Recentes tomadas de posição de responsáveis políticos europeus trouxeram a questão do alargamento para um registo algo polémico. Com efeito, ao aventarem-se novas hipóteses no eterno tema da data das próximas adesões, bem como preferências quanto aos países que integrarão o primeiro grupo a entrar na União, começa a criar-se a ideia de que nem todos lêem de modo idêntico aquilo a que nos comprometemos perante os Estados candidatos.
A esse ambiente acrescem opiniões de Jacques Delors, que colocam em dúvida que o alargamento, tal como está planeado, se possa fazer sem prejuízo do processo integrador. Para evitar essa deriva, o antigo e respeitado presidente da Comissão Europeia propõe mesmo a criação de uma “vanguarda” que assente nos países fundadores do Tratado de Roma.
Sem pôr em causa a legitimidade destas diversas opiniões, creio, contudo, que é igualmente legítimo que nos interroguemos sobre se é politicamente prudente estar a introduzir, nesta fase do processo de alargamento, elementos de indecisão e de incerteza que não deixarão de ser vistos com alguma perplexidade por parte dos países candidatos. E que, no limite, poderão mesmo suscitar dúvidas sobre o real empenhamento da União no próprio exercício.
A opção de Helsínquia
Nestas condições, parece importante que a Presidência deixe claro que as conclusões do Conselho Europeu de Helsínquia, em Dezembro de 1999, que têm servido de base ao trabalho que desenvolve neste domínio, continuam a ser a única orientação que vincula colectivamente a União.
Rectificando o que, em 1997, havia ficado assente no Luxemburgo, e na linha do que Portugal sempre defendera, Helsínquia decidiu dar a oportunidade a todos os anteriores candidatos para iniciarem o seu processo negocial. Tratou-se de um gesto que teve algo de voluntarista, mas perfeitamente justificado pela necessidade de dar um sinal de natureza política a Estados que estão a fazer, em maior ou menor grau, importantes esforços de reforma e que, em alguns casos, sofreram efeitos internos decorrentes da instabilidade que se agravou na região balcânica em 1999. A consciência de que a situação na Europa havia mudado desde a decisão do Luxemburgo obrigou a este novo gesto, a que a Presidência portuguesa procura agora corresponder de forma eficaz com a dinamização das negociações com os 12 candidatos.
Mas o voluntarismo político deve parar aí. A partir do início das negociações, cada candidato deverá ser avaliado exclusivamente em função dos méritos do respectivo esforço de aproximação aos padrões da União, sem considerações de qualquer outra ordem, mesmo que de raiz geopolítica. Entrar por um caminho diferente significaria incorrer em processos de discriminação, positiva ou negativa, susceptíveis de induzirem uma instabilidade ingerível no exercício negocial, que forçosamente acabaria por se descredibilizar.
Calendários e grupos
Uma questão que deve ser continuar a ser evitada nesta fase é a sugestão de datas, quer para o termo das negociações, quer para o próprio momento do alargamento.
Portugal tem sido de grande clareza neste domínio: sempre recusámos entrar no “campeonato” de simpatia para com os candidatos, avançando prospectivamente qualquer projecto de calendário. É uma atitude que, muito simplesmente, se baseia num sentido de responsabilidade.
Sabendo nós que, só agora, estamos a iniciar - precisamente sob nossa presidência - a discussão de alguns dos capítulos mais delicados da adesão (agricultura, livre circulação, aspectos financeiros, entre outros), afigura-se-nos de mera honestidade não estar a criar expectativas ou desilusões apoiadas em insuficiente fundamentação técnica.
Dos países candidatos temos, aliás, recebido sinais de perfeita compreensão pela coerência desta que é a nossa posição de sempre.
Nomes dos primeiros países que farão parte das próximas vagas de alargamento começam, também agora, a ser referidos em círculos europeus, com propostas diversas no tocante à sua agregação no momento das primeiras adesões. Também aqui há que ser prudente e rigoroso.
É óbvio que não vamos assistir a adesões “a conta-gotas”, com todas as implicações institucionais e outras que tal acarretaria. Os países entrarão naturalmente em grupos (recordamos que Portugal esperou um ano pela Espanha), mas seria incompreensível que Estados menos bem preparados pudessem, apenas por razões de proximidade geográfica ou de preferência geopolítica, ser privilegiados em detrimento de outros que, embora mais avançados no seu processo de aproximação aos critérios da União, não gozassem de tal situação.
O descrédito que tal opção acarretaria para o processo negocial, bem como os sentimentos de desconfiança na boa-fé da União que tal iria suscitar, são elementos que os dirigentes políticos europeus não podem deixar de ter em consideração quando, por vezes, se aventuram na explicitação pública das suas preferências entre os diversos candidatos.
As ideias de Delors
Finalmente uma referência às recentes propostas de Jacques Delors.
Ninguém mais do que o antigo presidente da Comissão deve merecer cuidadosa atenção quando se pronuncia sobre o projecto europeu. A sua obra passada e a lucidez de visão do futuro que sempre teve conferem às suas opiniões um peso diferente, que todos somos obrigados a ponderar.
Ousaria, contudo, dizer que as razões agora invocadas por Jacques Delors - se bem que correctas, numa perspectiva de rigor - aparecem deslocadas face ao tempo político que vivemos. Parece ser tarde para “parar para pensar” no que toca a um processo que vive muito da sua própria dinâmica, que se defronta mesmo com a necessidade de dar um impulso novo à vontade das opiniões públicas dos Estados candidatos, onde a adesão à ideia europeia começa, por vezes, a declinar perigosamente.
Por essa razão, mais do que pensar em reinstituir “vanguardas” históricas, que forçosamente trazem ressaibos de “directórios”, será talvez mais avisado tentar ultrapassar as dificuldades a que o antigo presidente da Comissão Europeia se refere de um modo consonante com os mecanismos já existentes.
As “cooperações reforçadas” aparecem, assim, como a forma mais adequada para garantir a possibilidade de, simultaneamente, superar os bloqueios da unanimidade numa União alargada, ao mesmo tempo que permitem aprofundar políticas em áreas em que nem todos possam ou desejem avançar em conjunto. O importante será assegurar que a transparência e o rigor de procedimentos se manterá sempre como regra neste domínio.
De todo o modo, a mensagem que nos parece essencial enviar aos países candidatos é a de que o nosso compromisso com o projecto de reunificação da Europa que o alargamento constitui se não perdeu. Para além das leituras conjunturais do sentido desejável de progressão do processo, o acolhimento de novos Estados mantém-se como um imperativo estratégico que a todos deve continuar a mobilizar, sem sombras de hesitação.
(Publicado no “Publico”, em 3 de Maio de 2000)
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