1. São conhecidos o seu gosto pela escrita e a sua capacidade de reflexão sobre os grandes temas de política externa nos quais trabalhou - nomeadamente as questões europeias e agora, mais recentemente, as relações entre Portugal e o Brasil. Como vê o estado actual da capacidade de reflexão escrita dos diplomatas portugueses?
Continuo a pensar o que já tenho dito noutras ocasiões: os diplomatas portugueses escrevem pouco sobre as opções possíveis em matéria de política externa para Portugal e, as mais das vezes, quando o fazem, têm um tropismo excessivo para "estarem com o vento", para dizerem aquilo que acham que o poder político gosta de ler.
Não sou ingénuo: há promoções, há colocações, há boas e más vontades que é preciso mobilizar ou evitar, há nas Necessidades "capelinhas" de grupo, com chefes que não gostam da saliência dos subordinados. Sempre foi assim...
Mas a minha própria experiência - e já publiquei três livros e outro está a caminho - mostrou-me que pode ser-se, simultaneamente, disciplinado e criativo. Disciplinado, para trabalhar dentro daquilo que são as grandes opções definidas por quem tem a legitimidade de marcar as orientações do país em matéria externa. Criativo, através da apresentação de propostas e caminhos para dar substância a essas mesmas orientações e, nas áreas em que elas não existam, promover sugestões, sem com isso procurar condicionar as opções que venham a ser tomadas. E - ponto importante - respeitar e passar a defender abertamente estas em público, em absoluto, logo que definidas, sem prejuízo de, interna e discretamente, se poder fazer "subir" sugestões de correcção de percurso.
Contrariamente ao que se possa pensar, não acho que a nossa revista
"Negócios Estrangeiros" seja o veículo ideal para esses exercícios mais
criativos. Nessa publicação, de natureza oficiosa, entendo que haveria
toda a vantagem, até para "memória futura", que os intervenientes
diplomáticos, presentes e actuantes em certos exercícios práticos,
viessem a dar regular conta, mais ou menos detalhada, das acções ou
negociações importante em que estiveram envolvidos. Embora, neste caso,
sem, necessariamente, terem obrigatoriamente de chegar sempre à
conclusão de que Portugal acabou por sair pela porta grande, no saldo
dessas aventuras diplomáticas. Mais do que elegias à glória passada,
textos em que às vezes alguns parecem sair apenas aos ombros de si
próprios, torna-se importante fazer o inventário dos erros, do que foi
mal feito e poderia ter sido melhor executado, das opções alternativas
que não se seguiram e que a experiência posterior mostrou que teriam
sido melhores. Tudo isso com um bisturi crítico, profissional,
informado, documentado, isento de tentações de fazer a hagiografia dos
actores políticos.
Os textos mais criativos escritos por funcionários diplomáticos - e
por alguns excelentes técnicos que existem no MNE - deveriam, a meu
ver, ser reservados para as publicações de "think tanks", como a
"Política Internacional", as "Relações Internacionais" ou outras,
portuguesas ou estrangeiras. É importante ver esses órgão de reflexão
frequentados pelos nossos colegas, porque isso também faz transparecer
que os seus trabalhos têm uma qualidade que é aceite num horizonte que
vai para além das publicações caseiras, onde o crivo é, por óbvias
razões, menor.
2. Foi embaixador na capital de uma potência emergente que fala
português e agora regressa à Europa, para uma França que não desiste de
preservar a sua influência e estatuto. Conte-nos um pouco da sua
experiência no Brasil de Lula - designadamente quanto às perspectivas
para o relacionamento entre Portugal e o Brasil - e partilhe as suas
primeiras impressões sobre a França de Sarkozy.
O Brasil é um caso atípico no quadro das nossas relações externas. É
uma país com o qual Portugal tem uma das suas mais complexas e
assimétricas ligações, no seu quadro internacional. O Brasil faz parte
do "politicamente correcto" de qualquer programa de governo português,
em matéria de política externa. Porém, no Brasil, nem com lupa alguém
encontrará uma referência a Portugal num texto oficial ou particular
relativo à sua a sua projecção diplomática. Má vontade? Não, apenas
mero realismo.
O Brasil tem um destino global que não comporta Portugal como uma
alavanca relevante. Nem sequer mesmo a CPLP. Trata-se de um país que,
tendo atingido um estádio de maturidade política democrática de alguma
solidez, ainda que com disfunções institucionais importantes, com um
perfil de desenvolvimento que o coloca já à soleira de outro modelo no
mundo económico-social, com um processo interno de atenuação das
desigualdades que lhe reduz progressivamente as lógicas de
conflitualidade interclassista, é movido por uma saudável ambição de
afirmação à escala global. Essa ambição espelha-se numa diplomacia
muito preparada, consciente dos seus interesses, patriótica e
orgulhosa, activa a vários azimutes (curiosamente, sem uma hierarquia
muito evidente entre eles), assente ideologicamente numa doutrina
"sulista" (OMC, questões de desenvolvimento, Direitos Humanos), que
sempre procura instrumentalizar como catalizador político da sua
projecção.
Idealmente, o Brasil desejaria promover a integração sul-americana
(não latino-americana, porque esse é um conceito, por várias razões,
menos conveniente à sua estratégia) e partir daí para uma liderança do
sub-continente, assumindo-se como contraponto, que não pretende
conflitual mas convivial, com o norte do continente. Sendo essa
integração sul-americana progressivamente difícil, por razões de
conjuntura que dou por adquiridas, o Brasil multiplica as parcerias
multilaterais ou bi-regionais (países árabes, países africanos, Europa,
IBAS, etc), desmultiplica-se à escala bilateral mais relevante (EUA,
China, Rússia, Japão, Índia, etc) e mostra-se em todos os tabuleiros
internacionais possíveis, por vezes, irritando, com isso, alguns
parceiros.
Mas o seu objectivo central, e que justifica muita da coreografia
diplomática atrás desenhada, é a obtenção de um lugar de membro
permanente no CSNU. Esse é o desiderato-chave, porque o Brasil
compreendeu - e bem! - que a fixação de um lugar institucional à escala
global será a prateleira inamovível em que assentará toda a estratégia
para alimentar a sua ambição de futuro. E já esteve muito mais longe
disso...
Onde fica Portugal aqui? Portugal vê o Brasil é um parceiro
essencial para que a lusofonia, um dia, dê certo e, por essa razão,
tudo fará para o manter interessado numa CPLP que Brasília ainda não
viu muito bem como pode integrar na sua escala de interesses. Para o
Brasil, Portugal é um amigo "taken for granted" na Europa e no mundo,
porque o Brasil percebeu que Portugal já percebeu que acabará sempre
por ser "free rider" do seu próprio crescimento e da sua projecção à
escala global. Nenhuma afirmação estratégica do Brasil é hoje
conflitual com as de Portugal e, no conjunto, Portugal e Brasil
representam um jogo de sinergias com vantagens mútuas.
Sendo que, na economia, e por muito que se possa vir a progredir
(investimentos, comércio, turismo), as coisas entre Portugal e Brasil
não têm hipóteses de evoluir de forma muito mais significativa, em
especial na presente conjuntura, é a cultura - e, neste caso, a Língua
Portuguesa, sejamos realistas! - que pode vir a representar um sólido
caminho comum no futuro. Tudo o que se possa pensar para além disto,
depende de variáveis que seria imprudente projectar desde já.
Mas também isso passa, uma vez mais, pela efectiva consagração
institucional do Brasil no quadro da ONU. E essa é, também, uma das
razões pelas quais Portugal tanto tem batalhado para ajudar o seu
parceiro do outro lado do Atlântico a conseguir firmar-se. O apoio
essencial dado por Portugal à criação da Parceria Estratégica da UE com
o Brasil aí esteve para demonstrar bem onde estamos - aliás, onde
sempre estivemos, com imensa coerência de princípios e de lealdade para
com o Brasil.
Você fala-me agora da França. Ainda estou na "infância" do posto em Paris, pelo que não posso ir muito longe.
A França é hoje, talvez mesmo muito mais do que há uns tempos, um
eixo fundamental do futuro do processo europeu. Isso terá sido
percebido pelo Presidente Sarkozy, que acabou por ser protagonista de
uma Presidência da UE com grande dinamismo e bastante eficácia. Num
mundo que "está à espera" da nova América, a França deixou já claro o
seu interesse em romper com um certo imobilismo passado, em especial na
importante questão da segurança e defesa, com a vontade de integrar
militarmente a NATO - um passo que pode, com surpresa para alguns,
auxiliar a um reforço da dimensão "segurança & defesa" europeia...
Por outro lado, Paris pode ser vital para o trabalho, que também é
essencial, de se conseguir o restabelecimento de uma relação de uma
maior estabilidade com a Rússia, o que implica, simultaneamente, uma
tarefa complexa junto de outros novos parceiros europeus, que têm com
Moscovo uma relação mais fria e distante. França e Alemanha, porque o
percurso do Reino Unido é mais incerto, podem ter um papel essencial
neste descrispar de tensões com um vizinho decisivo para o futuro do
continente.
Mas os desafios europeus não passam apenas por estas dimensões
estratégicas de grande dimensão, situam-se noutras vertentes mais
humanas e culturais, na gestão das quais a França, por um conjunto
muito variado de razões, tem uma palavra muito própria a dizer.
Refiro-me às políticas relativas à livre circulação, à imigração, ao
tratamento das minorias, à luta contra a xenofobia e a intolerância.
Sem uma França muito activa (e positiva) nestes domínios - onde quase
sempre foi um farol, quando outros estaviram bem longe - a Europa dos
povos não irá longe. Este é um dos maiores testes que a França do
presidente Sarkozy tem perante si própria. E, sejamos claros: se a
França não estiver no eixo de uma abordagem generosa e progressista
neste domínio, confesso que temo pela capacidade do resto da Europa de
garantir esse percurso.
É nesta "Europa ética" que acho que Portugal, como porto tradicional
de muitos povos e de muitas gentes, tem a obrigação histórica de
afirmar uma política de forte adesão aos princípios de defesa das
liberdades e da tolerância, sem quaisquer tibiezas. E espero,
sinceramente, que seja possível encontrarmo-nos com a França em todos
estes caminhos da defesa da civilização europeia, lutando contra os que
se possam sentir tentados a desviar-se dessa leitura aberta da Europa,
a única pela qual, verdadeiramente, vale a pena lutar.
Neste campo, porém, a crise que aí está pode ter, na Europa em
geral, o efeito colateral de potenciar os egoísmos, de estimular os
populismos, de afectar, por um proteccionismo pateta e de vistas
curtas, os equilíbrios de um mercado interno que deu muito trabalho
construir, e onde assenta a base material de todo o projecto europeu.
Esse é um projecto de solidariedades cruzadas e de
vantagens/desvantagens que compete aos dirigentes políticos explicarem
às suas opiniões públicas, não devendo, como frequentemente acontece,
tornar Bruxelas o bode espiatório das suas fragilidades políticas
internas.
Tenho esperança de vir a assistir, aqui em Paris, a uns anos de
reconstrução de uma sólida política europeia, em que Portugal se possa
encontrar regularmente com a França no cultivo e na promoção de uma
Europa de valores.
3. Que avaliação faz da integração dos emigrantes portugueses em
França? Foi reconhecido, nomeadamente pelo actual Presidente Sarkozy, o
potencial de influência política (leia-se votos) da comunidade
portuguesa em França - quais as possíveis consequências desta realidade
nas relações entre Portugal e França?
Ainda não tenho dados que me permitam ter certezas sobre o potencial
daquela que é a 3ª geração portuguesa em França. Tenho feito alguns
contactos, mas só daqui a algumas semanas poderei formar uma opinião
mais concreta sobre o que existe, o que já foi feito e, eventualmente,
sobre o que se possa vir a fazer ainda melhor.
Uma certeza tenho para mim como muito clara: a política externa
portuguesa para a Comunidade portuguesa e luso-descendente em França
tem de se assumir com uma forte matriz cultural e de visão estratégica.
Não pode ser tentada a três coisas: a um seguidismo acrítico face aos
padrões de organização de certas estruturas de enquadramento da
Comunidade, o que, no passado, muito contribuiu para congelar a
evolução do respectivo paradigma sócio-cultural; a qualquer tipo de
instrumentalização política, qualquer que seja a lateralização
ideológicas para que aponte; e, finalmente, à criação e alimentação de
quaisquer desproporcionadas ilusões sobre o futuro papel relativo da
Comunidade emigradas ou luso-descendente na sociedade portuguesa,
nomeadamente no domínio económico. Deixo isto muito claro, para que não
haja ilusões sobre o que vou ou não fazer.
Portugal deve imenso às suas Comunidades no exterior e, por isso,
deve-lhes, desde logo, políticas de verdade, respeito pelos seus
interesses e muita atenção aos seus problemas. Como em qualquer
política, temos de ouvir os utentes e desenhar as soluções à luz da
interpretação racional dos seus anseios.
E é isso que, em França, vou procurar fazer com a Comunidade, bem
como com as novas gerações de luso-descendentes, trabalhando com eestas
últimas na justa medida do seu interesse em terem as estruturas
oficais portuguesas a agir a seu lado, não tencionando ser
"patronizing" e dirigista, enquadrador ou intromissor numa realidade
que é, antes de tudo, francesa e deles. Faremos com essas pessoas,
nomeadamente com os luso-descendentes com responsabilidades políticas a
vários domínios, nem mais nem menos do que observarmos ser a sua
vontade. Não pretendo projectar nenhuma tutela, nem servir de "farol".
Quero que isto fique claro.
Esse é, aliás, o melhor caminho para preservar a estabilidade, e até
um novo vigor, se tal vier a ser viável, do excelente quadro das
relações que se vivem entre Portugal e França.
4. Foi um Secretário de Estado dos Assuntos Europeus que marcou o lugar, pela conjugação de capacidade política com competência diplomática. Gostou da sua passagem pela política? Pondera nova incursão?
Cada coisa tem o seu tempo. Saí do Governo há cerca de 8 anos e já
tive oportunidade de provar que não estou interessado em regressar à
vida política. Hoje, a diplomacia é a minha vida, a 100%. E sê-lo-á até
à minha saída da carreira, pelos imperativos da lei.
A minha passagem pela política foi um tempo muito interessante, de
que me não arrependo, até porque tive o privilégio de trabalhar com
imensa liberdade. António Guterres e Jaime Gama estimularam essa
autonomia, sempre exercida no quadro das orientações gerais que
estabeleciam. Foi um período ímpar, em que atravessei vários momentos
importantes da vida europeia. Hoje, à distância, entendo que acabei por
estar tempo demais no Governo, o que prejudicou a minha carreira
profissional. Particularmente para quem, como eu, teve sempre - mas
sempre! - como objectivo bem claro regressar à diplomacia.
Mas há uma coisa que quero que fique muito claro, até porque há
muita gente que não pensa o mesmo: enquanto estive na política não fui
um diplomata "em comissão de serviço". Fiz apenas política. Da mesma
maneira que, agora, só exerço funções diplomáticas. Como disse: cada
coisa no seu tempo, sem misturas. E sempre a 100%...
5. Também foi sindicalista-diplomata. Quais são as questões da
agenda sindical-diplomática que mais o preocupam? Que sugestões daria à
ASDP?
Não posso dizer que tivesse tido uma acção sindical destacada dentro
do MNE. Fui apenas vice-presidente da direcção da ASDP, por um curto
período. Mas ainda me recordo de ter sido o autor dos estatutos do
Prémio Aristides de Sousa Mendes, que alguns colegas queriam que viesse
a ter um nome rotativo, diferente todos os anos. Ameacei demitir-me,
se isso acontecesse. É que posso imaginar o que se pretendia e o que
iria sair dali!
A minha vida sindical acabou de forma inesperada: estava a meio de
uma reunião de direcção da ASDP, quando recebi o convite para integrar o
Governo... Num minuto, passei para o "patronato"!
Já agora, aproveito para lembrar que, aí por 1978, quando se criou a
primeira estrutura associativa dos diplomatas, mobilizei vários jovens
colegas com vista a evitar que a integrassem, pelo facto dos seus
proponentes não quererem então qualificá-la como "sindical". Não me
apetecia fazer parte de uma espécie de "clube" diplomático,
envergonhado em assumir-se como reivindicativo. E não fiz parte dessa
associação até ao dia em que ela se assumiu como uma estrutura
sindical.
Tendo integrado três grupos de trabalho que prepararam e discutiram
com o poder político projectos de Estatuto do Diplomata, assumo que a
experiência me veio a ensinar que cometemos alguns erros, naquilo que
era a suposta defesa dos interesses da carreira.
Em muitos casos, acabámos por criar "coletes de força" que protegem
hoje os maus funcionários, aqueles que exploram, à letra, a panóplia de
pequenos direitos que hoje enredam o quotidiano administrativo, com
recursos e mais recursos, os quais, muitas das vezes, acabam por
defender os medíocres e os incompetentes e criar obstáculos à
progressão dos mais capazes e dedicados. É sempre preciso prevenir o
arbítrio e a discricionariedade dos dirigentes, mas o sistema que hoje
existe é mau, pouco transparente e está, mais do que nunca, a criar um
caos no funcionamento da carreira.
O anterior Secretário-Geral teve a coragem de tentar mudar as
coisas e estou certo que o actual Secretário-Geral está empenhado, com o
pleno apoio de muitos de nós, em dar sequência e desenvolvimento ao
produto desse excelente trabalho. O reforço do papel do
Secretário-Geral, como figura central da gestão da carreira, é, a meu
ver, a única solução com algumas condições de poder "dar a volta" à
casa. Mas esse poder do SG tem de estender-se a todas as áreas do MNE e
não pode haver feudos sectoriais a escaparem a esse controlo. Um
estatuto e uma lei orgânica do MNE têm de cobrir todas as suas áreas.
Alguma delas ficar de fora representará uma óbvia fragilidade para todo
o sistema.
Quanto à carreira, devo confessar que hoje tenho a tendência a
privilegiar o interesse do Estado face ao interesse individual do
funcionário. Em especial, é-me completamente incompreensível que a
vontade de cada um, em matéria de escolha de postos, se possa sobrepor
ao interesse do Ministério em ter os funcionários que considera mais
adequado em cada posto. Com as necessárias compensações de rotatividade
bem expressas na lei e na prática, bem entendido. Penso que, se as
coisas acabassem por ir por esse caminho no plano legal, o Ministério
prestigiar-se-ia muito mais e todos acabaríamos por ganhar. Minto: não
ganhariam os incompetentes, os absentistas, os "calaceiros" e todos
quantos hoje se aproveitam do encosto às franjas da lei, do facto de
fazerem parte do "grupo dos amigos de X", para sobreviverem em
sinecuras, mais ou menos protegidas.
Penso que a ASDP deveria centrar a sua luta na defesa das questões
mais especificas da carreira: os seguros de saúde, os problemas
escolares, as questões dos cônjuges, o problema dos reformados, etc.
Deveria preocupar-se também com a formação contínua, com o rigor nas
avaliações, com uma maior selectividade e rigor nas promoções, em
tentar pôr termo às subidas de categoria "por piedade", em colocar em
causa a obrigatoriedade legal de saída para o estrangeiro de pessoal
impreparado, em permitir uma maior flexibilidade ao Secretário-Geral
para a gestão de pessoal, facilitar a introdução de meios para
interromper comissões no estrangeiro de quem, manifestamente,
representa mal o país.
A ASDP ganharia igualmente credibilidade se se mostrasse exigente na
fiscalização severa do modo como são gastas as representações no
estrangeiro, de como é tratado o absentismo e se sobrecarregam os
colegas que têm de assegurar substituições, do modo como (não) se
trabalha em certas áreas da Secretaria de Estado e em muitos postos.
Defender a carreira é, desde logo, defender quem trabalha bem, quem é
dedicado ao serviço público, quem se esforça. Confesso que quase 35
anos de carreira me cansaram, definitivamente, dos colegas do estilo
"from-nine-to-five", que cada dia parece serem mais, que não estão
disponíveis para ir a um aeroporto a um fim-de-semana, que acham certas
tarefas abaixo dos seus pergaminhos, que não lêem um livro ou um
jornal, que vivem na ostentação e na preocupação de alimentar o
usufruto dos sinais exteriores da carreira, que se deslumbram como
patetas com o acesso social que a condição diplomática lhes concede,
que abusam de forma saloia das imunidades diplomáticas, que acumulam
multas de tráfego, etc.
A sensação que tenho é que a nossa estrutura sindical se encontra
hoje refém de uma agenda algo burocrática, a qual se converte, sem que
tal seja assumido abertamente, numa triste luta de classes etárias,
angustiada a mais nova pelos estrangulamentos da carreira, menos por
razões de uma procurada eficácia funcional e mais por interesses
corporativos e pessoais de curto prazo, como se a ascensão ao topo
fosse um direito divino. Com todo o respeito e amizade que tenho por
muitos que hoje se dedicam, com empenhamento, à ADSP, entendo que mais
do que assumir uma agenda seguiduista, de cumulação de interesses
corporativos, deveria ser assumida uma agenda reformista e radical,
rumo à modernização da carreira e ao saneamento dos seus vícios. É por
aqui que passa a preservação do nosso prestígio enquanto corpo
profissional.
Entrevista concedida ao boletim informático da ASDP, conduzida por Francisco Alegre Duarte
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