Ialta – Recordarei para sempre a marginal dessa antiga praia aristocrática do mar Negro, de onde a “nomenklatura” soviética há muito já tinha desertado, nesse ano tão longínquo na história, de 1980. O simbolismo diplomático levou-me a visitar Ialta, atrás da memória da moderna Tordesilhas. Nem a beleza do palácio Livadia, em cujo jardim figurei Stalin, Roosevelt e Churchill, atenuou a tristeza que ressoava das lojas cheias de nada interessante e de gente resignada ao cinzento da vida. Nunca regressei.
Alcântara – Em 2006, esta cidade do silêncio agarrou-me pelo inesperado da monumentalidade das suas casas fantasmas, onde somos obrigados a imaginar uma anterior vida de fausto que não rima em nada com a atualidade. Não deixa de haver uma inescapável ironia na circunstância desta urbe de outros tempos, feita de sombras e ausente de gentes, ser hoje a vizinha mais próxima do avançado centro de atividades espaciais brasileiras. Do outro lado da baía de S. Marcos, fica a sensação que S. Luís do Maranhão, entretida no culto dos seus azulejos, nem parece notar esta sua pérola colonial.
S. Tomé – Foi a minha primeira ida a África, em 1976. A cidade tinha o ritmo, ao mesmo tempo apaziguante e abafante, de uma vilória portuguesa, na qual alguém havia plantado alguns edifícios de soberania, de gosto mais do que discutível. A marginal, que deve ter sido bonita, perdera muita da graça no seu descuido. Era a capital de um país novo, a nascer numa cidade que já estava velha. As pessoas que cruzava nas ruas pareciam estar à espera de alguma coisa indefinida. Regressei algumas vezes, com alguma angústia, a esse país de gente simples e simpática, suspenso no tempo, nosso amigo.
Trieste – Conhecia-a pela filatelia, com o seu particular estatuto internacional, no pós 2ª guerra, que aguçou a minha curiosidade adolescente. Li-a mais tarde como ninho de espiões, de encontro dos mundos da sombra. Em 2004, em alguns dias, pude constatar a ambiguidade de uma urbe italiana pelo nome, austríaca pelo caráter e jugoslava (não eslovena) pela natureza. Percebi então melhor por que Ian Morris escreveu “Trieste or the meaning of nowhere”. Não creio que dois visitantes possam dela trazer a mesma ideia.
Panjim – Em 2007, fui a Goa para tentar perceber o Portugal que por aí passara e o que dele ficara. Saí de lá mais confuso do que quando cheguei. Passar nas Fontaínhas, ou em ruas com nomes que nos são comuns, não obsta a que estejamos num mundo que é bem diferente de nós, porque provavelmente sempre o foi. Como português, senti que o passado que ainda por ali anda em algumas esquinas é já só um pretexto para reforçar a singularidade local. O que, contudo, nos deve deixar orgulhosos, mais de cinco séculos idos.
Serajevo – A capital da Bósnia-Herzegovina nunca deixou de ser o lugar geométrico mais simbólico das tragédias da Europa. Desde que lá fui, pela primeira vez, em 1996, sempre senti o peso insuportável dos seus imensos cemitérios, uma vida quotidiana recolhida sobre si própria, como que temerosa dos olhos espalhados pela orografia envolvente. Nos seus habitantes, há como que uma espera permanente do dia seguinte, a que o visitante atento não consegue escapar. Para a Europa, Serajevo é a anti-Bruxelas.
Singapura – Pode a perfeição ser um defeito? Há qualquer coisa de totalitário numa cidade que exclui, porque os afasta com vigor, a pobreza e o menor desvio do padrão comportamental definido como ideal. Nas ruas floridas e nas lojas opulentas daquela ilha artificial, onde o sucesso é a lei de vida, há um mimetismo idealizado do ocidente, incrustado numa Ásia de que sobrevivem apenas os clichés desejáveis. Bandeira chamaria Pasárgada a Singapura?
* Publicado na revista "Intelligent Life", edição portuguesa, primavera 2011
Interessantíssimo testemunho!
ResponderEliminarVenham mais, please!
Bem se quiser inibir a depressão Singapura,reduzir a euforia as restantes cidades mencionadas...
ResponderEliminarTenho em comum com todas não conhecer nenhuma ...
Claro que gostava, ora essa, mas não O invejo por aí além...
Isabel seixas
Se quiser vou lá desde aqui...