Posso imaginar que o debate em curso na França, sobre o regresso do país à estrutura militar da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte), possa não suscitar muita curiosidade em sectores portugueses. Mas a questão é mais importante do que vulgarmente se supõe.
A OTAN é uma organização de defesa colectiva criada há 50 anos, entre 12 países europeus e americanos, num momento de elevada tensão política com o bloco liderado pela União Soviética. Portugal e França estiveram entre os primeiros países subscritores dessa Aliança Atlântica, que hoje envolve já muitos mais Estados.
Em 1966, interessado em marcar a sua autonomia perante o confronto político que se travava entre os Estados Unidos e a União Soviética, o General De Gaulle decidiu retirar a França da estrutura militar da OTAN, embora mantendo-se em pleno nos seus órgãos políticos. Além disso, a França afirmou expressamente a autonomia da potencial utilização do seu novo poder nuclear. Embora sem nunca se assumir como uma espécie de “terceira força” no debate Leste-Oeste, que caracterizou a chamada Guerra Fria entre os dois blocos, a França passou a ser vista como uma voz independente, o que a não impediu de alinhar, ao lado dos seus aliados do mundo ocidental, em todos os momentos de grande tensão em que estes agiram colectivamente.
Há 20 anos, porém, o mundo mudou. A União Soviética dividiu-se em 12 países, o muro de Berlim desapareceu, as chamadas “democracias populares” do Centro e Leste europeu passaram a adoptar o modelo democrático tradicional, entrando mesmo para a própria OTAN e para a União Europeia. Dentro desta, renasceu com força crescente a ideia de criar uma entidade militar própria, que pudesse ser o “braço armado” da União, sem que, por essa razão, se tivesse de criar necessariamente uma espécie de estrutura paralela à OTAN.
Por outro lado, com o abalo provocado pelos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, com a emergência em força, por todo o mundo, da onda terrorista e de alguns novos ou renovados desafios à segurança colectiva, que provaram a necessitade de descobrir respostas muito diferentes das que eram requeridas ao tempo da Guerra Fria, a OTAN adaptou-se, deixou de ter como objectivo actuar apenas na área euro-americana, passando a estar presente em operações militares, sempre determinadas pelas Nações Unidas, em outras zonas do cenário estratégico mundial onde os seus interesses estivessem em causa.
Em todo esse novo tempo da segurança global, a França esteve sempre presente, solidária com os seus aliados, comprometendo as suas tropas e partilhando os mesmos objectivos.
Ao decidir fazer regressar a França à estrutura militar da OTAN, o Presidente Sarkozy como que deu o último passo de uma integração que, na prática, vinha já a fazer-se há vários anos. Agora com uma vantagem acrescida para a França: passa a chefiar algumas áreas da organização e a colaborar activamente no seu planeamento estratégico, mantendo autónoma, contudo, a potencial utilização do seu arsenal nuclear.
Portugal vê este regresso pleno da França à OTAN com grande simpatia. A França e a voz da França fazem muita falta à OTAN, porque Paris partilha connosco princípios e sensibilidades, nomeadamente em relação a áreas geográficas (Mediterrâneo e África) que são próximas dos nossos interesses comuns. Alguns sectores franceses podem sentir que, ao reverter formalmente a “excepcionalidade” criada pelo Presidente De Gaule, em 1966, a França mudou de rumo. Para os seus amigos e aliados, a França está onde sempre esteve, só que, desta vez, com uma presença política mais forte e mais visível. E isso é uma boa notícia para nós.
Texto publicado no LusoJornal em Março de 2009
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