Quero começar por agradecer o amável convite do Dr. José Alberto Quaresma para hoje aqui estar. É um gosto partilhar esta ocasião com o meu colega e amigo embaixador Luís Castro Mendes. E é também para mim um grande prazer ter o ensejo de falar sobre o nosso comum praticante de profissão, Manuel Teixeira Gomes, uma figura que há muito me interessa e que me habituei a admirar.
Começo por um "disclaimer". Estou aqui como um mero observador, impressionista e nada especialista, do percurso diplomático e político de Teixeira Gomes. Nem mais nem menos.
Há uns anos, quando foi editada a biografia de Teixeira Gomes, escrita pelo Dr. José Alberto Quaresma, fui convidado para falar sobre ela, num mano-a-mano com Hélder Macedo, num evento no Centro Cultural de Belém. Foi um exercício que me levou então a refletir um pouco mais sobre a interessante figura de Teixeira Gomes.
Até essa altura, eu tinha criado, intimamente, algumas referências quase caricaturais sobre Teixeira Gomes. Mas essas imagens não rimavam necessariamente bem entre si. De um lado, estava o autor de ficção de quem eu tinha lido algumas escassas obras e cuja escrita, devo dizer, sempre achei fascinante, original e provocatória, que sabia ter abalado os costumes da época.
Ora esse autor - e eu não tenho a menor pretensão de ser especialista no domínio literário, diga-se desde já - sempre me havia parecido algo inconforme com a persona do diplomata e do político que conhecia melhor.
Para confundir ainda mais as coisas vinha a surgir a figura, bastante misteriosa e atípica, do quase eremita que decidira acabar os seus dias na Argélia, numa derradeira aventura sobre a qual eu tinha lido, muitos anos antes, um livro apenas razoável de Norberto Lopes.
A biografia do Dr. José Alberto Quaresma ajudou-me muito e acrescentou bastante ao pouco que eu sabia sobre Teixeira Gomes: trouxe-me a sua geografia sentimental algarvia, as peculiaridades e complexidades da sua vida familiar, as referências detalhadas às suas múltiplas viagens e afinidades eletivas, a revelação da profundidade da sua diversificada cultura.
Eu tinha consolidado a ideia, reforçada pelos seus retratos - e nós acabamos por ser muito sensíveis a essas influências impressionistas - de estar perante um gentleman frio e distante, uma figura algo atípica no universo dos atores políticos do período convulso da Primeira República. Curiosamente, esse perfil físico parecia-me, como referi, menos conforme com aquilo que ressaltava da sua escrita de ficção. E essa dissonância tinha, para mim, algo de misterioso.
Ao ter tido o ensejo de entrar, mais profundamente, no mundo que criou e marcou Teixeira Gomes, através daquela biografia, passei a perceber muito melhor a personalidade que se projetava suas diversas dimensões.
Burguês rico de Portimão, provido de capitais familiares que lhe davam uma grande independência no seio da sociedade crescentemente tensa dos últimos anos da Monarquia, Teixeira Gomes, pelas raízes e pelos ambientes que foi levado a frequentar, era, com naturalidade, uma figura tributária das "luzes", do ativismo cívico liberal que, pouco a pouco, ia minando o rotativismo político e gerando uma surda alternativa ao status quo.
Em Portugal, o republicanismo foi profundamente ideológico: consubstanciava uma doutrina combativa e salvífica, radicalmente humanista, que desesperava com a influência religiosa obscurantista e afirmava o seu positivismo extremo contra o antigo regime. Foi uma aliança de oportunidade de burgueses esclarecidos com uma classe trabalhadora cada vez mais marcada pelos ventos do radicalismo, nos princípios e na ação política.
O tempo da Primeira República iria, aliás, trazer ao de cima todas as contradições dessa aliança, imanentes ao equívoco de propósitos que faz parte de todas as revoluções. Esse equívoco é quase sempre essencial ao sucesso dos momentos de mudança - como mais tarde o 25 de Abril veio a provar.
Sendo um burguês no sentido mais puro do termo, Teixeira Gomes decantou, curiosamente, na sua personalidade, uma espécie de snobe sofisticado, que teve o ensejo, o bom gosto e a sabedoria de se educar sob os quadros culturais mais avançados para a época.
Imerso no turbilhão dos grupos de jovens muito propensos às novas ideias e doutrinas, trazidas de Paris e do resto da Europa pelo Sud Express, com a bem guarnecida retaguarda económica a permitir-lhe todos os devaneios filosóficos, as viagens confortáveis e as aventuras carnais, Manuel Teixeira Gomes corria o sério risco de se converter num inútil diletante, saltitante entre doutrinas e se cultivava pela espuma dos dias.
Curiosamente, embora falhando a universidade, Teixeira Gomes não falhou o seu encontro muito sério com a cultura. Soube ligar-se a quem o podia contribuir para a sua formação, frequentou os cenáculos das artes, das letras e da política, em Coimbra, Lisboa e no Porto. Criou também, com o tempo, uma apreciável rede de contactos no estrangeiro, onde ancorava as suas regulares andanças.
É aliás curioso interrogarmo-nos como é que, no meio desse turbilhão de vida, ele conseguiu decantar o génio de uma escrita rica, gráfica nos detalhes, humana - muitas vezes cruel - no recorte das figuras, das circunstâncias e das paisagens.
Dir-se-á que o cultivo dos clássicos ajudou muito a isso. Porém, conhecemos exemplos vários em que a imersão nesse mesmo caldeirão de livralhada redundou em escritas pesadas, prenhes de adjetivação redundante, penosamente solene e gongórica. Estava a escrever isto e a lembrar-me de um dos desprezos de estimação de Teixeira Gomes, que foi Júlio Dantas.
Da imersão nesse mundo da cultura, onde começou a ter reconhecimento, se bem que, às vezes, um tanto reticente, Teixeira Gomes criou uma imagem pública que se foi destacando e se fez notar.
Curiosamente, o seu surgimento no mundo republicano fez-se de forma pouco impositiva. Para mim, um dos maiores mistérios é perceber como a sua ascensão nos meios republicanos se fez sem aparentemente ter passado por aquele que parecia ser um patamar de iniciação quase obrigatório - a maçonaria. Quase todos os ambientes em que Teixeira Gomes se movimentava eram marcados por esse "template" filosófico e, ao que tudo indica, ele fez questão de saltar essa etapa de credibilização de grupo, então tão na moda.
De burguês de província, como não me canso de sublinhar, dotado de uma cultura cosmopolita que espelhava nos livros e no convívio, Teixeira Gomes conseguiu desenhar no mundo político em ebulição a imagem de uma espécie de aristocrata da República. E isso dava-lhe uma valiosa independência. Não precisava da alavanca do mundo republicano para viver, não tomava opções políticas com vista a enriquecer. Nisso tinha um perfil idêntico a outros próceres da República, bem abonados de meios, dos quais se distinguia, contudo, pelo manifesto desapego aos lugares partidários e, mais tarde, q cargos de governo.
Chegada a República ao poder, Teixeira Gomes surge cooptado para representante português em Londres, por razões quase caricaturais.
Há um texto de João Chagas em que, ressoando a alguma acrimónia, ficaram detalhadas as motivações dessa escolha, embora não fique muito clara a responsabilidade última pela mesma: Teixeira Gomes era um homem inteligente e capaz, tinha um ar "fino", falava línguas e dispunha de uma cultura sempre útil nos salões.
E aqui trago a esta conversa uma nota sobre a dimensão diplomática do novo regime.
Portugal tinha então muito poucas representações pelo mundo, embora talvez mais do que seria expectável para um país da sua dimensão, o que a História justifica. Havia já, desde o século anterior, uma carreira criada para tal, dividida entre a parte diplomática e consular. Contudo, aos membros dessa carreira diplomática raramente competiam lugares de representação máxima do Estado nos países onde operavam. Esta estava, até então, em especial nas capitais mais importantes, como que reservada para os representantes pessoais do soberano - e vale a pena lembrar que a República portuguesa foi apenas a segunda, depois da França, numa Europa recheada de monarquias, tirando a bizarria do modelo suíço.
Se a monarquia portuguesa tinha quase sempre escolhido aristocratas de linhagens mais ou menos adequadas para representar o Estado, esperando aliás que, muitas vezes, usassem bens próprios para retribuir a honra da sua nomeação, a nova República decidiu também selecionar alguns dos seus melhores para, pelo mundo, serem a cara do novo Portugal. Mostrar uma imagem de excelência era essencial para credibilizar o regime. E, claro, era imperativo afastar os representantes da monarquia, aristocratas que, não sendo simples "civil servants", obviamente não davam garantias de lealdade às novas autoridades.
A República foi rápida a enviar para os escassos postos diplomáticos que o país tinha figuras de topo da sua nomenklatura, gente de elevada qualificação, a que quase sempre aliavam "boas maneiras", que caem sempre bem junto das chancelarias e salões estrangeiros.
José Cutileiro dizia que dar, no exterior, uma imagem melhor do que aquilo que o país realmente é constitui um dos truques na escolha do pessoal diplomático.
Foi assim que, pelo mundo, estiveram António Luiz Gomes, Bernardino Machado, José Relvas, Sidónio Pais, Augusto de Vasconcelos, Eusébio Leão, Guerra Junqueiro, entre outros menos conhecidos nos dias de hoje.
Manuel Teixeira Gomes foi para Londres, onde esteve por dois períodos, intervalados por uma demissão determinada pela ditadura de Sidónio Pais e por uma estada breve em Madrid.
Londres era, por essa época, o posto chave da diplomacia portuguesa. O comportamento do governo inglês, tido como exercendo uma espécie de tutela sobre Portugal, o que era pura verdade, tornava-se fundamental para a credibilização do novo regime. O reconhecimento da República portuguesa por Londres, que tardava, poderia ter um importante efeito dominó pelo mundo.
Teixeira Gomes tinha, perante si, a mais difícil tarefa da diplomacia do novo regime, só comparável, embora em escala inferior, à da nossa representação em Espanha, país onde conspiravam quantos, pela violência, queriam restaurar a monarquia. Londres acolhia o rei deposto e muitos aristocratas órfãos do regime derrubado. O embaixador da monarquia, Soveral, um "performer" de primeira água, movimentava-se junto da corte como uma espécie de "embaixador sombra". Lá, como no poema de Bandeira, ele era "amigo do rei"...
Teixeira Gomes fez então o que deve ter parecido impossível: conseguiu com alguma rapidez o reconhecimento britânico e foi construindo as pontes necessárias para uma colaboração futura entre Londres e Paris. Pode hoje imaginar-se a magnitude dessa tarefa e a sua complexidade.
Convém pensarmos que, sendo então um homem maduro, na casa dos 50 anos, Teixeira Gomes tinha uma experiência negocial internacional que se limitava à venda de figos secos e de produtos congéneres, sendo completamente inexperiente na prática diplomática. Podemos imaginar que nisso pôs todo o seu bom senso e inteligência a funcionar. Mas isso, às vezes, não substitui a experiência.
Mas ser um homem do mundo e com mundo, um cosmopolita, um descomplexado frequentador de salões, deve ter contribuído muito para o inegável êxito da sua missão. É que Teixeira Gomes tinha uma "aisance" social facilitada pelos seus meios de fortuna, pelos seus gostos refinados, pelos seus móveis e objetos de arte, pela frequência de mesas e "parties" em que, ao que se pressente, se sentia totalmente à vontade. E, ao que se pode presumir, teria um perfil, em matéria de relações humanas, perfeitamente adequado à função.
A Inglaterra, verdade seja, vivia num dilema face a Portugal. Por um lado, a natureza do seu regime apontava para a proteção do anterior rei, e para aí se inclinaria o serralho da corte. Isso rimava bem, aliás, com uma opinião pública marcada pelas notícias, que por essa altura corriam na Europa, sobre as prisões em massa que a República teria levado a cabo, bem como acusações sobre trabalho forçado nas colónias.
Mas, por outro lado, o pragmatismo britânico apontava para a necessidade da normalização das relações. A Inglaterra, que parece que não tem amigos e só tem interesses, como alguém disse um dia, não podia ficar refém de uma restauração monárquica que, manifestamente, dificilmente iria ter lugar. E, para a continuação e proteção desses consideráveis interesses, os ingleses dependiam da boa vontade do novo poder de Lisboa. E o governo britânico, quiçá contrariando a propensão inicial da corte, teve um reflexo de "realpolitik".
E, um tanto ironicamente, aquela boa vontade florescia já na liderança republicana de Lisboa. Digo ironicamente, para sublinhar o contraste com a atitude contra a "pérfida Albion" e o "contra os bretões, marchar, marchar", ditada pela cena do Mapa Cor-de-Rosa, poucos anos antes. A República, que se reforçara no país pela sua feroz atitude anti-britânica nessa crise, necessitava agora de se aproximar de Londres, para diluir as resistências contra si que persistiam pelo mundo.
Teixeira Gomes fez esse seu trabalho, e fê-lo de forma muito competente. Pelo meio, teve de gerir a difícil e delicada questão da participação portuguesa na beligerância, no conflito mundial que se instalou.
No início escassamente convencido da bondade da ideia de Portugal se envolver na guerra, o nosso diplomata acabou por ficar confortável com essa opção, colando-se mesmo, a partir daí, a Afonso Costa. E soube trabalhar a filigrana do acordo que, um tanto a contragosto dos britânicos, procurava assegurar ao nosso país um lugar à mesa do compromisso final, para salvar a soberania colonial e pôr travão às ambições que as potências alimentavam sobre um espaço que tínhamos por nosso. Potências essas que incluíam a Inglaterra, bem entendido.
Conseguiu mesmo que Londres viesse a invocar a Aliança Luso-Britânica nesse contexto, o que, à época, era tido como uma espécie de seguro de vida político, que a diplomacia de Lisboa sempre persistiu em fingir manter vivo, mesmo em tempos posteriores em que, para o que realmente contava, esse tratado estava mais do que morto.
Uma nota ainda, esta de curiosidade, para sublinhar o incómodo manifestado por Teixeira Gomes com a banalidade burocrática de muitas das tarefas que era obrigado a executar, quase sempre ligadas a questões de natureza consular. Teixeira Gomes não tinha a menor experiência de administração pública e irritava-se com a lentidão dos processos, a complexidade dos protocolos, além da falta de meios materiais de origem oficial, e, em particular, a escassa qualidade dos recursos humanos. Nem Teixeira Gomes, por essa época, poderia imaginar como essa realidade teve o condão de se prolongar em todos os tempos que sucederam aos seus...
O nosso diplomata em Londres acabaria por ser chamado, no termo da guerra, ao terreno multilateral, onde Portugal negociou os resultados do conflito. Por aquilo que o nosso país não conseguiu, não obstante uma negociação competente, Teixeira Gomes deve também ter entendido aquilo que um diplomata português acaba sempre, e inevitavelmente, por aprender: a dura realidade do nosso real poder relativo, ou da falta dele, no concerto mundial.
Só o reconhecimento da qualidade do trabalho levado a cabo em Inglaterra pode, aliás, justificar esse seu posterior envolvimento numa grande negociação. É que, no termo da guerra, Teixeira Gomes era um dos mais qualificados diplomatas portugueses, senão mesmo o mais qualificado.
Pelo meio, tinha ficado o episódio, aliás para ele bem prestigiante, da sua demissão por Sidónio Pais. Sidónio não tardaria a ser assassinado a poucos metros do hotel no qual antes determinara a detenção do diplomata demitido. Teixeira Gomes abriu uma garrafa de champanhe - e isto não é apenas uma metáfora.
Olhando em perspetiva, tenho-me perguntado sobre as razões de política interna que terão impedido que Teixeira Gomes tivesse alguma vez sido chamado a ocupar o posto de Ministro dos Negócios Estrangeiros, um lugar manifestamente óbvio para o perfil que criara. Alguns terão também desejado, entretanto, que ele fosse chefe do governo, mas parece que esse não seria o seu desejo. Fica a sensação de que a sua apetência para envolvimento na política partidária e governativa terá sido sempre muito escassa.
E, talvez por isso, por essa distância face à turbulência de Lisboa, somada ao episódio com Sidónio, a sua estrela terá subido na constelação republicana.
Teixeira Gomes, com o tempo, ainda em Londres, deixou-se um dia tentar pela Presidência da República, que, ao tempo, se decidia por voto parlamentar. Talvez alguma vaidade e desejo de consagração o tenha empurrado para aceitar a ideia. Verdade seja que ele tinha, entretanto, passado a ser uma figura muito considerada dentro do regime democrático.
Num tempo político em que, por usura, os atores partidários se iam tornando mais polémicos, o seu perfil algo independente, se bem que nunca partidariamente neutral, acabou por se revelar ajustado a um cargo que passava por um certo consenso parlamentar.
Os anos de Teixeira Gomes em Belém não terão sido, longe disso, anos felizes. Mas, lendo algumas coisas que escreveu, fico com a sensação de que Teixeira Gomes foi sempre um hábil cultor de uma existência marcada por uma felicidade apenas moderada. De facto, olhando alguns dos seus comentários escritos sobre a sua existência, em especial a epistolografia, Manuel Teixeira Gomes dá ares de ser um eterno desadaptado face àquilo em que se envolve. Fica a ideia de que nada lhe agradava em definitivo, que tudo ficava aquém da sua expetativa. Face ao estado do país, sentia-se claramente um "vencido da vida" tardio.
Nos dois anos que passou em Belém, marcados por várias crises políticas, com sete tentativas de golpe militar e oito governos, terá percebido que pouco mais poderia fazer, que o regime se encaminhava para um impasse. Para um "pântano", como outros diriam mais tarde. E decide sair de cena, faz este ano precisamente um século.
Cansou-se mas, vale a pena sublinhar, cansou-se porque se "podia" cansar, isto é, porque tinha dinheiro e possibilidade de continuar, durante algum tempo, a passear pelo mundo, coisa que ele fez sempre de forma confortável e elegante. Eu diria mesmo, como nota pessoal, invejável.
No imaginário português comum, a derradeira etapa da vida de Manuel Teixeira Gomes aparece quase sempre simplificada, por desconhecimento. Teixeira Gomes não saiu diretamente de Belém para Bougie, onde veio a morrer. Essa é a versão simplificada. Só se fixou em Bougie seis anos - repito, seis anos - depois de ter saído de Portugal, depois de ter viajado, pelo Magrebe que o fascinava e pela Europa em que se educava.
E por Bougie ficou os seus últimos 10 anos de vida, isto é, entre os 71 e os 81 anos. Noto que ter essa idade, nos anos 30 do século passado, representava um tempo de velhice muito assinalável.
Não me considero competente para especular sobre a circunstância de alguma da obra mais sensual, às vezes erótica, de Teixeira Gomes ter surgido precisamente nesse período. Mas, sendo Teixeira Gomes, precisamente nesse período de velhice, um cultor da memória do seu Algarve e da sua meninice, talvez tenha recorrido a ela para também praticar o regresso virtual ao seu universo onírico mais prazeiroso. Esse será para sempre parte do mistério do homem.
A opção por viver em Bougie é talvez dos aspetos mais interessantes desse dandy culto e deliberadamente solitário, mediterrânico e algarvio pela sua raiz, homem de um mundo pelos interesses e gostos.
Manuel Teixeira Gomes é uma personalidade que se torna mais fascinante à medida que o vamos lendo, que vamos estudando o seu percurso de vida e tentando interpretar o modo como se situou no destino que foi desenhando para si. Para o entender, devemos ter presentes as suas idiossincrasias, que inevitavelmente não podem deixar de comportar - e não quero deixar de o referir - um lado menos simpático da sua vida, que será o comportamento que teve para com a mãe das suas filhas.
Teixeira Gomes foi uma figura que tinha, com alguma razão para tal, um alto conceito de si próprio. Foi um homem livre, crescentemente solitário, que procurou gerir a vida como queria e sabia que podia querer.
Foi um autor de imenso mérito, que talvez tenha ficado a dever a si próprio uma obra que poderá ter pensado que não chegou a construir em pleno, prejudicado que foi pelos anos que dedicou à causa pública.
Foi um estadista, um democrata e um patriota com sentido do interesse nacional, a que o país ficou a dever grandes serviços - e digo isto com a imensa sinceridade de quem o admira.
O meu - e nosso - colega Manuel Teixeira Gomes sabia que não era um santo, pelo que, estou certo, embora apreciasse que o apreciássemos, zombaria se pressentisse que estávamos a fazer a sua hagiografia. Não foi isso que aqui fiz.
(Intervenção na conferência "Teixeira Gomes, Arte e Diplomacia. Sec. XX- XXI, Portimão, 27 de maio de 2025)
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