O sintoma mais revelador da saúde da economia brasileira é o facto de mais de ano e meio de profunda crise política não ter deixado sequelas nos seus índices macroeconómicos fundamentais.
O país liquidou os compromissos com o FMI, baixou o “risco-Brasil” para níveis históricos, mantém um mercado de capitais pujante, uma balança comercial altamente excedentária, uma taxa de desemprego que faz a inveja de muitos. Some-se ainda a real autosuficiência energética (maugrado a crise com a Bolívia), que coloca o país ao abrigo de flutuações externas.
Não se iludem, porém, desigualdades extremas em matéria de distribuição de renda (atenuadas por medidas assistenciais, mas com a questão agrária por resolver), a política de juros altos para controlar (com êxito) a inflação, mas com efeito colateral no estrangulamento de algumas áreas produtivas e numa taxa de crescimento apenas razoável, um sector informal gigantesco (que muito agrava as distorções fiscais existentes), a regressão no “agronegócio” (cumulação da valorização do real, flutuações nos mercados externos e conjunturas climáticas adversas) e um gritante défice de investimentos em infraestruturas – caso das estradas e portos, com efeitos graves para algumas actividades produtivas.
É neste cenário de fundo, de saldo reconhecidamente positivo, que se projecta hoje a actividade das muitas empresas com capitais portugueses que actuam no Brasil – mais de 650, responsáveis pela criação de cerca de 100 mil postos de trabalho. O recuo de alguns (nuns casos por desilusão, noutros por meras opções estratégicas de negócio) torna ainda mais saliente o êxito de muitos outros empresários portugueses, que hoje operam no país com grande confiança. Quero com isto dizer que a aposta lançada a partir da segunda metade da década de 90 está, definitivamente, ganha – e só não vê isto quem não quer ou não lhe dá jeito...
Fala-se que o investimento anual português declinou entretanto. O investimento não é comércio, não é suposto os números seguirem ciclos progressivos: dependem das oportunidades de mercado (o tempo de privatizações terminou) e dos capitais disponíveis, ligados estes à pujança das economias que os suportam (e estamos a falar de Portugal, note-se). Esquece-se o reinvestimento de lucros e o recurso ao mercado local de capitais – que iludem a real dimensão dos nossos investimentos, quando medidos apenas pelas injecções externas de capital (algum do qual, aliás, não é registado como português, porque vem através de pontos intermédios com facilidades fiscais).
Investir no Brasil foi a 1ª parte deste “jogo”. Vejamos as perspectivas para o segundo tempo.
O tecido empresarial brasileiro, durante muitos anos sustentado pelo imenso mercado interno e pelas incursões na periferia geográfica, demonstra hoje uma “massa crítica” estratégica à altura das ambições do país e entende que não pode sustentar o seu futuro no quadro internacional apoiado apenas em iniciativas pontuais, tituladas por uma meia dúzia de actores. O Brasil tem hoje a Europa no seu horizonte prioritário, começa a entender que o respectivo mercado (passado que seja o conjuntural proteccionismo agrícola) é, não apenas um terreno para exportações (e – habituem-se ! – o Brasil exporta já hoje mais produtos transformados que matérias primas), mas um promissor espaço para os seus investimentos, em busca do rico “mercado interno” europeu.
Para o Brasil, criar uma empresa dita “europeia” é hoje uma coisa possível na Letónia ou em Chipre. Mas é meridianamente óbvio que fazê-lo em Portugal é bastante mais fácil. A visita do primeiro-ministro português ao Brasil, para além de muitas outras dimensões, reiterou esta ideia e contribuiu para tornar bem claras outras vantagens comparativas específicas que o mercado português pode proporcionar aos operadores económicos brasileiros.
Contrariando as leis do futebol, tal como saímos ambos a ganhar da 1ª parte, contamos continuar ambos vitoriosos neste segundo tempo, que só agora verdadeiramente vai começar.
Publicado no Semanário Económico em 15.8.06
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