Intervenção na abertura da 3ª Conferência de Lisboa
Senhor Presidente da República
Senhor Doutor Guilherme de Oliveira Martins, em representação da Senhora Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
Senhores embaixadores
Caros oradores e convidados para esta Conferência,
Caros amigos
Começo, naturalmente, por agradecer, em nome do Clube de Lisboa, que organiza este encontro que tenho o gosto de dirigir, a amabilidade que o Senhor Presidente teve ao conseguir encontrar tempo, na sua carregada agenda, para nos honrar com a sua presença, nesta sessão inaugural da 3ª Conferência de Lisboa.
Conhecendo-o, Senhor Presidente, sei que a sua adesão a um evento desta natureza, em cuja substância se situam temáticas que lhe não são indiferentes, é sincera e empenhada. Mas, nem por isso, deixo de reiterar o meu profundo agradecimento pelo prestígio que a sua presença hoje nos traz.
Uma vez mais, queremos agradecer à Fundação Calouste Gulbenkian, na pessoa do meu querido amigo Guilherme de Oliveira Martins, a generosidade do seu acolhimento. A Gulbenkian nunca nos falha, aliás, a Gulbenkian nunca falhou a este país.
Uma palavra de reconhecimento é devida às diversas instituições que se prontificaram a ajudar à organização deste encontro, contribundo da mais variada forma. O seu nome está assinalado nos documentos que hoje distribuímos.
Mas não posso deixar de destacar, dentre essas mesmas entidades, duas que, de um modo muito particular, sempre deram um contributo decisivo para que estas Conferências fossem possíveis: o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Câmara Municipal de Lisboa, cujos titulares estarão presentes amanhã no encerramento dos nossos trabalhos.
Finalmente, “last but not least”, quero deixar uma palavra de grande apreço pelo esforço de todos os oradores, alguns vindos de bem longe, e que, sem a menor retribuição financeira, e apenas pelo gosto de participarem neste exercício, aqui estarão a partilhar o seu saber connosco. A eles, muito em especial, muito obrigado.
Não sei como os intérpretes vão conseguir traduzir isto, mas eu gostava de dizer que as Conferências de Lisboa são uma espécie de “sopa da pedra”, feita de generosidades, de boas vontades e, quero também crer, do interesse genuíno em ir mais longe no debate de ideias sobre as grandes questões globais, em que todos estamos empenhados. Fazemos estas reuniões a cada dois anos, variamos a temática central, mas não temos alterado um conceito de fundo que aqui nos motiva: o desenvolvimento.
Porquê o desenvolvimento?, num tempo em que, por vezes, deixamos de ouvir a palavra com a intensidade que ela teve em períodos não muito distantes, durante os quais motivou iniciativas de grande vulto, à escala mundial, encheu bibliografias e alimentou doutrinas. Precisamente por isso. Precisamente porque continuar a lutar pelo desenvolvimento daqueles que, à escala global, não o partilham com os mais afortunados, tentar manter o conceito bem alto na agenda internacional de prioridades, é talvez o melhor testemunho de um espírito de solidariedade que desejamos que Portugal, e esta cidade saudavelmente aberta que é Lisboa, devem saber alimentar e aprofundar.
O Clube de Lisboa, que, de forma totalmente benévola, promove estas Conferências, tem precisamente como objetivo contribuir para ajudar a transformar a capital portuguesa numa nova centralidade de reflexão sobre os grandes temas que atravessam a sociedade global.
Chamámos a esta 3ª Conferência, “Desenvolvimento em tempos de incerteza”. Por definição, os tempos são sempre incertos, mas já houve tempos em que a incerteza era menor. Hoje vivemos dias em que as interrogações sobre o futuro, mesmo o futuro próximo, se acumulam.
Desde logo, em termos do poder mundial, tema que vai ocupar o nosso primeiro painel. A atitude dos principais atores globais tem hoje “nuances” que induzem fortes tensões no cenário internacional, pondo em causa equilíbrios que tínhamos por adquiridos e, muito em particular, colocando em risco os mecanismos multilaterais, corpo institucional que regulava o que pensávamos serem os caminhos irreversíveis do futuro.
Essa instabilidade nas relações de poder conduz ao surgimento de novas ameaças à segurança, assunto que o segundo painel do dia vai abordar.
A segurança, nas suas várias declinações, é uma questão essencial para a estabilidade psicológica das sociedades. É a falta de segurança, melhor dizendo, a perceção de insegurança que induz facilmente tropismos populistas e a captura das vontades para agendas radicais.
Uma dessas inseguranças, bastante visível nas suas consequências políticas na maior potência do ocidente, assenta nos “descontentes” da globalização, para utilizar a velha expressão que Stiglitz já usava em 2001. É precisamente uma reflexão sobre a globalização e sobre as dúvidas que alguns colocam sobre a sua irreversibilidade, que ocupará o nosso último painel no dia de hoje.
Amanhã começaremos o dia falando da nossa casa comum, do planeta, das lutas da sustentabilidade, do clima e das transições energéticas que aí estão.
E tentaremos, no saldo das incertezas que acumulámos, perceber como estão nas nossas sociedades, nestes tempos estouvados, para utilizar uma expressão que sei ser cara ao senhor presidente, as pessoas, nas suas angústias e temores, nas suas dúvidas e na sua crescente propensão para soluções limite, que põem em risco a democracia e os direitos. Nesse contexto, o destino das classes médias é uma pista para reflexão que está ficada no debate.
Terminaremos amanhã os nossos trabalhos falando da Europa, desse continente que, em termos de expressão organizada e eficaz de poder, recebe sistematicamente o Óscar para o melhor ator secundário. Onde estamos, na Europa?
Ainda navegamos no mesmo barco ou só fingimos que pertencemos ao mesmo clube? O que é feito dessa Europa ética que pretendia ser um “benchmark” para o mundo? Que é feito, por exemplo, da Europa farol das políticas de desenvolvimento?
E aqui regresso onde comecei. “Desenvolvimento em tempos de incerteza” é, hoje e amanhã, o desafio que o Clube de Lisboa aqui vos lança. Espero que aproveitem o debate e que estejam atentos, no futuro, às diversas atividades que vamos promover. Teremos o maior gosto em vê-los por lá.
Muito obrigado pela vossa presença. Tenham uma boa Conferência.
Muito aprendo com os seus textos, Senhor Embaixador.
ResponderEliminarEste é muito abrangente, porque porta sobre os temas mais prementes do mundo de hoje.
Quando acabei de ler este texto, não pude deixar de esboçar um sorriso, não porque seja risível o que escreveu, mas sim porque bateu na tecla justa.
Mas, e para começar pela “Segurança”, como interpretar que, no momento em que abria esta Conferência de Lisboa, o actor mais importante, os EUA, fazia entrar no Mediterrâneo uma frota gigantesca, com o porta-aviões Harry S. Truman, partido da maior base naval do mundo em Norfolk, na Virgínia, os cruzadores lança-mísseis Normandy, e os couraçados ArleyghBurke, Bulkeley, Forrest Sherman e Farragut, mais o Jason Dunham e o The Sullivans.
Integrada no grupo de ataque do Truman, a fragata alemã Hessen. E todo este arsenal com 8 000 militares a bordo e uma enorme capacidade de fogo.
O Truman – super porta-aviões de mais de 300 metros, dotado de dois reactores nucleares, pode lançar 90 caças em vagas sucessivas e helicópteros de combate.
Este grupo de ataque, integra outros quatro couraçados e vários submarinos, que se encontram já no Mediterrâneo, e tudo isto com 1 000 mísseis de cruzeiro a bordo…
Vemos bem que, quando a Europa fala de “Segurança” , as forças navais US , cujo quartel general se encontra em Nápoles Capodichino, assim potencializadas , cobrem a Europa e a África. A Europa não tem mais nada a dizer neste campo. A potência estrangeira à Europa dita a lei.
E quando se sabe que o mesmo tipo de esquadra, navega em todos os mares do mundo, incluindo o Mar da China e do Japão, a missa está dita.
Afim de aumentar as suas forças na Europa, os EUA gastaram mais de 16 mil milhões de dólares em cinco anos, e incitam agora os europeus a sacrificarem o seu desenvolvimento para aumentar as despesas militares de 46 mil milhões de dólares em três anos, na realidade para reforçar o dispositivo da NATO contra a Rússia.
E é bem por isso que os MNE’s da NATO reafirmaram em 27 de Abril o seu consenso, preparando uma extensão ulterior da NATO no Leste contra a Rússia, com a entrada da Bósnia-Herzegovina, Macedónia, Geórgia e Ucrânia.
Porque o objectivo é este e nada mais : -fazer da Europa a primeira linha duma nova guerra-fria, afim de reforçar a influência estado-unidense sobre os aliados europeus e fazer obstáculo à cooperação eurasiática
Esta estratégia requer uma preparação adequada da opinião pública. E quando se constata a desinformação que grassa nos media franceses com respeito à Rússia e as suas intenções, as invenções de toda a espécie, incluindo os espiões envenenados, mas que recuperaram rapidamente e dos quais não se ouve mais falar deles, os bombardeamentos “bidão” na Síria de depósitos de armas químicas, sem se preocupar dos estragos colaterais eventuais na população, que se pretendia proteger, e que finalmente estavam vazios, fazendo zero vitimas! , mas foi bom para a propaganda, vê-se bem que , com os seus lacaios na Europa, os EUA estrebucham para impressionar o adversário.
E a “Segurança”, como muito bem disse, nunca foi tão precária como hoje.
Se o tema da « Segurança » é importante, que dizer do tema da miséria na Europa ?
ResponderEliminarEnquanto o número de milionários aumentou substancialmente na Europa e no Mundo, e a produção global de riqueza também, porque é que a situação dos mais desfavorecidos é cada vez mais precária?
A “Globalização” não trouxe os benefícios esperados? Mas é normal, porque quando se põe em concorrência os trabalhadores europeus com os asiáticos, sabemos de que lado a balança vai cair…
A União Europeia anunciou que 17% da sua população -ou 85 milhões de pessoas, estão sujeitas à pobreza, um ponto percentual a mais do que no ano anterior ou 5 milhões de novos pobres.
A situação é mais grave ainda no que se convencionou chamar de Europa do Leste, integrada à UE há menos tempo. Na Letónia, onde está o maior índice, a pobreza atinge 26% da população; na Roménia, chega a 23%. Por isso vemos tantos na mendicidade nas ruas de França.
Crianças são especialmente vulneráveis -um terço dos pequenos romenos são pobres, e no bloco como um todo o índice é de um quinto. O mesmo se dá com os maiores de 65 anos, entre os quais a pobreza atinge 51% na Letónia, por exemplo.
Para a UE, é “pobre” a família com ganhos inferiores a 60% da renda média no respectivo país, levado em conta o custo de vida. Isso significa 13.600 euros ao ano se for norueguês, mas 1.900 se for romeno.
O critério é mais amplo do que o da ONU (para a qual pobre é quem vive com menos de US$ 2 ao dia), mas não deixa de revelar limitações. Em Portugal, por exemplo, 35% da população não tem como pagar aquecimento adequado.
As chamadas "políticas de austeridade" que já há alguns anos vêm sendo postas em prática no continente, sobretudo nos elos mais fracos da União Europeia -autênticas semi colónias incrustadas no seio da zona euro -, geraram e geram um turbilhão de miséria naquela parte do mundo, onde os trabalhadores tentam sobreviver e sustentar as suas famílias sob condições que a cada dia se assemelham mais à realidade das classes populares dos países historicamente oprimidos no âmbito da divisão internacional do trabalho, ou seja, sob uma precariedade generalizada das condições de vida e a destruição de direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores. Mesmo em França, sob a batuta dum presidente ultra liberal, o ataque ao Estado Social é mais intenso que nunca, com o risco de levar o país à instabilidade social algo delicada.
A exploração do homem pelo homem, velho “slogan” marxista, volta a ser de actualidade, como atesta a pobreza que alastra pela Europa de maneira "preocupante", ao passo que aumenta a concentração das riquezas nas mãos de alguns poucos industriais e banqueiros, evidenciando o cenário dos países do terço mundo.
Senhor Embaixador : Do tema que propôs sobre o “PODER Mundial”, retirei duas frases que achei muito interessantes.
ResponderEliminarQuando escreve que “ a atitude dos principais actores globais tem hoje “nuances” que induzem fortes tensões no cenário internacional, pondo em causa equilíbrios que tínhamos por adquiridos”, não acha que foi sempre assim até à queda da URSS?
E como podíamos pensar, “que os mecanismos multilaterais, corpo institucional regulavam os caminhos irreversíveis do futuro”?
Creio que quando o Direito Internacional é desprezado pelos principais actores do planeta, o equilíbrio só pode ser precário.
Alguns exemplos Assim, o Ocidente que no início da crise ucraniana, evocou o "direito internacional". No entanto, o Ocidente foi o primeiro a desprezar, em todas as circunstâncias, o direito internacional, quando este não está mais em consonância com a sua política e estratégia ou quando os seus interesses estão em jogo.
Angela Merkel, Chanceler alemã, julgou, assim, que a integração da Crimeia na Rússia era "contra o direito internacional". A Alemanha, de Frau Merkel, foi o país que colocou todo o seu peso na balança para obter o inaceitável, a separação do Kosovo da Sérvia. O Kosovo, uma invenção do Ocidente, constitui, além de uma interferência grosseira de partidos estrangeiros num problema interno num Estado soberano, o tipo de precedente que ultrajou o direito internacional a que hoje o oeste se refere, porque isso lhe convém.
Quando Joe Biden, considerou o caso da Criméia um "confisco de território", nunca ouvimos nos últimos anos, os americanos protestar contra os roubos dos territórios palestinos (Cisjordânia e Jerusalém Oriental ocupada) por Israel .
O dossier palestiniano foi aberto a nível das Nações Unidas desde o final da segunda guerra mundial e permanece aberto apenas devido à obstrução dos Estados Unidos.
Claro que o direito internacional “ a bon dos”, como se diz, quando alegado inapropriadamente por um Ocidente que considera desde sempre, o conflito e a crise no mundo uma simples questão de relação de forças.
Na realidade, o Ocidente, não lhe interessa o equilíbrio, e a melhor prova é que foi no desequilíbrio criado pela “Guerra das Estrelas” que Reagan atraiu a URSS para a bancarrota.