30 de outubro de 2010

O Novo Capital

Gostava de dizer que fiquei muito satisfeito por este convite que me foi dirigido pelo Dr. Francisco Jaime Quesado para fazer, hoje e aqui, a apresentação do seu livro “O novo capital”.

Mal eu sabia – mal nós sabíamos – que esta apresentação teria lugar numa das semanas que talvez justifique, ainda mais, a atenção a conceder a este livro.

Eu explico. Francisco Jaime Quesado apresenta-nos um conjunto de textos onde se matura, com apoio de factos, de autores e de pistas documentais, uma reflexão prospetiva para o nosso país. Se eu tivesse de definir este livro numa frase, eu diria que ele é um manifesto para uma nova cultura estratégica para Portugal, assente no conhecimento e na inovação.

A semana que agora termina, na onda de inquietação que só agora começou e que a todos nós provocou, veio revelar que o problema português reside, precisamente, no nosso défice estrutural de competitividade, que limita a nossa capacidade de sucesso no mercado global, fruto de diversas disfunções, de muitos erros, de alguma cegueira. Mas, por detrás de tudo isto – ou melhor, provavelmente a motivar tudo isto – está a debilidade da nossa força relacional interna, está a não otimização dos nossos recursos, estão as chocantes deficiências da nossa qualificação, está o não aproveitamento tempestivo das oportunidades que os nossos atores, públicos e privados tiveram ao seu dispor e que, pelos vistos, não souberam agarrar em pleno. É claro que estou a falar dos quadros comunitários de apoio.

Este livro é um livro provocatório.

Em primeiro lugar pelo próprio título, que revisita ironicamente, com menção expressa, o do maior clássico do marxismo.

Em segundo lugar porque é um livro otimista. E ser otimista, nos dias de hoje, leva a que possamos ser acusados de parecer aquele ministro da Informação de Saddam Hussein, que iludia, com discursos fantásticos, a catástrofe iminente. Eu, que sou otimista, até por deformação profissional, senti-me bem ao ler este livro.

Mas o livro é também muito realista, em especial sobre os nossos defeitos comportamentais – os tais que nos conduziram à situação em que estamos. É que sem a superação desses mesmos defeitos, dificilmente sairemos dessa mesma situação. Quando chegarem às vossas casas, leiam, com abertura de espírito, a página 67 do livro, onde o autor nos desenha como, de facto, somos, em toda a nossa vulnerabilidade comportamental. A tendência natural, ao lermos esse drástico (embora elegante) elencar de defeitos quase identitários, será olhar para o lado, descobrir os outros como titulares dessas distorções que nos marcam como país. Mas – deixemo-nos de ilusões! – somos nós mesmos que estamos nesse retrato, a alto contraste.

Este livro tem em particular atenção aquele que foi um ponto de partida para uma nova abordagem do papel da Sociedade do Conhecimento, do impulso que isso poderia trazer para a competitividade da economia europeia – para o crescimento e para o emprego. Estou a referir-me à Estratégia de Lisboa, lançada em 2000, que pretendia ser a base orientadora de um conjunto de políticas integradas, suscetíveis de darem um novo impulso ao tecido económico-social europeu, que então estava em curso de redefinição como projeto. Estávamos então no tempo da conclusão do mercado interno, da entrada em vigor da moeda única e das primeiras grandes consequências palpáveis da globalização – na sua dupla dimensão de riscos e tensões, pelos contrastes dos modelos produtivos, e pelas grandes oportunidades que abria em termos de novos mercados e desafios de produtividade.

O percurso seguido pela Estratégia de Lisboa mostrou duas coisas:

- que o voluntarismo político europeu não é condição suficiente para o sucesso de projetos que envolvam entidades nacionais que mantenham entre si diversidades muito fortes,

e, em especial,

- há uma contradição, por ora insanável, entre a fixação de um espaço político-económico comum e a preservação de dinâmicas económico-sociais e ideários polarizados por experiências historicamente diferentes.

Isso não significa que a Estratégia de Lisboa – a Agenda de Lisboa - não tenha identificado pontos-chave que continuam a poder permitir o futuro sucesso competitivo, à escala global, das economias europeias. Em especial, a Estratégia serviu para sublinhar, de forma muito evidente, que a aposta nos elementos valorizadores da sociedade do conhecimento e da inovação continua a ser um eixo incontornável para qualquer solução para o nosso futuro.

Só que o mundo mudou e demo-nos conta que, numa década, alteraram-se de forma radical algumas das variáveis com base nas quais havia sido feito o desenho do modelo da Estratégia de Lisboa. O aprofundar de algumas assimetrias, nomeadamente as decorrentes da desigualdade de efeitos do processo de globalização, acabou por redundar num menor empenho, por parte de alguns Estados centrais no processo económico europeu, nos compromissos pelos mesmos assumidos em 2010. Por essa razão, aquando das revisões durante o percurso, as pressões sobre a Estratégia acabaram, de certo modo, por descaracterizá-la e, em especial, por criar dúvidas em relação ao seu caráter orientador.

A Estratégia não tinha um caráter imperativo e muitos acusam-na disso mesmo. Ora ela não foi imperativa porque os Estados não quiseram que ela o fosse e, por isso, recorreu-se ao chamado “método aberto de coordenação”, que comparava as práticas e definia alguns “benchmarkings”.

A recente aprovação chamado projeto Europa 2020 foi a consequência desse novo repensar coletivo em torno da Estratégia de Lisboa. Veremos se esta iniciativa da Comissão europeia tem mais sucesso.

Um outro ponto importante abordado neste livro – e que se prende com aquilo que o Dr. Francisco Jaime Quesado nos vai falar a seguir – tem a ver com as questões do espaço a nível nacional, isto é, da imperatividade da agregação dos atores significativos, que estejam envolvidos no nosso processo de desenvolvimento, ter em conta os novos paradigmas que decorrem da implantação da Sociedade do Conhecimento. O reordenamento espacial desses atores – Estado, empresas, universidades e outros centros de investigação e desenvolvimento – configura uma mudança cultural difícil de assumir, mas que é essencial para o êxito do projeto coletivo.

De todo este livro, como aliás de outros artigos que já tinha lido, publicados pelo autor, decorrem algumas ideias que, podendo parecer radicais, acabam por ser apenas interessantes metas para aquilo que poderíamos designar um novo e ambicioso bom-senso. Esse bom-senso radica, no essencial, na continuidade da aposta na Educação, vista, porém, numa perspetiva menos individualizada e mais num modelo de permanente qualificação, orientada para uma estratégia de desenvolvimento coletivo. A indução de “valor” e de criatividade, num modelo em rede onde o saldo seja bem maior que a soma das partes, é visto como essencial à geração de uma “massa crítica” nacional de novo tipo, um novo “capital estratégico”.

Um dos aspetos que, a meu ver, tornam relativamente original a abordagem promovida neste livro – e que a mim, pessoalmente, me diz muito – é a permanente preocupação com a preservação das dimensões sociais. Muitas análises que tenho lido sobre estas temáticas colocam os modelos sociais como sub-produtos das ondas de modernização tecnológica, dando como adquirido, que haverá necessariamente um efeito positivo de arrastamento que acabará por redundar num saldo social aceitável, esquecendo os perdedores inevitáveis, desprezados ao longo do percurso. Ora o autor, curiosamente, sublinha no seu trabalho, em todos os momentos, a necessidade de enveredar por processos de inclusão e por práticas de integração dos desfavorecidos, dos imigrantes, de todos aqueles que têm défices operativos de participação. Isto é muito interessante e, devo dizê-lo, não é muito vulgar.

Nesta preocupação social há, contudo, um grande realismo. O autor é de opinião que “a dimensão social do paradigma europeu está esgotada”. Eu não seria tão drástico, mas também concordo – e alguns dados recentes vão nesse sentido – com o facto de ser necessário garantir que essa dimensão social assente “na sustentabilidade do mercado económico e não apenas em dinâmicas artificiais de política publica, meramente conjunturais”, na “capacidade dos atores sociais criarem aquilo que recebem, para que o sistema funcione de forma sustentada”.

Como regra, acho esta ideia de meridiana sensatez, embora me interrogue se não compete ao Estado, em especial em sociedades com o nosso nível de desenvolvimento, e sob pena de deixar cair a sociedade em modelos de maltusianismo social, (se não cabe ao Estado) obviar às disfunções que afetam as camadas mais vulneráveis. As pessoas vivem hoje porque, a longo prazo, como dizia Keynes estamos todos mortos.

Temos vindo a ter uns dias marcados pelo discurso em torno da nossas responsabilidades perante as gerações futuras. Mas é importante não esquecer que a nossa principal responsabilidade continua a ser perante as gerações presentes, perante o cidadão que, daí a momentos, vamos encontrar ao virar da esquina. O dever de não comprometer o futuro não nos deve fazer esquecer as responsabilidades de hoje. É no equilíbrio destas duas responsabilidades está o segredo da relação intergeracional.

Outro aspeto interessante que resulta das propostas feitas tem a ver, na linha do que atrás referi como a preocupação do tratamento espacial do conhecimento, com a valorização das cidades médias, voltadas para a qualidade, a criatividade e a sustentabilidade ecológica. Aquilo que o autor designa como “Programa Territorial para a Modernidade” é uma pista interessante a explorar, tanto mais que funciona em contraciclo com os atuais processos de desertificação que marcam o nosso país.

A estes dois eixos – papel de uma sociedade civil inclusiva e um novo paradigma territorial – o autor junta, quase como programa operacional para uma nova estratégia nacional, três outras vertentes: a aposta tecnológica, a aposta na dimensão cultural, em especial explorando as potencialidades do espaço da língua, da cultura mas também do “imaginário” histórico nacional que sobrevive pelo mundo e, finalmente, um compromisso de participação cívica, uma espécie de “cimento” de cidadania, sem o qual as sociedades não se congregam e geram sinergias.

Diversos outros aspetos poderiam ser citados, mas uma nota sobre um livro não substitui a sua leitura. E é essa leitura que recomendo.

Termino felicitando o Dr. Francisco Jaime Quesado por este seu esforço em refletir sobre o país que temos, sobre o que fazer para o mudar, preservando a sua identidade, num registo de modernidade, de maior dinamismo e de progresso. Este livro pode ajudar a dar ânimo a muitos que olham com inquietação para o presente, que abdicaram da esperança e que acabaram por concluir que, no passado, o futuro era bem melhor. 

Apresentação do livro “O Novo Capital”, de Francisco Jaime Quesado
Biblioteca Municipal de Vila Real, 30 de Outubro de 2010

1 comentário:

  1. Embaixador Seixas da Costa: bom saber mais sobre Vila Real que visitei duas vezes. A última em 2001. Bom saber também de O Novo Capital, de seu amigo e xará. Por falar em livro, fui ao lançamento de 1822, do Laurentino Gomes, em Brasíla, e passamos a tarde a falar sobre Portugal, Brasil e o nosso amigo Embaixador. Laurentino e Carmem relembraram encontros consigo com muitos elogios. Quer lhe enviar um 1822 autografado. Interessante é que pesquisa para lançar daqui a dois anos seu novo livro: 1889. Com saudades, deixo meu abraço. Silvestre Gorgulho

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