A crise económica internacional parece poder vir a trazer um tempo novo no debate energético no Brasil, levando a uma revisitação do papel futuro dos seus vários componentes.
O processo de crescimento da economia brasileira, que até agora vinha ter uma linearidade que a maioria dos observadores considerava como óbvia, apontava para a importância do Brasil se dotar, até 2011, de uma matriz de fornecimento energético capaz de corresponder àquilo que se desenhava como uma procura potencial mínima. A questão está em saber se os efeitos da actual crise internacional no Brasil poderão agora, ou não, conduzir a reduções de crescimento que atrasem a data dessa pressão de procura.
No combinado brasileiro de fontes energéticas, o petróleo apareceu sempre com um papel central. As recentes e sucessivas descobertas de campos petrolíferos vinham a gerar um entusiasmo que, em certos meios, chegou a suscitar significativos reflexos nacionalistas. O Brasil parecia já à porta da OPEP e capaz de poder vir a utilizar os futuros recursos para induzir impactos em áreas internas vitais, como a educação ou a saúde. Para alguns observadores menos avisados, as vantagens potenciais das descobertas de petróleo no “pré-sal” (alta profundidade) pareceram feitas à luz das projecções decorrentes dos recentes preços que o crude estava a ter no mercado internacional. Dessas contas estiveram, muitas vezes, ausentes duas considerações fundamentais: a constatação de que o preço do mercado poderia vir a cair, como caiu, e uma realista avaliação dos maiores custos que uma exploração em profundidade sempre acarreta, com natural compressão de lucros abaixo de certo nível de preços, mas sempre com a necessidade de injecção de capitais que dificilmente podem ser gerados no próprio mercado financeiro brasileiro.
Esta avaliação oficial dos impactos das novas descobertas petrolíferas, no que toca à eventual nova engenharia institucional a manter ou a criar para os explorar, suscitou, entretanto, um interessante debate interno, para o qual foram convocados modelos de exploração e gestão com sucesso no campo internacional, como foi o caso da Noruega. A grande experiência e qualificação técnicas que o Brasil de há muito detém nesta área parecem garantir, sem sobressaltos maiores, decisões oficiais futuras muito ponderadas e responsáveis neste domínio.
No quadro de avaliação de necessidades energéticas tem vindo a tornar-se muito importante a questão do gás natural, que decisões com cerca de uma década tornaram um elemento central no apoio ao consumo em diversas áreas do país, de que o Estado de S. Paulo é o caso mais marcante. O conflito havido com a Bolívia sobre os preços do gás terá feito perceber ao Brasil, com uma brutalidade quase chocante, que se torna estrategicamente decisivo acelerar a exploração própria de gás, existente em abudância na bacia de Santos, evitando prolongar uma dependência arriscada. Mas, também aqui, serão também necessários tempo e recursos.
A geração hídrica permanece muito importante em todo o território brasileiro e não apenas pelos títulos que a questão de Itaipu suscita com regularidade, em face das renovadas reivindicações paraguaias. Com efeito, o fantástico mapa de recursos hídricos do Brasil oferece potencialidades de exploração que, praticamente, só parece poderem ser limitadas pelas fortes pressões dos lóbis ambientais. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – o ambicioso programa de infra-estruturas que o Governo brasileiro tem em curso, de forma a procurar sustentar o crescimento e apoiar a base produtiva futura – tem em grande atenção este sector.
Menos activo tem estado o debate em torno da opção nuclear, por ora parente pobre no esforço de geração brasileiro. Porém, se se lerem com atenção certas tomadas de posição oficiais, fica-se com a sensação de que novas e importantes decisões virão ter lugar neste domínio, a prazo não muito distante, e que o “politicamente correcto”, perante as pressões da procura, dificilmente continuará a passar por aqui.
Restam os biocombustíveis. O debate internacional sobre os respectivos impactos no mercado dos produtos alimentares revelou um Brasil forte nas garantias que pode dar de que, a nível nacional, o problema o não afectará. Mas, para além dessa polémica, aliás longe de encerrada, o Brasil vai ter de observar com cuidado se a crise internacional virá a afectar ou não o calendário de incorporação de biocombustíveis que o mundo desenvolvido tinha previsto. Isso não deixará de ter impactos concretos no seu agronegócio, que parece apresentar já sinais de algumas disfunções.
Uma nota final para referir que, num quadro onde a abundância de recursos energéticos parece confortável, se compreende que haja uma atenção menos concentrada noutras fontes de energia – eólica, fotovoltáica ou de ondas.
Em todo o contexto que referi, há alguns interesses portugueses a considerar, através de empresas nacionais já com participação interessante no mercado. Há que acompanhar estes casos de sucesso e procurar garantir que operações futuras de outros operadores, noutras áreas, ainda que de menor vulto, possam reforçar a nossa presença no mercado brasileiro da energia. É que, como hoje se torna evidente, muito do futuro do Brasil passará inevitavelmente por aí e nós queremos estar nele.
(Publicado no "Diário Económico", em 13.12.08)
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