30 de setembro de 2003

Uma CIG de tipo novo

Em 4 de Outubro inicia-se mais uma Conferência Intergovernamental (CIG), destinada a fixar um novo Tratado da União Europeia, eventualmente sob um formato constitucional.


No passado, a CIG comportou sempre dois níveis de negociação: um nível preparatório, com representantes dos governos, e a Conferência propriamente dita, de carácter mais formal, com a presença dos membros relevantes dos executivos (MNE’s e ministros das Finanças, no caso de Maastricht). Um Conselho Europeu final, a nível de chefes de Governo ou de Estado, decidiu os últimos pormenores, sempre em longas e dramáticas maratonas.


Na negociação dos tratados de Amesterdão e de Nice (a única CIG que Portugal dirigiu) coube-me chefiar a delegação portuguesa ao grupo preparatório, onde a fixação dos projectos de articulado foi feita após aprofundados debates técnico-políticos, sendo apreciada posteriormente pelos ministros, antes de subir ao Conselho Europeu.
O trabalho de Amesterdão demorou mais de um ano e o de Nice, embora com uma agenda muito mais curta, deu origem a cerca de 350 horas de debate!


Em 1995, antes da negociação do que viria a ser o Tratado de Amesterdão, a CIG foi antecedida por oito meses de trabalho de um “grupo de reflexão”, que definiu, sem carácter minimamente constrangente, úteis pistas de trabalho para a Conferência.


No caso presente, houve lugar a uma longa Convenção de natureza sui generis, que reuniu, para além de representantes dos governos, dos parlamentos nacionais e europeu e da Comissão Europeia, outros observadores de permeio. Contou também com representantes dos países que aderirão em 2004 e dos restantes candidatos. O presidente da Convenção, Valéry Giscard d’Estaing, teve artes de apresentar, como resultado de um rebuscado "consenso", um projecto completo de novo Tratado constitucional, que reflecte uma leitura muito lata do mandato que foi atribuído à Convenção pelo Conselho Europeu de Laeken.


Julgo ter sido dos primeiro a defender publicamente (“Le Monde”, 1.7.2000) a realização de um exercício deste tipo, utilizando o modelo da Convenção que havia sido criado para preparar a Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Só que este modelo tinha um pressuposto essencial, então sempre respeitado, que na actual Convenção se não verificou: nenhum consenso era extraído se a ele não tivessem aderido explicitamente os representantes dos 15 governos nacionais. E isto, naturalmente, faz toda a diferença.


Não vou aqui falar dos méritos ou deméritos da substância dos resultados da Convenção.
Noutras sedes essa delicada discussão tem melhor cabimento. O que me parece importante destacar é que a CIG que aí vem tem uma característica completamente nova. Ela é precedida pelo aparecimento de um projecto de tratado “chave-na-mão”, resultado de um inédito formato de “consensualização”, que se pretendeu legitimado pela intervenção, a montante da negociação entre os governos, de delegados daqueles que mais tarde terão de julgar o resultado do seu trabalho. Esse é o caso dos parlamentos nacionais e, em moldes não vinculativos mas politicamente relevantes, do Parlamento Europeu. Tudo isto, diga-se, sem que tais deputados tenham ido para a Convenção investidos de qualquer mandato das assembleias de onde eram originários.

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