Pelo que me vai chegando às margens do Danúbio, verifico que a vaga de calor vivida entre Salónica e Lisboa terá alentado algumas leituras bizantinas sobre uma suposta “candidatura” minha ao lugar de Enviado Especial da União Europeia para o Médio Oriente, lugar que o meu amigo Miguel Moratinos deveria deixar no final deste mês.
O “ruído” feito em torno desta questão obriga-me a revelar alguns factos, por entretanto terem emergido algumas versões deste episódio bastante “económicas com a verdade”, para utilizar a expressão eufemística consagrada por Alan Clark.
Vamos então a esses factos.
Na manhã de 18 de Junho, fui perguntado telefonicamente por um responsável ligado à chefia governamental portuguesa se estava interessado em que o meu nome fosse indicado como candidato, a apoiar por Portugal, para substituir Miguel Moratinos.
Informei logo que a minha resposta era negativa, “em definitivo”. O que eu, nesse momento, desconhecia é que o meu nome já havia sido "testado", na véspera, junto dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia. Nessa reunião, havia-se detectado um apoio muito alargado à minha nomeação, tendo o responsável político português aí presente acabado por revelar que eu não fora ainda contactado, razão pela qual não poderia formalizar, em definitivo, a candidatura.
Convém que se saiba do que estamos a falar. O lugar de Enviado Especial é um cargo político-diplomático de natureza pessoal, directamente dependente do Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum, Javier Solana. Os Enviados Especiais são escolhidos em função do seu currículo pessoal e a sua nomeação tem de merecer o apoio unânime dos governos da UE. Não se trata de nenhuma tarefa sujeita à hierarquia diplomática nacional, nem de um cargo que tenha obrigatoriamente de ser ocupado por um diplomata.
As razões que suportavam a decisão que assumi, na manhã do dia 18, eram de diversa natureza: iam desde relevantes motivos pessoais e familiares, que então referi genericamente e que não estou aberto a que sejam discutidos, à leitura profissional que faço do actual papel diplomático da UE no Médio Oriente e das respectivas implicações no perfil de actividade do próximo Enviado Especial. Nessas razões, naturalmente, reflectiu-se também a minha própria avaliação do interesse de tal lugar ser ocupado por um português. E se, neste domínio, a opinião qualificada de outros pode ser de grande relevância, convenhamos que a de um eventual titular de um cargo deste “ranking” não deverá ser totalmente despicienda.
Além disso, ninguém me negará o direito de decidir sobre o meu próprio futuro pessoal, numa área que, como disse, se situa completamente fora da minha carreira profissional. É que, em nenhuma circunstância, dei autorização a quem quer que fosse para utilizar o que o meu nome em "testes" políticos internacionais desta natureza, sem que tivesse havido a correcção de me consultarem previamente. Ora isso é tanto mais estranho quando - vejo-me agora obrigado a revelá-lo -, precisamente na véspera, no dia 17 de Junho, eu havia estado em Lisboa, a pedido do Governo, para conversas sobre o meu possível futuro como diplomata. Tudo isto sem que uma simples palavra me tivesse sido dita sobre a "utilização" do meu nome que, a essa mesma hora, estava a ser feita em certas instância europeias. Convenhamos que, como método, se trata, pelo menos, de um procedimento bizarro.
Noto que idêntico direito de decisão sobre o futuro foi exercido, em 1996, por uma importante figura do principal partido da então Oposição nacional, a qual declinou o convite que eu lhe transmiti pessoalmente, em nome do Governo da época, para ser candidato português a um lugar de ... Enviado Especial da UE ! Sem que daí tenha vindo qualquer drama ao mundo ou acusação de lesão ao interesse pátrio. Nem mesmo a revelação pública de tal convite, que nunca aconteceu!
Mas voltemos ao dia 18 de Junho. Tendo eu afirmado, com toda a firmeza e sem ambiguidades, a minha completa indisponibilidade, deixei também claro que não autorizava que o meu nome fosse “jogado” na maré já conhecida de candidaturas ao lugar, que o “Financial Times” desse mesmo dia reportava com detalhe nominal.
As coisas, porém, não pararam por aí. Comecei a receber telefonemas de pessoas amigas, originários de Bruxelas, de Salónica e de Lisboa, dando por assente a minha “candidatura”, reportando reacções positivas que ela estaria a provocar nos Quinze e tomando como certa a ratificação unânime do meu nome na reunião do Conselho Europeu, que iria ter lugar 24 horas depois.
A todos esses interlocutores respondi, invariavelmente, que tudo não passava de um equívoco pelo qual eu não era responsável e repeti apenas: “nunca fui, não sou e não serei candidato ao lugar”. Mais claro não podia ter sido, como todos esses interlocutores, sem excepção, poderão confirmar. E, desde logo, começou a ficar evidente o grau de "discrição" com que, pelos vistos, o assunto estava a ser tratado.
Ao longo desse dia, e ainda no dia seguinte, recebi algumas insistências para que reponderasse a minha posição. Reafirmei o que sempre dissera, embora me tivesse sido penoso não poder corresponder ao genuíno interesse de interlocutores por quem tenho particular amizade e consideração – e, à frente de todos eles, o presidente Jorge Sampaio e Javier Solana – e não pudesse assegurar a um amigo muito próximo, como é o caso de Georgio Papandreou, ministro dos Negócios Estrangeiros da Grécia, a resolução de um problema em que a presidência grega da União Europeia estava muito empenhada.
Mas nunca hesitei, um segundo que fosse, nunca deixei aberta qualquer porta que pudesse alimentar o menor equívoco.
São estes os factos e não admito a ninguém que eles sejam contestados. Quem o fizer é, pura e simplesmente, um mentiroso.
Tudo o que, entretanto, se passou excede-me, é-me alheio e é, em si mesmo, bastante revelador de um certo estado em que as coisas estão. Com franqueza, entristece-me que um tema que por mim foi abordado com total boa fé possa agora ser tratado num registo de polémica, que não exlui oblíquas insinuações, retomadas, de forma complacente, por alguma comunicação social “embedded”, que parece apostada em colar-se a acusações de que fiz perder a Portugal um cargo internacional de grande prestígio.
Como tenho afirmado, o meu futuro passa exclusivamente pela carreira diplomática portuguesa, da qual faço parte há quase três décadas e onde pretendo e vou permanecer, doa a quem doer. É, aliás, no meu percurso funcional nesse contexto que espero ver objectivado o lisonjeiro reconhecimento profissional que, sem dúvida, terá estado na base do empenhamento colocado na minha candidatura, embora, neste caso, para um lugar para o qual nunca fui candidato.
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