No dia em que a Coreia do Norte faz um ensaio nuclear, condenado por toda a Comunidade Internacional, uma personalidade originária do país homónimo, mas a sul do Paralelo 38, é indigitado Secretário-Geral (SG) da ONU.
Só o futuro nos poderá dizer se esta coincidência, que precisamente se projecta no último reduto vivo da Guerra Fria, é meramente conjuntural ou se terá algum significado mais concreto. Mas o facto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (entre os quais a China e a Rússia, com interesses estratégicos imediatos na região) se terem associado num voto unânime de confiança a uma personalidade sul-coreana pode querer dizer alguma coisa.
O novo SG da ONU, Ban Ki-Moon, é um homem de uma grande sabedoria e, curiosamente, tem, do conflito que envolve o seu país com o vizinho do norte, uma visão muito realista, pragmática e construtiva. Conheço-o pessoalmente desde há cerca de cinco anos, quando chefiava o gabinete do Presidente da Assembleia Geral da ONU, ao tempo em que eu presidia a uma das seis comissões dessa Assembleia. Ela foi marcada pela ocorrência do 11 de Setembro e pela necessidade, daí decorrente, de se adequarem diverosos aspectos da agenda substantiva da AG. Tivémos, à época, longas reuniões de trabalho, em muitas das quais ele representava o Presidente da AG, várias realizadas pela noite dentro na residência do embaixador português. Desses contactos, que criou entre nós uma corrente de simpatia e respeito, recolhi a imagem de uma figura serena, ponderada e de inexcedível simpatia humana. O sucesso da presidência sul-coreana desse ano fica imenso a dever-se-lhe.
Dois anos mais tarde, quando estive em Seul a convite da OSCE – para representar a organização num debate internacional sobre CSBM’s (medidas geradoras de segurança e confiança), com que se procurava ajudar a pavimentar o diálogo com a Coreia do Norte e apoiar as “coversas a seis” que o estimulavam – Ban Ki-Moon teve a amabilidade de me procurar e convidar para um almoço a dois. Falou-me então, com grande abertura, das posições e ambiçóes do seu país (era então assessor diplomático do respectivo Presidente) no relacionamento com Piongyang e, muito em especial, explicou-me o delicado quadro de condicionantes em que a diplomacia do sul se movia, face aos seus vizinhos, aliados e outros poderes interessados. Apreciei o gesto amigo e, ainda mais, a franqueza pouco usual com que me quis dar conta de pormenores pouco conhecidos dessa complexa problemática, que, ontem como hoje, continua central em toda a acção política do seu país.
O conhecimento pessoal que tenho de Ban Ki-Moon leva-me a ter uma elevada expectativa sobre a qualidade da sua gestão futura da ONU. Em especial, estou seguro que ele prosseguirá muito do que Kofi Annan tentou realizar em matéria de uma agenda de modernidade para a organização. Embora os Secretários-Gerais sejam, por dever de ofício, independentes dos países de onde são originários, a sensibilidade subjacente às respectivas culturas diplomáticas não deixa de marcar a sua acção. Por essa razão, estou convicto que a preservação do multilateralismo, como eixo da ordem internacional, não deixará de estar no centro da sua agenda de trabalho.
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