Todos começamos a ter consciência que o processo actual da negociação europeia e, em particular, a filosofia geral que se reflecte na integração dentro da União, são hoje substancialmente diferentes daqueles que vivemos no passado. O modelo integrador que estava no horizonte português em 1986, e que se projectou durante os dois primeiros quadros financeiros, está a mudar de características e de matriz. Tal tem a ver, essencialmente, com a circunstância de se ter criado uma nova realidade geopolítica na Europa contemporânea e com a necessidade de dar uma resposta, quer em termos económicos, quer em termos políticos, a essa nova realidade.
O alargamento da União Europeia e a exigência em solidificar as novas democracias emergentes no leste do continente provocam, naturalmente, uma mudança de prioridades. Todo o processo que tinha tido como eixo essencial a consecução de um esforço de coesão a Quinze, ou mesmo a Doze num primeiro momento, e que tinha como pilar central o princípio da Coesão Económica e Social, com o que isso representava na projecção dessa orientação básica sobre as políticas da União, foi não diríamos que subvertido mas matizado pela circunstância de haver uma nova prioridade que se cumula, ou mesmo se sobrepõe, às prioridades anteriores.
O problema que hoje se coloca na União Europeia é saber como é possível compatibilizar essa nova prioridade com a preservação dos equilíbrios essenciais que marcaram as virtualidades do sistema anterior.
Temos consciência - e é importante que a tenhamos - que a realidade que aí vem, no que toca à dimensão dos problemas e às alterações na densidade do tecido da União Europeia do futuro, será muito diferente daquela a tudo quanto nos habituámos no passado.
Portugal chegou à União Europeia no último momento certo. Provavelmente, teremos hoje que constatar que não terá havido tempo suficiente para maturar todo o processo da nossa integração, em termos que permitissem ao nosso país garantir, nestes anos que já passaram, todas as vantagens da sua inserção num projecto de progressiva aproximação ao nível dos restantes parceiros comunitários, em termos de desenvolvimento e de riqueza.
O novo desafio que entretanto apareceu - o alargamento da União Europeia - obrigava a uma atitude da nossa parte. E havia duas atitudes possíveis.
A primeira era uma atitude imobilista, uma atitude de reacção negativa face ao alargamento, procurando sublinhar a necessidade de garantir a coesão a Quinze antes de abrir portas ao tratamento desse novo desafio, apontando como que para um congelamento da resposta a essa nova realidade. Essa seria a afirmação, no plano europeu, daquilo que poderia ser considerada uma simples agenda nacional de interesses, numa perspectiva de curto prazo e destinada a falhar pela pressão dos factos e dos outros.
A segunda resposta, que nos pareceu mais pragmática e justa, e terá parecido também mais lógica à generalidade dos partidos políticos portugueses representados na Assembleia da República e, julgo, também nas Assembleias Regionais, foi de natureza integradora. Ao termos uma atitude política positiva face ao alargamento, manifestámos a nossa comunhão com as grandes preocupações que hoje atravessam as sociedades europeias, porque, é importante que se diga, o alargamento constitui hoje uma preocupação estratégica europeia. Essa opção foi tomada sem deixar de ter sempre bem presente a nossa agenda nacional de interesses e sem deixar de afirmar, em paralelo, a necessidade de apoio continuado a um conjunto básico de prioridades essenciais para o desenvolvimento do nosso país, aliás consonantes com os princípios básicos expressos no Tratado da União Europeia. Mas era importante que ficasse claro que, também nós, partilhamos da necessidade de responder a esse grande desafio que é enfrentar, pela positiva, a situação nova criada pela emergência de irrecusáveis processos de liberdade no Centro e Leste do continente.
Houve, assim, que compatibilizar essa nova realidade, que era o imperativo do alargamento, com uma aposta clara no sentido de ter uma filosofia de afirmação europeia tão aberta quanto possível. Uma filosofia que, no passado, justificou que Portugal estivesse permanentemente na primeira linha de todos os mecanismos de integração. Relembro a circunstância de aplicarmos o acordo de Schengen desde o início, a nossa empenhada participação na UEO, o nosso contributo activo para as acções a que a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia nos chamou - como foi o caso da Bósnia. E, finalmente, recordo o empenho posto na participação, desde a primeira hora, na Moeda Única.
Portugal, precisamente pela sua situação de periferia geográfica e em termos de desenvolvimento, não se pode dar ao luxo de não aproveitar todas as oportunidades para assumir atitudes que consagrem a fuga à perifericidade a que parece destinado, em opções que evitem novos ciclos históricos em que essa perifericidade se possa espelhar, marginalizando o país do centro das mais importantes decisões.
Há talvez aqui algo de voluntarista, neste esforço para nos colocarmos na primeira linha da integração europeia. Mas é importante que se diga que esse vanguardismo não é, de todo, incompatível com a preservação dos interesses nacionais específicos, nomeadamente ao nível da projecção externa tradicional do país. Pelo contrário, a experiência demonstra que algumas das dimensões próprias e algumas das prioridades essenciais da acção externa portuguesa - e citaria o caso de Timor Leste, a África lusófona, o relacionamento com o Brasil, com o Mediterrâneo, etc. - inserem-se dentro do quadro de relações externas da União Europeia e permitem-nos mesmo garantir um valor acrescentado a essas dimensões que nos são específicas, que é resultante da nossa presença dentro da União Europeia. Ganhamos por estar com os nossos interesses projectados na União Europeia e ganhamos também por partilhar dos interesses globais que se expressam na própria União. Mas, ao partilhar esses interesses da União, é óbvio que temos de subscrever também alguns interesses que não são necessariamente os nossos ou que têm uma expressão diferenciada nos diversos países da Europa.
A Europa comunitária tem interesses que são reconhecidamente comuns, mas tem muitos outros interesses que traduzem as preocupações diferenciadas das várias opiniões públicas. É que, como é sabido, não há uma opinião pública europeia: há 15 opiniões públicas motivadas por 15 agendas nacionais diversas. Podemos, contudo, perceber que hoje todas essas opiniões públicas, se bem que de forma diferenciada, reflectem todas elas um conjunto de inseguranças colectivas entre as quais é possível encontrar alguma ligação. São inseguranças no plano social - aquelas que têm a ver com o emprego e com os riscos que corre o modelo social europeu -, no plano da ordem pública - com os riscos da criminalidade organizada, do tráfico de droga, da emigração descontrolada, etc. e as que resultam dos conflitos na ordem externa (de que a ex-Jugoslávia é o exemplo mais actual) - e aí está a dimensão da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) como resposta.
É nesse contexto que o alargamento aparece, porque também ele é uma preocupação comum que devemos partilhar. O alargamento é uma oportunidade única de sedimentar numa zona do continente europeu marcada por um passado recente conturbado um espaço de paz e de estabilidade, que nos fará criar novas condições de desenvolvimento colectivo, dentro de todo o território europeu, muito mais seguras. Sem querer ir muito longe, eu diria que nesta nossa adesão à importância geoestratégica do alargamento está todo o conjunto de razões que nos levaram a empenharmo-nos, no passado, relativamente à NATO.
Por outro lado, o alargamento também tem a ver com a criação de sociedades mais desenvolvidas numa área geográfica que dará origem a novos mercados, o que contribuirá para o desenvolvimento global europeu, com impactos necessários numa economia aberta e dependente do desenvolvimento desse mesmo espaço, como é a nossa. O alargamento, e por seu intermédio a criação de condições para uma estabilidade e uma situação de paz naquela zona do continente, poderá contribuir para que alguns dos nossos parceiros, tradicionalmente mais concentrados em termos de preocupações com o Leste europeu, desde que sintam essa área com condições de segurança política e económica, possam recentrar de novo os seus interesses no projecto europeu, em modelos de solidariedade colectiva que se estão actualmente a perder.
Mas é evidente que o alargamento traz riscos e que esses riscos são claramente diferenciados dentro da União Europeia.
Alguns são de carácter comercial, embora hoje, através dos chamados Acordos Europeus, muitas das dimensões de carácter comercial e alguns dos seus reflexos mais preocupantes estejam já ultrapassados ou actuantes.
No entanto, há outras dimensões ainda a estudar. Uma delas tem a ver com a Política Agrícola Comum (PAC), outras com determinados produtos industriais e outras ainda com a hipótese que esses países têm, em função de alguma capacidade potencial em termos de formação de uma mão-de-obra mais educada, para se reconverterem mais rapidamente do que nós.
Teremos, com certeza, também algumas dificuldades a nível da diversificação de investimentos. Obviamente que esses países poderão ser mercados mais atractivos para o investimento directo estrangeiro, seja por condições sócio-laborais mais apelativas, seja pelos custos de outros factores produção.
A isto se liga também a questão da deslocalização de empresas. É evidente que a diversificação de investimentos e a deslocalização são riscos que teremos de controlar. Mas esses tropismos já hoje se fazem, ainda antes do alargamento ter lugar, simplesmente porque são elementos inerentes ao processo de globalização. A resposta não está em barreiras artificiais, está na melhoria da nossa produtividade, está na criação de factores competitivos próprios de vária ordem.
Por outro lado - e esta é uma preocupação que, não sendo prioritária para Portugal, o é para outros países europeus, e constituirá um dos elementos centrais da fase final das negociações -, há alguns riscos a ponderar em matéria de livre circulação de pessoas e dos efeitos que isso possa ter no mercado comunitário, com repercussões potenciais a nível de tensões sociais e políticas.
E há, finalmente, um outro risco, que é o da deslocação da aplicação dos fundos comunitários, nomeadamente daqueles que se destinam a apoiar as regiões menos desenvolvidas dentro da União Europeia.
Mas o alargamento é uma realidade inevitável. Aliás, nós já tivemos aquilo que poderíamos qualificar como um primeiro alargamento: referimo-nos à absorção da República Democrática Alemã pela República Federal Alemã, e já experimentamos o impacto desse primeiro alargamento, nomeadamente a nível das taxas de juro que se reflectiram sobre toda a Europa.
Gostava ainda de deixar claro que não temos, face ao alargamento, e contrariamente a muitos países da actual União, sobretudo aqueles que estão mais próximos dos candidatos, como que países preferenciais dentro do processo. E, por essa razão, Portugal tem vindo a colocar-se, face aos diversos candidatos, de uma forma extremamente independente e com um tratamento em tudo equitativo. Isto porque consideramos que o alargamento não deve ser feito de forma discriminatória, não criando nem estimulando a criação de grupos de países mais ou menos avançados, porque isso poderia provocar tensões difíceis de gerir no futuro. Portanto, não temos favoritos relativamente ao alargamento e isso faz com que Portugal possa hoje estar com grande à-vontade numa posição de ajudar os países do alargamento, em três dimensões principais: explicando-lhes um pouco a nossa experiência da adesão, dando-lhes conta dos impactos dessa mesma adesão ao nível da gestão das políticas e, no plano organizativo, fornecendo-lhes informações que possam auxiliá-los na sua própria estruturação interna no caminho para a integração.
Cremos que é esta a contribuição possível que nos compete dar. Portugal, que não é um país rico dentro da União Europeia, tem pelo menos o valor da sua experiência e toda a disponibilidade para pôr esse conhecimento ao dispor dos países candidatos.
De acordo com as previsões da Comissão Europeia, o primeiro alargamento deverá ter lugar no período das próximas Perspectivas Financeiras, isto é, entre 2000 e 2006. Foi para esse período que a Comissão desenhou a Agenda 2000.
Mas o que é a Agenda 2000 ? Esse projecto de planificação financeira para o septénio que vai de 2000 até ao final de 2006 é, como já dissemos algures, a verdadeira radiografia da actual ambição europeia. E essa radiografia mostra que há alguma doença na Europa, porque, na realidade, se nota que as previsões feitas na Agenda 2000 não correspondem às necessidades mínimas para a prossecução sustentada das políticas que têm sido o êxito do projecto europeu. A nosso ver, estamos perante uma baixa ambição, uma ambição que parece ser como que um exercício limitado de gestão corrente e que não é uma boa resposta aos problemas com que a Europa se defronta.
Quase que se poderia dizer que alguns contribuintes líquidos, adquirido que está o Mercado Único e o princípio do alargamento que lhes convém, decidiram dar uma resposta orçamental para o suporte da União do futuro pela medida mais baixa. Se optássemos por uma leitura cínica do modo como a Agenda 2000 foi construída, poderíamos concluir que essa proposta é feita, exclusivamente, numa lógica de poupanças.
À Comissão Europeia terá sido dada, expressa ou implicitamente, a indicação para não produzir um quadro financeiro para os primeiros sete anos do novo milénio que ultrapassasse o limite de 1,27% do produto da União, nível já previsto para 1999 no quadro anterior. Dentro deste quadro financeiro, espartilhado pela falta de ambições e pelo rigor orçamental, a Comissão Europeia teve que optar pela redefinição ou pela reforma drástica em baixa das próprias políticas comunitárias, na medida em que rapidamente entendeu que não podia avançar no respectivo aprofundamento, porque deixaria de ter, no futuro. recursos para tal.
Nesse quadro, havia três opções.
Uma delas era trabalhar na reforma profunda da PAC, essa “vaca sagrada” da União Europeia que consome de 50% do orçamento comunitário, que beneficia apenas 5,5% da população activa da UE e contribui com menos de 3% para o PIB da União. No entanto, e na proposta original da Comissão, a PAC não só é preservada, como até sofre algum aumento !
Por outro lado, poderia ter-se trabalhado também, embora quantitativamente de forma menos significativa, no domínio das políticas internas. Neste terreno, convém notar que 60% do orçamento das políticas internas é dedicado à Investigação e Desenvolvimento (I&D), que funciona como uma espécie de Fundo de Coesão para os países mais ricos. Por aqui se perceberá porque também não foram tocadas as políticas internas...
Portanto, a parcela do orçamento comunitário através da qual se optou por fazer poupanças, aquela que a Comissão Europeia entendeu como a que poderia ser reduzida em favor dos novos países candidatos, foi a política estrutural - isto é, a política regional, a política de Coesão Económica e Social e as Iniciativas Comunitárias.
Foi precisamente a política estrutural, aquela que dentro da União Europeia se destina ao apoio às regiões mais pobres, que, na lógica do mecanismo definido na Agenda 2000, foi seleccionada para pagar o futuro alargamento da União Europeia. Ou seja: às regiões mais pobres dos Quinze competirá suportar os custos do alargamento, o qual, curiosamente, terá sobre essas mesmas regiões um impacto negativo mais pronunciado.
É esta contradição profunda, esta incongruência, esta ilógica que nós sistematicamente nos temos esforçado por explicar, quer à Comissão Europeia, quer aos nossos parceiros dentro da União. A todos explicamos também uma outra realidade gritante, que é a circunstância de Portugal, neste contexto específico, ser provavelmente o país mais prejudicado na proposta apresentada pela Comissão. E porquê? Porque, contrariamente a todos os outros países da Coesão, ou seja, a todos os outros países mais pobres da União, Portugal é o único que praticamente nada recebe da PAC. Foi a própria Comissão a reconhecer-nos como “contribuinte líquido” da PAC no seu Relatório sobre a Coesão de 1997. Ora recebendo menos da PAC do que aquilo que para ela contribuímos, beneficiando muito pouco das políticas internas (e indo receber no futuro ainda menos, pela circunstância de a I&D passar a maioria qualificada, de acordo com o Tratado de Amesterdão), somos precisamente os mais vitimados pela circunstância da política estrutural ser aquela que vai “pagar” o alargamento.
Não temos dúvidas que esta cumulação de efeitos negativos é feita, pura e simplesmente, em função da assunção de determinados critérios nos quais Portugal, por uma característica muito específica que tem a ver com o seu próprio nível de desenvolvimento e com o modo como se fez a sua entrada na União Europeia, nomeadamente em relação à PAC, acaba por ser afectado de uma forma muito particular. Não seguimos teorias conspirativas, mas constatamos ser as vítimas de uma estranha cumulação de efeitos negativos.
Além disso, há que sublinhar mais uma incongruência deste processo da Agenda 2000. Com efeito, é notório que, tanto o Tratado de Maastricht como o próprio Tratado de Amesterdão, trouxeram novas responsabilidades para a União, quer ao nível das políticas tradicionalmente comunitárias - as chamadas políticas do Primeiro Pilar -, quer ao nível das políticas de Justiça e dos Assuntos Internos (JAI). Mas, curiosamente, mesmo havendo novas políticas sob a responsabilidade da União, a Agenda 2000 não incorpora nenhum esforço financeiro acrescido para lhes fazer face.
E convirá também lembrar que, no passado, quando houve alargamento a países que se situavam numa faixa inferior ao nível médio da União, houve sempre lugar ao reforço dos compromissos financeiros. No caso do alargamento a Portugal e Espanha, houve lugar à criação de programas especiais de apoio aos países que poderiam sofrer efeitos particulares desse mesmo alargamento, os chamados Programas Integrados Mediterrâneos (PIM).
Desta vez, verificamos que, não só não há programas específicos, como passa a haver, da parte dos contribuintes líquidos, a assunção de uma atitude restritiva, no sentido de fazerem poupanças e de porem em causa, inclusivé, a sua participação relativa no actual sistema de recursos próprios da União.
Acresce que, no segundo semestre deste ano, irmos ter uma outra difícil negociação no âmbito da União Europeia, que só aparentemente não nos diz respeito, e que se refere ao problema do equilíbrio entre os próprios países contribuintes líquidos nas suas participações para o orçamento comunitário. Não poderemos excluir que alguns países mais ricos da União possam ser tentados a ultrapassar o problema existente a nível das receitas através de uma diferente distribuição a nível das despesas. Nesta perspectiva, alguns dos contribuintes líquidos poderiam vir a ser compensados através de uma maior atribuição de fundos estruturais, o que iria agravar ainda mais o cenário que já hoje existe, relativamente ao próprio quadro de distribuição de despesas previsto na Agenda 2000.
O caso de Portugal, como se disse, configura um quadro complexo que cumula vários efeitos de sentido negativo, pelo que tem de ser visto de forma específica. Temos vindo a fazer um esforço de convicção junto dos Governos europeus para esta questão, porque esta é uma dimensão essencialmente política, não é uma dimensão exclusivamente técnica. Temos vindo a ter um diálogo intenso, activo e bastante profícuo, com a Comissão Europeia, nomeadamente com a Comissária encarregada da política regional, explicando em detalhe as nossas preocupações e avançando diversos caminhos técnicos para as ultrapassar.
Neste contexto, vale a pena singularizar alguns pontos específicos que fazem parte da nossa agenda de preocupações.
Em primeiro lugar, a questão da região de Lisboa e Vale do Tejo que, pelo seu desenvolvimento, ultrapassa já o limiar do chamado Objectivo 1, ou seja, tem mais de 75% do PIB médio comunitário. Esse facto, que parece tecnicamente desqualificar essa região para a manutenção da maior concentração das ajudas, não pode, porém, deixar de ser ponderado à luz do facto do território português, no seu todo, mesmo incluindo Lisboa e Vale do Tejo, se situar bastante abaixo dos 75% da média comunitária. Portugal é o único país que, estando globalmente abaixo daquele limiar, tem uma região a sair do Objectivo 1. Com efeito, todos os outros países que têm regiões a sair do Objectivo 1 são muito mais ricos que o nosso. A região de Lisboa e Vale do Tejo concentra e produz cerca de 42% do PIB português, tem mais de 1/3 da população portuguesa e tem efeitos redistributivos reconhecidos. Além disso, é uma região apenas ligeiramente mais rica, embora muito abaixo da média comunitária, num país que é, globalmente, o segundo país mais pobre da União. E percebe-se que é completamente diferente ser a região menos pobre num país pobre do que uma região mais pobre num país rico. Por isso, pretendemos discutir a singularidade do caso de Lisboa e Vale do Tejo no quadro da negociação comunitária. Pretendemos que esta especificidade seja reconhecida e tida em conta de uma forma prática, e que não se lhe apliquem critérios de natureza puramente estatística, alguns dos quais, além do mais, estão ainda sujeitos a algumas dúvidas de natureza técnica.
Por outro lado, há uma outra questão que tem a ver com a introdução do critério do desemprego como um critério de atribuição dos fundos comunitários. Esse critério não deixava de ser tido em conta no anterior Quadro Comunitário de Apoio (QCA), mas desta vez a sua consideração é mais relevante e a taxa de desemprego funciona com uma diferente ponderação. Ora é importante relembrar que há outras tipologias de emprego, que têm a ver com os níveis de formação profissional e com a circunstância de alguma mão-de-obra que hoje está empregada em Portugal não ter condições de reempregabilidade no caso de vir a perder os seus postos de trabalho, nomeadamente na hipótese de poderem vir a projectar-se no nosso país os efeitos da globalização e do próximo processo de liberalização da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Por isso, Portugal tem privilegiado nesta negociação a consideração do conceito de “empregabilidade”. Convém, no entanto, ter em conta que este conceito pode, também ele, ser visto de duas maneiras.
Normalmente, nós utilizamos o conceito de “empregabilidade” no sentido de critério para a alocação de fundos em termos de envelope nacional. Porém, algumas leituras criativas no seio da Comissão Europeia, e mesmo no seio de alguns Estados membros, utilizam o conceito de “empregabilidade” com vista à gestão posterior dos fundos dentro dos vários QCA, como elemento orientador para o papel que a Comissão terá no respectivo controlo. Há aqui óbvia contradição que é forçoso esclarecer. Além disso, convém lembrar que algumas das situações de desemprego que hoje existem ao nível da União Europeia têm a ver com opções políticas deliberadas seguidas nesses países no tocante aos seus processos de desenvolvimento, e, não necessariamente, com desempregos de natureza estrutural, como é manifestamente o nosso caso. Não podemos ser punidos só pelo facto de termos seguido políticas de reconversão que conduziram a uma taxa de desemprego mais baixa, nomeadamente com vista a limitar as consequências sociais correspondentes.
A Comissão Europeia tem, além disso, a estrita obrigação de fazer um estudo sobre os impactos diferenciados do alargamento no tecido económico e social da União, retirando daí as necessárias conclusões. É importante que haja estudos concretos sobre o modo como o alargamento se vai repercutir, quer no plano negativo, quer no plano positivo entre os Estados membros, até para saber a quem pedir mais ou menos sacrifícios para suportar os respectivos custos. Sabemos que há países que têm hoje mais condições para aproveitarem as vantagens do alargamento do que países como o nosso, e seria profundamente injusto se isso não fosse tomado em linha de conta na resultante final do debate sobre o financiamento da União.
Existe ainda o problema da PAC. É uma evidência que é difícil tocar na PAC, sabemos que há uma resistência muito grande em desequilibrar aquilo que favorece os grandes “lobbies” que se movimentam em torno dessa política, que se apoia num status quo que alguns pretendem prolongar eternamente, à revelia da racionalidade económica. A discussão a que se assiste hoje neste âmbito é complexa e temos nela procurado introduzir dois vectores essenciais assentes nalguma razoabilidade reformadora.
O primeiro tem a ver com a procura de um maior equilíbrio entre regiões, entre produtos e entre produtores, e nos apoios a dar a essas diferentes dimensões. É uma discussão complexa, que não está a ser fácil pelo facto de alguns países pretendem resolver esses desequilíbrios ao seu nível nacional, desde que lhes seja preservada a fatia orçamental de que historicamente beneficiam. Esse estratagema de falsa subsidiariedade é inaceitável.
O segundo tem a ver com a possibilidade, aventada já pela Comissão Europeia na própria Agenda 2000, mas que necessita de ser explorada mais profundamente, de conseguir fazer pagar algumas despesas de natureza estrutural ligadas ao Desenvolvimento Rural através da Rubrica 1 do orçamento comunitário, isto é, através da PAC, em lugar de as manter suportadas pela política estrutural, como até agora tem sucedido. É uma questão que nos parece de meridiana lógica e estamos a apresentar propostas muito concretas nesse domínio.
Finalmente, há ainda a considerar o problema das Regiões Ultraperiféricas. Tendo-nos competido lutar na última CIG pela introdução no Tratado de Amesterdão do novo artigo sobre as Regiões Ultraperiféricas, que traduziu num salto qualitativo muito importante para os interesses das Regiões Autónomas portuguesas, é com grande esperança que encaramos agora o desenvolvimento prático desse tratamento discriminatório positivo que o TUE prevê, na execução futura das políticas da União. Na Agenda 2000, esse salto qualitativo deve ter já algum efeito prático. Ora aquilo que, actualmente, a proposta da Agenda 2000 prevê, em relação às Regiões Ultraperiféricas, é, pura e simplesmente, a sua consideração dentro do Objectivo 1, elemento que apenas favorece as Canárias e não favorece mais nenhuma das restantes Regiões. Com efeito, pelo seu grau de desenvolvimento, elas situar-se-iam sempre dentro desse Objectivo. Este é mais um elemento menos positivo da Agenda 2000 e, também aqui, ela não vai tão longe quanto seria necessário.
Temos ainda um problema fundamental que tem a ver com a pretendida manutenção da regra da reorçamentação automática e com a definição dos gastos em matéria de política estrutural como objectivo de despesa, e não como tecto ou limite de despesa, como a Comissão propôs.
E, finalmente, temos a questão do Fundo de Coesão. Convém que isto fique claro, de uma vez por todas: esta é uma questão que, para nós, não é negociável. O Fundo de Coesão deve – e vai – continuar a aplicar-se a Portugal no quadro das próximas Perspectivas Financeiras. Para além de o país estar claramente abaixo dos 90% do PNB comunitário exigidos, o que nos qualifica automaticamente para o Fundo, para além de não haver qualquer justificação jurídica que nos exclua por virtude de virmos a entrar para a Moeda Única, é óbvio que Portugal tem atrasos ao nível das infra-estruturas de transporte e de ambiente gritantes face ao conjunto da União. Só a nível de atrasos ambientais, calculam-se em cerca de 950 milhões de contos as necessidades para os próximos anos em termos de infraestruturas, simplesmente para cumprir as directivas comunitárias nesse domínio. Se pensarmos que a nossa despesa pública, nomeadamente em termos de investimento, está hoje, mais do que nunca, limitada por virtude do Pacto de Estabilidade e Crescimento, é óbvio que, sem o Fundo de Coesão, não teríamos possibilidade de levar a cabo os trabalhos de modernização infraestrutural essenciais para que as nossas empresas possam aproveitar em pleno as vantagens do Mercado Interno.
Estes são alguns dos muitos aspectos que temos em discussão no âmbito da Agenda 2000, que temos esperança de poder concluir no primeiro semestre de 1999. Este calendário seria importante que fosse mantido, até para evitar a tentação que existe em alguns espíritos de poder ainda ligar este pacote financeiro ao dossier das reformas institucionais, tidas como necessárias antes do alargamento e que deverão fazer parte da nova CIG. Temos alguma dificuldade em aceitar a cumulação destes dois dossiers, para evitar óbvios efeitos de ligação perversa entre os mesmos. Pensamos que a Agenda 2000 tem de se justificar a si própria, os desequilíbrios da proposta originária têm que ser repostos e terá que haver uma redefinição de vantagens e custos que seja mais equitativa entre todos.
Estas são as grandes questões que para o nosso país se colocam no quadro daquela que é, muito provavelmente, a mais difícil negociação que Portugal teve de enfrentar no seio da União. Tudo indica existir uma grande unidade no tratamento externo desta matéria por parte das diversas forças políticas portuguesas. Parece, assim, que estão criadas as condições para ter uma unidade interna sólida que se projecte externamente de uma forma também unida. Recentemente, quando a Comissária Wulf-Mathies esteve em Lisboa, tivemos oportunidade de organizar uma reunião em que estiveram presentes personalidades de vários partidos, de várias orientações políticas e de vários sectores económicos e sociais. A Senhora Comissária terá ficado com a consciência de que esta é, para nós, uma questão nacional, uma questão que nos mobiliza a todos e que é, acima de tudo, de simples justiça e face à qual estamos dispostos a ir tão longe quanto o necessário para defender aquilo que consideramos justo para Portugal.
(Baseado na intervenção no colóquio “Agenda 2000 – Fundos Estruturais e Alargamento a Leste”, realizado no Funchal, em 25 de Junho de 1998)
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