14 de julho de 2011

As cidades e os homens

São apenas os homens que constroem as cidades? Ou as cidades também fazem os homens? A atribuição da medalha de ouro do Município de Vila Real ao engº Humberto Cardoso de Carvalho, nestas festas da cidade, colocou-me a interrogação.

Um jovem engenheiro, recém-formado, chegou, nos inícios dos anos 50, a uma isolada cidade de província, como era então Vila Real. Trazia consigo vontade de trabalhar e o dinamismo culto de uma família portuense que tinha andado por outros mundos. A facilidade do relacionamento ligou-o, de imediato, às instituições locais. E, muito, às pessoas. Casou pela cidade.

E a cidade logo chamou por ele. Para a presidência da Câmara municipal. Aí fez obra que, no essencial, ainda hoje, décadas depois, se tornou uma marca identitária da terra. O mercado municipal ainda é o mesmo. O Diogo Cão também. A avenida, dita “marginal”, aí está, connosco a não imaginar a cidade sem ela. E tantas, tantas outras realizações, que, um dia, valerá a pena destacar em conjunto, para se medir melhor a coerência de um projecto de dedicação cívica. E outras coisas, que não fez mas que aventou, antes de ninguém, como o túnel do Marão.

Na cidade, pode dizer-se que esteve em tudo. No circuito automóvel, que impulsionou. E também nos bombeiros, a que deu um apoio essencial. Claro está, no Sport Clube, que ajudou a sobreviver. Solidário, colaborou na Misericórdia. Com naturalidade, teve a fraternidade do Rotary no seu percurso. E muitas coisas mais.

Um dia, seduzido pela ideia de que o país podia dar um salto de liberdade, num tempo de conformismo, aceitou ser deputado. Não daqueles que desaparecem nas brumas de Lisboa, mas de quantos regressavam à terra, às pessoas, todas as semanas. Veio Abril e a cidade foi outra. Foi-lhe outra, por um tempo. Mas a cidade, a que importa, teve também teve a dignidade de se comportar como pessoa de bem. E, com serenidade, viu-o regressar ao que sempre fez, e bem, com um rigor impoluto e incontestado.

Para sempre, ficou pela cidade, já sua. E que agora lhe agradece, com o simbólico ouro da edilidade. Nada mais justo e nada mais natural.

Afinal, se são os homens quem faz as cidades, as cidades devem mostrar que sabem retribuir, que são elas que ajudam a construir os homens, colocando-os na sua história. Os que as merecem, claro.

(artigo publicado em "A Voz de Trás-os-Montes", em 14.7.11)

8 de julho de 2011

Os esforços de Portugal são bem mal recompensados...

A língua inglesa, que é comum às agências internacionais de notação, consagrou a expressão “moving target” (alvo em movimento) para designar um alvo que se vai afasta ou se desloca, por mais esforços que façamos para o atingir. Este é um pouco o sentimento que se vive em Portugal, perante a decisão anunciada pela Moody’s de baixar em quatro níveis a sua avaliação a longo prazo sobre o estado da nossa economia.

Ainda nesta semana, o governo português anunciou novas medidas de contenção orçamental, destinadas a reforçar o objetivo de redução do défice, bem como um conjunto alargado de privatizações, com efeitos sensíveis na redução da sua dívida.

Não deixa de ser irónico que, tendo o nosso país acordado com as instituições europeias e com o FMI um pacote de profundas reformas e de cortes drásticos na despesa pública, que uma agência de notação acabe, afinal, por mostrar-se "mais papista do que o papa".

A publicação deste parecer, que curiosamente surgiu na véspera de um leilão de dívida pública portuguesa, terá efeitos negativos imediatos para o Estado português. E, mais ainda, traz um peso acrescido no normal processo de endividamento de outras entidades públicas e privadas portuguesas.

Como não nos espantarmos com o rigor das agências de notação, quando nos lembramos da sua passividade no passado? Durante anos, estas mesmas agências deixaram prosperar, sem reagir numerosos produtos financeiros de risco, que estão na origem da atual crise. 

No passado, como foi o caso dos anos 70 e 80, o meu país já havia dado mostras de ter capacidade para superar crises macroeconómicas. E a disposição corajosa que agora Portugal está a demonstrar é a melhor prova de que tudo fará, uma vez mais, para superar esta nova situação.

A serenidade responsável com que o povo português está encarar o esforço que lhe é solicitado, contrastando com outras situações noutras paragens, deverias ser um elemento de reflexão sobre a nossa determinação nacional.

Agora tudo se passa como se os rumores em torno de uma possível reestruturação da dívida grega, fruto de uma situação nacional muito específica, que todos reconhecem diferente da nossa, tenham necessariamente que arrastar Portugal para um tratamento idêntico por parte dos mercados.

As coisas seriam diferentes se a União Europeia, e, dentro desta, os atores a quem cabe definir os meios para reforçar a zona euro, não dessem o sentimento de "navegar à vista". As decisões sucessivas tomadas nos últimos meses na Europa permitira, é certo, dar respostas pintuais aos acontecimentos. Mas, sobretudo, acabaram por fazer o jogo das especulação nos mercados.

Esta política de medidas “ad hoc” acaba, sem a menor dúvida, por tornar muito mais caro agora aquilo que uma decisão firme, consequente e tomada no bom momento, já poderia ter feito resultar há vários meses. 

A cacofonia das últimas semanas, pontuada por “heterónimos” criativos com os quais alguns tentaram tratar a ideia da reestruturação da dívida grega, está a mostrar os seus “frutos”.

No final, uma questão se coloca: se o Banco Central Europeu deixasse de avaliar a qualidade dos títulos emitidos pelos diferentes Estados com base nos pareceres produzidos pelas agências de notação, estas últimas seriam, sem dúvida, seguidas um pouco menos cegamente pelos mercados. Não terá chegado o momento de pôr fim a esta lamentável dependência? 

(Tradução do artigo publicado no diário "Les Échos" em 8.7.11)

Les éfforts du Portugal sont bien mal recompensés...

La langue anglaise, qui est commune aux agences de notation internationales, a consacré l'expression « moving target » (cible mouvante) pour désigner une cible qui ne cesse de s'éloigner ou de se déplacer malgré les efforts toujours plus importants qui sont déployés pour l'atteindre. C'est un peu le sentiment ressenti au Portugal, après la décision annoncée par l'agence Moody's d'abaisser de quatre crans sa note à long terme sur l'état de notre économie. 

Cette semaine encore, le gouvernement portugais avait mis en pratique une série de nouvelles mesures d'austérité budgétaire destinées à renforcer l'objectif de réduction du déficit, ainsi qu'un ensemble de privatisations qui devrait avoir des effets non négligeables sur la réduction de la dette. 

Il est tout de même ironique, après que notre pays eut accepté, en plein accord avec les institutions européennes et le FMI, un paquet de réformes profondes et de réductions drastiques dans la dépense publique, qu'une agence de notation décide, finalement, d'être « plus papiste que le pape ».
 
La publication de cet avis, curieusement apparu la veille d'une vente aux enchères de la dette publique portugaise, aura des effets négatifs immédiats pour l'Etat portugais. Et plus encore, il va alourdir le processus normal d'endettement d'autres entités publiques et privées portugaises. 

Comment ne pas être étonné par la rigueur des agences de notation, lorsqu'on songe à leur passivité d'hier ? Pendant des années, ces mêmes agences ont laissé prospérer sans réagir de nombreux produits financiers risqués, qui sont à l'origine de la crise actuelle. 

Par le passé, comme ce fut le cas dans les années 1970 et 1980, mon pays a déjà montré sa capacité à surmonter les crises macroéconomiques. Et la disposition courageuse que le Portugal est à nouveau en train de mettre en oeuvre est la meilleure preuve qu'il fera tout, une fois de plus, pour sortir de cette mauvaise passe. 

La sérénité responsable avec laquelle le peuple portugais fait face à l'effort qui lui est demandé, qui contraste avec ce qu'on peut observer ailleurs, devrait être un élément de réflexion sur notre détermination nationale. 

Aujourd'hui, tout se passe comme si les rumeurs autour d'une possible restructuration de la dette grecque, résultat d'une situation nationale particulière, que chacun s'accorde à juger très différente de la nôtre, devaient nécessairement entraîner le Portugal vers un traitement identique de la part des marchés. 

Les choses seraient différentes si l'Union européenne et, en son sein, les acteurs censés définir les moyens de renforcer la zone euro, ne donnaient pas le sentiment de « naviguer à vue ». Les décisions successives prises ces derniers mois en Europe ont, certes, permis d'apporter des réponses ponctuelles aux événements. Mais elles ont surtout fait le jeu de la spéculation sur les marchés. 

Cette politique de mesures ad hoc finit, sans aucun doute, par coûter beaucoup plus cher que ce qu'une décision ferme, conséquente et prise au bon moment, aurait pu donner il y a plusieurs mois de cela. 

La cacophonie des dernières semaines, ponctuée par les « hétéronymes » créatifs avec lesquels certains ont essayé de traiter l'idée de la restructuration de la dette grecque, est en train de porter ses fruits. 

Au final, une question se pose : si la Banque centrale européenne cessait d'évaluer la qualité des titres émis par les différents Etats sur la base des avis rendus par les agences de notation, ces dernières seraient sans doute suivies un peu moins aveuglément par les marchés. Le moment n'est-il pas venu de mettre fin à cette dépendance regrettable ?

(artigo publicado no diário económico "Les Echos" em 8.7.11)