No início do mais amplo alargamento da história da Europa comunitária, muitos se perguntam sobre os efeitos que a adesão simultânea de dez novos Estados terá no perfil da União, tal como hoje a conhecemos.
Os alargamentos, desde a comunidade inicial dos “6”, nunca foram neutros para a identidade do projecto. Em 1973, a entrada da Dinamarca e do Reino Unido trouxe os primeiros países com um espírito europeu algo reticente, que, até hoje, sempre limitou os passos integradores (de Schengen ao euro). A entrada da Irlanda nesse ano, seguida da Grécia (1981) e de Portugal e Espanha (1986), abriram à “Europa pobre” um clube de países ricos, obrigando à adopção de políticas de coesão destinadas a tentar equilibrar o tecido sócio-económico de regiões europeias cada vez mais diversas e, ao mesmo tempo, garantir as condições para o florescimento do novo mercado interno. Em 1990, teve lugar um “alargamento” de que ninguém fala: a absorção da antiga RDA pela Alemanha federal, com impactos económico-financeiros sérios, com consequências de monta nos “12”, por virtude da subida das taxas de juro forçada pelo Bundesbank. Finalmente, em 1995, a entrada da Áustria, Finlândia e Suécia, se não conduziu a um desvio do padrão médio de desenvolvimento dominante, provocou, no entanto, o reforço do pilar neutralista (de que só a Irlanda era então exemplo), tornando mais complexo o caminho para uma dimensão europeia de Segurança e Defesa.
A Europa comunitária muda, assim, de qualidade cada vez que se alarga. O que devemos esperar deste novo alargamento? Sublinho três aspectos.
O primeiro para notar que este conjunto de Estados tem, na sua generalidade, um desenvolvimento médio inferior ao da União a “15”, se bem que, numa perspectiva dinâmica, traga interessantes taxas potenciais de produtividade e crescimento, por virtude dos seus níveis educacionais, da flexibilidade laboral e da ânsia em se mostrarem apelativos para o investimento externo. A responder a esta realidade, muito diferenciada no curto prazo, os novos membros não vão, porém, encontrar uma UE à altura de algumas das esperanças criadas. Com efeito, cedo se verificou que, se o objectivo fosse prolongar na Europa a “25” o tecido de políticas da Europa a “15”, a pressão sobre o orçamento seria incompatível com o grau de generosidade que os contribuintes líquidos estão dispostos a assumir. Assim, o caminho para uma Europa dualista é, cada vez mais e por muito tempo, a perspectiva realista, com tudo o que isso significa de frustração de expectativas.
Um segundo aspecto é de natureza mais política e prende-se com a atitude e o posicionamento geo-estratégico dos novos aderentes. Descontada a incógnita da importação da crise cipriota, entre os novos Estados conta-se um país profundamente neutralista (Malta) e um grupo de oito antigas “democracias populares”. Para estes últimos, a adesão à segurança “soft” da União não prevalece sobre a prioridade que dão à sua pertença à NATO, o mesmo é dizer ao interesse em manterem e reforçarem os laços com os EUA, perante quem têm um visível reconhecimento histórico. O impacto sobre os equilíbrios da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) não será despiciendo, quer na leitura do laço transatlântico, quer no saldo de uma não ultrapassada tensão traumática com a Rússia. De igual modo, a aposta na segurança “hard” da NATO dificilmente tornará tais Estados entusiastas no caminho para uma Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), que vêem como potencialmente detrimental para a coesão da Aliança.
Finalmente, um último aspecto liga-se à questão da liberdade de circulação no espaço da União alargada. Paira sobre este alargamento, em alguns países dos “15”, a ideia de que se poderá estar a “importar” insegurança, seja pelo aumento súbito do fluxo legal de mão-de-obra, com impactos nos equilíbrios económico-sociais nacionais, seja pela facilitação da imigração clandestina de terceiros países e, por essa via, de abertura a vagas de criminalidade ou à geração de bolsas de tensão étnica. Num tempo de preocupações securitárias quase obsessivas, por vezes assentes em doutrinas de raiz xenófoba e nacionalista, serão essenciais muita pedagogia e políticas públicas de raiz comunitária ou intergovernamental destinadas a assegurar a tranquilidade dos cidadãos da União e a limitar os seus legítimos receios.
A nova Europa que aí vem comporta mais riscos e muitas mais incógnitas. Esse será o preço a pagar pela aposta nesta reunificação política, num espaço alargado de liberdade, de progresso e de estabilidade. Quem não entender isto não terá nunca a razão estratégica do seu lado.
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