Muitos concordam que o modelo das actuais Conferências Intergovernamentais (CIG) para a revisão dos Tratados europeus parece dar mostras de estar esgotado. Sujeitos às conjunturas políticas internas, como calendários eleitorais e eventuais debilidades de apoio parlamentar, alguns Governos inclinam-se para agendas ou compromissos minimalistas, receosos em abrir “caixas de Pandora” que ponham em risco os processos de ratificação.
O facto dos novos domínios potencialmente passíveis de integração tocarem, cada vez mais de perto, cordas políticas sensíveis na ordem constitucional interna (defesa e segurança, justiça e assuntos internos, p.e.) faz com que a disponibilidade comum para saltos qualitativos de aprofundamento europeu seja cada vez menor - particularmente se pensarmos que esses saltos terão, em última instância, de congregar a vontade simultânea de todos os Estados.
Ao negociar no plano europeu, cada Governo está democraticamente limitado, não apenas pela sua respectiva situação doméstica, mas igualmente pela cumulação das conjunturas que determinam a atitude dos restantes parceiros. A experiência mostra que o resultado tende, crescentemente, a ser um denominador comum baixo, não vá algum parlamento nacional ou um referendo bloquear, no final, o compromisso colectivo.
As recentes polémicas sobre o modelo europeu, que se apoiam em propostas que, por vezes, não são tão federais quanto se quer fazer crer, são o sintoma de que alguns estão a ser tentados a optar por fórmulas vanguardistas de ruptura. O risco está em que essas fórmulas podem redundar em modelos de separatismo institucional, pondo em causa o percurso comum até agora conseguido.
Por essa razão, temos de ser capazes de superar as limitações do modelo actual de revisão dos Tratados, que assenta num acordo entre quem está episodicamente no poder, e tentar fórmulas mais abrangentes, que de alguma forma associem, a montante da decisão final, as oposições nacionais ou europeias ao processo decisório. O facto de estarmos a lidar com uma reforma que afecta, de forma decisiva, o perfil dos Estados nacionais no contexto europeu talvez justifique uma reflexão sobre se não poderíamos usar de maior imaginação e encetar um percurso novo.
A fórmula negocial que está a ser utilizada para a Convenção da Carta dos Direitos Fundamentais poderia, a meu ver, ser uma via a explorar. Associar os governos, os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu pode constituir uma solução que garanta uma reforma mais profunda, que comece a desenhar um novo caminho para o modelo europeu do futuro, que tem necessariamente que ser diverso das tipologias federalistas tradicionais, quase todas elas vindas já do século XIX.
Se fosse possível assegurar uma mobilização inter-institucional para uma reforma de fundo, com a participação daqueles a quem, em última instância, compete a decisão de aprovação da mesma, talvez as hipóteses do respectivo sucesso aumentassem. Sem que isso colocasse em causa o direito último dos governos, dos parlamentos nacionais e, se necessário, do eleitorado na tomada da decisão final.
Dirão alguns que isto pode aparecer como uma espécie de “salto constituinte”, sem precedentes no historial da União. A título pessoal, a minha resposta é uma pergunta: e porque não ?
(tradução de um artigo publicado no jornal francês "Le Monde", em 1 de julho de 2000)
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