24 de outubro de 2014

Diplomacia Económica*

Começo por agradecer o convite que, através do Professor Valente de Oliveira, me foi dirigido pela Associação Empresarial de Portugal, para estar presente nestas V Jornadas Empresariais, organizadas com a Fundação de Serralves, neste momento do programa que é dedicado à “Organização do Comércio Externo”, para vos falar sobre a Diplomacia Económica.

Tenho um grande prazer em participar neste painel com o engº Vital Morgado, moderado pelo dr. Carlos Abrunhosa de Brito.

Vou tentar evitar um discurso teórico, conceptual, mas não posso nem quero fugir a uma definição prévia, que nos permita recortar melhor aquilo de que falamos. Quando falamos de Diplomacia Económica estamos normalmente a referir-nos ao conjunto de meios que uma política pública, como é a política externa, coloca no terreno, no sentido de apoiar a ação daqueles que contam com o mundo exterior para a criação de riqueza nacional.

Neste tipo de ações podem, designadamente, juntar-se a promoção comercial, a atração do investimento produtivo estrangeiro, a criação das melhores condições possíveis para a operação dos nossos investidores no exterior, a captação dos fluxos turísticos, as negociação de quadros institucionais externos, de natureza bilateral ou multilateral, que facilitem a ação dos operadores económicos portugueses, e, finalmente, a melhoria de acesso a modelos internacionais de financiamento, para utilização por esses mesmos agentes.

Numa perspetiva mais abrangente, temos mesmo de convir que a Diplomacia Económica não é uma responsabilidade exclusiva da política externa, envolvendo as diversas dimensões do Estado que se projetam na área internacional. Com efeito, se nos concentrarmos, por exemplo, nas questões do investimento produtivo de origem externa, logo encontraremos o conjunto tradicional de critérios de avaliação da atratividade, nomeadamente os custos de contexto: a burocracia, o sistema de justiça, a legislação laboral, a segurança pública, as condições de acolhimento para os expatriados (nomeadamente em termos de saúde, educação e alojamento), as facilidades energéticas, a estabilidade fiscal, os apoios de crédito, etc.

Quero com isto dizer que o conceito de Diplomacia Económica é muito vasto e não pode ser reduzido àquilo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros faz, nem mesmo à ação da estrutura de promoção comercial e de captação de investimento que é hoje a AICEP. E, claro, daqui resulta ainda mais óbvio que a Diplomacia Económica não se esgota muito menos na temática do Comércio Externo. Mas esse é o tema central que hoje aqui nos reune.

Portugal encontra-se inserido numa lógica de regras de comércio internacional que são definidas pela União Europeia, negociadas pela Comissão Europeia, com base em mandatos que lhe são conferidas pelos Estados, sentados à mesa do Conselho de Ministros. A política comercial externa é uma competência comunitária e, por essa razão, a Comissão Europeia, nas negociações que efetua em nome da União, tende a representar aquilo que se poderia designar como o interesse maioritário dos seus Estados membros. Quero com isto significar que a política comercial externa de Portugal, no tocante às regras por que se regula, é a política da UE. E que, muitas vezes, esses interesses médios se afastam dos nossos.

Melhor do que ninguém, os empresários portugueses sentiram a dificuldade que foi enfrentar a vaga liberalizadora que as então Comunidades Europeias empreenderam, no movimento de globalização. A UE ganhou então vantagens em terceiros mercados, o que permitiu neles colocar os seus produtos de maior sofisticação tecnológica. Por sua vez, abriu os seus mercados a produtos similares àqueles que a Europa menos desenvolvida produzia. Os consumidores dessa Europa mais rica passaram também a importar a custo mais baixos. Nós, que não tínhamos Nokias ou Mercedes para vender aos países terceiros, perdemos também para eles o mercado protegido que, até então, tínhamos como garantido (nomeadamente em atéria de têxteis e calçado).

Não estou aqui a fazer um juízo crítico sobre a globalização, cuja pressão e desafios também nos fez evoluir. Quero apenas sublinhar que a política comercial europeia não é neutra e nela se repercutem as desigualdades de desenvolvimento dentro da própria Europa. E com isto quero também dizer que, com custos desiguais, em especial no emprego e esforço das empresas, o mundo europeu mudou radicalmente mas a regra de que a nossa política externa, em matéria comercial, é uma competência europeia, essa não mudou e é preciso dela ter consciência permanente.

E este é o primeiro ponto que gostaria de sublinhar: os empresários portugueses necessitam de estar conscientes, como muitos já hoje estão, de que uma ação concertada com o Estado, junto das instituições comunitárias, é um passo essencial para garantir que a especificidade dos seus interesses é tomada em devida conta na definição das regras da política comercial da União.

Vem aí, por exemplo, um tempo muito importante, que é a definição das bases para o novo Acordo de Parceria entre a Europa e os Estados Unidos. Confesso ainda não ter a certeza de que haja condições políticas, de um e do outro lado do Atlântico, para a conclusão, com sucesso, desse megaprojeto. 
Em ambos os lados, há interesses contraditórios que se defrontam. Além disso, no plano estritamente político, começa a levantar-se na Europa uma onda algo demagógica, assente no anti-americanismo primário que, por exemplo, pode vir a suscitar dificuldades na aprovação final do texto no seio do Parlamento Europeu. E, mesmo aqui em Portugal, algum populismo, a que um dos partidos do arco tradicional do poder não parece estar imune, pode vir a ter um terreno fértil contra este acordo.

Quero com isto dizer que, quando falamos de comércio externo, temos de ter uma perspetiva integrada e que os empresários e as suas associações devem ser capazes de forçar as forças políticas à instituição e operacionalização, no quadro do Estado, de modelos de representação dos seus interesses que possam ir para além de iniciativas “ad hoc”, a reboque das questões de oportunidade, como hoje muitas vezes sucede. E quando aqui falo do Estado, refiro-me também às instituições europeias, ao trabalho, com os seus congéneres do continente, junto dos comités da Comissão Europeia, mas igualmente na defesa dos nossos interesses específicos nos lóbis parlamentares, o que implica una articulação com os deputados europeus.

A minha experiência pelos corredores do governo já é de outro tempo, mas foi há menos tempo quer terminei um ciclo de mais de mais de quatro décadas na administração pública. E devo confessar-vos um segredo: não obstante o Estado, na sua ação exterior, ter tido sempre como natural finalidade e preocupação a representação, com o rigor possível, dos interesses económicos nacionais, fê-lo sempre, a meu ver, com uma excessiva liberdade interpretativa desses mesmos interesses, nomeadamente no juízo sobre o equilíbrio entre eles. 

Um caso muito claro, que não vou aprofundar, foi o alargamento da União Europeia. O condicionamento externo era forte, a nossa margem de manobra era bastante estreita, mas devo dizer que senti então a máquina pública demasiado “à solta” nessa negociação. E digo isto com toda a consciência de quem nela teve especiais responsabilidades. De quem é a culpa? Do Estado, claro, mas também da inexistência de mecanismos de controlo e condicionamento da política externa por parte dos agentes económicos organizados. E a legitimidade das ações dos decisores políticos também passa muito por aqui.

Mas quero agora voltar às questões da Diplomacia Económica, na vertente específica do Comércio Externo, passando agora à sua dimensão bilateral.Devo começar por afirmar uma evidência: não há um modelo único de ação diplomática externa para o apoio aos agentes empresariais e para a defesa dos respetivos interesses. A Diplomacia Económica, no que respeita ao Comércio Externo, tem sempre de desenhar diversos perfis de intervenção, de acordo, não apenas com a realidade nacional com que estamos a interagir, mas, igualmente, em função do potencial, que é muito variável, das vantagens que possamos vir a extrair de cada um desses mercados.

Não vou tipificar esses modelos, mas creio que é óbvio para todos quantos aqui estão, que o trabalho em matéria de Diplomacia Económica junto de um país terceiro, por exemplo no seio de uma economia emergente, não tem rigorosamente nada a ver com uma embaixada num país membro da União Europeia.

E vou dar-lhes, precisamente, exemplos do trabalho em que estive envolvido junto de dois países-tipo, com vista a ilustrar, de forma muito clara, o que, no meu entender, se pode esperar da Diplomacia Económica.

O primeiro caso é Brasil. Trata-se de uma grande economia emergente, um país com uma considerável ambição no quadro internacional, com um papel de óbvia liderança dentro da OMC e com uma forte influência no seio do G20 e dos BRICs. No plano interno, é uma economia muito protecionista e cheia de ideosincrasias. Porque há "muitos" Brasis. No campo da sua ação externa, muitas das grandes empresas brasileiras só mais recentemente voltaram o seu olhar para mercados fora do seu "near abroad".

Os problemas que se deparam a uma embaixada de um país que aí opere em diversas áreas económicas, como é o caso de Portugal, são muito complexos. Não existindo ainda um marco regulatório em matéria comercial e de serviços entre a Europa e o Mercosul, tudo se passa no quadro de um bilateralismo intenso, que se processa quer com o governo federal, quer com os governos dos 27 Estados. Frequentemente estamos perante obstáculos de natureza não pautal, desde discussão em torno de normativos protecionistas que discriminam negativamente os operadores estrangeiros até atos de pura discricionariedade, de vária natureza, que é importante tentar ultrapassar, normalmente por via política. 

A especificidade das culturas,  políticas e administrativas, prevalecentes dentro de cada Estado brasileiro impõe, além disso, um trabalho muito particular e específico, que muitas vezes passa por diligências diretamente junto dos governos regionais, outras vezes inclui a necessidade de um forte lóbi através de senadores e deputados influentes nos Estados. 

Recordo-me que passei por tudo isso e tomei nota de ter feito diligências diretas junto de governos de 21 dos 27 Estados do Brasil, acompanhando responsáveis de empresas, utilizando os dez consulados de carreira então existentes, alguns dos muitos consulados honorários, bem como a totalidade das 11 Câmaras de comércio luso-brasileiras existentes, duas das quais foram criadas nesse mesmo período.

O exercício da Diplomacia Económica objetiva-se na promoção e apresentação das nossas empresas, na reivindicação para o cumprimento de obrigações por parte de entidades públicas, na tentativa de influência de decisões que dependem de escolhas políticas, na procura de soluções para impasses, sejam eles coisas tão variadas como novos"slots" para a aviação, proteção de denominações de origem para produtos nacionais, campanhas para evitar a tributação de produtos nacionais, facilitação de acesso a certos financiamentos por parte de empresas com capital português, inesperadas barreiras ambientais, superação provocadas por bloqueios de movimentos indígenas a certos investimentos, etc.

Quis apenas dar uma noção do mundo muito alargado da ação potencial num país da dimensão do Brasil, para melhor ilustrar o que pode ser o desenvolvimento de uma Diplomacia Económica num mercado como aquele. Mas o que referi sobre o Brasil poderá ser adaptado a outros países onde Portugal tenha interesses de dimensão similar ou ainda maior. Imagino que os meus colegas em Angola, nos Estados Unidos, no Japão, na Arábia Saudita e no Golfo, na Índia e na Rússia devem ter agendas, se não tematicamente similares, às vezes bem mais complexas e exigentes.

Faço ainda notar que esse trabalho é impossível de desenvolver sem se dispor de uma triagem de prioridades que só uma estrutura experiente como a AICEP pode fazer. 

Mudemos agora de área: a França, que foi o meu último posto como embaixador. E aqui as coisas foram muito diferentes.
Naturalmente que aí me coube, a partir de certa altura, montar iniciativas de sensibilização, no início do período de emergência financeira, com idas à televisão ou às rádio, escrever artigos em jornais ou organizar conversas de governantes com jornalistas, para tentar “sossegar”, tanto quanto era possível, a opinião pública, relativamente à atitude das nossas autoridades.

Sei que vários colegas meus, nesses tempos bem difíceis para a representação externa do Estado, desenvolveram, em outras capitais europeias, ações com objetivos similares, adaptadas naturalmente à posição e importância desses mesmos Estados.

Hoje, olhando à distância, constato contudo que o mais importante do meu trabalho foi menos tentar captar novos investimentos e, muito mais, trabalhar para garantir que os investimentos franceses que por cá estão se sentiam confortáveis e não saíam do país. Fiz isso, uma vez mais, em estreitíssima articulação com o delegado e a delegacao AICEP e também, curiosamente, com os embaixadores franceses em Lisboa, porque os nossos interesses eram comuns. 

Lembro-me de, com ess finalidade, ter desenvolvido variadas diligências junto do gabinete do primeiro-ministro, junto de diversos Ministérios em Lisboa, junto de CCDR’s, junto de municípios. Pode parecer estranho que um embaixador português tenha de trabalhar assim mas não imaginam a angústia que é percebermos que, se formos pelas vias burocráticas regulares, as coisas demoram um tempo que não temos. Ou melhor, que esses empresários não têm.  

Naturalmente que a questão da nossa promoção comercial também esteve sempre presente. Mas esse é um trabalho que sempre vi a diplomacia portuguesa fazer, ao longo dos tempos, com maior ou menor sucesso, mas sempre com um empenhamento da máquina diplomática que dependeu, muito simplesmente, das instruções políticas de que esta dispunha. E nem sempre essa orientação existiu.

Mas há que ter a consciência - e eu não sei se essa consciência existe - de que são muito poucas, na nossa rede externa, as embaixadas que têm uma estrutura física e meios disponíveis para poderem montar, com dignidade e eficácia, ações de promoção comercial. Quando ouço clamar pela abertura das nossas embaixadas aos eventos promocionais, vem-me de imediato a ideia que muitas dessas estruturas têm apenas, como pessoal diplomático, o próprio embaixador, que, quando vem de férias, é substituído por alguém ido de Lisboa. Há embaixadas que são no 3º esquerdo de uma rua num bairro de segunda classe – e, digo desde já, esse miserabilismo foi agravado nos últimos anos, por algumas decisões que não hesito de qualificar de irresponsáveis. O embaixador dispõe muitas vezes de um pessoal, na residência e chancelaria, que não ultrapassa meia dúzia de pessoas. Que se pode pedir a essas pessoas, no mundo de promoção do negócio, as quais, esmagadoramente, trabalham sem apoio local da AICEP?

Fiz parte dos privilegiados que dispunham de um razoável staff, pelo que era legítimo exigirem-me resultados. Não não me queixo. Aos embaixadores colocados nas grandes embaixadas – e estamos a falar de duas embaixadas na América, duas ou três em África, seis ou sete na Europa e uma ou duas na Ásia – pode e deve pedir-se um trabalho intenso de ajuda à promoção comercial, à captação de turismo, à promoção do investimento, a realização de diligências sobre uma multiplicidade de situações de interesse empresarial. Há ainda uma segunda linha de postos, com meios mais modestos que, contudo, têm ainda uma capacidade de organizar coisas e, naturalmente, intervir de diversas formas. Mas, volto a repetir, a esmagadora maioria dos nossos postos diplomáticos – e já nem falo na rede consular – é de uma imensa pobreza de recursos.

Alguns dos senhores estarão a perguntar-se: mas, então, se nada podem fazer, para que é que existe essa rede tão frágil de representação externa? E aqui, lamento se desiludo alguém, para quero deixar claro que, se a economia é um elemento importante e decisivo para a vida dos países, e para reescrever uma frase já clássica, há mais vida para além da economia…

O prestígio de um país, a sustentação do seu lugar no imaginário global, a sua História, a lembrança constante da sua língua e da sua cultura, é uma tarefa que, embora tendo que absorver alguns recursos, garante um prestígio que está um pouco para além das conjunturas.Somos o quarto país mais antigo do mundo, somos fiéis depositários de uma língua de expressão universal. O facto de sermos, desde há muito, o Estado mais pobre da Europa ocidental, numa crise financeira tremenda, não obstou a que, ainda há dois dias, tivéssemos sido eleitos com uma das maiores votações para o Conselho dos Direitos do Homem da ONU, que há três anos, com “troika” por cá, tivéssemos “esmagado” um país como o Canadá na eleição para o Conselho de Segurança. 
Sem uma presença diplomática mínima, a nossa imagem como país passaria de frágil a nula – e isso é que eu gostava de dizer aos senhores empresários. A Diplomacia Económica apoia-se também nesse todo, que vai de Saramago ao prestígio criado no apoio à luta por um Timor livre, que vai do sublinhar da aventura das Descobertas a mostrar o trabalho de Siza Vieira, do Fado (e por isso foi importante ser Património Mundial da UNESCO) ao Ronaldo, de Manuel de Oliveira à nossa gastronomia. 

E essa imagem também depende muito da coerência de uma política externa global, de sermos um país previsível na nossa ação externa, um país “de palavra” quando promete um voto numa organização internacional ou com o qual, por exemplo, os países africanos sabem que podem contar num qualquer fórum em que os seus interesses estejam em causa. 

Não esqueçamos ainda que Portugal é, dentro da UE, uma espécie de "embaixador" dos países com os quais tem especiais relações, e isso não deixa de ser muito importante para a capacidade de manobra do país junto desses Estados. Isso é importante para a nossa Diplomacia Económica.

E digo isto com a autoridade de alguém que, um dia, ao falar a favor da Diplomacia económica, disse numa entrevista a um jornal, que aliás resultou num título que me não tornou mais popular, que as Necessidades deviam tratar “mais das batatas e menos do Kosovo".

Termino com uma nota de natureza institucional, porque isso se liga ao cerne daquilo que aqui nos importa.

Como é sabido, o atual governo, no início do seu mandato, decidiu colocar a AICEP sob a tutela do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi uma opção que, à época, foi justificada para garantir uma maior coerência da ação global externa. Entre nós, esse é um debate antigo.Devo dizer, a título pessoal, que nunca vi uma grande vantagem em colocar a AICEP (ou os seus antecessores Fundo de Fomento de Exportação, ICEP e API) numa dependência funcional plena do nosso modelo representação político-diplomática. Trata-se, a meu ver, de culturas tradicionalmente diferentes, com lógicas de inserção diversas, quer junto da Administração Pública, quer junto da sociedade civil e, muito em especial, junto do mundo empresarial. Trabalhei muito bem, e por bem mais de três décadas, com esses “heterónimos” de promoção comercial externa. Fi-lo sob a direção de 21 Ministros dos Negócios Estrangeiros (ouviram bem: 21) e nunca senti falta de um “merge” institucional para quer as coisas andassem. Aprendi, ao longo desse tempo, que, desde que haja uma orientação política clara, desde que os embaixadores sejam competentes e abertos, desde que o pessoal que trata do Comércio Externo (e do Turismo, também) saiba com eles articular-se, tudo pode funcionar bem.

Mas, voltando ao modelo instituído em 2011, foi decidido fazer a experiência, tanto mais que se vivia um ambiente favorável ao “downsizing” da máquina pública. E, para lhe dar foros de coerência total, foi determinada a extinção do “braço” económico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que então se chamava Direção Geral dos Assuntos Técnico-Económicos – uma designação bizarrao que, no governo Sócrates, havia sido possível consensualizar para acomodar os egos da Economia e dos Negócios Estrangeiros. E as coisas lá foram funcionando, com a AICEP a ser o novo “braço” do MNE. E, diga-se desde já, com a AICEP então muito bem dirigida, tal como já o havia sido no anterior governo. A AICEP é uma excelente máquina.

Tudo assim funcionou até um dia. Nesse dia, soubemos que houve uma crise política, o ministro mudou e o antigo ministro – que antes, e denodadamente, havia defendido a lógica anterior –, revogou a ideia que ele próprio tivera e levou consigo a AICEP. 
Para a sua tutela, para uma área institucionalmente difusa, que funciona entre os aeroportos e o Palácio das Laranjeiras, num modelo inédito de “diplomacia de vice-primeiro ministro”, que me dizem que, por vezes, tem a sua eficácia prática no mundo dos negócios. Mas que, reconheça-se não é um modelo institucional sustentável. Mas, até aí, tudo bem. Se as coisas funcionam minimamente, embora de forma remendada, só nos podemos congratular. 

Só que o pobre do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que agora tem uma relação funcional algo diversa com a AICEP, perdeu entretanto, e pelo caminho, a sua dimensão económica e vive, ao que se sabe, num casuísmo permanente. É que a temática económica não se esgota hoje, nem naquilo que é tratado nos Assuntos Europeus, nem naquilo a que a AICEP se dedica. Para além de questões variadas de contencioso económico que ocupam o trabalho político-diplomático, desapareceram, por exemplo, estruturas que estavam a constituir uma massa crítica em matéria de negociações internacionais sobre energia ou na área ambiental. Tudo isto é hoje tratado em modelos "ad hoc", com mera reafectação interna dos assuntos por várias estruturas, estas mesmas cada vez com menos recursos, quer humanos, quer financeiros.

Não é minha intenção fazer desta minha intervenção um terreno de polémica ou chicana política. Quero apenas chamar a vossa atenção para o facto de não se poder pedir à diplomacia um trabalho melhor e mais eficaz no terreno da Diplomacia Económica quando, com alguma ligeireza, se debilita cada vez mais o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Se é no exterior que podem ser encontradas as principais respostas para o nosso crescimento, e se é também aí que se situam os interlocutores junto dos quais, cada vez mais, é necessário fazer valer os nossos interesses, confesso que não entendo a lógica de desbaratar uma estrutura dedicada, com grande sentido de serviço público e que é, de longe, o Ministério com menor gasto, abaixo de 1% do Orçamento Geral do Estado.

 Muito obrigado pela vossa atenção.

* Intervenção sobre "Diplomacia Económica", no painel "Organização do Comércio Externo", nas V Jornadas Empresariais, organizadas pela Fundação AEP e pela Fundação de Serralves, no Porto, em 23 de outubro de 2014

3 comentários:

  1. Parabéns pela excelente intervenção sobre Diplomacia Económica. Francisco Tavares

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  2. Apenas isto: irrita-me dizer-se constantemente "o pequeno Portugal". A Bélgica, a Dinamarca, a Holanda, sem falar em tantos outros países europeus, não o dizem NUNCA e são menores.
    OutrA constante mencionada que me irrita: perdemos desastradamente o IMPERIO. Ora bem: todos os países europeus os perderam e não ficam a chorar.

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