19 de junho de 2021

Guterres

Há cinco anos, quando António Guterres tomou posse do cargo de secretário-geral da ONU, senti um imenso orgulho pela circunstância de alguém com que tinha trabalhado de perto, cujas excecionais qualidades havia tido o ensejo de apreciar e admirar, ter ascendido à mais relevante posição no quadro multilateral mundial. 

Fui um entusiasta dessa candidatura, por três básicas razões. 

A primeira é que acho que, salvo alguns momentos menos felizes, o Portugal democrático, nos seus diversos ciclos políticos, tem sabido ser fiel aos grandes princípios e valores que fazem parte do acervo civilizacional coletivo dos mundos de que o país decidiu pertencer, que a diplomacia permitida pela Revolução de Abril ajudou a construir. A chegada de um cidadão português àquele lugar de topo no sistema de regulação internacional, por evidente mérito e não por combinas de lóbis e jogos de poder, representava uma prestigiante consagração para Portugal e para a sua diplomacia.

A segunda razão tinha a ver com o próprio António Guterres. A política é uma atividade dura e, muitas vezes, injusta para os seus atores. Fiz parte, com grande orgulho, dos dois governos chefiados por António Guterres. No termo desses dois ciclos, dei-me conta de que a retribuição, no imaginário nacional, face ao esforço feito por António Guterres para contribuir para uma transformação serena e não confrontacional do país, havia sido escassa. Guterres provou depois, no excecional trabalho feito na área dos refugiados, a consistência de um pensamento solidário e de um elevado sentido de responsabilidade moral. A sua escolha, transparente e indiscutível, para as Nações Unidas, foi um corolário de justiça.

Finalmente, conhecendo um pouco das Nações Unidas, por lá ter trabalhado e por acompanhar com alguma atenção a sua evolução, mas igualmente por ser um “militante” do multilateralismo, achei que uma figura como António Guterres representava, à perfeição, aquilo que a organização necessitava, em especial no tocante à sua adaptação a agendas de modernidade - menos retóricas e mais práticas - que lhe permitissem ganhar legitimidade e espaço de mobilização das opiniões públicas.

A estas três razões positivas, somava-se uma preocupação forte: o risco de que uma evolução negativa dentro do país-chave para os sucessos ou insucessos da ONU, os Estados Unidos, pudesse vir fazer correr à organização estaria melhor protegido com alguém que lhe soubesse preservar os princípios e servisse de escudo ético a qualquer instrumentalização ou desvirtuamento. Isso aconteceu, com Trump. Guterres foi o líder da “resistência”.

Agora, o sentido aclamatório que acolheu a reeleição de Guterres prova o acerto da anterior decisão. Os sinais que chegam de Washington a Nova Iorque são positivos, embora a experiência nos deva tornar prudentes quanto a um excessivo otimismo. Se Biden vier a ser o que parece ser, com Guterres na chefia da ONU, não obstante um tempo turbulento que se aguarda no cenário confrontacional global, o mundo fica muito mais seguro.

3 comentários:

  1. Sr. Embaixador,vejo que está a mudar o look do blog. Não sei se vai continuar sem autorizar os comentários. Se assim for eu dou-lhe razão. Têm havido uns comentários execráveis outros tão tão longos... Eu continuo a ser sua leitora aqui, no Facebook e no twiter sítios por onde eu me passeio. Cumprimentos:)

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  2. Cara Flor. Se lhe disser que foi um lapso o ter modificado o formato do blogue Duas ou Três Coisas acredita? Mas foi. Vou ver se, nos próximos dias, “estabilizo” aquilo…

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  3. Ahhhh! Pelos vistos o meu sexto sentido desta vez falhou. Ele pede desculpa:)

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