Iniciativas recentes ligadas à dimensão económica da política externa portuguesa deram azo, uma vez mais, a que os diplomatas fossem brindados com notas depreciativas na comunicação social. Até aqui, nada de novo: zurzir os diplomatas, tidos como um nicho aristocrático e snobe da administração pública, tem uma audiência garantida à partida, por razões que a psicologia do despeito também ajuda a explicar.
Não tendo dos meus colegas qualquer procuração, nem vocação particular para titular reacções corporativas, entendo ter o dever de lembrar – porque, aparentemente, ninguém o fez de forma clara - que os profissionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros não nasceram hoje para a chamada diplomacia económica. E afirmar publicamente a dignidade de quantos, como eu, se não sentem representados pela caricatura da “diplomacia do croquete”, a menos que aí caibam (porque frequentemente tais croquetes são digeridos nesse âmbito…) as diligências políticas que os embaixadores portugueses continuam a efectuar diariamente pelo mundo, a solicitação dos nossos interesses empresariais.
Convirá, aliás, começar por nos entendermos quando falamos de “diplomacia económica”. Prevalece frequentemente a ideia simplista de a reduzir ao apoio político-diplomático aos agentes empresariais que actuam na área internacional (comércio de bens e serviços e promoção do investimento e turismo), bem como às acções para a captação de investimento directo estrangeiro para Portugal. Ora esta é apenas a definição da diplomacia de negócios.
Ninguém mais dos que os profissionais do MNE tem interesse em ver reforçadas as condições funcionais que permitam melhorar a eficácia do trabalho que o ministério sempre desenvolveu nesse contexto, quando para tal solicitado. É essencial, contudo, que haja uma definição de linhas incontroversas de autoridade institucional interdepartamental, o estabelecimento de uma formação técnica contínua dos seus quadros e a dotação dos serviços com os necessários recursos humanos, técnicos e financeiros, se se pretender que esse trabalho evolua para um diferente patamar de especialização. A partir daí, qualquer gestão por objectivos será sempre mais do que bem-vinda pelos diplomatas.
Mas convirá notar, para quem não saiba ou possa entretanto ter esquecido, que a diplomacia de negócios está muito longe de esgotar o conceito de diplomacia económica. Com escassas excepções no domínio financeiro, o MNE assumiu, desde sempre, a direcção de praticamente todas as negociações internacionais relevantes na área económica, quer no plano bilateral, quer multilateral – neste caso, no âmbito das Nações Unidas, da EFTA, do GATT/OMC, da OCDE ou da CEE/UE. E sempre com uma eficácia técnica que nunca se viu contestada seriamente por ninguém. Por exemplo, quem, senão o MNE, coordenou as negociações económico-financeiras de onde derivaram os três Quadros Comunitários de Apoio que beneficiaram Portugal?
Por outro lado, a ideia de que os profissionais do MNE dão prioridade à “política”, entretendo-se na elaboração de especulações analíticas destinadas a arquivos, ignora que o mundo e a vida internacionais ainda são algo mais do que a economia, se bem que essa evidência pareça hoje escapar a alguns neo-fascinados pelos cifrões. E Timor ? E as questões de segurança e defesa ? E as relações com os PALOP ? E a ajuda pública ao desenvolvimento ? E as negociações institucionais europeias ? E a coordenação do ensino e dos leitorados no estrangeiro ? E a gestão da imensa rede consular ?
Neste tempo em que parece prevalecer uma cultura de diabolização do serviço público, está criado um terreno fácil para se projectar uma sombra de dúvida sobre o empenhamento e a qualificação profissional de diplomatas, técnicos e quadros administrativos do MNE, os quais, na sua grande maioria e em condições de trabalho muitas vezes difíceis, têm dado provas de grande dedicação aos interesses do país. Mais uma razão para assumir o risco de afrontar l’air du temps e tentar preservar essa coisa simples, mas essencial, que é a verdade das coisas. Doa a quem doer.
(Publicado no jornal "Público", 16.1.2003)
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