7 de janeiro de 2025

Portugal - seis meses na presidência da UE

(Em "E se falássemos da Europa?", organizado por Margarida Marques, ed. Tinta da China, Lisboa, 2025)

A Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia em 2021 chega num momento difícil. O país, com uma história de presidências bem‑sucedidas, como as de 2000 e 2007, é novamente chamado a liderar num período de desafios únicos, marcadospela pandemia global. Esta conversa explora as expectativas e os possíveis legados desta presidência.

Com vasta experiência nas presidências portuguesas da União Europeia, o embaixador Francisco Seixas da Costa destaca a importância do «pacote social» que será debatido no Conselho Extraordinário durante a presidência de 2021: «Tudo dependerá do conteúdo e da substância desse pacote, que é crucial para reforçar a dimensão social da Europa.» O pacote visa dar coerência e força à dimensão social da Europa, algo que necessita urgentemente de atenção, especialmente em tempos de pandemia.

Um dos marcos esperados desta presidência é o balanço dos progressos do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, proclamado há três anos em Gotemburgo. O comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, propôs recentemente a criação de um salário mínimo europeu. Seixas da Costa reconhece a complexidade da tarefa, atendendo às diferentes posições dos Estados‑membros e às próprias restrições orçamentais: «A diversidade e a escassez de meios tornam difícil para os Estados‑membros implementar dimensões sociais significativas.» 

A pandemia foi um momento trágico, mas também trouxe oportunidades. O embaixador observa que a União Europeia quebrou alguns tabus, como a mutualização da dívida, algo impensável até recentemente: «A pandemia permitiu que a União Europeia desse grandes saltos em frente, aproveitando a tragédia para criar novas oportunidades.» 

A presidência portuguesa também se concentra nas relações externas da União Europeia. Nos últimos anos, a UE virou ‑se mais para dentro, mas agora, com a nova administração americana [administração Biden, inciada em janeiro de 2021], há uma oportunidade para fortalecer o diálogo global. Seixas da Costa destaca a importância de revitalizar a parceria estratégica com a Índia, inicialmente estabelecida durante a presidência portuguesa de  2000: «Trazer a Índia para o debate global é crucial, especialmente considerando a crescente importância da região Ásia ‑Pacífico.» 

Outra área de foco é a África. Portugal, com a sua sensibilidade única para as questões africanas, procura manter a África na agenda europeia. As presidências portuguesas anteriores já realizaram cimeiras importantes entre a UE e a África, e a continuidade desse diálogo é vital. Além disso, também são prioritárias as relações com a América Latina, particularmente com o Mercosul. O embaixador lembra a primeira cimeira UE ‑Brasil em 2007, destacando o papel estratégico deste país na América Latina e no cenário mundial.

Evocando as suas experiências, Seixas da Costa partilha histórias das presidências anteriores, como a de 1992, marcada pela conferência sobre a Jugoslávia, onde Portugal atuou como um "honest broker". Menciona também a presidência de 2000, que lançou a Estratégia de Lisboa, um conjunto de propostas inovadoras lideradas por António Guterres. Essa presidência foi igualmente significativa na área da educação, definindo objetivos que orientaram as políticas dos Estados‑membros.

Outro momento marcante foi a presidência de 2000, que lidou com a inclusão de um partido de extrema‑direita no governo austríaco. Portugal, com determinação, isolou politicamente a Áustria, mantendo as suas instituições integradas na UE. Seixas da Costa recorda: «Foi um desafio técnico e institucional, mas o governo português mostrou grande determinação e solidariedade com os outros países da União Europeia.» 

Além destes desafios históricos, a presidência portuguesa de 2021 enfrenta a necessidade urgente de lidar com as consequências económicas da pandemia. A recuperação é uma prioridade absoluta. Seixas da Costa menciona a importância do Plano de Recuperação e Resiliência da União Europeia, que prevê fundos significativos para apoiar os Estados‑membros na recuperação pós‑pandemia. «A gestão eficaz desses recursos será crucial para garantir uma recuperação equilibrada e sustentável em toda a Europa», afirma, destacando igualmente a importância da digitalização e da transição verde como pilares fundamentais para a recuperação económica e para o futuro da União Europeia. A dimensão digital é especialmente relevante. A presidência portuguesa promove a transformação digital da Europa, não apenas em termos de infraestrutura, mas também no desenvolvimento de competências digitais e na promoção de uma economia digital inclusiva: «A pandemia acelerou a digitalização em muitos setores, e agora é o momento de consolidar esses avanços para garantir que todos os cidadãos europeus possam beneficiar das oportunidades digitais.» 

No que diz respeito à transição verde, enfatiza‑se a necessidade de avançar nas metas climáticas da União Europeia. Seixas da Costa sublinha a importância do Pacto Ecológico Europeu, que visa tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono até 2050: «Este é um objetivo ambicioso, mas essencial para o futuro do planeta e para a liderança global da Europa em questões climáticas.»

A presidência portuguesa de 2021 é uma oportunidade para deixar um legado significativo, tanto na dimensão social quanto nas relações externas da União Europeia. «A União Europeia tem uma oportunidade extraordinária de mostrar que pode ser uma fonte de soluções concretas e robustas, aproveitando este momento para reforçar o entusiasmo europeu para o futuro», diz Seixas da Costa.