2 de janeiro de 2004

Côte d'Azur

Que se há-de fazer !? Eu gosto da “Côte d’Azur” no inverno e o inverno não costuma ser fácil no sul de França. Sob trovoadas, quando chuvas e ventanias fortes batem a costa, que esfrangalham estruturas mais frágeis, rompem estradas antes pacíficas e desequilibram a rotina. Por exemplo, a “Promenade des Anglais” abandona os seus dias gloriosos do sol estival, o lugar de exibicionismo habitual nos tempos serenos, para se tornar num local agreste, desabrigado e frequentemente inóspito.

Mas eu, confesso, gosto muito de Nice, mesmo no inverno. Ou melhor, ainda gosto mais desse tempo desafiante, de lutar contra a fúria dos elementos que pretendem derrubar-nos, da vontade afirmada de nos mantermos de pé, sob a borrasca forte, não temendo o vento, dando a cara à água, enfrentando o frio. Verdade seja que não somos muitos os que ainda nos aventuramos pelos passeios de Nice, nestes dias de inverno. Mas, que diabo!, orgulhamo-nos de ser os que têm a coragem de enfrentar essa espécie de luta desigual. E de gostar dela.

Há, porém, quem, em tempos de borrasca, e também sendo obrigado a andar por Nice, prefira abrigar-se nos lugares onde a maioria se recolhe, no conforto do grupo, fugindo a apanhar um resfriado. E, quando têm de sair dessa comodidade instalada, porque obrigados pela debandada colectiva a atravessar a rua, espiam antes para ver de onde sopra o vento e só então arrancam, cuidadosos, num passo hesitante, quase sempre sob um guarda-chuva alheio, por entre as pingas da chuva, num zig-zag de prudência, encostados às colunas e aos beirais, evitando as poças de água, escapados à ventania de frente. O seu objectivo íntimo é saírem de Nice sem se molhar, passar ao lado do vento sem desarranjar o cabelo, chegar ao destino como se nada se tivesse passado, ou melhor, suspirando de alívio por tudo já ter passado. A experiência mostra que alguns preferem sair de Nice porque sim, outros podem lá ficar se isso lhes não for demasiado custoso e, finalmente, a outros tanto se lhes dá, desde que os não incomodem demasiado ou os não obriguem a escolher destino.

As férias de inverno têm estes riscos. A Europa é um continente marcado pela imprevisibilidade do clima, oscilando entre a borrasca e a bonança. Saber passear pelo continente nestes tempos é uma arte que se aprende, que se estuda, que resulta do modo como soubermos ir enfrentando as cidades e os seus desafios. E cada uma é um caso. Há – imaginem ! – quem prefira Bruxelas, quem adore a modorra fria da “Rue de la Loi”, não se aventurando pelas vias paralelas, menos na moda mas com mais graça. São geralmente gente com uma constituição que o tempo prova débil, pouco dada a enfrentar as ventanias da vida, onde se enrijesse e nos tornamos mais maduros. Enfim, são gostos.

Mas, como disse, eu prefiro Nice, mesmo no inverno. E os meus leitores, se conhecessem melhor Nice, mesmo no inverno, estou certo que também prefeririam.

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