27 de novembro de 2003

A Guerra Fria acabou?

A recente mudança de poder na Geórgia relembrou ao mundo a persistência de sérios focos de tensão nas zonas adjacentes à Rússia, provenientes da desintegração da URSS. São restos da Guerra Fria que estão longe de consolidados sob matriz democrática, onde por vezes se acolhem tendências secessionistas de raiz étnico-religiosa.


Esquecendo por instantes a situação na Federação Russa, verificamos que o mapa da instabilidade política começa na zona “cinzenta” entre a UE e a NATO alargadas e a própria Rússia, prolongando-se depois pelo Cáucaso e pela Ásia Central. Sem excepção, são Estados em transição institucional, com diferente solidez política e distinta capacidade económica de sobrevivência.


A comunidade internacional só acorda para esta região quando os conflitos se agudizam, quando a CNN e a BBC trazem imagens da rua e das fardas, quando novos e arrevezados nomes de figuras políticas emergem, numa espécie de irregular alternância política. Não se dá conta de que esse é um mundo escondido de dezenas milhões de pessoas, sofrendo impensáveis privações, precariedade da sua vida quotidiana e, em muitos casos, o peso de regimes que ainda reflectem a síndrome totalitária da antiga URSS.


Ou melhor, essa mesma comunidade internacional lê os sintomas dessa instabilidade nos fluxos migratórios, no tráfico de seres humanos, droga e materiais militares, nas novas rotas da criminalidade internacional. Mas a terapia que utiliza é escassa e desproporcionada, com ajudas pontuais do FMI, Banco Mundial, BERD e UE a perderem-se, muitas vezes, em teias de uma corrupção tida como inevitável, retomada nos ciclos políticos seguintes.


Dependendo da importância estratégica de cada caso, das rotas do petróleo ou dos fluxos do extremismo, esses Estados são hoje objecto de um crescente conflito “soft” entre os poderes mundiais relevantes. A luta contra o terrorismo trouxe cambiantes a este cenário, com a “realpolitik” de conjuntura a prevalecer, num jogo de sombras que teria graça se não fosse trágico. Mas nada mudou no essencial.


Nestas condições, pode perguntar-se: a Guerra Fria acabou mesmo ?

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