito obrigado pela vossa atenção.


Intervenção na conferência “Economia portuguesa: economia com futuro”, Lisboa, 30 de Setembro de 2011



11 de setembro de 2011

O dia seguinte

Nova Iorque acordou para um pesadelo a 12 de Setembro de 2001. A véspera fora, porventura, o mais longo dia da história contemporânea da América. Todos quantos vivíamos naquela cidade nunca esqueceremos os passos que então demos, desde a manhã da tragédia até à noite de todas as interrogações que se seguiu.

Mas nós éramos estrangeiros, por mais solidários que estivéssemos com as vítimas da barbárie. Os americanos acordaram diferentes, numa pátria agredida, com uma raiva incontida, feridos no orgulho e na carne, por uma violência implausível e sem paralelo.

Nova Iorque fora, até 11 de setembro, uma cidade tolerante, aberta, com regras fáceis e um estilo de vida que seduzia europeus e chegava a intrigar muitos americanos. A forte presença de várias comunidades, de muitos credos e cores, transformara a cidade numa espécie de Nações Unidas nas ruas.

Para os americanos, com a queda das torres ruíra parte da confiança íntima de um povo que se olha a si próprio de uma maneira especial, nessa cultura nacionalista feita de religião, heróis e de um sentido de destino. Nunca a América vivera sob o medo interno e isso reflectiu-se na mudança que se vislumbrava no olhar das pessoas que cruzávamos, escrutinando os que pressentiam diferentes – pelo trajes, pela raça, pelo simples aspecto, pelo facto de não trazerem na lapela ou não colocarem na janela a sua bandeira.

A América cresceu com o sofrimento do 11 de setembro. E mudou. Obama é talvez a melhor prova disso.

Publicado no "Correio da Manhã"