29 de maio de 2011

Portugal e a diplomacia europeia

Alguns comentadores têm vindo a falar de uma possível redução das nossas embaixadas e consulados, por virtude da introdução de medidas restritivas, de natureza orçamental, para a implementação do MoU da “troika”.

Convém começar por dizer que, embora numa visão impressionista possa parecer o contrário, a diplomacia da União Europeia não substitui as representações diplomáticas dos seus Estados membros. O Serviço Europei de Ação Externa (SEAE) trata dos interesses "comuns" do Estados da UE, as missões de cada país tratam dos seus interesses bilaterais (económicos, culturais, comunidades, relacionamento político Estado-a-Estado, etc).

No caso português, temos uma rede diplomática que foi determinada pela história, pelas nossas vizinhanças, pelas nossas afinidades, pelo tipo específico de interesses que entendemos nos compete defender pelo mundo. É, aliás, essa posição à escala global e os laços que estabelecemos através da nossa rede diplomática que nos permite ter uma voz distinta em Bruxelas, nomeadamente quando se discutem temáticas que diretamente tocam questões em que temos legítimos interesses (Brasil, África, Timor-Leste, etc). Quanto à rede consular, recordo que ela já foi redimensionada, há poucos anos.

O ministro Luis Amado havia anunciado, há meses, uma reflexão suprapartidária, tendente a um possível redesenho da nossa rede diplomático-consular. Perdi o assunto de vista, mas esse é, seguramente, o caminho mais correto, a fim de evitar flutuações de critérios, aquando da mudança de governos. Flutuações essas que costumam ter elevados custos.

Quanto à aplicação do programa assinado com a "troika", embora não veja uma relação direta, naturalmente que uma ponderação sobre o que eventualmente se possa ganhar em economias de escala na racionalização da nossa rede diplomática não pode estar totalmente excluída, como o não estará em qualquer outra estrutura do Estado. Noto, porém, que as eventuais poupanças com um corte de embaixadas seriam sempre muito marginais nos ganhos e, muito provavelmente, bem trágicas nos efeitos sobre a preservação das vantagens da nossa atual presença externa.

É que há dimensões de interesse próprio para cada país que não podem deixar de ser tratadas por cada um, junto de cada um. Como é que uma embaixada da UE num país terceiro defenderia os interesses de uma empresa portuguesa que concorresse com outra empresa europeia no mesmo mercado?

Porém, há um terreno em que temos de evoluir: não nos deveremos fechar, em Portugal, a uma reflexão sobre a estrutura, dimensão e funções das embaixadas que atualmente temos em países da UE. Esse é um tema em que é preciso trabalhar, atento o facto de muito do antigo bilateralismo intraeuropeu estar hoje ultrapassado pela presença comum em Bruxelas. À partida, não faço ideia se fechar algumas embaixadas dentro da UE tem ou não sentido: mas há que ponderar isso ou, pelo menos, caminhar para o seu redimensionamento, tendência que me parece indiscutível. Mas esse é um tema que nada tem a ver com o SEAE. Tem a ver com a informatização, com a qualificação do pessoal, com a redução de valências funcionais tornadas obsoletas, etc.

Uma das vantagens do SEAE pode ser uma maior sinergia entre a diplomacia nacional e comunitária. Temos que ser capazes de utilizar a máquina multilateral para a promoção dos nossos interesses nacionais. E, além disso, temos de conseguir influenciar melhor essa mesma máquina, através da projeção dos nossos interesses específicos, detetados e promovidos pela nossa rede bilateral.

Por esta e por outras razões, acho muito interessante que dois portugueses chefiem missões em duas das sete capitais de países com os quais a União Europeia tem "parcerias estratégicas". Isso revela muito do prestígio que os portugueses conseguiram grangear dentro da máquina da UE. Porém, devo dizer que não vivo obcecado com a necessidade do aumento do número das chefias por portugueses em missões do SEAE. Tanto ou mais do que as chefias, gostaria de ver bons técnicos portugueses, numa estreita articulação com Lisboa que não fira a sua independência funcional, distribuídos por outras missões do SEAE, onde os nossos interesses atuais ou prospetivos são ou podem ser relevantes. Exemplos? Luanda, Nova Deli, Jacarta, Pequim, Rabat, Moscovo, Dili, etc.

Como a nossa recente eleição para o CSNU bem provou, a nossa diplomacia nacional tem um "estofo" que vai muito para além daquilo que se imagina. Somos um país antigo, um dos mais antigos do mundo, temos fronteiras com quase nove séculos, relações históricas testadas e uma marca fixada no imaginário dos cinco continentes. Temos a "cara" de um país que é fiel à sua palavra, que sabe entender os outros, que não tem interesses económicos pressionantes, que não alimenta agendas "imperiais" ou de excessiva "righteousness", que percebe as debilidades alheias e que sabe gerir com sabedoria o fator tempo.

O SEAE é uma construção interessante, destinada a servir e projetar os interesses "comuns" (e não "únicos") que a UE conseguir conciliar no seu interior. Funciona segundo a lógica do Tratado de Lisboa e essa lógica tem muito a ver com a transferência de poder do pilar comunitário para a intergovernamentalidade, a qual naturalmennte favorece os países mais fortes do processo decisório, onde o fator demográfico dilui, de certa forma, o conceito da igualdade dos Estados. Esta é uma inevitabilidade, decorrente da nova UE criada com os alargamentos. Por isso, devemos dar ao SEAE a nossa colaboração, trabalhar nele ativamente, mas não devemos deixar, nem por sombras, que ele se sobreponha minimamente à afirmação dos nossos interesses na ordem externa. É que, por ora, o SEAE vale o que vale... Exemplos? As crises do Haiti, da Costa do Marfim, do Egito, da Líbia ou da Síria. Ou, de uma forma geral, todo o Médio Oriente.

Não hipotequemos a uma incerta diplomacia de potência de futuro, como a Europa ambiciona ser, a defesa dos interesses de um país como o nosso, que sempre se habituou a sobreviver "apesar" dos outros.

(Texto preparado a pedido do "Diário Económico", para apoiar uma reflexão sobre o Serviço Europeu de Ação Externa")

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