5 de abril de 1998

O desafio do alargamento


Quando hoje tentamos projectar a agenda europeia dos próximos anos, cometemos por vezes o erro de seccionar a realidade e ver os futuros alargamentos da União apenas como um dos temas, embora dentre os principais, que avultam nessa mesma agenda. Essa visão não tem em conta que é precisamente o processo de admissão dos novos candidatos que está por detrás de todo o conjunto de passos que a Europa a Quinze se propõe dar e que é esse mesmo alargamento que está a sobredeterminar todo o debate europeu.

A reflexão em torno do modo como a Europa se deve organizar para o futuro tem conduzido a um interessante confronto de perspectivas que, a nosso ver, prefigura mesmo uma alteração da filosofia integradora que marcou os últimos tempos. Essa mudança qualitativa, que tem riscos e oportunidades conjugados, assenta sempre na necessidade de ponderação do choque que a entrada, embora faseada, de um conjunto de novos países vai trazer para a União.

Numa perspectiva histórica, nada disto é novo. Sem excepção, todos os anteriores alargamentos da Europa comunitária introduziram pressões diferenciadas no respectivo tecido político e económico e, a prazo mais ou menos curto, acabaram por redefinir o padrão de interesses que se projecta no modelo institucional. Só que o processo que temos perante nós tem uma dimensão e comporta um conjunto de exigências muito diverso de qualquer exercício similar no passado.

Para melhor situar o actual processo de alargamento da União Europeia, será importante, antes de mais, recuar um pouco no tempo, até à negociação do Tratado de Maastricht.

Perante a simbólica queda do muro de Berlim e o desmembramento dos mecanismos de articulação do então bloco de Leste, a Europa comunitária cedo se apercebeu da necessidade de prestar uma urgente contribuição para a solidificação das democracias emergentes nesses países. Tratava-se de aproveitar o momento para a fixação de uma nova geografia estratégica da Europa que, assente num processo de desenvolvimento económico e no estabelecimento de modelos políticos de natureza democrática, pudesse vir a criar um novo tempo de paz e de estabilidade, isento das tensões da Guerra Fria, com uma ancoragem sólida à filosofia de sociedade que prevalece neste lado do continente.

Este sentimento, ainda que de alguma forma estivesse já reflectido no ambiente que precedeu a assinatura do Tratado da União Europeia, em Fevereiro de 1992, não foi, porém, suficiente para influir decisivamente sobre aquilo em que então se acordou. Com efeito, convém lembrar que Maastricht representou, para o projecto comunitário, um elemento de maturação integradora extremamente significativo em si mesmo e foi nisso que se concentraram as atenções. O ponto de partida era uma Comunidade Económica Europeia (CEE), complementada com o Acto Único Europeu, de facetas maioritariamente económico-sociais e marcada ainda por uma grande preponderância da intergovernamentalidade; chegou-se a uma União Europeia incomparavelmente mais aprofundada, em que se cumularam novas áreas de integração, em que se deram passos muito importantes em sectores como a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Justiça e Assuntos Internos (JAI). De certa forma, começou mesmo a delinear-se como que uma União Política, assente num projecto União Económica e Monetária (UEM) que Maastricht calendarizou e faseou.

O novo Tratado acabou por reflectir a prioridade por essa nova Europa mais integrada, mais ao encontro do cidadãos e das suas principais preocupações, embora tivesse já aberto caminho para algumas exigências do alargamento que se adivinhava. A circunstância do próprio Tratado prever a realização de uma nova Conferência Intergovernamental (CIG), a iniciar-se em 1996, tinha a ver, não apenas com o facto de a União dever, a prazo, garantir melhorias em termos de eficácia, de democraticidade e de transparência, mas igualmente com a necessidade de repensar as próprias estruturas institucionais e o seu corpo de políticas, tendo em vista um alargamento futuro, que todos sabiam iria ter uma dimensão inédita, qualitativa e quantitativamente.

É no seguimento do encerramento dos trabalhos da CIG que, em Julho de 1997, a Comissão, no cumprimento do mandato que lhe fora atribuído pelo Conselho Europeu de Madrid, em Dezembro de 1995, apresentou os pareceres sobre os pedidos de adesão e uma comunicação denominada Agenda 2000, englobando, num quadro único, as grandes perspectivas de desenvolvimento da União e das suas políticas para o início do próximo milénio, numa análise das questões horizontais ligadas ao alargamento e ao futuro quadro financeiro da União, a vigorar após 1999.

No que diz respeito ao alargamento, a abordagem da Comissão assentou no pressuposto de que o cumprimento dos critérios políticos por parte dos países candidatos, que haviam sido definidos em Copenhaga em 1993, constituía condição essencial, mas não suficiente, para a recomendação de início imediato de negociações. No seu texto, a Comissão optou, no domínio económico, por privilegiar uma análise prospectiva que lhe permitia valorizar as opções seguidas pelos candidatos em matéria da sua reconversão interna, mesmo que estas não houvessem produzido integralmente os seus efeitos.

Da aplicação desta metodologia, a Comissão concluiu que apenas um país -  a Eslováquia - não preenchia os requisitos de natureza política, não sendo, por isso, elegível para início imediato de negociações. Igualmente considerou que, embora nenhum dos restantes candidatos cumprisse todos os critérios de natureza económica, cinco dentre eles - Hungria, Polónia, República Checa, Estónia e Eslovénia - estavam em condições de os observar, a médio prazo.

Em consonância com esta avaliação, a Comissão Europeia assumiu um modelo de distinção sem discriminação para o processo de alargamento. Nessa estratégia, a decisão politicamente mais controversa - o estabelecimento de uma clara diferenciação entre os candidatos - era matizada por uma garantia de reavaliação anual dos progressos realizados no cumprimento dos critérios político-económicos por todos os candidatos, o que lhe permitiria recomendar a abertura de negociações com os candidatos excluídos da primeira fase, desde que viesse a considerar estarem reunidas, em qualquer momento futuro, as condições necessárias.

Para além disso, efectuar-se-ia também um reforço global da estratégia de pré-adesão para todos os candidatos, a qual deveria passar a ser centrada nas dificuldades específicas de cada processo, através do estabelecimento de um acordo de parceria entre a União e cada um desses Estados.

As opções metodológicas retidas pela Comissão, para a concretização dos critérios de Copenhaga, não sofreram particular contestação, quer por parte dos Estados-membros, quer por parte da generalidade dos países candidatos, até porque estavam formuladas em termos que eram, indubitavelmente, favoráveis aos anseios destes últimos. Porém, os efeitos políticos delas retiradas foram verberados pelo grupo de países excluídos, que entendeu a diferenciação das candidaturas à partida como injusta e algo arbitrária, não reflectindo a dinâmica dos respectivos processos de reforma, nem constituindo uma resposta correcta aos progressos económicos verificados.

Entre os actuais Quinze, as opiniões quanto a esta questão também se dividiram. No âmbito deste debate, o Governo português, tendo em conta as expectativas criadas em todos os Estados candidatos com vista à sua futura integração na União, privilegiou, desde o início, uma abordagem global do processo do alargamento, que evitasse a criação de sentimentos de exclusão e de frustração nos Estados candidatos preteridos pela estratégia delineada pela Comissão. Evidenciando os pareceres da Comissão que nenhum dos candidatos reunia a totalidade das condições estabelecidas em Copenhaga, Portugal considerou que, tal como era proposta, a diferenciação à partida não deixaria de ser percebida pelos candidatos excluídos como discriminatória, atenta a mutabilidade e a fluidez que caracteriza as situações políticas e económicas de todos eles. Não obstante, o nosso país não deixou sempre de sublinhar que o facto de se poder vir a adoptar um processo de alargamento inclusivo não quereria, de forma alguma, significar que todos aqueles Estados viessem a aderir conjuntamente, pois a evolução do processo negocial deveria sempre ter lugar de acordo com os méritos próprios do processo de cada candidato.

O posicionamento assumido por Portugal decorreu de considerações de cariz político e económico.

Em primeiro lugar, porque tinha presente a importância de garantir a segurança e estabilidade na Europa como um todo e de assegurar o prosseguimento do empenho político no processo de reforma das sociedades e das economias do conjunto dos Estados candidatos, pelo que seria vital concitar o apoio dos respectivos cidadãos a esse mesmo processo. Aliás, essa perspectiva não poderia ser desligada do paralelo debate em curso sobre o alargamento da NATO, correndo-se o risco das opções a tomar neste último domínio acabarem por redundar num modelo cumulativo de exclusão, com consequências políticas muito negativas.

Em segundo lugar, as ideias por nós propostas visavam obviar a possíveis reacções negativas por parte dos agentes económicos internacionais, traduzidas nomeadamente em desinteresse progressivo dos investidores, com efeitos desestabilizadores que poderiam assumir grande relevância, atenta a fragilidade de muitas das economias dos candidatos, muito vulneráveis a choques externos e altamente dependentes do investimento directo estrangeiro.

A perspectiva defendida por Portugal no Conselho Europeu, apoiada por outros países, acabou por fazer algum caminho – embora de um modo limitado. Do lado da União veio progressivamente a emergir uma percepção generalizada quanto à necessidade de uma releitura política da problemática do alargamento, que sublinhasse o imperativo do seu carácter abrangente e evolutivo, afastando dúvidas quanto à igualdade de princípio no tratamento das diversas candidaturas, desta forma garantindo que a metodologia seguida nos pareceres apresentados no âmbito da “Agenda 2000” viria a projectar-se em futuras reavaliações destes. Na meta final dos trabalhos que antecederam o Conselho Europeu do Luxemburgo, em Dezembro de 1997, assistiu-se a uma evolução das posições de alguns Estados membros, o que permitiu a obtenção do consenso consagrado nas conclusões da Cimeira. Elas vieram garantir o que ficou consagrado como o carácter global, integrador e dinâmico do exercício de alargamento. Esse exercício iniciar-se-ia pelo lançamento, em Março de 1998, de um processo de adesão englobando os dez candidatos do Centro e Leste da Europa, bem como de Chipre - cuja elegibilidade e inclusão no primeiro ciclo de negociações de adesão já haviam sido anteriormente confirmadas[1].

Como elemento complementar do processo negocial, a União Europeia decidiu-se igualmente pela criação de uma Conferência Europeia, englobando os Quinze e todos os actuais candidatos, para a qual seriam elegíveis outros países com vocação para se associarem a uma perspectiva de futura integração (a Noruega e a Suiça estão neste caso). Esta Conferência, com uma agenda a definir à medida do tempo, mas tendo as questões PESC e da JAI no eixo das sua preocupações, tinha um objectivo político iniludível - assegurar a preservação de um modelo de relacionamento específico com a Turquia.

O caso turco foi sempre visto como uma figura especial dentre os países que haviam manifestado interesse em integrar a União Europeia. Com um modelo de sociedade política onde prevalecem elementos que oferecem dúvidas a muitos Estados membros quanto à respectiva consonância com os valores democráticos e do Estado de Direito, a Turquia tem uma dimensão e um tecido económico e social que não podem deixar de ser tidos em importante conta na avaliação da plausibilidade do seu processo de aproximação completa à União. Para além disso, a Turquia mantém um, até agora, insanável conflito político com um actual Estado membro - a Grécia - e ocupa ilegalmente uma parte de um dos candidatos à adesão - Chipre. Para muitos Estados europeus, entre os quais Portugal se inclui, o processo de alargamento poderá representar um momento único para se tentar resolver o problema cipriota.

Não sendo um espaço negocial, a Conferência Europeia foi o modelo mais avançado de ligação da União à Turquia que foi possível consensualizar entre os Quinze. Esse modelo não foi, contudo, aceite por Ancara, que continua a desejar um estatuto em tudo similar àquele que a União ofereceu aos outros candidatos. Daí o impasse a que se chegou e que, tudo o indica, poderá acabar por ter repercussões muito sérias em todo o processo futuro de alargamento e em outras dimensões do relacionamento turco com os Estados membros.

Com o processo de alargamento em andamento, poder-se-á legitimamente colocar ainda a questão de saber a amplitude do seu impacto no projecto integrador que a União Europeia de hoje constitui. Com efeito, enquanto o projecto até agora prevalecente representou uma tentativa de criar um modelo europeu relativamente homogéneo, num grupo de países com uma matriz de desenvolvimento com um grau substancial de identidade, a hipótese de uma União alargada traz novas exigências que, no contexto actual, poderão pôr em causa a coerência e solidez do anterior processo.

Desde logo, isso poderá suceder ao nível do actual padrão das políticas comuns. Dada a indisponibilidade, manifestada pela maioria dos Quinze, para aumentar o actual “plafond” de recursos próprios da União, fixado para 1999 em 1.27% do seu PIB, surgem naturalmente interrogações sobre se existirão condições para a concretização de um espaço alargado de articulação político-económica entre um conjunto tão heterogéneo de países, que seja susceptível de garantir, simultaneamente, o aprofundamento de um corpo de políticas comuns que mantenha esses Estados num curso de integração tendencialmente convergente.

Este é o problema básico com que se defronta a proposta da “Agenda 2000”, na sua vertente das Perspectivas Financeiras para vigorarem entre 2000 e 2006. Se recordarmos que, no passado, a movimentos de alargamento a países que se situassem abaixo do padrão médio de rendimento dentro da União correspondeu sempre um reforço financeiro suplementar, num caso traduzido mesmo em mecanismos de compensação para os efeitos diferenciados que esse alargamento teve no seio da então CEE, verificamos que o nível de ambição da União desde essa altura terá decrescido fortemente. 

A situação actual é, nessa perspectiva, ainda mais difícil, por se tratar, em geral, de economias num estado de muito maior debilidade e, por esse motivo, com maiores carências que a União será chamada a procurar colmatar.

A  adicionar a esta fragilidade, a Comissão advoga uma divisão dos custos do alargamento claramente desequilibrada, ao propor que seja a política estrutural - que apoia os esforços de desenvolvimento dos países e regiões mais pobres da União - a suportar os custos de um processo de alargamento de que serão principais beneficiários, como é de meridiana evidência, os actuais Estados membros mais ricos.

A implícita desvalorização do conceito de Coesão intracomunitária, que parece ser a mensagem subliminar por detrás desta opção, vai em sentido inverso ao próprio espírito dos Tratados e constitui um verdadeiro risco para a preservação e aceitabilidade da própria ideia de Europa, não apenas em alguns dos actuais Estados membros, mas principalmente nos futuros aderentes, que dificilmente verão com agrado uma diminuição do elemento de solidariedade que constitui um dos eixos programáticos do processo europeu.

Aliás, se o alargamento vier a ser feito à custa de uma diluição do actual grau de coesão intracomunitária, certamente que os desígnios dos novos parceiros sairão frustrados, na medida em que estes se sentiram atraídos por uma União com um corpo sólido de políticas e com um projecto de progressiva aproximação dos níveis de desenvolvimento dos seus membros. E seria irónico que fosse a sua própria entrada o factor desagregador do modelo que desejam adoptar.

Mas uma expansão da União com as dimensões inéditas que se prevê que os próximos alargamentos venham a gerar, colocará ainda outras interrogações, nomeadamente ao nível do modelo institucional. Esta questão esteve subjacente a toda a negociação do Tratado de Amesterdão, no qual foram já dados alguns passos no sentido de preparar a União para comportar o alargamento. Há quem pense, no entanto, que não se terá ido suficientemente longe, pretendendo, por isso, precipitar a curto prazo uma reforma mais profunda do tecido institucional, que vá mesmo para além da que está prevista no próprio Tratado de Amesterdão.

Consideramos natural que se encarem algumas adaptações institucionais com o intuito de obter melhorias no sistema de trabalho e no processo de decisão comunitários, nomeadamente tendo em conta que o aumento do número de Estados membros poderá levar a uma maior lentidão e menor eficácia desses mesmos procedimentos.

No entanto, não se crê ser apenas esta a motivação por detrás da pressa evidenciada por alguns países em reformar as instituições da União. O que parece preparar-se é a tentativa, por parte de alguns Estados membros, de assegurar que, com os futuros alargamentos, o nível médio dos interesses na União, que actualmente lhes é favorável, se mantenha predominante. Por outras palavras, os Estados membros mais desenvolvidos pretendem garantir um modelo de gestão das decisões que não dê a possibilidade potencial a que os países com grau inferior de desenvolvimento, nomeadamente os próximos aderentes, se conjuguem para impedir a sua actual liberdade de gestão orçamental, das políticas e da produção legislativa. Esta lógica, que tem sentido numa organização de tipo intergovernamental, não pode transpor-se para um modelo organizativo como é o da União, onde, por virtude das transferências de soberania já efectuadas, há uma responsabilidade solidária comum na consideração de todos os legítimos interesses, ainda que minoritários.

Portugal estará, como sempre esteve, aberto a estudar as mudanças institucionais que se impuserem face à previsível expansão futura da União. Mas o nosso país não pactuará, todavia, com aproveitamentos do processo de alargamento como argumento para subverter alguns equilíbrios que vinham sendo preservados e que, a nosso ver, configuram elementos muito positivos do modelo sui generis que a União Europeia representa.
 
Em presença do cenário que nos é colocado com o alargamento, há uma última questão que, na perspectiva nacional, inevitavelmente surge: a da aparente contradição entre os potenciais efeitos negativos do alargamento em Portugal e o posicionamento abertamente favorável que o nosso país tem adoptado relativamente à concretização desse desafio.

De facto, em face das características do desenvolvimento económico português, nomeadamente no quadro da União Europeia, ter-se-á, à partida, que admitir que os próximos alargamentos possam gerar algumas situações de concorrência em diversos domínios económicos, em particular no âmbito de certos produtos industriais, tendo em conta a oferta de produções similares, que beneficiam de salários inferiores aos praticados em Portugal, de uma mão-de-obra mais qualificada e de uma localização geográfica central face aos principais mercados europeus. Isto independentemente de, no quadro dos actuais Acordos Europeus, esses países beneficiarem já hoje de apreciáveis vantagens neste domínio, sem que se tenham registado efeitos graves.

Além disso, e não obstante algumas acções de implantação económica nos mercados de alguns dos candidatos bem sucedidas, é evidente, por um conjunto variado de razões, que a capacidade potencial do nosso país de aproveitar as oportunidades abertas nesses Estados é diminuta, em especial se comparada com parceiros com uma capacidade ofensiva no domínio económico muito mais evidente, a que acrescem razões de proximidade geográfica que funcionam como factores positivos cumulativos.

É ainda óbvio que, no tocante à captação do investimento directo estrangeiro e à potenciação de condições apelativas para a deslocalização empresarial, alguns efeitos serão de esperar, em Portugal como em outros Estados membros.

Mas, naturalmente, a resposta a este desafio não reside na preservação de um ambiente económico protegido. Só uma internacionalização agressiva e a rápida maturação dos nossos factores de competitividade pode contribuir para atenuar estes impactos, aliás similares e complementares daqueles que a globalização tem vindo a desencadear. Neste particular, é importante ter sempre presente que a pertença à zona Euro, com as vantagens correlativas daí decorrentes em termos de optimização de custos e de segurança do investimento, é um elemento compensador da maior importância e uma vantagem comparativa substancial de que Portugal passará a dispor.

Como a própria discussão em torno da “Agenda 2000” já indicia, será, também, natural que, dado o seu mais baixo nível de desenvolvimento económico, aqueles países tendam a tornar-se os destinos privilegiados dos apoios comunitários, originando um “enriquecimento” estatístico do nosso país no novo contexto comunitário. É, aliás, a necessidade de garantir que o processo de apoio estrutural se manterá por algum tempo mais que constitui a linha de trabalho portuguesa no actual debate em torno do futuro quadro financeiro, procurando assegurar que o esforço de criação de infraestruturas e as acções de reconversão em curso têm um tempo mínimo de maturação, e que outras áreas do orçamento comunitário contribuam de forma equitativa para o encargo financeiro que o alargamento implica.

Contudo, perante estas dificuldades, o bom senso aponta no sentido de que seria de uma enorme cegueira histórica e política qualquer atitude de oposição do nosso país ao processo de alargamento da União.

Por um lado, significaria esquecer a nossa própria adesão à CEE e o decorrente choque de desenvolvimento, de sedimentação da democracia e de uma cultura de modernidade que veio a revelar-se essencial para o presente e para o futuro do país. Afirmar uma atitude egoísta perante países que hoje pretendem ter essa mesma oportunidade seria, no mínimo, um acto de cinismo político que um país como o nosso não pode correr o risco de assumir.

Para além disso, não podemos deixar de partilhar a importância estratégica e geopolítica que constitui para o continente europeu a oportunidade de levar a cabo a estabilização da periferia oriental da própria União, sob o modelo económico-social criado neste lado do continente, reforçando paralelamente a própria capacidade da Europa de se projectar externamente como um todo cada vez mais forte, de que todos beneficiaremos. Se, no passado, nos esforçámos no seio da NATO para garantir uma dissuasão que permitisse garantir a paz na Europa, seria inconsciência não aproveitar este ensejo para consolidar, por via pacífica, um quadro político-económico que pode contribuir decisivamente para a mesma finalidade.

Qualquer outra atitude, para além de irresponsável em termos políticos globais, emitiria um sinal reconhecedor de uma eventual incapacidade de proceder à regeneração e à modernização do tecido económico português e quebraria o esforço de recentragem na Europa que o país tem vindo a prosseguir. Um esforço que combina a assunção de uma legítima agenda nacional de interesses, preservados e defendidos com firmeza e determinação, com uma partilha efectiva das grandes preocupações que hoje atravessam transversalmente todas as sociedades europeias e que, no essencial, unem os cidadãos do continente.


(Publicado em “O Desafio Europeu - Passado, Presente e Futuro”, Fundação de Serralves, Porto, 1998)



[1]O Conselho Europeu de Helsínquia, em Dezembro de 1999, viria a reforçar o carácter inclusivo do processo de alargamento, ao decidir negociações simultâneas com os 12 países candidatos, a iniciarem-se sob a Presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 2000 (cf. o texto “Reunificar a Europa”).

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